Embargos de Executado 4200/21.1T8ALM-A do Juízo de Execução de Almada – Juiz 3
Sumário:
I – Se o exequente ao liquidar a dívida exequenda diz que o capital e os outros valores estão em dívida desde 2014 e não refere pagamentos posteriores e se, depois, se alegam e provam pagamentos posteriores (em 2017, 2019 e 2020) que o exequente nem sequer impugna e não diz ter considerado já no cálculo da dívida, não é possível concluir que esses pagamentos já tinham sido considerados no cálculo da dívida exequenda.
II – O prazo de 5 anos do art. 310/-e do CC conta-se desde o dia em que o credor podia, com base no incumprimento, interpelar os credores para o vencimento antecipado da dívida ou resolver o contrato (artigo 306/1 do CC) e não da data, 7 ou mais anos depois, em que ele resolve exigir o cumprimento das prestações em dívida, nem da data em que as prestações se venceriam de acordo com o respectivo plano de pagamento; há um entendimento contrário a este, no sentido de que isto não é assim quando não tenha havido um vencimento antecipado das prestações; no caso dos autos, qualquer destes entendimentos leva à improcedência do recurso.
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:
No dia 29/06/2021, a CE requereu uma execução contra AP para obter o pagamento de 44.448,01€, com base numa escritura de empréstimo feito a 2009 e aditado em 26/07/2013 à executada e a terceiro, entretanto declarado insolvente, que a exequente diz que deixaram de ser cumpridas a partir de 26/07/2014.
Decompõe o valor dito em divida em 22.820,71€ de capital, 16.024,05€ de juros vencidos, 5603,25€ de cláusula penal calculada desde 26/07/2014 e 831,82€ a título de imposto de selo.
A executada deduziu embargos, invocando a prescrição: diz que, por força dos dois aditamentos que o contrato teve e que foram juntos pela exequente (embora o de 2012 não referido por esta), a dívida devia ter sido cumprida em 33 prestações mensais, constantes e sucessivas, compostas por capital e juros, no valor, segundo ela, de 453,47€, vencendo-se a primeira em 26/07/2014 e a última em 26/04/2017; considerando que ela, executada, entrou em incumprimento em 26/07/2014, e foi citada para a execução no dia 17/11/2021 (data da interrupção da prescrição), resulta que a exequente nada fez durante 7 anos; como o prazo de prescrição é de 5 anos, por força do artigo 310/-e do Código Civil (invoca para o efeito jurisprudência reiterada no mesmo sentido), as prestações vencidas entre 26/07/2014 e 26/10/2016, encontram-se prescritas.
Em consequência, a executada apenas estaria em dívida de (i) 2.720,82€, correspondente a capital e juros remuneratórios, referente às prestações que se venceram entre 26/11/2016 e 26/04/2017; (ii) quanto à cláusula penal, de 3%, ela apenas poderá ser calculada sobre o valor de cada uma das prestações em dívida e desde a data da respectiva mora, perfazendo assim o valor de 353,29€; (iii) relativamente ao imposto selo, não é devido, nem se alcança de que forma, ou em que termos foi calculado.
E invoca também o pagamento da dívida, pois que no âmbito da insolvência do outro titular do contrato de mútuo, a exequente recebeu as seguintes quantias durante o período de cessão de rendimentos do referido insolvente: (i) 1.343,77€ em 18/09/2017; (ii) 3.178,12€ em 30/07/2019 e (iii) 1.4646,49€ em 22/07/2020, perfazendo o total de 5.986,38€, mais que o valor alegadamente em dívida.
Conclui no sentido da procedência dos embargos com a extinção da execução.
A exequente contestou.
Por um lado veio alegar que em face da ausência de pagamentos das prestações acordadas, a executada foi interpelada em 07/5/2021 por carta registada enviada para a morada contratual (já que outra não foi comunicada) para proceder ao pagamento dos montantes em divida)
e, como ela não o fez, em 08/06/2021, a exequente procedeu à resolução do contrato, nos termos da cláusula 11ª das cláusulas gerais do contrato, e do artigo 781 do Código Civil.
