Processo do Juízo Local Cível de Lisboa

                  Sumário:

              A norma do art. 1110/3 do CC (na redacção da Lei 13/2019) estabelece um regime supletivo, isto é, para o caso de as partes não terem estabelecido um regime próprio quanto à duração. Neste caso, a lei entende que o regime mais equilibrado é aquele em que, nestes contratos de arrendamento não habitacionais, cada uma das renovações tenha a duração de 5 anos. Mas a lei também entende que, havendo um regime particular, convencionado entre as partes, é ele que deve prevalecer, pelo que, neste caso, não interfere com esse regime particular. Assim, estando convencionado um regime de renovação por períodos de 2 anos é este que deve ser aplicado.

            Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

           

            Em 20/05/2022, a N-Lda, requereu um procedimento especial de despejo (artigo 15/1 da Lei 6/2006, de 27/02, NRAU, na versão conferia pela Lei 2/2020, de 31/03, NRAU), no Balcão Nacional do Arrendamento, contra a E-Lda, com fundamento na falta de restituição do imóvel, após extinção do contrato de arrendamento por oposição à renovação do contrato, conforme o previsto no artigo 1097.º do Código Civil.

            Alega ainda que a comunicação da oposição foi efectuada no estrito cumprimento pelo disposto no artigo 9.º e seguintes do Novo regime do arrendamento urbano, incluindo o pré-aviso contratualmente previsto de um ano de antecedência mínima sobre o termo do contrato, que é 30/11/2021 (apresentou o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no artigo 1097.º do CC, conforme o disposto no art. 15/2-c do NRAU e o comprovativo do pagamento do imposto de selo – art. 15-B/1-h do NRAU).

            A requerida apresentou oposição ao requerimento de despejo, impugnando, uma vez que entende que a oposição à renovação não deve ser considerada eficaz, pois que a nova redacção do art. 1110/3 do CC, dada pela Lei 13/2019 de 12/02, impõe que o período mínimo de renovação dos contratos de arrendamento não habitacionais seja de 5 anos, pelo que o contrato se renovou em 30/11/2019 até 30/11/2024 e não só até 30/11/2021 como pretende a requerente. Conclui no sentido da improcedência do pedido,

            No saneador foi proferida decisão julgando improcedente o pedido.

            A autora recorre deste saneador-sentença, para que seja revogado.

            A ré contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.

                                                      *

            Questão que importa decidir: se a oposição à renovação não foi ineficaz.           

            Foram dados como provados os seguintes factos (transcreve-se só o essencial remetendo-se no mais para os factos do saneador sentença) que interessam à decisão daquela questão:

        1. Em 06/11/2014, a F-SA, celebrou com a ré um contrato de arrendamento não habitacional, tendo por objecto a Loja n.º 1 […].

        2. Prevê-se na cláusula primeira do contrato que o arrendamento é celebrado pelo prazo certo de 5 anos, sendo que no termo do prazo contratual renovar-se-á por iguais e sucessivos períodos de 2 anos, salvo se for denunciado por qualquer das partes.

      3. O contrato iniciou a sua vigência em 01/12/2014, com a duração inicial de cinco anos, isto é, até 30/11/2019.

          4. Em 05/09/2018, a autora adquiriu o imóvel em causa.

        5. Mediante notificação pessoal ocorrida a 28/11/2020 por Agente de Execução, a autora comunicou à ré (na pessoa do seu sócio-gerente), ao abrigo do artigo 1097.º do Código Civil, a oposição à renovação do contrato de arrendamento para produzir efeitos em 30/11/2021.

         6. Não tendo a ré entregue o imóvel até ao presente.

                                                      *

            A sentença tem, em síntese e apenas no essencial, a seguinte fundamentação, depois de deixar estabelecido que as partes estão de acordo com os factos, que se está perante um contrato de arrendamento não habitacional pelo prazo de 5 anos, com previsão contratual de renovação por períodos de 2 anos e que a requerente provou o que tinha que provar [quanto à oposição à renovação]:

         Está em causa a eficácia da oposição à renovação.

         A requerente entende que pese embora a alteração introduzida pela Lei 13/2019 na redacção do art. 1110/3 do CC, já na vigência do contrato, a mesma é indiferente às renovações, porquanto se trata de norma supletiva.

         As partes não divergem quanto à aplicação daquela alteração aos contratos em vigor e o tribunal também assim o entende, pois que essa norma dispõe sobre o conteúdo da relação jurídica de arrendamento, abstraindo do facto que deu origem à relação (art. 12/2 do CC).

         Dispõe o citado art. 1110/3 na nova redacção:

          Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado por prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1096.º

         “Sendo certo que na fixação do sentido e alcance da lei, ter-se-á de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. art. 9/3 do CC), certo é também que as normas devem ser interpretadas no seu sentido teleológico, sem que tal interpretação de acordo com o sentido possa, todavia, não ter o mínimo estribo na letra legal.

