Processo do Juízo de Execução de Sintra – Juiz 3

              Sumário:

          Se o incumprimento da relação fundamental se verifica antes da homologação do plano de revitalização, o credor está legitimado a preencher a livrança com o valor da dívida antes da redução operada por um PER e sem esperar por uma moratória concedida à beneficiária do PER, pelo que não se verifica o preenchimento abusivo da livrança (previsto no art. 10 da LULL) accionada contra os avalistas (que não são parte naquele PER e o acordo aí obtido não lhes aproveita: artigos 406/1 do CC e 17 da LULL), nem abuso de direito (art. 334 do CC).

 

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

 

              NB-SA, intentou contra L e A execução ordinária para pagamento de 41.296,83€ e juros vincendos, com base em livrança subscrita pela P-Lda, e avalizada pelos executados.

              Os executados opuseram-se à execução, por meio de embargos de executado, alegando, em síntese, que foi aprovado e homologado, em sede de PER, um plano de revitalização da sociedade, que reduziu o crédito do NB, aí reclamado e reconhecido, para 38.583€, e estabeleceu um plano faseado de pagamentos, que está em vigor. Por isso, o NB não podia ter preenchido e executado a livrança, por ser inexigível o referido crédito, nem aposto no título um valor superior àquele que ficou estabelecido no plano de revitalização, incorrendo, ao fazê-lo, em abuso de preenchimento, o que invalida a livrança ou, pelo menos, obriga à sua redução, nos termos do artigo 292.º do Código Civil.

        O NB contestou os embargos, impugnando a pretensão dos avalistas de tirarem efeitos do plano de revitalização homologado no PER.

          No despacho saneador foi proferida decisão final, julgando os embargos improcedentes e determinando o prosseguimento da execução.

         Os executados recorrem desta sentença, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem na parte útil:

         h) Em 18/08/2020, a sociedade intentou um processo especial de revitalização, tendo apresentado de imediato uma proposta de plano de recuperação e convidado o NB a participar nas negociações tendentes à recuperação da empresa, o que este aceitou.

         i) Em 05/11/2020, ou seja, durante as negociações em que estavam a ser discutidas propostas para o pagamento do crédito do NB, este comunicou à sociedade e aos executados o vencimento antecipado do contrato de abertura de crédito.

        j) Após ter sido depositado o plano proposto de pagamento aos credores, para sua votação, o NB, em 03/02/2021, remeteu aos executados cartas registadas com aviso de recepção, onde comunicou que preencheu a livrança em branco que lhe foi entregue para garantir o contrato de crédito.

         k) Porém, as cartas vieram devolvidas, por não reclamadas, desconhecendo-se a razão.

        l) Ora, a decisão de homologação do plano de revitalização vincula o devedor e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no artigo 17.º-C/4 [do CIRE], e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal.

       m) Se vincula o devedor e o credor, versa sobre o fundamento do crédito, ou seja, sobre a relação jurídica subjacente, pelo que, dificilmente se compreende e aceita que este último possa, no caso concreto, após conhecer a proposta apresentada para o pagamento, encontrar um expediente de se furtar aos efeitos do plano de recuperação aprovado pelos demais credores.

      n) As normas inscritas nos artigos 17.º-E e 217.º do CIRE, devem ser interpretadas e aplicadas ao caso concreto, respeitando outros institutos jurídicos, como o abuso de direito, com reflexos na questão do preenchimento abusivo da livrança, na liquidez e exigibilidade do valor em cobrança.

     o) Sabemos que o NB preencheu a livrança e deu entrada da execução na sequência de ter conhecimento da proposta de pagamento que foi lhe foi apresentada, sabendo igualmente nessa data que esta tinha merecido a concordância dos demais credores.

      p)/t) No caso concreto, permitir ao NB que só preencheu e deu entrada da presente execução após conhecer a proposta de pagamento do seu crédito, será permitir-se que este se ponha em condições de não ser afectado pelas alterações acordadas, porque consegue, por via da continuidade do processo a satisfação da totalidade do seu crédito, frustrando expectativas e a confiança dos restantes interessados. Este comportamento configura um abuso de direito.

         q) Pelo que, o TRL deve intervir de forma a repor a legalidade e a justiça, determinando a extinção dos presentes autos, pela verificação, no caso concreto, do instituto do abuso de direito.

         r) Caso assim não se entenda, deve ser julgado procedente a excepção de preenchimento abusivo da livrança.

      s) Pois, no caso dos autos, à data em que preencheu a livrança, pela totalidade do crédito, o credor sabia que existiam alterações quanto ao montante do seu crédito, como tinha conhecimento da forma e prazo em que este lhe seria pago. O qual encontra-se nesta data parcialmente liquidado.

