Incumprimento – Juízo de Família e Menores de Lisboa
Sumário:
I – Há incumprimento do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais, se um dos progenitores não entrega os filhos ao outro para que eles passem juntos o período de tempo estipulado, sem justificação nem desculpa.
II – Para que seja possível aplicar a multa do art. 41/1 do RGPTC basta que o incumprimento seja culposo, não tendo de ser grave e reiterado. Mas a aplicação da multa não é uma imposição automática e o tribunal só a deve aplicar se as circunstâncias do caso o justificarem.
III – A maior ou menor gravidade do incumprimento deve ter apenas relevo no valor da multa. Esta tem apenas por fim razões de prevenção geral e especial, evitando novos incumprimentos, chamando a atenção para que o regime de regulação tem de ser cumprido, não sendo um castigo.
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:
J, intentou incidente de incumprimento contra C, em relação aos menores, filhos comuns de ambos, peticionando a marcação de conferência de pais, as diligências necessárias ao cumprimento coercivo da regulação das responsabilidades parentais na entrega dos menores ao requerente e a condenação da requerida em multa.
Alegou para tanto, e em suma, o incumprimento pela requerida do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais, no que diz respeito ao regime de convívios, porquanto a mesma recusou-se a entregar os menores para passarem com o requerente a segunda semana da Páscoa.
Notificada, a mãe pronunciou-se pugnando pela improcedência do incidente; dizendo que, ao contrário do pai, sempre manteve os canais de comunicação abertos permitindo-lhe falar com os filhos; que sempre permitiu que ele ligasse e falasse com os filhos, mesmo de números anónimos; sendo que numa das videochamadas disse aos filhos que estava num hotel em M, já depois de ter dito à requerida que ficaria em Lisboa a trabalhar caso fosse preciso cumprir o dever de auxílio aos filhos que se encontravam de quarentena rigorosa desde o dia 14/03/2020 na companhia da requerida, a qual efectivamente se preocupa com o bem estar e a integridade dos filhos; e o mesmo não ficara com os filhos no fim de semana anterior porque tinha vindo do estrangeiro (de país que não identificou até à presente data, com graves riscos quanto à possibilidade de contágio e incumprimento do dever de quarentena), o que deliberadamente ocultou da requerida violando assim o dever de comunicação entre os progenitores.
Conclui assim que foi a sua preocupação com a negligência do pai quanto ao cumprimento das obrigações de não deslocação e quarentena imposta pelo COVID 19, a par dos gravíssimos antecedentes quanto à saúde e bem estar dos menores expostos no apenso F, que determinou a sua actuação na defesa da integridade física destes.
O pai veio aos autos alegar que a mãe mantém a entrega de recusa dos menores, impedindo de forma reiterada os convívios do pai com os filhos.
Realizada conferência de pais, em conjunto com o processado no apenso F, pai e mãe formalizaram acordo quanto ao aditamento à cláusula 3ª (contactos) da regulação das responsabilidades parentais, nos seguintes termos:
3.3 Todas as quartas-feiras, sob condição de pertinência para decisão a tomar sobre a vida dos menores, a progenitora enviará um e-mail ao progenitor, acerca de assuntos estritamente relacionados com os menores, com dever de resposta no prazo de 24 horas, sendo que na ausência desta, fica a progenitora legitimada a decidir quanto às questões colocadas ao progenitor.
Tal acordo veio a ser objecto de homologação, e mais se determinou a suspensão da instância, pelo período de 4 meses.
Decorrido o prazo de suspensão e realizada conferência de pais em simultâneo com a realização da audiência de julgamento no processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, não veio a ser obtido qualquer consenso parental, pelo que foi determinada a notificação das partes para apresentação de alegações.
A mãe apresentou alegações e meios de prova, pugnando pela improcedência do incidente de incumprimento.
O pai apresentou alegações e meios de prova, pugnando pela condenação da mãe pelo incumprimento grave do regime.
(este relatório seguiu o relatório da sentença recorrida)
Depois de realizada a audiência final foi proferida sentença julgando verificado o incidente de incumprimento, no que concerne aos contactos dos filhos menores com o pai, nos termos em que foi suscitado, e condenando-se a mãe em 8 UC de multa.
A mãe recorre desta sentença – para que seja revogada ou, pelo menos, que seja revogada a multa – terminando as suas alegações com, para além da impugnação da matéria de facto transcrita mais à frente, as seguintes alegações sobre matéria de direito, na parte útil:
- A doutrina e a jurisprudência são unanimes em considerar que, para que exista um verdadeiro incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 41º do RGPTC, capaz de desencadear as consequências aí previstas, torna-se necessário que o progenitor não cumpra o que estiver estipulado, devendo tal incumprimento ser considerado culposo (praticado com dolo), grave e reiterado.
- Assim, o recurso ao regime estatuído no artigo 41º do RGPTC pressupõe uma crise, um verdadeiro incumprimento culposo, grave e repetido por parte do progenitor remisso e não uma mera situação ocasional surgida por motivos imponderáveis alheios à sua vontade.
- Veja-se, nesse sentido, na doutrina, Maria Clara Sottomayor, in Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, 4ª ed. revista, aumentada e actualizada, 2002, Almedina p. 91, nota 216, e Paulo Guerra e Helena Bolieiro, A criança e a família – Uma questão de Direito(s), Visão Prática dos Principais Institutos do Direito da Família e das Crianças e Jovens, Coimbra Editora, 2009, p. 246, nota 146.
