Processo do Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada
Sumário:
É uma circunstância superveniente o facto indiciado de o pai ter deixado de pagar as mensalidades do colégio, depois de 4 meses de vigência do acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais, e isso torna necessária a alteração do acordo (art. 42/1 do RGPTC), pois que deste não resulta expressamente nenhuma regra que diga quem é que tem de pagar as mensalidades do colégio.
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:
A 20/05/2022, C, divorciada, intentou, contra o seu ex-marido, R, nos termos do disposto nos artigos 42.º e seguintes do Regime geral do processo tutelar cível, acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais.
Para tanto alegou, com algumas simplificações, que
(1) Ela e o requerido foram casados entre si e são pais dos menores, um nascido a 17/05/2011 e outro a 03/10/2012; (2). Em Dezembro de 2021, foi regulado o exercício do poder paternal, devidamente homologado, no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento, que correu termos na Conservatória. (3) As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida dos menores ficaram atribuídas a ambos os progenitores. (4) Ficando os menores a residir alternadamente com a mãe e com o pai, por períodos de uma semana. (5) Nos termos do referido acordo, as despesas de saúde, médicas e medicamentosas, e com actividades extra curriculares foram assumidas na proporção de metade para cada progenitor. (6) Assim como as despesas de educação, [‘como sejam as’ – a autora escreveu ‘referentes a’] despesas com livros escolares, material escolar, material informático (mediante prévio acordo entre os progenitores) e visitas de estudo, “sem prejuízo do disposto no ponto 16”. (7) As despesas com as mensalidades do estabelecimento particular de ensino frequentado pelos menores seriam suportadas pelo progenitor “que opte por aquele estabelecimento de ensino, sem prejuízo do consentimento do outro progenitor quanto à escolha” – ponto 20 (doc.1). (8) Tal acordo assentou, naturalmente, em diversos pressupostos, entre os quais figuram, de um modo amplo: o superior interesse e a adaptação dos menores a este regime, a sua idade, a capacidade económica da mãe e do pai e o necessário e indispensável diálogo entre estes. (9) Assentou, ainda, em concreto, no facto de os menores estarem inscritos e frequentarem desde sempre o estabelecimento particular Colégio, por opção de ambos os progenitores. (10) Sendo que actualmente um dos filhos está no 5.º ano e o outro no 3.º ano. (11) E no facto de ser o pai a suportar as respectivas mensalidades (nos valores de 330€ e 290€, respectivamente), o que fez desde sempre, atendendo à diferença de rendimentos do trabalho auferidos por eles. (12) Na última semana de Abril passado – ou seja, decorridos 4 meses após o referido acordo – o pai comunicou à mãe que deixaria de assumir o pagamento das mensalidades do Colégio dos filhos de ambos. (13) Pretensão que mantém, a menos que a mãe assumisse esse pagamento com o pai. (14) A despesa inerente à frequência do ensino privado sempre foi suportada pelo pai porquanto os rendimentos daquele o permitiam, por serem muito superiores ao da mãe. (15) O acordo teve como pressuposto que o pai continuaria a assegurar essa despesa, o que fez até Abril sem reservas, (16) apesar de isso não ter ficado escrito. (17) Sendo certo que nenhum facto superveniente ocorreu ou foi sequer alegado pelo progenitor das crianças para que isto se altere. Antes pelo contrário (18) A mãe é enfermeira de profissão, auferindo um rendimento mensal líquido na ordem dos 1400€ (doc.2). (19) Tem como despesas mensais: […], que absorvem a quase totalidade do seu vencimento. (20). O pai, por seu turno, trabalha por conta própria em várias actividades, sendo sócio da R-Lda. (21) Desconhecendo a mãe os seus rendimentos exactos, sempre aquele referiu serem superiores a 2500€/mês. (22) Explora um negócio de alojamento local. (23) Está a construir uma casa nova. (24) Os menores estão bem integrados na escola que sempre frequentaram, nela mantendo as suas principais amizades e referências. (25) Têm bom aproveitamento escolar e bom relacionamento com os seus professores. (26) A escola representa um factor de estabilização na sua vida que importa