Por outro, e com base nesta resolução, veio impugnar a matéria de excepção da prescrição, uma vez que, segundo ela, “com a resolução do contrato, deixam os mutuários/garantes de ser devedores de cada uma das prestações vencidas, como amortizações de capital e juros, [passando a ser devedores] do montante total que corresponde à soma de todas as prestações – vencidas e vincendas, juros, encargos legais e convencionais.” Invoca neste sentido alguma jurisprudência.
Por fim, impugna (i) a utilização da data de citação efectiva da executada, pois que devia ser utilizada a data que decorre do art. 323/2 do CC, ou seja, 5 dias depois da data do requerimento executivo, pelo que a prescrição se teria interrompido a 05/07/2021; (ii) o cálculo da cláusula penal feito pela executada, pois que nos termos da cláusula 8 do contrato em caso de incumprimento seria devida uma indemnização, com a natureza de cláusula penal (sobretaxa) de 4% (actualmente 3%), calculada sobre o capital em dívida desde a data de constituição em mora, pelo que a cláusula penal teria de ser calculada sobre capital em dívida desde a data de constituição em mora; (iii) quanto ao imposto de selo, diz que é uma tributação cobrada pelo Estado que se enquadra na categoria dos impostos sobre o consumo e aplica-se a todos os actos que não estejam sujeitos a imposto sobre o valor acrescentado (IVA); ora, prescreve o artigo 1.º/1 do Código do Imposto de Selo, aprovado pelo DL 287/2003 que “O imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.” E o artigo 120-A/b da Tabela Geral do IS, diz que este incide sobre os juros das operações bancárias, constituindo encargos dos clientes beneficiários da operação. (…). Assim, o imposto de selo acresce por imposição legal ao crédito de juros, o qual é cobrado pelas instituições bancárias e entregue nos cofres do Estado, constituindo encargo dos clientes em benefício dos quais se efectua a operação.
A 30/05/2022 foi proferido no despacho saneador decisão julgando os embargos parcialmente procedentes, e, em consequência:
a) Julgando prescritas as prestações de reembolso do empréstimo em causa vencidas entre 26/07/2014 até ao dia 05/07/2016 e os juros de mora vencidos até ao dia 05/07/2016, extinguindo a execução quanto a tais valores;
b) Julgando não prescritas as prestações de reembolso vencidas entre o dia 05/07/2016 e o dia 26/04/2017 e os juros de mora vencidos desde o dia 05/07/2016 até integral pagamento, a calcular sobre o vencimento de cada uma destas prestações,
c) Determinando que os pagamentos feitos por conta da quantia exequenda a 18/09/2017 (1.343,77€), a 30/07/2019 (3.178,12€), e a 22/07/2020 (1.464,49€) sejam, em cada uma daquelas datas, deduzidos, primeiro, aos valores do imposto de selo, segundo, à indemnização a título de cláusula penal, terceiro, aos juros de mora e, quarto, aos capitais em dívida nessas datas (com exclusão dos capitais prescritos); [alterou-se a primeira data, de 2018 para 2017, por 2018 ser lapso, como decorre do que se diz abaixo – TLR]
d) Determinando que, no 15 dias posteriores à notificação desta sentença (independentemente da data do trânsito), a exequente proceda à liquidação (do capital – prestações – em dívida, dos juros de mora, da cláusula penal e do imposto de selo) e à dedução declarada anteriormente (em c)), a fim de concluir pela existência de montante por pagar (ou não) e por que prosseguirá a instância executiva.
A exequente veio recorrer deste saneador-sentença, para que seja revogado, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, na parte útil:
F. Os pagamentos no âmbito do processo do segundo mutuário foram efectivamente recepcionados pela exequente, todavia, esses valores foram imputados/abatidos ao valor em divida, nas datas em que foram efectuados, conforme movimento de extractos bancários (vide a prova documental junta aos autos principais).
G. Diga-se, ainda, que é estranho para a exequente que a executada utilize de forma imponderada o argumento de que os referidos valores, não foram imputados ao valor total em divida, quando, a executada foi devidamente informada do abatimento/imputação desses valores, através dos extractos de movimentos bancários a que a mesma tinha acesso.