         Ora, no caso concreto, não há-de perder-se de vista que a citada alteração legal – aplicável aos contratos vigentes, como bem assinala a requerida e não coloca em crise a requerente – visou, assumidamente, prescrever “Medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger os arrendatários em situações de especial fragilidade”, sendo consabidamente uma norma pro manutenção contratual.

         Temos, pois, que pese embora se inicie com a ressalva típica das normas supletivas, lido o número em causa, na sua totalidade, entende-se que tal supletividade apenas tem congruência com o demais constante da norma se considerarmos que a liberdade das partes ao abrigo deste n.º 3 só tem alcance se o prazo de renovação estipulado for igual ou superior a 5 anos.

         É uma questão de leitura global da norma ou de sentido integral da mesma, sob pena de não fazer sentido a imposição que se lhe segue, “ou de cinco anos se esta for inferior”.

         Assim, além deste limite mínimo de 5 anos, há liberdade das partes, atenta a expressão inicial da norma. Aquém deste limite mínimo de 5 anos, não há liberdade alguma, tendo as partes que respeitar renovações com, pelo menos, este mínimo lapso temporal – sob pena de, de outra forma, de nada servir a imposição do limite de 5 anos – na senda, aliás, do ideário que lhe subjaz de reforço da segurança e a estabilidade do arrendamento urbano – esvaziando-se o sentido da norma, pois que a mesma não distingue, smo, em parte alguma, a primeira renovação das restantes.

         Destarte ao estabelecer o prazo de 5 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, entendemos que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação, pelo que, aceitando renovações automáticas, as partes só podem estipular períodos de renovação iguais ou superiores a cinco anos, estando-lhes vedado estabelecerem períodos de renovação inferiores.

         Decidindo, é este último, em nosso entender, o sentido da norma.

         Face ao exposto, no caso vertente, a renovação do contrato de arrendamento deve contabilizar-se em períodos de 5 anos, estando vigente a última renovação que se entende abranger o período de 01/12/2019 a 30/11/2024 – pelo que, a comunicação de oposição à renovação do contrato, para a data de 30/11/2021, é totalmente ineficaz.”

                                                      *

                    A autora diz o seguinte contra isto, em síntese feita por este TRL:

            O contrato, com prazo de 5 anos, teve início no dia 01/12/2014. Ficou convencionado que o contrato se renovaria automaticamente por iguais e sucessivos períodos de 2 anos. Assim, o contrato terminava a 30/11/2019. Renovou-se por dois anos até 30/11/2021. No dia 28/11/2020, isto é, com mais de um ano de antecedência, a autora comunicou a oposição à renovação de 30/11/2021. Pelo que o contrato cessou.

            A nova redacção do art. 1110/3 do CC, não se opõe a isto porque é uma norma supletiva. A norma não podia ser mais clara a este respeito ao iniciar-se com a expressão “Salvo estipulação em contrário”. Pelo que a referência à renovação automática e à duração das renovações colocada a seguir àquela expressão não pode dar azo a uma interpretação no sentido de que apenas a parte relativa à renovação automática do contrato está coberta pela autonomia das partes.

            A posição do saneador sentença tem por base a argumentação de que a lei pretendeu definir um limite mínimo de renovações de cinco anos – regra imperativa. Mas, nem a lei foi expressa nessa imperatividade nem a sua intenção terá sido constante, pois apenas se constata a imperatividade da duração do período inicial de um ano. Não é imperativo que o contrato se renove por períodos de igual duração, no caso de a duração inicial ser superior a três anos.

            Invoca, neste sentido e a propósito da redacção do art. 1096/1 do CC (exactamente igual à do art. 1110/3 do CC, excepto que no art. 1096.º [contratos para fins habitacionais] a duração é de 3 anos em vez de 5 anos), Pinto Furtado, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 2019, págs. 577 a 579 [e 686-687 para o arrendamento não habitacional]; Jéssica Rodrigues Ferreira, Análise das principais alterações introduzidas pela Lei 13/2019, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, Revista Electrónica de Direito, Fev2020, pág. 82 [e 83]; Edgar Alexandre Martins Valente, Arrendamento Urbano, Comentários às Alterações legislativas introduzidas ao regime vigente, Almedina, 2019, pág. 31, em anotação ao artigo 1096 do CC; e o ac. do TRL de 17/03/2022, proc. 8851/21.6T8LRS.L1-6.