preservar, no seu exclusivo e superior interesse. (27) Sendo reconhecida a importância destes factores no bem-estar das crianças, a alteração de escola só deverá ocorrer em situações devidamente justificadas. (28) O que não acontece neste caso. (29) Não é comportável para a mãe suportar as despesas das mensalidades do colégio dos filhos, o que já não é verdade em relação ao pai. (30) Reconhecendo o pai a dificuldade de pagamento destas despesas por parte da mãe, as mesmas sempre foram por si suportadas na constância do casamento e em benefício exclusivo dos seus filhos. (31) O regime homologado em Dezembro de 2022 encerra lapsos de escrita que dificultam a sua compreensão e prática. (32) Designadamente no seu ponto 18-b, que disciplina o pagamento das despesas escolares, e exceptua o disposto no ponto 16, que se refere às informações sobre a saúde dos menores, sem que isso faça qualquer sentido. (33) Sendo a matéria da escolha da escola a frequentar pelos menores uma questão de particular importância para vida destes, a redacção dada ao ponto 20 que versa sobre o tema, apesar de aludir ao consentimento, carece de explicitação. (34) Urge, pois, clarificar e adaptar a regulação das responsabilidades parentais dos menores, de forma consentânea com o seu superior interesse, necessidades, idades e o seu bem-estar, no sentido de lhes ser permitido que continuem a frequentar o estabelecimento de ensino que sempre frequentaram, mantendo o pai o pagamento da correspondente despesa, como sempre fez e tem capacidade para fazer.
O pai veio alegar que:
A mãe pretende alterar a cláusula 20.ª do regime que se encontra em vigor e acordado recentemente; para tal seria necessário, de acordo com o n.º 1 do artigo 42.º do RGPTC, que o acordo seja incumprido por um ou por ambos os pais ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido; a mãe não invoca qualquer circunstância superveniente que seja susceptível de alterar o regime existente, nem tão pouco relata qualquer acontecimento que tenha culminado num incumprimento do acordo vigente pelo pai; a pretensão da mãe tem o único argumento de que aquilo que ela pretende corresponde ao que se passava quando eram casados, não tendo rendimentos que possam suportar aquelas despesas, sendo certo que não alega qualquer alteração dos seus rendimentos desde a data da celebração daquele acordo; alteração que tinha de ser alegada como o diz o ac. do TRG de 08/06/2017, proc. 7380/03.4TBGMR-C.G1, “devendo considerar-se infundado o pedido de alteração quando não se mostra concretamente alegada qualquer factualidade que seja por si só susceptível de fundamentar a pretendida alteração nem as circunstâncias alegadas pela requerente permitem consubstanciar uma modificação que além de sobrevinda seja relevante e idónea para produzir uma mudança substancial das circunstâncias que determinaram a fixação do regime da regulação das responsabilidades em vigor, o que implica estabelecer uma comparação com os dados existentes ou conhecidos na data do regime a alterar” como diz o ac. do TRG de 29/10/2020, proc. 4797/15.5T8BRG-E.G1. É verdade o alegado de 1 a 10, 18 e de 24 a 27 da petição inicial. Desconhece o alegado em 19 e 28, pelo que os impugna. Não corresponde à verdade o alegado de 11 a 17, de 20 a 23 e de 29 a 34 da PI. Não é vontade, nem intenção, do pai em retirar os filhos do colégio por qualquer motivo fútil ou birra para com a mãe. Ele, pai, [o que] sempre manifestou, foi necessitar da colaboração da mãe na comparticipação daqueles custos, de modo a que não seja necessário retirar os menores daquele estabelecimento de ensino. Caso exista esta necessidade, por impossibilidade económica dos pais em manterem o pagamento daquelas despesas, passarão os menores a frequentar a escola pública, como milhares de jovens o fazem […] sem que “venha algum mal ao mundo”, […]. […] É falsa a narrativa criada pela mãe de que o pai tem rendimentos elevados, que sempre assumiu o pagamento do colégio dos menores ou que aquando das inúmeras conversas que mantiveram acerca do regime que agora aquela pretende alterar, este tenha assumido o encargo de pagar sozinho o valor referente ao colégio. Aliás, como é fácil de perceber, se tivesse sido esta a vontade e o acordo a que tivessem chegado, a cláusula 20 do acordo vigente teria uma