Reclamação de Créditos do Juízo Local Cível da Ribeira Grande

 

            Sumário:

              I – Quando, no momento da apreciação da questão da falta de pagamento da taxa de justiça devida se demonstra que, antes do termo do prazo para a prática do acto e antes mesmo de a questão ter sido levantada, foi feito tal pagamento, a falta deve considerar-se regularizada, nem que seja ao abrigo do art. 146 do CPC.

              II – Quando uma petição inicial – incluindo aquelas que introduzem acções declarativas incidentais no processo executivo (incidente de liquidação, embargos de execução, oposição à penhora, reclamações de crédito) ou as de embargos de terceiro ou de incidentes de instância – é, por algum motivo, recebida pela secretaria apesar de não se mostrar paga a taxa de justiça devida (o que, já se viu, não é, de qualquer modo, o caso dos autos), o que se segue não é o desentranhamento da petição, mas a notificação para a parte pagar, em 10 dias, a taxa de justiça mais uma multa.

              III – A Fazenda Nacional (representada pelo MP) não está isenta do pagamento de taxa de justiça, nem das multas do art. 139/5 do CPC. Pelo que quando o acto é praticado num dos 3 dias úteis seguintes sem que a FN pague a multa em causa, a secretaria deve cumprir o disposto no art. 139/6 do CPC e, não o tendo feito, o juiz, quando der conta disso, deve determinar que a secretaria o faça.

 

            T-SA requereu uma execução contra M-Lda. Nessa execução foi penhorado um depósito bancário e dois direitos de crédito.

            Às 16h41 de 22/03/2022, a Fazenda Nacional, representada pelo Ministério Público, reclamou, nessa execução (por apenso) a verificação e graduação de créditos no valor de 30.712,80€, dizendo que o fazia “nos termos do art. 788 e 139/5-a do CPC.” Juntou um comprovativo do pagamento de taxa de justiça no valor de 204€ e data de 15/03/2022.

            A 29/03/2022 foi dado cumprimento ao disposto no art. 789/1 do CPC (notificação da reclamação).

            Às 17h46 de 08/04/2022, a FZ, representada pelo MP, fez um requerimento ao processo para “juntar o comprovativo de pagamento da taxa de justiça em rectificação da anterior, que deverá ser devolvida à exequente” [sic]. Do DUC 702480078896894 consta: “- 2.ª VIA – Comprovativo de revalidação de taxa de justiça. 408€. O pré-pagamento foi revalidado por 90 dias. Encontra-se agora válido até 19/06/2022 23:59. Data do pedido de revalidação: 21/03/2022 15h00.”

            Às 19h05 de 08/04/2022, a exequente apresentou uma impugnação dos créditos reclamados pela Fazenda Nacional. Para o efeito alegou, na parte que ainda importa, (i) a extemporaneidade da reclamação e (ii) o não pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da reclamação.

              A Fazenda Nacional não respondeu.

            A 08/05/2022 foi proferido o seguinte despacho [aqui, como de seguida com outra peças processuais, sintetizou-se e simplificou-se o despacho]: A exequente veio, nos termos do disposto no art. 798 do CPC, impugnar a reclamação de créditos apresentada pela FN. Entre o mais, veio alegar (i) a extemporaneidade da reclamação de créditos apresentada pela FN e (ii) que a mesma deverá ser rejeitada por falta de pagamento da taxa de justiça devida. Notifique-se a FN para se pronunciar, no prazo de 10 dias, sobre as supra referidas invocações – o que se determina ao abrigo do disposto nos artigos 3/3 e 547, ambos do CPC.

            A FN tornou a não dizer nada.

            A 23/06/2022 foi proferido o seguinte despacho:

         Na impugnação à reclamação de créditos que apresentou nos presentes autos, a exequente impetra dever ser rejeitada a reclamação de créditos apresentada pela FN porquanto aquando da apresentação em juízo da reclamação de créditos, esta juntou, com a mesma, comprovativo de pagamento de taxa de justiça inferior ao devido.

         […]

         Por uma questão de procedência lógica, esta será a primeira questão colocada pela exequente que será abordada (uma vez que se tiver que ser rejeitada a reclamação, o conhecimento das outras questões levantadas – se bem que outra também concerne à rejeição – ficará prejudicado).

         A FN reclamou créditos nestes autos (apenso) pelo valor total de 30.712,80€.

         Como – bem – diz a exequente, nos termos do disposto no art. 7/4 e Tabela II do Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça devida seria, assim, do valor de € 408, equivalente a 4 UC.