H. Não faz sentido que a exequente, vítima de incumprimento por parte da executada fosse penalizada, com uma dupla imputação dos referidos pagamentos.
[…]
J. O contrato individual de crédito veio a ser incumprido e por esse motivo a exequente interpelou os executados resolvendo o contrato a 08/06/2021, que não colocaram em causa a sua situação de devedores, convertendo a mora em incumprimento definitivo.
K. A carta de resolução do contrato determina que não são as prestações vincendas da obrigação resolvida que se vencem, mas sim a obrigação de restituir o valor no seu todo.
L. Assim, o plano de pagamento dos contratos de empréstimo em prestações mensais e sucessivas acordado deixou de estar em vigor, ocorrendo uma perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações, cessando o plano de amortização da dívida inicialmente acordado, e tendo os valores em dívida voltado a assumir a sua natureza original de capital e de juros.
M. Sendo certo que estamos perante uma única obrigação, isto é, a de pagamento junto do exequente do capital em dívida decorrente do contrato de empréstimo resolvido, o qual não poderá estar sujeito ao prazo prescricional de 5 anos.
N. Pelo que, cumpre dizer que, com a resolução do contrato, deixam os mutuários/garantes de ser devedores de cada uma das prestações vencidas, como amortizações de capital e juros, mas sim do montante total que corresponde à soma de todas as prestações – vencidas e vincendas, juros, encargos legais e convencionais.
O./R. O crédito que a exequente veio exigir não é relativo a qualquer quota de amortização ou a quaisquer outras prestações periodicamente renováveis, mas apenas e só o capital em dívida e os juros de mora a ele associados, decorrente do vencimento das prestações por força do disposto no artigo 781 do Código Civil, não sendo por isso enquadrável esta obrigação na al. e) do artigo 310.º do CC, pelo que, não se entende a decisão proferida pelo tribunal a quo, ao desconsiderar, totalmente, esta afirmação.
P./Q. Veja-se, nesta senda, o acórdão do TRC de 26/04/2016, proc. 525/14.0TBMGR-A.C1, e o ac. do TRL de 19/01/2021.
S. Assim, é forçoso concluir, que mal andou o tribunal ao julgar que se encontram prescritas as prestações de reembolso do empréstimo em causa vencidas entre 26/07/2014 até ao dia 05/07/2016 e os juros de mora vencidos até ao dia 05/07/2016, bem como os valores referentes a esse lapso de tempo quanto à cláusula penal e ao imposto de selo, extinguindo a execução quanto a tais valores.
T. Ademais, andou, igualmente, mal o tribunal ao decidir que a exequente deve imputar/abater duplamente ao valor em divida os pagamentos efectuados no âmbito do processo de insolvência do co- devedor.
A executada não contra-alegou.
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Questões que importa decidir: se os pagamentos que se provaram já tinham sido considerados na dívida exequenda e se a parte da dívida que o saneador sentença disse estar prescrita afinal não está prescrita.
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Foram dados como provados os seguintes factos:
1. No dia 26/03/2009, a exequente, a executada e o um terceiro (entretanto declarado insolvente), celebraram um contrato de Crédito Individual M, pelo qual a primeira concedeu aos segundos o empréstimo de 31.778,85€, que os segundos se obrigaram a reembolsar à primeira em 96 prestações, alteradas por aditamento de 26/07/2013 para 33 prestações mensais, sucessivas e constantes, com vencimento a partir de 26/07/2014.
2. As partes acordaram que, em caso de incumprimento e de a exequente recorrer a juízo para recuperar os seus créditos, além dos juros remuneratórios, seria devida uma indemnização, com a natureza de cláusula penal (sobretaxa) de 4% (actualmente 3%), calculada sobre o capital em dívida desde a data de constituição em mora.
3. A partir de 26/07/2014, as prestações do empréstimo deixaram de ser pagas.
4. No processo de insolvência, a CE recebeu [do outro co-devedor], por conta da dívida emergente do empréstimo, as seguintes quantias:
– a 18/09/2017 – 1.343,77€;
– a 30/07/2019 – 3.178,12€;
– a 22/07/2020 – 1.464,49€.