            Em resposta, a ré diz, em síntese feita por este TRL, que:

            A questão central que se coloca consiste em saber se a ressalva da estipulação em contrário só permite que as partes excluam a renovação automática, mas, se a aceitarem, a renovação ocorre sempre por períodos mínimos de cinco anos, ou superiores, caso acordado entre as partes, estando-lhes vedado estabelecerem períodos de renovação inferiores, ou a se ressalva da estipulação em contrário permite ambas as situações, podendo as partes aceitar a renovação e convencionar renovações pelo período temporal que entenderem.

            Quem siga aquela última posição entende que a norma é supletiva. “Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação [nos contratos de arrendamento para habitação], caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos. Conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097/3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efectivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário).” (Maria Olinda Garcia,    Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, Revista Julgar Online, Março 2019 [páginas 14-15]).

            No mesmo sentido, diz a ré, se pronunciam José França Pitão e Gustavo França Pitão, Arrendamento Urbano Anotado, 2.ª edição, Quid Iuris, 2019, página 376, e Márcia Passos, Boletim da Ordem dos Advogados, Set2019, https://portal.oa.pt/media/130361/boletim_ordem-dos-advogados_setembro_2019.pdf).

            Ora, diz a ré, não restam quaisquer dúvidas de que foi intenção do legislador da Lei 13/2019 reforçar a protecção da estabilidade do arrendamento urbano para fins habitacionais e para fins não habitacionais, limitando os direitos extintivos do locador e limitando a liberdade das partes na fixação do conteúdo do contrato, estabelecendo prazos mínimos de vigência efectiva do contrato de arrendamento e comprimindo a possibilidade da sua cessação por iniciativa do locador.

            Esse objectivo resulta claramente da exposição de motivos constante da Proposta de Lei 129/XIII, que esteve na base da Lei 13/2019 ( https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=42542) […]. Também no artigo 1º da Lei 13/2019 se enuncia que a mesma vem estabelecer medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios e a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano.

            Aliás, a preocupação do legislador em reforçar a posição do inquilino face ao senhorio nos contratos de arrendamento urbano foi mais longe nos arrendamentos para fins não habitacionais do que nos arrendamentos habitacionais, já que, por um lado, o art. 1110/3 do CC impõe que “o contrato celebrado por prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior”, enquanto no arrendamento para habitação estabelece-se art. 1096/1 que “o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior”, e, por outro lado, nos termos do art. 1110/4, nos arrendamentos para fins não habitacionais, “Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação”, enquanto no arrendamento para habitação esse constrangimento para o senhorio é de apenas três anos, nos termos do art. 1097/3 (…)”.

            Esta especial tutela do inquilino não habitacional compreende-se e justifica-se pelo facto de o legislador querer proteger a actividade económica, particularmente as microempresas e os respectivos postos de trabalho, pois a criação de um estabelecimento comercial, geralmente geradora de avultados investimentos, nomeadamente com obras de adaptação do locado, licenciamentos e aquisição de meios materiais e humanos para o desenvolvimento da actividade, é incompatível com uma localização de curto prazo.

            Acresce que as normas relativas à oposição à renovação do contrato de arrendamento urbano são, por força do disposto no artigo 1080 do CC, normas de natureza imperativa, uma vez que, havendo oposição à renovação o contrato caduca pelo decurso do prazo, ou seja, a oposição à renovação do contrato não é uma causa autónoma de extinção do contrato, sendo apenas uma das causas conducentes à sua caducidade.

            Por conseguinte, da ponderação dos elementos de interpretação, em especial da ratio legis, das condições específicas do tempo em que é aplicada e do elemento sistemático, conclui-se que o segmento “salvo estipulação em contrário” constante do art. 1110/3 do CC deve ser interpretado no sentido de permitir que as partes podem excluir a renovação automática, mas, se a aceitarem, só podem estipular períodos de renovação iguais ou superiores a cinco anos, estando-lhes vedado estabelecerem períodos de renovação inferiores.

            Neste sentido, o ac. do TRL de 17/03/2022 aponta ainda Elsa Sequeira Santos, em anotação ao artigo 1096.° do CC anotado, vol. I, 2.ª edição, Abril de 2019, Coimbra, página 1390 [mas não é esta a posição desta Professora, como se vê da anotação da mesma ao art. 1110 do CC na mesma obra e edição, págs. 1424-1425; na passagem citada pelo acórdão, a autora está a referir-se a outra questão], e os acórdãos do TRG de 08/04/2021, proc. 795/20.5T8VNF.G1, e do TRG de 11/02/2021, proc. 1423/20.4T8GMR.G1, todos para os contratos de arrendamento para habitação.

            Assim, no caso dos autos – diz a ré – o contrato de arrendamento renovou-se em 30/11/2019 por cinco anos, até 30/11/2024, sendo ineficaz a oposição à renovação de 30/11/2021, por pressupor um prazo de renovação de 2 anos, inferior ao legal em vigor à data, que era de 5 anos.