redacção diferente, de onde resultaria expresso que aquele pagamento era da responsabilidade do pai, o que manifestamente não é o caso. Ao contrário do que afirma a mãe, não foi sempre o requerido quem procedeu ao pagamento das despesas do colégio, tendo a própria mãe pago aquelas mesmas despesas por várias vezes, tudo no contexto da divisão de despesas e do contributo de ambos os cônjuges para a economia familiar. Isto é, nunca houve qualquer acordo, seja na vigência do casamento, seja após a sua dissolução, para que fosse o pai o responsável exclusivo pelo pagamento daquelas despesas, tudo não sendo mais do que a normal repartição do pagamento das despesas normais do agregado familiar: um num mês pagava os colégios, outro a alimentação, um a conta da energia eléctrica e outro a conta da internet, etc… Até que, com a separação da mãe, o pai passou a contar com despesas acrescidas, pois passou a ter que suportar, sozinho, as despesas inerentes à sua habitação, e dos menores que com ele também residem em semanas alternadas, deixando assim de as partilhar com a mãe. O pai não tem outras actividades e outras fontes de rendimento para além daquelas que são conhecidas e que são fruto da sua actividade, sendo que os rendimentos por si auferidos diminuíram nos últimos anos. Nesta senda, o rendimento total auferido pelo pai no ano de 2021, conforme resulta da nota de liquidação de IRS de 2021, doc.1 […], foi de 15.179,90€. E é deste rendimento que o pai procede ao pagamento das suas despesas normais, […], o que totaliza despesas mensais de cerca de 738€, sem contabilizar ainda outras despesas com a sua habitação (neste momento está a viver provisoriamente em casa emprestada), como consumos de energia, televisão por cabo, internet, vestuário, calçado, carro, consumíveis, etc. Por isto, se atentarmos nos rendimentos e despesas do pai, resulta manifesto que este não tem um rendimento disponível superior ao da mãe e em termos em que, sequer, seja justo ser ele a suportar sozinho as despesas do colégio dos menores. Aliás, na descrição dos seus rendimentos, a mãe parece esquecer-se de referir […]. De igual modo, também não corresponde à verdade que o pai explore um negócio de alojamento local ou que aufira qualquer rendimento de uma actividade conexa com esta. Deste modo, não existe nenhuma razão para que seja alterado o que quer que seja quanto ao regime das responsabilidades parentais em vigor, como também não existe qualquer razão para que seja o pai a assumir, sozinho, o pagamento das despesas do colégio particular que os menores frequentam, isentando a progenitora deste encargo que é comum, como são todas as restantes despesas.
Após isto, a 02/09/2022, o Sr. juiz indeferiu liminarmente o requerimento, por manifesta falta de fundamento legalmente admissível, dizendo o seguinte:
“A mãe […] pugna por ver alterada a redacção dada ao ponto 20 do regime da regulação do exercício das responsabilidades parentais […] […a] cláusula [20] tem a seguinte redacção: “As despesas com as mensalidades do estabelecimento particular de ensino frequentado pelos menores são suportadas pelo progenitor que opte por aquele estabelecimento, sem prejuízo do consentimento do outro quanto à escolha do estabelecimento particular de ensino”.
[…]
As decisões de regulação do exercício das responsabilidades parentais, como todas as decisões tomadas em processo de jurisdição voluntária (artigo 12 do RGPTC), são susceptíveis de alteração quando circunstâncias supervenientes o justifiquem, seja a superveniência objectiva, isto é, consubstanciada em factos novos, posteriores à decisão, seja subjectiva, isto é, consubstanciada em factos anteriores à decisão, mas, apenas, depois, dela conhecidos (artigo 988/1 do CPC). Por outras palavras, nos processos de jurisdição voluntária não deixa de haver caso julgado, mas a força respectiva é significativamente atenuada relativamente ao que se passa nos mais processos. O equilíbrio estabelece-se prevenindo a possibilidade de alteração do decidido, em homenagem à mutabilidade própria das situações de facto sobre que versam e às exigências de justiça que isso impõe, mas limitando-a a pressupostos relativamente apertados, em tributo às exigências de estabilidade e de segurança jurídica que são elas mesmas elementos essenciais da justiça.