              O NB contra-alegou dizendo, em síntese:

         II – A obrigação do avalista é uma obrigação absolutamente autónoma estando, como as demais obrigações cambiárias, subordinado aos princípios de incorporação, literalidade, autonomia e abstracção, revestindo as obrigações dos avalistas um carácter totalmente autónomo relativo à obrigação subjacente estabelecida entre o credor e o devedor por força de determinado negócio jurídico.

         III – E se a extensão e o conteúdo da obrigação do avalista se afere pela do avalizado, a verdade é que esta obrigação vive e subsiste independentemente da obrigação do avalizado, mantendo-se, designadamente, ainda que seja nula a obrigação garantida – excepto se a nulidade desta provier de um vício de forma – cfr. art. 32º da LULL.

         IV- Como tal, com excepção do pagamento, os avalistas não podem opor excepções fundadas nessa relação.

         V- Não estava, assim, vedado ao NB instaurar a execução contra os avalistas e reclamar o crédito, por estes avalizado, no processo de revitalização, não sendo permitido aos avalistas opor a existência e homologação deste plano ao NB/exequente – cfr. art. 17.º-D/2 do CIRE).

         VI- O plano de recuperação contém um conjunto de medidas que se aplicam apenas à sociedade a revitalizar e aos credores – mesmo que não tenham participado das negociações – relativamente à sociedade requerente e não relativamente aos terceiros, como são os executados; a eficácia do plano de revitalização aprovado não se estende, por isso, aos garantes porque não o votaram, nem são credores do requerente da revitalização – cfr. artigo 17.º-F/11 do CIRE.

         VII- Não colhe, consequentemente, o argumento de que obsta ao seu accionamento, o facto de a sociedade subscritora se encontrar em PER.

         VIII- Acresce que a responsabilidade do avalista é solidária – e não subsidiária e meramente acessória – da responsabilidade da pessoa por eles afiançada, nos termos do disposto no art. 32.º da LULL.

         IX- Pelo que, enquanto não for pago – como efectivamente não foi – assiste ao NB o direito de exigir o pagamento da quantia exequenda dos avalistas através da instauração da competente acção executiva – cfr. artigos 519/1 do CC e 217/4 do CIRE, aplicável ex vi artigo 17.º-F/4.

         X- Sem que tal conduta possa ter-se como abusiva na medida em que se trata de um direito que legalmente lhe assiste.

              Foram dados como provados os seguintes factos:

1. Em 12/02/2020, o NB celebrou com a P-Lda, um contrato de financiamento.

2. Em garantia do cumprimento desse contrato, a sociedade subscreveu e entregou ao NB uma livrança em branco, avalizada pelos executados.

3. Em 18/08/2020, a sociedade intentou um processo especial de revitalização, que correu termos sob o n.º 0000/20.4T8SNT, no Juízo de Comércio, tendo apresentado de imediato uma proposta de plano de recuperação e convidado o NB a participar nas negociações tendentes à recuperação da empresa, o que esta aceitou.

4. Por cartas datadas de 29/10/2020, recebidas em 05/11/2020, o NB comunicou à sociedade e aos executados o seguinte:

             Assunto: Vencimento antecipado

             Referência: Contrato de abertura de crédito em conta corrente até ao montante de 40.000€ celebrado entre a sociedade (mutuária) e o NB, em 12/02/2020 – contrato 000443718256

             […] o NB vem, pela presente e nos termos da alínea (a) da cláusula 35 (vencimento antecipado) das condições gerais do contrato, declarar o vencimento antecipado das obrigações da mutuária com fundamento em mora ou incumprimento definitivo por parte do cliente.