         A FN, com a apresentação da sua reclamação de créditos, juntou comprovativo do pagamento de taxa de justiça no montante de € 204.

         Inferior à devida, portanto.

         Sucede que, por requerimento de 08/04/2022 (17 dias após), a FN (representada nos autos pelo MP) veio juntar aos mesmos documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça no montante de 408€, “em rectificação” (substituição?) da anterior.

         E certo e sabido que, nos termos do disposto no art. 145/2 do CPC, “A comprovação de pagamento de taxa de justiça de valor inferior ao devido, nos termos do RCP, equivale à falta de comprovação.”

         A mesma norma estabelece dois regimes diferentes: caso a peça processual apesentada não for a petição inicial, a parte deverá proceder à comprovação do pagamento da taxa de justiça devida nos 10 dias subsequentes, “sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570.º e 642.º”. Caso se trate de petição inicial, tem-se entendido – vide Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, CPC anotado, vol. I, Almedina, 2018, pág. 174 – dever ser seguido o regime definido nos artigos 552/3, 588/-f e 560 do CPC.

         Sucede que o art. 560 do CPC actualmente (redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 97/2019, de 26/07, com entrada em vigor em 16/09/2019) prescreve que “Quando se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, a parte não esteja patrocinada e a petição inicial seja apresentada por uma das formas previstas nas alíneas (a) a (c) do n.º 7 do artigo 144.º, o autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea (f) do artigo 558.º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a acção proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo.”

         Ora, apesar de a reclamação de créditos em processo executivo dar origem a um incidente de carácter declarativo (vide o que ilustra o art. 791/1 do CPC; vide ainda, a título exemplificativo, acórdãos do TRL de 03/07/2007, proc. 2887/2007-1, e do TRP de 17/01/2005, proc. 0457125) enxertado em processo executivo, não nos parece possível equiparar, para efeitos de eventual aplicação do disposto no art. 560 do CPC, o requerimento inicial de reclamação de créditos a uma “petição inicial”.

        Por outro lado, e demonstrando a especificidade do articulado quando comparado com uma petição inicial (para os termos ora em análise): (i) A FN é citada para reclamar créditos em processo executivo (cf. art. 786/2 do CPC), pelo que a sua intervenção é espoletada no processo executivo, donde não se assemelha à petição inicial “típica”; (ii) À reclamação de créditos após citação para o efeito é aplicável o disposto no art. 139/5 do CPC, o que não é imaginável que se aplique a uma petição inicial num processo comum (por exemplo).

         Mas, se – conforme supra exposto – não entendemos aplicável o disposto nos artigos 552/3, 588/-f e 560 do CPC à presente reclamação de créditos – o que levaria à sua recusa – sempre se dirá que a não apresentação de taxa de justiça no montante inferior ao devido não passa incólume, nos termos das disposições do nosso processo civil.

         Assim,

         Dê-se cumprimento ao disposto no art. 570/3 do CPC, sendo que como foi junta (posteriormente) taxa de justiça no valor correcto, só deverá ser liquidada a multa prevista na norma em causa.

         Advirta que a não comprovação atempada do referido pagamento consequenciará o disposto no art. 570/5 do CPC.

                                                *

         Da alegada extemporaneidade da apresentação da reclamação de créditos:

         Sem prejuízo do supra decidido, mas por razões de celeridade processual, notifique-se o Sr. Agente de Execução para que venha informar estes autos se, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 10 da Portaria 331-A/2009, de 30/03, se encontra registada a data e hora da primeira consulta da citação remetida à FN; em caso afirmativo, remetendo documento comprovativo; em caso negativo, dizer o que sobre tal entender por conveniente. Prazo: 10 dias.

                                          *

         Notifique os intervenientes processuais do presente despacho.”

              A 27/06/2022, o MP apresentou o comprovativo do pagamento da multa no valor de 204€.

            A 01/07/2022, o AE veio dizer que “o sistema informático GPESE/SISAAE não regista a data e hora da primeira consulta da citação remetida à Fazenda Nacional. Mais informa que a dita citação foi feita e ficou registada a 04/03/2022.”

            A 28/07/2022 foi proferida sentença não admitindo parte da reclamação, declarando verificados os outros créditos e graduando-os, para efeitos de pagamento pelos bens móveis penhorados, pela seguinte forma: 1º Os créditos reclamados pela Fazenda Nacional; 2.º A quantia exequenda.