No concreto caso da alteração de regulações do exercício das responsabilidades parentais, resulta do artigo 42/1 do RGPTC (concretização da previsão do artigo 988/1 do CPC), que só são admissíveis em duas ordens de pressupostos: situação de incumprimento do regulado por ambos os progenitores; ou verificação de circunstâncias supervenientes (posteriores à regulação ou apenas depois dela conhecidas) que tornem necessário (não bastando a mera conveniência ou preferência dos interessados, e medindo-se a necessidade primacialmente à luz dos interesses dos menores) proceder à alteração.
Aqui chegados, […] os concretos contornos do problema são, segundo a alegação da mãe, alheios ao primeiro dos referidos pressupostos: não estamos, na verdade, diante de qualquer incumprimento, tanto mais que acordaram no seguinte: [transcreve a cláusula 20]. Está bom de ver, e sem necessidade de maior desenvolvimento, que não se encontra ali fundamento válido para o pretendido.
Assim, restaria a possibilidade de tratar-se de circunstâncias supervenientes, subjectivas ou objectivas. Nesse plano, não foi alegada qualquer circunstância superveniente que imponha a pretendida alteração, nem a mesma encontra qualquer respaldo na redacção dada ao ponto 20 do acordo a que chegaram em Dezembro de 2021. Já concluindo, o que temos é que, logo em face das próprias alegações da mãe, ao requerimento faltam manifestamente fundamentos legalmente admissíveis para a pretensão de alteração formulada, o que naturalmente conduz, nos termos do artigo 590/1, do CPC, ao indeferimento liminar.”
A mãe recorre deste indeferimento liminar – para que seja revogado e ordenado o prosseguimento dos autos, marcando-se conferência de pais – no essencial dizendo que:
1. As regulações das responsabilidades parentais podem sempre ser revistas se ocorrerem circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração.
2. A mãe alegou que o pai deixou de proceder ao pagamento da mensalidade do colégio de ambos os menores e que foi escolhido por ambos os progenitores.
3. Alegou e demonstrou, ainda, a sua actual incapacidade financeira para suportar aquela despesa, por oposição à do pai.
4. O que consubstanciam circunstâncias supervenientes, considerando inclusive que sempre foi o pai quem procedeu ao respectivo pagamento.
5. Acrescentando a importância da manutenção da frequência daquele colégio particular para os menores, representativo de um factor de estabilização na sua vida que importa preservar, no seu exclusivo e superior interesse.
6. A cláusula 20 do acordo é de conteúdo indefinido.
7. Mercê dessa indefinição, o pai deixou de efectuar o pagamento da mensalidade do colégio dos menores.
8. Urge alterar o acordo de modo a explicitar a quem compete efectuar o pagamento da mensalidade do colégio de ambos os menores.
9. O Tribunal a quo errou ao interpretar o artigo 42/1 do RGPTC, na medida em que não considerou que o facto de o pai ter deixado de efectuar o pagamento da mensalidade do colégio dos menores e a actual situação financeira da mãe consubstanciam circunstâncias supervenientes que tornam necessário a alteração do acordo.
O pai respondeu que:
1-2. A mãe pretende que a redacção da cláusula 20 do acordo seja alterada, poucos meses depois da sua entrada em vigor, de modo a que da mesma passe a constar que as despesas com as mensalidades do estabelecimento privado de ensino passem a ser da responsabilidade exclusiva do pai.
3. Dúvidas não restam que o que foi acordado é o que resulta literalmente daquela cláusula: na imputação daquelas despesas relativas às mensalidades dos colégios apenas ao progenitor que escolheu aquele estabelecimento privado de ensino e não que as mesmas ficassem especificamente a cargo do pai.
4. Pelo contrário, se fosse isto o acordado ou se fosse este o pressuposto do que acertaram, ambos teriam dado a respectiva redacção àquela cláusula, ficando ali a constar que seria o pai a suportar sozinho as mensalidades do colégio.
5. Por isto, não pode proceder a alegação de que o pressuposto da redacção daquela cláusula tenha sido que seria o pai quem continuaria a assegurar, na íntegra, o pagamento daquelas despesas. Se fosse este o pressuposto, teria sido esta a redacção ali dada, até porque são ambos pessoas instruídas, que sabem apreender o conteúdo do que acordaram.