             Mais se informa que a presente declaração de vencimento antecipado produzirá os seus efeitos 3 dias após a data acima aposta, dispondo V. Exas. de 5 dias úteis para pagar a quantia devida nesta data, no montante de capital de 39.500€ (…), a que acrescem os juros remuneratórios e de mora devidos e quaisquer despesas que o NB tenha de fazer para assegurar o pagamento do crédito em questão.

5. No processo de revitalização, o NB reclamou créditos, no montante total de 42.870,05€, emergentes do contrato referido em 1 e de um contrato de utilização de cartão de crédito, que foram reconhecidos pelo Administrador Judicial aí nomeado.

6. Em 16/02/2021, o AJ juntou aos autos do PER, designadamente, o resultado da votação do plano de recuperação, o qual foi aprovado pela maioria dos credores e homologado por sentença de 18/02/2021, transitada em 11/03/2021.

7. No ponto 8.2. desse plano, prevê-se, além do mais, o seguinte:

          NB

             – Regularização de 90% do capital e juros vencidos da dívida reclamada e reconhecida no PER, em plano prestacional de 36 prestações mensais e sucessivas. Com início 180 dias após o despacho de homologação do PER.

             – Perdão de juros vincendos.

8. O NB votou contra o plano.

9. O NB remeteu aos executados, em 03/02/2021, cartas registadas com aviso de recepção, datadas de 01/02/2021, comunicando-lhes, além do mais, o seguinte:

             Assunto: Preenchimento de livrança do contrato de crédito em conta corrente n.º 000443718256 na qualidade de avalista da sociedade.

             Vimos por este meio confirmar que o contrato acima referido, do qual V. Exa é avalista, encontra-se já em fase de contencioso. Deste modo foi o mesmo denunciado pelo que, e de acordo com as cláusulas contratuais, é agora exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato […].

             Informamos ainda que, igualmente ao abrigo do clausulado contratual, foi efectuado o preenchimento da livrança de caução, entregue para o efeito por V. Exa, com o montante de 41.282,52€. […]. O valor em dívida refere-se às seguintes parcelas vencidas: capital 39.500€; juros + imposto de selo 1.468,62€; comissões + imposto de selo 11,54€; despesas já contabilizadas no processo 95,94€; selagem da livrança 206,42€; total da livrança a pagar 41.282,52€

             […].

10. As cartas vieram devolvidas, por não reclamadas.

11. Em 01/03/2021, o NB intentou execução contra os executados para pagamento de 41.296,83€, com base na livrança, apondo-lhe previamente o valor de 41.282,52€ e data de vencimento de 26/02/2021.

                                                                 *

              A fundamentação da decisão recorrida foi, em síntese, a seguinte:

          Quanto a uma questão prévia deduzida pelos executados nos embargos, ou seja, da extinção da execução por força do disposto no artigo 17.º-E/1, do CIRE, a sentença diz que a regra invocada diz respeito às acções de cobrança instauradas contra a empresa que beneficia do PER, e não também às acções instauradas contra os co-devedores ou terceiros garantes da obrigação, pelo que não é aplicável ao caso dos autos.

               Como decorre das conclusões do recurso, os executados deixaram cair esta questão.

           Quanto ao resto, a sentença diz, por um lado, invocando suficiente doutrina e jurisprudência nesse sentido, que a “obrigação do aval comunga das características de incorporação, literalidade e abstracção que tipicamente definem as obrigações cambiárias”; com base nelas, conclui, “a generalidade da jurisprudência tem negado ao avalista a possibilidade de opor ao titular de uma letra ou livrança as alterações que o plano de insolvência ou o plano especial de revitalização da sociedade avalizada introduziram na obrigação subjacente.”

              Por outro lado, chama à colação o art. 217/4 do CIRE, que diz ser aplicável ao plano especial de revitalização ex vi artigo 17.º-F/7 e segundo o qual: “As providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os co-devedores ou os terceiros garantes da obrigação […]” e daí conclui que “as alterações introduzidas pelo plano de recuperação à obrigação do devedor, na medida em que visam apenas permitir a sua recuperação económica, não aproveitam aos co-devedores, nem aos terceiros garantes, cujas obrigações para com o credor se mantêm e com o conteúdo originalmente estipulado.” O que, segundo a sentença recorrida, reforça a argumentação baseada na autonomia da obrigação de aval em relação à obrigação do avalizado.