[a data de 18/09/2018, que constava acima, era lapso evidente, já que o documento invocado para prova, pelo tribunal recorrido, refere, tal como a exequente e a executada aceitam, a data de 18/09/2017 – TRL]
5. No dia 07/05/2021, a exequente enviou carta à executada, para a morada constante do contrato e devolvida por motivo desconhecido, a informar ter resolvido o contrato [ou melhor, que o contrato tinha sido resolvido – TRL] por motivo de insolvência e a interpelá-la ao pagamento do montante global em dívida de 44.172,17€.
6. No dia 08/06/2021, a CE enviou carta à executada, para a morada constante do contrato e devolvida por motivo desconhecido, a declarar resolver o contrato por não ter sido pago o montante referido em 5.
7. No dia 29/06/2021, a CE propôs acção executiva (apensa a estes embargos).
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Apreciando:
Quanto à consideração dos pagamentos provados
Na contestação – de que foi feito uma melhor síntese, neste recurso, para se poder comprovar o que se segue – a exequente não dizia nada quanto à consideração dos pagamentos excepcionados pela executada nos embargos, pagamentos de que a exequente não falava no requerimento executivo.
Nos factos provados não consta nenhum que permita dizer que os pagamentos que ficaram provados já tinham sido considerados nos valores em dívida.
A exequente não disse impugnar a decisão da matéria de facto e a referência genérica que faz à prova documental junta aos autos, não observa o disposto no art. 640/2-b do CPC.
Mas, pior, não há, antes do saneador-sentença qualquer documento relativo à consideração dos pagamentos, pois que a exequente nem sequer, como se disse, alegava fosse o que fosse quanto a eles. Ora, as decisões baseiam-se na prova produzida até à data em que elas são proferidas, não na prova produzida depois delas.
Posto isto, é certo que, dos embargos, depois do saneador-sentença, consta, por força do desenvolvimento imposto pela parte (d) da decisão (que foi transcrita acima para poder ser considerada agora nesta argumentação de forma compreensível), um articulado com prova documental. Mas essa prova não consta, já se disse, da prova tida em conta pelo saneador-sentença, nem a exequente a tenta juntar ao recurso com o requerimento adequado (art. 651 do CPC). Ou seja, trata-se de um documento que, para o recurso, não existe.
Ora, se os pagamentos, como matéria de excepção, tinham de ser alegados e provados – como foram – pela executada (art. 342/2 do CC) para poderem ser tomadas em consideração, já os factos que permitiriam a conclusão de que esses pagamentos foram considerados pela exequente no cálculo da dívida exequenda, teriam que ter sido alegados e provados por ela, já que nada tinha dito sobre eles no requerimento executivo ao fazer a liquidação da dívida exequenda, nem os impugnou quando eles foram invocados, nem então excepcionou a sua consideração.
Dito de outra forma e em síntese: se a exequente ao liquidar a dívida exequenda diz que o capital e os outros valores estão em dívida desde 2014 e não refere pagamentos posteriores e se, depois, se alegam e provam pagamentos posteriores (em 2017, 2019 e 2020) que ela nem sequer impugna e não diz ter considerado já no cálculo da dívida, é evidente que não havia razão para que o saneador-sentença pudesse dar como provado que esses pagamentos já tinham sido considerados na liquidação da obrigação exequenda.
E tudo isto resulta claro do saneador-sentença que não deixa dúvidas em considerar que os pagamentos não foram considerados pela exequente, pois que manda fazer a imputação depois da sentença.
Pelo que, a exequente, só através do recurso, com impugnação da decisão da matéria de facto, é que poderia fazer reverter o que consta do saneador sentença quanto à não consideração, pela exequente, dos pagamentos provados pela executada.
Se disto tudo decorre algum prejuízo para a exequente, esta só dela própria se pode queixar.