6. De igual modo, nem a mãe invoca que alguma vez o pai tenha prometido, anunciado, assegurado ou sequer afirmado, que seria ele a suportar aquelas despesas. Por isto, a redacção que consta daquela cláusula e o que corresponde ao normal desenrolar das coisas: o progenitor que opte por um estabelecimento privado de ensino, em detrimento do ensino público gratuito, por entender que tem condições financeiras para o fazer, tem que assumir esta opção, não podendo impor ao outro que assuma esta despesa.
7. E não vale dizer que no passado, enquanto casados, foi o pai quem sempre assegurou aquele pagamento. Além de tal não corresponder totalmente à verdade, a realidade é que tudo se passou no quadro normal da repartição das despesas da economia comum do casal.
8. Por isto, quando se acorda no regime da regulação das responsabilidades parentais, acorda-se para o futuro e de acordo com as condições financeiras que cada um terá após a quebra da economia comum e com o assumir sozinho das despesas que antes eram repartidas.
9. Deste modo, estando clara a redacção daquela cláusula, evidente também está que não existiu, nem foi alegado, qualquer incumprimento por parte do pai que possa fundamentar a alteração peticionada pela mãe.
10-11. É que, para que seja requerida uma alteração é necessário, de acordo com o art. 42/1 do RGPTC, que o acordo existente e em vigor seja incumprido por [um ou por] ambos os pais ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido.
[…]
13. Por tudo isto, a sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo ser mantida na íntegra, porquanto não tendo a mãe alegado e fundamentado qualquer circunstância factual que seja susceptível de alterar o regime existente, deve o seu pedido ser declarado infundado, devendo, consequentemente, ser mantido o regime actualmente em vigor.
O MP segue, no essencial, a posição do despacho recorrido e do pai, defendendo a improcedência do recurso, acrescentando a seguinte argumentação nova: a falta de pagamento, a ser ilegítima, não basta para desencadear acção de alteração, uma vez que estamos em presença do incumprimento de um só dos progenitores, antes deverá dar origem a acção de incumprimento.
Apreciação
Antes de mais consigne-se que, no essencial, as regras do acordo relativas à responsabilidade com os gastos dos menores estão referidas no despacho recorrido com a transcrição da cláusula 20 e na petição inicial da mãe, que refere quase todas as outras e o faz correctamente com excepção da parte que se colocou em parenteses rectos no art.6 a título de correcção [correcção que é significativa, porque dizer “como sejam” é dizer que aquilo que se segue é apenas exemplo e por isso poderá haver outras despesas não mencionadas, e dizer “referentes a” é dizer que são só as despesas mencionadas]. Faltou apenas a referência ao ponto 17 do acordo onde se diz que “cada progenitor suportará as despesas com habitação, alimentação e vestuário […] nos períodos em que os menores estiverem em sua casa.”
Posto isto,
A mãe quer que o acordo seja alterado porque, segundo ela, nele nada consta expressamente sobre quem é responsável pelo pagamento do colégio dos filhos e o pai, que sempre pagou as respectivas mensalidades, deixou de fazê-lo 4 meses depois do início da vigência do acordo, porque quer que a mãe passe a comparticipar nessas mensalidades.
Ora, se isto for assim, justifica-se o pedido de alteração.
A norma do art. 42/1 do RGPTC fala de “circunstâncias supervenientes [que] tornem necessário alterar o que estiver estabelecido”.
Ora, o alegado pela mãe corresponde a uma clara circunstância superveniente.
E está indiciado que é como a mãe alega nessa parte.
É certo que o pai impugna aquelas afirmações da mãe – isto é, de que tenha estado a pagar as mensalidades do colégio nos últimos 4 meses – mas trata-se de uma impugnação formal, logo contrariada pelo que diz a seguir: “[…] Não é vontade, nem intenção, do pai em retirar os filhos do colégio por qualquer motivo fútil ou birra para com a mãe. Ele, pai, sempre manifestou foi necessitar da colaboração da mãe na comparticipação daqueles custos, de modo a que não seja necessário retirar os menores daquele estabelecimento de ensino. […].”
E como a questão não está regulada expressamente no acordo – já que a cláusula 20, dados os seus termos, previa para uma situação futura, não para aquela que sempre existiu – e precisa de ser regulada (já que representa uma parte significativa desse regime, visto que o mesmo deve versar sobre a guarda, a residência do filho, as visitas e os alimentos em sentido lato), o acordo tem de ser alterado para passar a incluir uma regra sobre a questão ou para explicitar uma regra que já lá exista.