            A exequente interpôs recurso desta sentença – para que seja revogada e substituída por outra que rejeite liminarmente a reclamação de créditos apresentada pela FN por não ter sido paga a taxa de justiça devida e, ainda, por a mesma ser intempestiva – terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem na parte útil, em síntese e com simplificações:

2. A reclamação de créditos, deduzida pela FN, continha documento comprovativo do pagamento de uma taxa de justiça no valor de 204€, quando devia ter sido paga uma taxa de justiça no valor de 408€ nos termos do art.7/2 e da tabela II do Regulamento das custas processuais, o que determina a rejeição da reclamação de créditos nos termos conjugados do disposto no art.145/2, 552/7 e 558/1-f, todos do CPC.

3. Porquanto, a reclamação de créditos deduzida no âmbito de um processo executivo configura um articulado em tudo semelhante a uma petição inicial, pelo que o pagamento de uma taxa de justiça de valor inferior ao devido equivale à falta de comprovação do prévio pagamento da taxa de justiça devida e determina o desentranhamento da petição nos termos daquelas normas.

4. Neste sentido, os acórdãos do TRE de 11/11/2004, proc.1967/04-2; do TRP de 16/12/2004, proc.0436815; do STJ de 18/11/2008, proc. 08B2990; e do TRP de 24/04/2012, proc. 1776/09.5TBVLG-B.P1.

5. Por conseguinte, é, de todo, impossível suprir a falta por aplicação do art. 570/3 do CPC, cuja previsão admite o suprimento da falta de apresentação desse documento mediante o pagamento de uma multa, porquanto trata-se de um preceito que se reporta especificamente à falta de apresentação do documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça junto com a contestação […]

6. É, também, impossível suprir a falta por aplicação do art.145/3 do CPC, cuja previsão admite o suprimento da falta de apresentação desse documento junto com a contestação e com o recurso, por via da remissão para os artigos 570 e 642 do CPC, e deixa expressamente de fora do seu âmbito de aplicação as situações em que esse documento não é apresentado com a petição inicial […].

7. É, ainda, impossível suprir a falta por aplicação do disposto no art. 560 do CPC, o qual admite a apresentação de um novo articulado ou do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça no prazo de 10 dias após a recusa de recebimento do articulado, porque, no caso, não estão preenchidos os requisitos cumulativos da aplicação deste preceito e que são: tratar-se de causa em que não é obrigatória a constituição de mandatário, a parte não estar representada e o articulado ter sido apresentado na secretaria do tribunal, por correio registado ou por telecópia.

[…]

9. A reclamação de créditos da FN foi apresentada no 1º dia útil após o decurso do prazo, sem que tivesse sido paga a multa prevista no art. 139/5-a do CPC, pelo que a mesma jamais poderia ser considerada tempestiva.

10. O art. 4 do Regulamento das Custas Processuais não prevê qualquer isenção de custas a favor do Estado ou da FN.

11. Por seu turno, em relação ao Ministério Público o art. 4/1-a do RCP apenas prevê a isenção de custas quando o MP actue em nome próprio na defesa dos direitos e interesses que lhe são confiados por lei.

12. O que não é, manifestamente, a situação dos presentes autos, uma vez que MP não atua em nome próprio, mas, sim, em representação da FN e, como tal, são devidas custas.

13. É entendimento dominante da jurisprudência portuguesa que se o MP não está isento de custas, então também não está isento da sujeição à multa cominada no art.139/5 do CPC. Neste sentido dispõe o acórdão do STA de 18/04/2018 [proc. 01366/17].

14. Contra o exposto não vale o disposto no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 33/2012, de 06/03, ao qual faz referência a sentença recorrida, porquanto o mesmo reporta-se a uma situação distinta da dos presentes autos.

15. Pois, esse acórdão do TC pronuncia-se apenas sobre a admissibilidade do MP poder praticar actos processuais dentro dos 3 dias subsequentes ao termo do prazo, sem que a sua validade fique dependente da emissão de uma declaração no sentido de pretender praticar o acto nesses 3 dias, mas não se pronuncia quanto à isenção da multa a se reporta o art. 139/5 do CPC.

16. Além disso, esse acórdão do TC foi proferido no âmbito de um processo de promoção e protecção de menor, no qual o MP age em nome próprio na defesa dos direitos e dos interesses que lhe são confiados por lei nos termos do art. 105 da Lei 147/99, de 01/09, que aprova a lei de protecção de crianças e jovens em perigo, e que dispõe expressamente que a iniciativa processual nesse tipo de processos cabe ao MP, o que não configura a situação dos autos.

17. Em suma, no caso, porque o MP atua em nome, e representação, da FN, e não em nome próprio, são devidas custas e, por maioria de razão, são devidas multas, designadamente, a multa prevista no art.139/5-a do CPC.