              “Assim, seja por força das características cambiárias da obrigação de aval, seja por força do regime consagrado no artigo 217/4 do CIRE, a maioria da jurisprudência defende que o avalista não tem o direito de opor ao titular da livrança as alterações introduzidas, no plano de recuperação, à obrigação que deu origem à subscrição da livrança, pelo avalizado (cfr., entre muitos outros, os acórdãos do TRL de 02/05/2019, proc. 839/12.4TCFUN-A.L1-6, e de 24/09/2020, proc. 5332/15.0T8ALM-A.L1-6, e ac. do TRC de 01/12/2015, proc. 808/14.0TBCVL.A.C1).

           Por fim, esclarece-se que é este o entendimento que deve ser aplicado “nas hipóteses em que, estando em causa uma livrança em branco, à data da homologação judicial do plano de recuperação o credor já a tivesse preenchido de acordo com o pacto de preenchimento.”

              E explica: “Com efeito, neste caso, a obrigação de aval já estava constituída e era efectiva, assumindo, pois, nessa data, todas as características […] próprias de uma obrigação cambiária. Por outro lado, também o correspondente direito cambiário, por parte do titular e/ou beneficiário da livrança, já existia e estava determinado no seu conteúdo imediato, pelo que, por força do disposto no artigo 17.º-F/7 do CIRE [ou melhor, no art. 217/4 para o qual aquele remeteria – TRL], ficou incólume às alterações introduzidas no plano de recuperação à obrigação fundamental.”

              Ora, diz, “no caso concreto, o plano de recuperação da sociedade que subscreveu a livrança foi homologado por sentença de 18/02/2021, transitada em 11/03/2021” e “a obrigação subjacente entrou em incumprimento muito antes dessa data, sendo certo que, por carta datada de 29/10/2020, comunicada aos executados, o NB declarou à sociedade o vencimento antecipado da dívida com fundamento em incumprimento definitivo do “contrato […]”

              E continua: “Posteriormente, o NB remeteu aos executados, na qualidade de avalistas, cartas datadas de 01/02/2021, comunicando-lhes que “foi efectuado o preenchimento da livrança de caução, (…) com o montante de 41.282,52€”, valor que se encontra a pagamento até 26/02/2021 (data de vencimento da livrança), com indicação do montante e origem das parcelas constitutivas. Ora, independentemente da eficácia de tal declaração negocial, que se tem por verificada (cfr. pontos provados 9 e 10 e artigo 224.º/2 do CC), delas decorre que o preenchimento da livrança ocorreu ainda antes da homologação judicial do plano de recuperação (18/02/2021) e, com toda a certeza, antes do trânsito em julgado da respectiva sentença homologatória (11/03/2021).

          Não tendo, os executados, alegado e provado o contrário, como lhes competia, deve, pois, concluir-se que, à data do preenchimento da livrança, a dívida da sociedade era exigível e perfazia o valor total de 41.282,52€.

          Não houve, pois, abuso de preenchimento, sendo certo que, nessa data, ainda não tinha sido homologado, por decisão judicial transitada, o plano de recuperação que reduziu a dívida e estabeleceu um plano de pagamento em prestações.”

              Apreciação

         Concorda-se com o essencial da fundamentação da decisão recorrida, com a precisão de que o que importa é que o incumprimento do contrato (ocorrido antes de 29/10/2020 como decorre da carta do facto 4) – não o preenchimento da livrança – ocorra antes da homologação do plano de revitalização (que só ocorreu, no caso, muito depois, em 18/02/2021 – facto 6). Deste acordo com a sentença exclui-se, apenas, (i) a caracterização da obrigação cambiária feita nos moldes tradicionais, (ii) a necessidade da invocação do art. 217/4 do CIRE, que aliás não será aplicável ao PER (o art. 17.ºF/7 não remete para ele, como explica Carolina Cunha), e (iii) a importância dada à data do preenchimento da livrança; estes três desacordos não têm relevo no recurso da decisão.

              Posto isto,

              Os signatários de um aval em branco assumem-se como estando num estado de sujeição ao poder potestativo de o credor portador da livrança vir a preencher a livrança, depois do vencimento e incumprimento da obrigação fundamental, com o valor que a dívida tiver na data desse incumprimento (artigos 405 do CC e 10, 30, 32/1, 75 e 77 da LULL). É este o risco que os signatários de um aval em branco estão de acordo em garantir. Pelo que o preenchimento da livrança pelo credor, nesses termos (verificado o incumprimento pelo devedor), não representa um abuso de direito (art. 334 do CC), nem um preenchimento abusivo (art. 10 da LULL).