A necessidade da alteração resulta por isso da falta de regulação expressa sobre a questão e da circunstância superveniente indiciada de o pai ter deixado de pagar as mensalidades do colégio, ao contrário do que até aí vinha fazendo.
De resto, se as coisas forem como a mãe diz, a posição do pai traduz-se, ela própria, numa pretensão de alteração, aqui por via da força dos factos: tendo deixado de pagar as mensalidades vai forçar a alteração do regime, ou no sentido de a mãe passar a comparticipar no pagamento ou no sentido de retirar os filhos do colégio onde sempre têm estado.
O despacho recorrido sugere que a cláusula 20 regula a questão. Mas não diz como é que ela o faz, ou seja, a cargo de quem é que a cláusula 20 põe o pagamento das mensalidades do colégio. E da cláusula 20, como já se disse acima e se passa a ver melhor, não resulta regra para a questão: a cláusula limita-se à imputação dessa responsabilidade para a hipótese de um dos progenitores optar pela frequência pelos menores de um dado estabelecimento de ensino – serão então suportadas por esse progenitor -, mas não é essa a hipótese que está em causa, porque não se diz que os menores estão a frequentar um estabelecimento por opção de qualquer dos progenitores.
A posição do MP, ao seguir a do despacho recorrido, incorre na mesma omissão, o que é claro com o acrescento da argumentação dado pelo MP, porque, trabalhando sobre a alternativa da falta de pagamento ser ilegítima ou legítima, demonstra que não pode dizer qual é a regra que vigora para o caso. Realmente, se se soubesse qual era a regra (se ela já existisse…), poderia dizer-se se a posição do pai era legítima ou ilegítima e, sendo ilegítima, haveria, aí sim, a hipótese de uma acção de incumprimento.
A posição do pai, por sua vez, permite colocar duas hipóteses, para tentar compreender porque é que entende que o acordo de regulação já resolve a questão não sendo, por isso, necessário alterá-lo, sendo que logo o facto de ele não as ter expressado aponta no sentido de elas não se verificarem:
(i) da cláusula 20, que se refere ao futuro, retira-se, a contrario, uma solução para o passado: se os filhos foram inscritos no colégio, que frequentam desde sempre, por opção de ambos os progenitores, então devem ser ambos a suportá-lo; mas se for como a mãe alega, a hipótese não se confirma. Por outro lado, em termos objectivos e tendo em conta só o que consta do acordo, não é possível fazer essa interpretação da cláusula 20, porque ela se basearia em dados que foram agora introduzidos na discussão e que não constam do acordo.
(ii) a cláusula que se refere às despesas de educação põe-nas a cargo de ambos os progenitores, em partes iguais; quando a cláusula se refere as despesas de educação, usa, a seguir, a expressão ‘como seja’, que se utiliza para dar exemplos do que se acabou de dizer, pelo que os exemplos que a regra dá não esgotam todas as situações, e nelas está incluída, nesta interpretação, o gasto com o colégio. Mas, esta hipótese não parece provável: os gastos com o colégio, que correspondem, segundo alegado, quase a um salário mínimo nacional, são uma despesa significativa que, se fossem um dos gastos incluídos, seria o primeiro exemplo a ser dado; começando a exemplificação com a referência a um gasto muito menor, tal indicia a não inclusão daquele gasto maior. Por outro lado, também aqui, se for como alegado pela mãe – designadamente que foi sempre o pai que pagou as mensalidades e que o continuou a fazer durante os 4 meses subsequentes ao acordo -, também isso afasta a hipótese de os gastos com o colégio estarem incluídos nas despesas com a educação.
Ou seja, os elementos disponíveis no processo não apontam, para já, para que a questão do pagamento do colégio esteja regulada e é necessário que esteja, porque se trata de um gasto particularmente relevante, que se poderá verificar durante muito tempo e os progenitores não estão de acordo sobre quem é que deve suportá-lo.
*
Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se o despacho recorrido e determinando-se, em vez dele, que seja marcada a conferência de pais a realizar nos 15 dias imediatos e para a qual os pais sejam notificados (art. 42/5 e 35/1 do RGPTC).
Custas do recurso pelo pai.
Lisboa, 07/12/2022
Pedro Martins
1.º Adjunto
2.º Adjunto