[…]

20. Em face do supra exposto, a sentença recorrida jamais poderia ter declarado reconhecido, e verificado, o crédito reclamado pela FN, graduando-o em 1º lugar, porquanto impunha-se rejeitar a reclamação de créditos e declará-la intempestiva.

21. Pelo que, a fazê-lo a sentença recorrida violou o disposto no art.791/4 do CPC, uma vez que se imponha a rejeição liminar da reclamação de créditos.

            A FN contra-alegou, no essencial aderindo aos fundamentos do despacho recorrido.

                                                      *

            O recurso subiu, como devido, nos próprios autos e com o efeito devolutivo.

                                                      *

            Questão que importa decidir: se a reclamação de créditos devia ter sido desentranhada e/ou declarada intempestiva e por isso rejeitada.

            Os factos que importam à decisão desta questão são os que foram relatados acima.

                                                       *

            Quanto ao 1.º fundamento do recurso (conclusões 2 a 7 e 20 e 11), ele tem a ver com a seguinte fundamentação da sentença recorrida (pressuposto o despacho de 23/06/2022):

         Pelo despacho de 23/06/2022 entendeu-se ser de determinar o cumprimento ao disposto no art. 570/3 do CPC, uma vez que a FN procedeu à junção, posteriormente à apresentação da reclamação, da taxa de justiça no valor correcto.

         E a FN cumpriu com o disposto no art. 570/3 do CPC, procedendo ao pagamento da multa processual.

         Motivo pelo qual se indefere a pretensão da exequente de rejeição da reclamação de créditos.

            Apreciação:

            Antes de mais nada, note-se que a FN demonstrou que, no último dia do prazo para a reclamação de créditos – 21/03/2022 como é aceite por todos os intervenientes e será demonstrado na 2.ª parte – pagou a taxa de justiça devida, de 408€. Fez essa demonstração antes mesmo de saber que a questão se ia levantar e antes mesmo de a exequente a ter levantado.

            Tanto seria o bastante para afastar qualquer relevância do 1.º fundamento do recurso: se, no momento da apreciação da questão da omissão de comprovação do pagamento da taxa de justiça devida, a parte, antes mesmo de a questão se ter levantado, já tinha comprovado que tinha feito o pagamento do valor devido antes do termo do prazo, nada mais devia restar ao tribunal que aceitar esse pagamento e dele retirar as devidas consequências quanto à regularidade do processado (nem que mais não fosse ao abrigo do art. 146 do CPC – neste sentido, também, veja-se, o acórdão do TRE de 24/02/2022, proc. 408/20.5T8SLV-A.E1: III. Tendo o embargante invocado, no prazo de reclamação do acto de rejeição pela secretaria da petição de embargos de executado por falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça, que tal falta ocorreu por mero erro ou lapso no preenchimento ou submissão do formulário, onde não consta indicada a referência do DUC pago, e tendo comprovado que o DUC respeitante ao pagamento da taxa de justiça em causa tinha sido efectivamente pago antes da apresentação da petição, deve considerar-se suprida tal falta e corrigido o erro, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 146.º do CPC).

            Mas, se a parte não tivesse feito esse pagamento no tempo devido (situação que, repete-se, não é a dos autos e que a seguir apenas se considera a benefício de discussão), a consequência nunca poderia ser a da rejeição da prática do acto (da reclamação de créditos, como quer a exequente.

            Das normas dos artigos 145, 552, 558/1-f, 570 e 642 do CPC resultam três tipos de casos diferentes: a omissão do pagamento da taxa de justiça devida diz respeito a uma petição inicial, ou a contestações ou a recursos:

            No caso de petições iniciais, quando a petição é recusada, o autor fica a ter conhecimento do vício que impede o recebimento e por isso pode reagir logo a seguir (embora hoje, desde a alteração da redacção do art. 560 do CPC por força do DL 97/2019, se possa discutir a qualidade dessa reacção). Nos casos das contestações e recursos, a parte acaba por ser notificada, pela secção, para fazer o pagamento omitido com um acréscimo de multa.