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Quanto à questão da prescrição:
Se a questão se pusesse como a coloca a exequente, na conclusões O e R, isto é, se se estivesse perante um caso de vencimento antecipado, por força do art. 781 do CC, ela seria resolvida de imediato pela aplicação do AUJ 6/2022, do STJ de 30/06/2022, publicado no Diário da República n.º 184/2022, Série I de 22/09/2022, proc. 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1 que diz «I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo ‘a quo‘ na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.»
Ou seja, prazo de 5 anos e em relação a todas as quotas na data do vencimento antecipado.
Pelo que, se tivesse havido um vencimento imediato de todas as quotas – o que só teria sentido ter ocorrido antes de elas se terem vencido pelo decurso natural do tempo -, isto é, aquando ou por ocasião do incumprimento, em meados de 2014, o prazo de 5 anos teria sido atingido em meados de 2019 e como a execução só foi requerida em meados de 2021, há muito que toda a dívida estava extinta por prescrição.
Repare-se, estaria prescrita toda a dívida e não só parte dela.
As coisas, no caso dos autos, não se passaram como agora a exequente diz, mas a solução é a mesma.
Posto isto,
Diz-se que as coisas não são como a exequente diz, porque, como se vê no requerimento executivo ela nunca tinha falado em vencimento antecipado das prestações, nem nunca tinha falado em resolução do contrato, e só na contestação o fez, sem o poder fazer, porque a causa de pedir não pode ser alterada na contestação dos embargos.
Aliás, nem teria sentido que o fizesse: o vencimento imediato da dívida que tinha um prazo dilatado, ou a resolução do contrato, destinam-se a permitir ao mutuante que não espere pelo decurso do prazo para poder ter de volta o capital emprestado. Não faz, por isso, sentido resolver o contrato depois de todas as prestações se terem vencido pelo decurso do tempo, ao longo do prazo que havia para o efeito.
Mas muitos mutuantes, desde a prolação do AUJ 7/2009 do STJ, de 05/05/2009, que deixou esclarecido que “no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento de juros remuneratórios nelas incorporados”, passaram a não querer resolver o contrato, nem exigir o vencimento antecipado da dívida, de forma a não perderem os juros remuneratórios das prestações que ainda estavam por vencer (ou então fazem-no de forma dúbia, sem deixar claro o que é que estão a fazer; no caso dos autos, o mutuante na execução não refere ter resolvido o contrato, depois, na contestação vem dizer que o fez apesar de todas as prestações já estarem vencidas à data e, nos documentos, ora diz que o contrato foi resolvido por insolvência ora, em carta posterior, diz que resolve, com a carta, o contrato; dir-se-ia ser impossível uma ambiguidade maior). Preferem deixar-se inertes à espera que o incumprimento se prolongue para depois poderem cobrar do mutuário mais do dobro do que poderiam cobrar de outro modo.
Posto isto:
O que a exequente alegava no requerimento executivo não tinha nada a ver com o vencimento antecipado da dívida ou com a resolução do contrato, como se pode constatar facilmente com a leitura do relatório deste acórdão e com os factos provados.
A situação é simples: as prestações do empréstimo deviam ter sido pagas de 26/07/2014 até 26/04/2017. Não foram pagas – desde 26/07/2014 – e a exequente nunca reagiu até 2021. Em 29/06/2021 veio exigir tudo aquilo que devia ter sido pago e não o foi, com juros de mora.
Assim, na execução, a exequente estava a exigir que a executada cumprisse aquilo a que se tinha obrigado, com as consequências do atraso, isto é, com uma indemnização pela mora e cláusula penal. Ou seja, estava a exigir o cumprimento do contrato (art. 817 do CC).
A exequente perante o incumprimento das prestações, podia, em meados de 2014, ter invocado a perda do benefício do prazo, exigindo o vencimento antecipado de todas as prestações, ou podia ter resolvido o contrato (art. 781 do CC e art. 20 do DL 133/2009, de 22/06), em vez de deixar que a devedora continuasse em incumprimento e se vencessem todas as prestações ao longo dos três anos. Mas não fez nada disso até meados de 2021, quando há muito já se tinham vencido todas as prestações pelo decurso natural do prazo.