               Apreciando:

             Expressamente para os contratos de arrendamento não habitacionais (art. 1110/3 do CC), viu-se ainda, a favor da posição da autora, com um mínimo de desenvolvimento, Elsa Sequeira Santos, obra citada, páginas 1424-1425, David Magalhães, Algumas alterações do regime jurídico do arrendamento urbano (Leis 12/2019 e 13/2019, de 12/02). O recrudescer do vinculismo, BFDUC, Coimbra, Nov2019, páginas 573 a 578, especialmente nota 17 em que faz referência à posição da Profª. Maria Olinda Garcia; Pinto Furtado, Comentário citado, mas na 3.ª edição, Almedina, 2022, páginas 769 a 77; e André Mena Hüsgen, As novas regras sobre a duração, denúncia e oposição à renovação do arrendamento urbano, mesmos Estudos, páginas 94-95.

           A favor da posição da ré e do saneador-sentença recorrido viu-se ainda: Ana Isabel Afonso, Sobre as mais recentes alterações legislativas, Estudos de Arrendamento, vol. I, da UCE/Porto, 2020, páginas 26-28 e 29-30; e Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, Denúncia e oposição à renovação do contrato de arrendamento urbano, AAFDL, 2020, páginas 145 a 163, especialmente página 154 = I Congresso de direito de arrendamento, Almedina, Julho de 2019, pág. 107.

                 Posto isto,

            A norma, depois de toda a discussão ocorrida durante este período de vigência da lei – e não vale a pena, aqui, estar a repetir todos esses argumentos, bastando dizer que se tiveram presentes todos eles e, com base nas referências dadas, todos eles são facilmente acessíveis – é clara: estabelece um regime supletivo, isto é, para o caso de as partes não terem estabelecido um regime próprio para as renovações. Neste caso, a lei entende que o regime mais equilibrado é aquele em que cada uma das renovações tenha, nestes contratos, a duração de 5 anos. Mas a lei entende que, havendo um regime particular, convencionado entre as partes, é ele que deve prevalecer, pelo que, neste caso, não interfere com esse regime particular. Pelo que, havendo sido convencionado um regime de renovação por períodos de 2 anos, é este que deve ser aplicado.

            Entendida assim a norma, não há razão para dizer que assim não faria sentido a imposição que se lhe segue “ou de cinco anos se esta for inferior”. Se a duração do contrato [não da renovação – como tem sido lido pela posição contrária] do contrato for inferior a 5 anos e as partes não fixarem a duração da renovação do contrato, a lei entende que o regime mais adequado é o da duração da renovação por 5 anos (neste sentido, de forma clara, Elsa Sequeira Santos). A estabilidade visada pela lei, referida em termos genéricos nos trabalhos preparatórios, não implica, por si, nenhum regime específico e pode bastar-se com a imposição de um período mínimo inicial para o contrato (art. 1110/4 do CC), mais a fixação do regime supletivo referido. Se a lei permite que as partes não prevejam a renovação automática, não pode, ao mesmo tempo impor que, caso exista essa renovação automática, esta tenha que ter uma duração mínima. Quem pode o mais (não renovar) há-de poder impor o menos (uma renovação pelo período que quiser). Por fim, quanto à natureza imperativa das normas sobre a caducidade, ela só está prevista com a ressalva ‘da disposição legal em contrário’ (art. 1080 do CC), servindo como tal disposição o art. 1110/3 do CC que começa, precisamente, com a ressalva ‘salvo estipulação em contrário’, indicando que se trata de uma norma supletiva.

            Entretanto, diga-se que o sistema em que as normas dos artigos 1096 e 1110 se inserem não impõe a leitura delas como se tivessem os mesmos efeitos (assim, por exemplo, David Magalhães, na nota citada), pelo que a posição assumida neste acórdão para os contratos de arrendamentos não habitacionais não tem de ser seguida, sem mais, para os contratos de arrendamento habitacionais. Ou seja, este acórdão não está a tomar posição sobre a questão relativamente aos contratos habitacionais.

            Em conclusão, no caso dos autos, como o contrato foi renovado em 01/12/2019 até 30/11/2021 a autora podia opor-se a nova renovação em 01/12/2021, o que fez, com a antecedência legal, pelo que a oposição é válida e eficaz, o contrato cessou em 30/11/2021 e a ré tem agora que despejar a fracção arrendada.

                                                      *
            Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se o saneador-sentença recorrido, declarando-se que o contrato de arrendamento cessou em 30/11/2021, por oposição à renovação, e condenando-se a ré a desocupar a loja do imóvel em causa e a restitui-la à autora.

            Custas do recurso, na vertente de custas de parte, pela ré.

            Lisboa, 24/11/2022

            Pedro Martins

            1.º Adjunto

            2.º Adjunto