            Posto isto

            A reclamação de créditos tem, realmente, como defende a exequente e ao contrário do que é pressuposto na sentença recorrida, a natureza de petição de uma acção declarativa e não de uma contestação. Neste sentido vão todos os acórdãos referidos pela exequente e poderia ainda citar-se Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 3.º, 3.ª edição, Almedina, 2022, pág. 701 – “A reclamação […] tem de ser articulada […] visto introduzir […] uma acção declarativa com processo comum […]” e pág. 708 – A acção declarativa de verificação e graduação de créditos constitui um processo cominatório pleno […]”; bem como Lebre de Freitas, A acção executiva, 7.ª edição, 2017, Gestlegal, pág. 366: “Citados os credores, este podem […] reclamar os seus créditos, mediante a apresentação de petição […]” – e Castro Mendes / Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, vol. II, CIDP/AAFDL, Março 2022, pág.895: “O credor reclamante deve apresentar uma petição inicial na qual […] deve pedir […] Esta petição deve respeitar os requisitos enumerados no art. 552, n.º 1 […]. A petição inicial pode ser recusada pela secretaria do tribunal, se ocorrer alguma das circunstâncias previstas no art. 558.º”

            Aliás, isto é válido para todos os outros enxertos declarativos do processo executivo: o incidente de liquidação, os embargos de executado, a oposição à penhora. E também vale para os embargos de terceiro.

            Mais, a divisão entre petições iniciais, contestações e recursos, que resulta daquelas normas, faz incluir neste regime das petições iniciais, todos os requerimentos de início de qualquer incidente de instância. Como diz Miguel Teixeira de Sousa, numa análise citada mais à frente, embora referindo-se especificamente ao artigo 560 do CPC: “Recorde-se ainda que o disposto no art. 560.º CPC é susceptível de ser aplicado a todas as petições e requerimentos que iniciam incidentes da instância ou processos declarativos propostos no âmbito do processo executivo, bem como em todos os regimes processuais não civis nos quais o CPC tenha aplicação subsidiária.”

            Tratando-se pois, no caso dos autos, de uma petição inicial de reclamação de créditos, tendo faltado a demonstração do pagamento, a secretaria devia ter recusado a reclamação de créditos e, não o tendo feito, criou uma situação não prevista na lei.

            Não estando a situação prevista, haveria que procurar para o caso a norma aplicável aos casos análogos e, na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema (art. 10.º/1/3 do CC).

            O art. 552/10 do CPC prevê a hipótese de o pedido de apoio judiciário, com base no qual o autor intentou uma acção com citação urgente, ser indeferido e de, por isso, o autor ter então que efectuar o pagamento da taxa de justiça no prazo de 10 dias a contar da notificação desse indeferimento, sob pena de desentranhamento da petição inicial apresentada, dispondo que o desentranhamento não deve acontecer quando essa notificação ocorrer depois de efectuada a citação do réu.

            Ora, para esta situação, que é a similar à dos autos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (CPC anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, 2017, páginas 496-497) dizem que deve “aplicar-se analogicamente a norma do art. 570/5 [do CPC…].” Esta norma impõe que o juiz profira um despacho a convidar o réu a proceder, no prazo de 10 dias, ao pagamento da taxa justiça e da multa em falta, acrescida de multa (no caso de já ter havido antes uma advertência).

            Para os casos em que existe já no processo uma contestação ou recurso relativamente ao qual não se mostra paga a taxa de justiça devida (ou situações análogas: apresentação de uma peça durante o prazo de tolerância sem o pagamento do acréscimo devido: artigo 139/6 do CPC), antes do desentranhamento da peça ou da desconsideração da mesma (por não ser válido o acto praticado) a parte é notificada para efectuar o pagamento omitido mais uma multa.

            Por tudo isto e também por força do princípio da igualdade, os tribunais, com raras excepções (apenas se encontraram como tais, os acórdãos do TRL de 27/09/2007, proc. 4627/2007-2; do TRP de 24/04/2012, proc. 1776/09.5TBVLG-B.P1; e do TRG de 02/12/2021, proc. 4269/21.9T8BRG.G1, nenhum deles referindo qualquer outro no mesmo sentido e o segundo com um voto de vencido), têm defendido que, para que uma petição inicial seja desentranhada, a parte tem, primeiro, de ser notificada para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido com multa.

            As soluções têm variantes subsequentes e fundamentações diversas nalguns casos, mas, na necessidade daquela notificação, estão de acordo todos os acórdãos referidos a seguir e muitos outros poderiam ser citados; e isto já antes da reforma de 2013 do CPC, ou melhor, desde o novo sistema do pagamento da taxa de justiça que vigora desde 2000 (DL 183/2000, de 10/08; vários deles já foram proferidos depois da alteração do DL 97/2019 e fazem-lhe referência e, apesar disso, a solução não difere na parte que importa ao caso dos autos, embora se note a tendência para actualmente se sustentar a decisão com base na aplicação analógica do art. 570 do CPC.