Ora, para estas situações vale a tese de que, com o incumprimento de uma prestação (art. 781 do CC), ou um incumprimento qualificado (art. 20 do DL 133/2009), o credor podia ter exigido o vencimento antecipado das prestações ou resolvido o contrato (com o mesmo efeito prático na parte que importa), pelo que a situação deve ser resolvida do mesmo modo que na situação para a qual passou a reger o AUJ 6/2022, pois que, caso contrário, se dá ao credor a opção de ficar inerte e deixar criar a situação de potencial ruína do devedor que o art. 310/-d-e do CC quis evitar (nos termos já muitas vezes explanados, por último também no AUJ 6/2022, com citação da doutrina relevante, e que aqui não se transcreve de novo para evitar repetições escusadas), só exigindo a totalidade da dívida, mais uma quantidade enorme de juros de mora e cláusulas penais, muitos anos mais tarde ou, pelo menos, muito depois do prazo de 5 anos com que a lei quer resolver o assunto.
Ou seja, o AUJ 6/2022, embora não trate expressamente desta questão, reforçou, por a situação ser análoga (ou mais grave: a situação do AUJ é para o credor que após o incumprimento invoca logo a perda do benefício do prazo mas só muitos anos depois vem exigir judicialmente o pagamento da dívida; a situação dos autos é a do credor que, embora podendo invocar logo a perda do benefício do prazo ou resolver o contrato, não o faz para não perder os juros remuneratórios por força da aplicação do AUJ 7/2009, e só muitos anos depois vem exigir judicialmente o pagamento da dívida), a solução que já lhe era dada.
Portanto, um prazo de prescrição de 5 anos, e contado desde que o credor podia ter exigido o vencimento antecipado da dívida ou a resolução do contrato (art. 306/1 do CC), ou seja, e no caso dos autos, desde 26/07/2014, ou uns meses depois tendo em conta a necessidade de adaptação ao caso do que consta das normas do art. 20 do DL 133/2022. Assim, por volta de meados de 2019 toda a dívida estava prescrita.
Neste sentido, já o acórdão deste colectivo de 07/07/2022, proc. 7227/18.7T8ALM-A.L1:
III – O prazo de prescrição de 5 anos pode contar-se desde a data do incumprimento dos contratos, alegado pela exequente e não posto em causa pelos executados, data em que a exequente podia ter interpelado os executados para o vencimento antecipado das dívidas, e não da data do vencimento programado de cada uma delas (artigos 781 e 306/1 do CC).
Assim, por exemplo, o ac. STJ de 06/07/2021, proc. 6261/19.4T8ALM-A.L1.S1, confirma o ac. do TRL que dizia na sua fundamentação:
No caso sujeito discute-se no essencial se o prazo prescricional é de 5 anos ex artigo 310/-e do CC, como pretendem os recorrentes, ou se é o prazo ordinário de 20 anos ex artigo 309.º como sustenta o banco. (…) Tratando-se de uma obrigação unitária, em que o pagamento do capital tem lugar ao mesmo tempo que o pagamento dos juros vencidos, aplica-se-lhe o prazo quinquenal de prescrição. […[] Concluímos, pois, que tendo podido o recorrido reclamar o seu crédito desde 21/06/2003 – cfr. artigo 306.º CC – o prazo quinquenal já se encontrava esgotado quando em 11/09/2019 a execução deu entrada em juízo”.
No acórdão do STJ de 18/10/2018, proc. 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1 diz-se:
“Na contagem do prazo, a regra é começar a correr a partir do momento em que o direito pode ser exercido (art. 306.º, n.º 1, do CC).
[…]
Dentro do contexto legal descrito, tendo em consideração que a execução foi proposta em 13 de maio de 2015 e que o último pagamento foi efectuado em 5 de maio de 2010, tem de se concluir pelo decurso do prazo da prescrição de cinco anos.”
Na linha do que antecede, no ac. do TRP de 15/12/2021, proc. 1895/20.7T8OVR-A.P1 diz-se:
“Dúvidas não restam de que quando a exequente intentou a execução já haviam decorrido mais de cinco anos sobre a data do início do incumprimento contratual (Julho e Novembro de 2011) e tendo decorrido o prazo de cinco anos, sem qualquer interrupção, o direito de crédito exequendo encontra-se prescrito […].”