            Se o plano de revitalização, obtido num PER, em que não são parte os avalistas, vem alterar o valor da dívida do avalizado ou conceder uma moratória à sociedade depois desse incumprimento, esse acordo já não aproveita aos avalistas, porque o valor da dívida dos avalistas já ficou fixado e eles não foram parte nesse processo nem nesse acordo (art. 406/1 do CC e 17 da LULL). Ou seja, é o princípio do res inter allios acta que explica a solução e não as características do crédito cambiário.

              Isto sem prejuízo de o credor não ter direito a receber, em duplicado, o pagamento da dívida, pelo que, o pagamento que vier a ser feito seja por quem for aproveita aos outros devedores por diminuir a dívida, não sendo eles obrigados a pagar aquilo que já estiver pago. E, para prevenir o perigo de isso se verificar, existem uma série de disposições legais, tal como existem outras para o remediar quando o pagamento duplicado, apesar disso, acontece (todas lembradas por Carolina Cunha, Aval e insolvência, Outubro 2017, Almedina, páginas 86 a 109: entre muitas outras, como prevenção: artigos 95/1, 179/1 e 128/1-d do CIRE; artigos 38/I, 39/I, 50/I, 68/I-II da LULL: dever de apresentação/exibição física do título e direito à entrega do título cambiário e menção do pagamento e quitação; art. 724/4-a-5 do CPC: o original do título de crédito deve acompanhar o requerimento executivo; como remédio: o enriquecimento sem causa: arts. 473/2 e 476/1 do CC).

              E também sem prejuízo do direito de regresso dos avalistas sobre o avalizado (art. 32/II da LULL).

            No sentido de tudo o que antecede, veja-se Carolina Cunha, Aval em branco e plano de insolvência, RLJ 145, 3997, Março-Abril 2016, páginas 201-231 (já seguida pelo relator deste acórdão na declaração de voto no ac. do TRL de 07/06/2018, proc. 7643/14.3YYLSB-A.L1-2 já referido na decisão recorrida); Aval e insolvência, citado, especialmente páginas 151-168; e Manual de letras e livranças, 2.ª edição, Agosto de 2022, Almedina, páginas 275-278; e, com algumas diferenças de fundamentação e principalmente para a questão da moratória, que, de qualquer modo, tem a mesma razão de ser, o ac. do STJ de 05/05/2020, proc. 5155/16.0T8OER-A.L1.S1, e os muitos outros acórdãos invocados por este ou pelo apelante nesse acórdão ou pelo acórdão recorrido, para além dos acórdãos já referidos na decisão recorrida.

              Quanto à norma do art. 17-F/11 do CIRE, para a qual os executados fazem constantes remessas implícitas e é a base da sua argumentação, norma essa que diz que a decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 5 do artigo 17.º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal, ela não tem nada a ver com as relações do credor com terceiros ao PER, isto é, com os créditos do credor contra terceiros, como são os executados, pelo que não serve para sustentar a pretensão dos executados.

              Por fim, a eventual satisfação do crédito do NB pelos avalistas em nada o beneficia em prejuízo dos outros credores, porque os avalistas não se confundem com a sociedade avalizada e, repete-se, não são parte no processo.

                                                                 *

              Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.

              Custas de parte pelos executados.

              Lisboa, 10/11/2022

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto

 

 

 

 

 

Proc. /2022 – P. 3362/21.2T8SNT-A – Pedro Martins

Se o incumprimento da relação fundamental se verifica antes da homologação do plano de revitalização, o credor está legitimado a preencher a livrança com o valor da dívida antes da redução operada por um PER e sem esperar por uma moratória concedida à beneficiária do PER, pelo que não se verifica o preenchimento abusivo da livrança (previsto no art. 10 da LULL) accionada contra os avalistas (que não são parte naquele PER e o acordo aí obtido não lhes aproveita: artigos 406/1 do CC e 17 da LULL), nem abuso de direito (art. 334 do CC).