          Assim, apenas por exemplo, os acórdãos do TRC de 11/02/2003, proc. 3400/02 (só sumário); do TRC de 31/05/2005, proc. 1601/05; do TRP de 23/05/2006, proc. 0622181; do TRP de 09/10/2006, proc. 0654628; do TRE de 12/07/2007, proc. 1626/07-3; do TRL de 13/4/2010, proc. 2288/09.2TBTVD.L1-1; do TRL, de 21/06/2011, proc. 2281/09.5TVLSB.L1-7; do TRC de 16/10/2014, proc. 273/14.1TTCBR-A.C1; do TRG de 30/11/2016, proc. 3/15.0T8BGC.G1; do TRC de 11/10/2017, proc. 31321/17.2YIPRT.C1; do TRP de 23/11/2017, proc. 5087/15.9T8LOU-A.P1;  do TRE de 20/12/2018, proc. 41484/18.4YIPRT.E1; do STA de 13/03/2019, proc. 0896/10.8BEPRT 0357/17; do TRG de 28/03/2019, proc. 309/16.1T8CMN-B.G1; do TRP de 04/11/2019, proc. 1366/16.6T8AGD-D.P1; do TRP de 09/03/2020, proc. 2227/19.2YIPRT.P1; do TRG, de 22/10/2020, proc. 1115/18.4T8BGC-C.G1; do TRC de 27/04/2021, proc. 75109/20.3YIPRT.C1; do TRP de 20/09/2021, proc. 1266/21.8T8PNF.P1; do TRP de 10/01/2022, proc. 1087/21.8T8STS.P1 (que lembra a análise feita por Miguel Teixeira de Sousa sobre A (muito estranha) nova redacção do art. 560.º CPC, donde consta a defesa da inconstitucionalidade da nova redacção do art. 560 do CPC); do TRL de 22/03/2022, proc. 5178/10.2TBCSC-C.L1-A-7; do TRP de 12/09/2022, proc. 1322/21.2T8VFR.P1; e do TRC de 13/09/2022, proc. 37/08.1TBSCD-J.C1.

            No mesmo sentido, Salvador da Costa, Custas Judiciais, 8.ª edição, 2022, Almedina, páginas 48 e 49 diz que “Face ao referido regime de pagamento da taxa de justiça associado à apresentação da petição inicial em juízo, sobretudo as consequências jurídicas imediatas da sua omissão pelo autor, acima referidas, propendemos a considerar que, perante a referida omissão da secretaria, só detectada posteriormente, dever então o juiz proferir despacho determinativo da notificação do autor a fim de, no decêndio posterior […] proceder ao pagamento em falta […].”

            Em suma, mesmo que a situação dos autos fosse a de a FN não ter demonstrado o pagamento da taxa de justiça devida até ao termo do prazo, o que já se viu não ser o caso, a consequência nunca poderia ser a da rejeição da prática do acto (da reclamação de créditos), como quer a exequente.

                                                      *

            A solução a que se chegou acaba por ser a mesma que a da sentença recorrida, embora se tenha lá chegado por outra via, isto é, pela via da aplicação directa do art. 570 do CPC.

            Outras decisões judiciais têm seguido o mesmo caminho para situações similares à dos autos neste ponto, isto é, para peças que introduzem enxertos declarativos no processo executivo, por entenderem que uma oposição à execução ou à penhora é, para estes efeitos, não uma petição inicial mas uma contestação – com o que não se concorda, por aquilo que já foi dito acima -; assim, por exemplo, os acórdãos do TRG de 20/04/2017, proc. 84/14.4TBBCL-C.G1; do TRE de 27/01/2022, proc. 2684/12.8TBSTR-F.E1; e do TRE de 24/02/2022, proc. 408/20.5T8SLV-A.E1.

                                                      *

            A exequente, para defender que o pagamento de uma taxa de justiça de valor inferior ao devido equivale à falta de comprovação do prévio pagamento da taxa de justiça devida e implica o desentranhamento da petição nos termos daquelas normas, invoca 4 acórdãos (os da conclusão 4 do recurso).