Na mesma linha, o acórdão do TRG de 15/06/2021, proc. 90/20.0T8GMR-A.G1, diz:
“[…] sendo o prazo prescricional de 5 anos, tendo a acção executiva entrado em juízo em 08/01/2020, sendo o contrato de crédito de 28/08/2007, e tendo os executados deixado de efectuar os pagamentos a que estavam obrigados em 29/01/2011, é por demais evidente que decorreu na íntegra o prazo prescricional.”
Note-se, no entanto, que não é esta a interpretação seguida por jurisprudência posterior ao AUJ 6/2022, como se vê, por exemplo, no ac. do STJ de 28/09/2022, proc. 554/20.5T8AGH.L1.S1:
II – Ocorrendo tal interpelação apenas 6 anos após o devedor ter deixado de pagar prestações, não pode considerar-se a interpelação como efectuada na data da primeira prestação não paga (ou seja, 6 anos antes), devendo assim considerar-se que, até à data da efectiva interpelação, se manteve em vigor o plano de vencimento das prestações, correndo o prazo de prescrição, em tais 6 anos, apenas em relação às prestações que, segundo tal plano, se foram vencendo.
Ou no acórdão de 29/09/2022, proc. 971/19.3T8SRE-A.C1.S1:
“Sobre as prestações vencidas depois de Agosto de 2014, e ainda menos sobre as prestações que se venceram antecipadamente em 2019, não decorreu o prazo prescricional de cinco anos […] Quanto as estas últimas prestações, vencidas após Agosto de 2014, a solução da […] total procedência da excepção peremptória de prescrição, só poderia estar certa, se fosse de entender que, com o incumprimento das prestações, logo em 2008, haveria vencimento antecipado automático das prestações subsequentes, entendimento que não será de acolher, quer nos termos do art.º 781.º do CC, […] mas sobretudo nos próprios termos do contrato de mútuo bancário (título executivo dos autos), o qual concede à credora “o direito de considerar o empréstimo vencido (…) se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes do contrato” (cláusula 16.ª).
Mas, pelo que se disse acima, esta jurisprudência não convence: está-se a deixar entrar pela janela aquilo que se quis deitar pela porta fora: se for assim, os credores, se esperarem – ficando inertes – o vencimento de todas as prestações, deixando prolongar no tempo a situação de incumprimento e avolumar a dívida do devedor a ponto de potenciar a sua ruína, evitam a aplicação do decidido no AUJ 7/2009, conseguindo juros remuneratórios, e ainda têm o benefício de não incorrer na prescrição do art. 310/-e do CC, ao contrário do pretendido pelo decidido no AUJ 6/2022. Note-se, de qualquer modo, para evitar recaídas numa anterior corrente de jurisprudência, que o acórdão do STJ de 28/09/2022 não está a dizer que depois do vencimento antecipado ainda se mantém o plano de pagamentos das prestações, mas apenas que este plano se mantém em vigor quanto não houver vencimento antecipado.
Posto isto, chega-se ao seguinte:
Aplicando aquele que se crê ser o melhor entendimento da questão, o prazo de prescrição de 5 anos corre a partir do momento em que o credor, perante o incumprimento das prestações, podia vir exigir, de uma forma ou outra, a totalidade do valor das prestações (art. 306/1 do CC), o que, no caso dos autos em que o incumprimento ocorreu em meados de 2014, quer dizer que desde meados de 2019 todas as prestações estavam prescritas.
Mas, a seguir-se o outro entendimento, nestes casos em que não se verificou o vencimento antecipado, o prazo de prescrição de 5 anos corria para cada prestação desde a data em que elas deviam ter sido efectuadas, pelo que todas as prestações com data anterior a 05/07/2016 estavam prescritas.
Ou seja, em qualquer dos entendimentos, o recurso tinha de ser julgado improcedente, sendo que, no âmbito dele, este TRL não podia alterar a decisão em sentido favorável à executada.
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
Custas de parte pela exequente.
Lisboa, 27/10/2022
Pedro Martins
1.º Adjunto
2.º Adjunto