            Mas, como lembra o ac. do TRL de 22/03/2022, proc. 5178/10.2TBCSC-C.L1-A-7, tais acórdãos surgiram numa altura em que se discutia “a natureza da reclamação de créditos como processo autónomo ou mero incidente da acção executiva”, para resolver a questão colocada pela “introdução de alterações no regime das custas judiciais (do então CCJ, aprovado pelo DL 224-A/96, de 26/11) pelo DL 324/2003, de 27/12 [entrado em vigor em 01/01/2004], cujo art. 14.º dispunha que tais alterações apenas se aplicavam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor. Nesse contexto, diversos acórdãos dos tribunais superiores se pronunciaram no sentido da natureza incidental e subordinada do apenso de reclamação de créditos ao processo executivo, considerando que seria aplicável o regime de custas vigente à data da instauração da acção executiva e não da apresentação da reclamação de créditos, que seria apenas um incidente da execução propriamente dito.”

            Sendo esta então a questão que na altura importava resolver (isto é, se havia lugar ou não ao pagamento de taxa de justiça), dos quatro acórdãos citados pela exequente apenas um deles – o último, do TRP -, se debruça, e quase que só implicitamente e com um voto de vencido, sobre a questão conexa de saber se a secretaria devia ou não notificar o reclamante para pagar a taxa de justiça.

            O mesmo se diga, aliás, dos dois acórdãos invocados pelo despacho que está na base da sentença recorrida para dizer que a reclamação de créditos era um incidente e, por isso, não era uma petição inicial. Daí que esses dois acórdãos tenham decidido dar seguimento à reclamação de créditos, apesar de não ter sido paga a taxa de justiça, por entenderem que a taxa de justiça não tinha de ser paga, porque a reclamação de créditos não era uma petição mas um incidente de um processo que tinha sido iniciado antes da nova lei e, por isso, o MP e o IGFSS ainda beneficiavam da isenção do pagamento da taxa de justiça da lei antiga.

            Ou seja, nenhum dos quatro acórdãos invocados pela exequente, nem mesmo o último, ou dos dois invocados pelo despacho que está na base da sentença recorrida, decidiu a questão de saber o que é que acontecia quando, por algum motivo, a petição da reclamação de créditos era aceite pela secretaria em vez de ser recusada por não ter sido paga a taxa de justiça devida.

                                                       *

            Quanto ao 2.º fundamento do recurso (conclusões 9 a 17, 20 e 21), ele tem a ver com a seguinte fundamentação da sentença recorrida:

         A exequente alega a extemporaneidade da apresentação da reclamação de créditos por parte da FN.

         […]

         A própria FN, representada pelo Ministério Público, admite ser de considerar a data de 04/03/2022 como a da sua citação (vide art. 3 e ss da peça processual de 27/06/2022).

         Ora, assim sendo, o último dia do prazo para a FN apresentar a sua reclamação de créditos seria o dia 21/03 (19/3 – Sábado e 20/3 – Domingo).

         A FN apresentou a sua reclamação de créditos no dia 22/03/2022, primeiro dia útil posterior ao do fim do prazo para o efeito. Invocou expressamente, com a reclamação, o disposto no art. 139/5 do CPC.

         De consignar ainda que o MP (que representa a Fazenda Nacional nos presentes autos) encontra-se isento do pagamento da multa prevista no art. 139/5-a do CPC (vide acórdão do Tribunal Constitucional n.º 33/2012, de 06/03).

         É, assim, de concluir que a reclamação de créditos apresentada pela FN, representada pelo MP, foi tempestiva, por apresentada dentro do prazo previsto no art. 139/5-a do CPC.

            Apreciação:

            Não está em questão a conclusão de que a reclamação foi apresentada depois do prazo de 15 dias de que a FN tinha para o efeito, face ao facto, admitido pelo FN de que foi citada para o efeito a 04/03/2022.

            O que está em causa é apenas se, tendo o acto (a apresentação da reclamação, não o pagamento da taxa que, esse, já se viu ter ocorrido no dia 21, último dia do prazo…) sido praticado no primeiro dia útil depois do termo do prazo, a FN se podia aproveitar do prazo de tolerância ou de condescendência do art. 139/5-a do CPC sem ter pago a multa aí prevista.

            A sentença recorrida entende que sim porque o MP beneficiaria da possibilidade de se aproveitar do prazo de tolerância sem necessidade de pagar a multa do art. 139 do CPC, embora diga que o MP está a representar a FN. Na lógica da argumentação, podia ter invocado, melhor do que o citado acórdão do TC, o AUJ do STJ de 18/04/2012, proc. 667/08.1GAPTL.G1-A.S1, publicado no DRI de 21/05/2012, pág. 2640, em que se diz que “O MP, em processo penal, pode praticar acto processual nos três dias úteis seguintes ao termo do respectivo prazo, ao abrigo do disposto no artigo 145/5 do CPC, sem pagar multa ou emitir declaração a manifestar a intenção de praticar o acto naquele prazo.”

            O art. 145/5 do CPC corresponde actualmente ao art. 139/5 depois da reforma de 2013 do CPC e Lebre de Freitas e Isabel Alexandre esclarecem (CPC anotado, vol. 1.º, 3.ª edição, pág. 295) que o STJ fixou esta jurisprudência com argumentos em parte próprios do direito processual penal, mas com outros baseados no regime de processo civil.

            O ponto, no entanto, é que quem é parte num processo é a pessoa representada e não o representante.

            Daí que Miguel Teixeira de Sousa, no CPC online, em anotação ao art. 139 do CPC escreva: “O MP, quando intervenha em nome próprio (e não em representação: art. 21.º ss.), mesmo que como parte acessória (art. 10.º EMP), está isento de custas (art. 4.º, n.º 1, al. a), RCP) e, por isso, do pagamento da multa estabelecida no n.º 5.” [o sublinhado foi introduzido por este TRL].

            Aliás, um dos acórdãos citados pelo despacho que esteve na base da sentença recorrida, o acórdão do TRL de 03/07/2007, proc. 2887/2007-1, trata precisamente de uma questão decorrente das alterações introduzidas pelo DL 324/2003, de 27/12 que eliminou a isenção de custas de que antes gozava o MP, quando agia em representação da FN.

            Ora, se a parte é a FN e esta não está, desde 2004, dispensada do pagamento das custas nem da multa, tal basta para concluir que a multa tinha de ter sido paga.

            E que a FN não está isenta de custas ou de multas resulta a contrario do art. 4 do RCP quanto a custas e da inexistência de qualquer norma quanto a isenção de multas, nesse sentido indo o acórdão do STA de 18/04/2018 citado pela exequente (conclusão 13) – “Nos processos instaurados antes de 01/01/2004, a FN, por estar isenta de custas, pode usar da faculdade prevista no artigo 139/5 do CPC sem sujeição à multa aí cominada” – embora reportado a uma época anterior, em que, como a FN gozava de isenção de custas se entendia que não tinha de pagar multas.

            A sentença recorrida está, pois, errada quanto a esta parte, devendo ser revogada porquanto se baseia numa reclamação de créditos apresentada depois do termo do prazo.

            Tal não implica, no entanto, ao contrário do que pretende a exequente, a rejeição da reclamação de créditos.

            Revogando-se a sentença, ela tem de ser substituída por outra decisão que solucione a questão que foi mal decidida pela sentença recorrida.

            Ora, a questão que se colocava ao tribunal recorrido era a apresentação de uma reclamação de créditos no 1.º dia útil depois do prazo.

            Perante esta situação, o art. 139/5 do CPC dispõe que “Independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, fixada nos seguintes termos: a) Se o acto for praticado no 1.º dia, a multa é fixada em 10 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou acto, com o limite máximo de 1/2 UC; […].

            E o art. 139/6 do CPC acrescenta: “Praticado o acto em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25 % do valor da multa, desde que se trate de acto praticado por mandatário.”

            Quer isto dizer que o acto (a apresentação da reclamação de créditos) seria válido se a FN tivesse pago a multa de 10% do valor da taxa de justiça – que se sabe ser de 408€ – ou seja, uma multa de 40,80€. E, não o tendo feito no prazo de 3 dias seguintes, a secretaria, independentemente de despacho tinha de notificar a FN para pagar a multa de 40,80€ mais 25%, ou seja, mais 10,20€, num total de 51€.

            Não o tendo feito a secretaria espontaneamente, tinha de ser o juiz, mal se desse conta da situação, a determinar que a secretaria cumprisse a norma do art. 139/6 do CPC.

            Só então, se a FN, depois de notificada pela secção, não pagasse os 51€ é que a reclamação de créditos poderia ser desconsiderada, como fruto de um acto que tinha de ser considerado inválido.

            Se, em vez disso, pagasse os 51€, deveria então ser proferida sentença.

            Assim sendo, é essa notificação que tem de ser determinada em vez do que decidiu a sentença recorrida.

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            Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por esta outra decisão que determina que a secretaria notifique a FN para pagar 51€ sob pena de a reclamação de créditos não poder ser considerada validamente apresentada.

            Custas do recurso, na vertente de custas de parte, em partes iguais pela exequente (que é quem perde o recurso quanto à pretensão de substituição da sentença recorrida por outra que determinasse a rejeição do da reclamação de créditos) e pela FN (que perde o recurso na parte em que vê revogada a sentença que reconhecia e graduava os seus créditos).

            Lisboa, 25/12/2022

            Pedro Martins