- Na jurisprudência, o mesmo entendimento é sufragado em diversos acórdãos, como, por exemplo, no ac. do TRP de 10/01/2012, proc. 336/09.5TBVPA-B.P1; ac. do TRL de 22/10/2015, proc. 2116/09.9TBCSC-H.L1; ac. do TRG de 23/02/2017, proc. 23/14.2T8VCT-A.G1; e ac. do TRG de 26/10/2017, proc. 2416/15.9T8BCL-C.G1.
- Ora, no caso em apreço, verifica-se que a imputada situação de incumprimento ocorreu no período que coincidiu com o início em Portugal da pandemia associada ao vírus SARS-CoV-2 (COVID-19) e com o consequente decretamento, em 18/03/2020, do Estado de Emergência, que impunha a adopção pela população de medidas de prevenção e isolamento social, tendo em vista a contenção e disseminação do vírus e a protecção da saúde pública.
- Conforme diversas vezes foi referido pela mãe nos e-mails trocados com o pai [são os transcritos – TRL], a progenitora e os filhos ficaram em regime de confinamento total desde o dia 14/03/2020, altura em que havia sido decretado o encerramento obrigatório dos estabelecimentos de ensino em Portugal, com efeitos a partir do dia 16/03/2020 (segunda-feira).
- Foi neste contexto que, no fim-de-semana de 04 e 05/04/2020, a mãe não entregou os menores ao pai, sendo que não o fez levianamente ou por capricho, nem em incumprimento do regime das responsabilidades parentais fixado.
- Fê-lo porque – além da normal preocupação com a saúde dos menores, numa altura em que havia pouca informação e em que os melhores comportamentos a adoptar e as consequências da exposição ao vírus eram ainda uma incógnita para todos, o que aconselhava prudência e preocupação e por si só poderia justificar um legítimo ajuste do regime dos convívios – tinha fundados receios de que, com o pai, os menores ficassem em risco de contágio.
- Sendo certo que a conduta do pai no que respeita ao exercício das responsabilidades parentais tem sido marcada por sucessivos e reiterados incumprimentos, nomeadamente quanto ao regime de convívios, bem como à falta de comunicação/informação, deliberada e sistemática, relativamente a questões relevantes sobre a vida das crianças, conforme alegado, nomeadamente, no Apenso F, o qual, pese embora tenha sido apreciado conjuntamente com o presente apenso e julgado improcedente, o facto é que a comunicação entre os progenitores é muito difícil, sendo que o progenitor se recusa a comunicar com a progenitora sobre questões relevantes da vida dos filhos.
- Foi esta falta de comunicação/informação por parte do pai que justificou o receio da mãe, num contexto de desconhecimento perante uma nova realidade e de especial vulnerabilidade, de entregar as crianças ao pai na Páscoa de 2020.
- O pai havia voltado de uma viagem ao estrangeiro, poucos dias antes da data em que se iniciaria a sua semana de férias de Páscoa com os filhos, nunca tendo esclarecido em que país havia estado e em que data havia regressado a Portugal, tal como claramente se percebe das comunicações trocadas entre pai e mãe.
- Já só em juízo, no âmbito do presente incidente, o progenitor veio concretizar que se tratou de uma viagem ao Dubai, da qual regressou no dia 14/03/2020 e que, na sequência disso, manteve-se em isolamento por um período de 14 dias, o que veio a ser provado pelo Tribunal (cfr. ponto 20 dos factos provados).
- Acresce que, tal como resulta igualmente da troca de e-mails entre os progenitores, a mãe sabia que o pai havia estado, na semana anterior às férias da Páscoa, num hotel em M, já que, numa das videochamadas realizadas com os filhos, isso mesmo foi mencionado pelo progenitor.
- Criando um justo receio na progenitora de que existiria um elevado risco de contágio, caso os filhos fossem entregues ao pai imediatamente após essa estadia num hotel.
- Sabe-se agora, efectivamente, que o pai havia adquirido alguns meses antes, através de uma sociedade da qual é gerente e único beneficiário efectivo, uma casa de férias em M inserida num complexo hoteleiro do empreendimento turístico, tal como veio a ser dado como provado no Apenso B da regulação das responsabilidades parentais (pontos 37, 38 e 39 dos factos provados da sentença do Apenso B).
- Nos e-mails trocados entre os progenitores, o pai nunca foi capaz de informar e esclarecer a mãe sobre as circunstâncias em que havia efectuado a última viagem ao estrangeiro e se havia realizado o posterior confinamento de 14 dias, bem como se durante a semana em M se encontrava numa situação de isolamento, por forma a que esta pudesse confiar que a saúde e o bem-estar das crianças não seriam postos em causa com a sua entrega ao pai.
- Nunca é demais relembrar que nesta altura (finais de Março/inícios de Abril de 2020), as notícias que nos chegavam a toda a hora sobre a evolução da pandemia eram verdadeiramente avassaladoras, registando-se milhares de mortes diárias em todo o mundo.
- Durante esse período, muitos progenitores que regressavam do estrangeiro ou exerciam profissões consideradas de elevada exposição ao risco, optavam por não conviver com os filhos durante todo o tempo em que consideravam existir receios de propagação e contágio, colocando, dessa forma, a saúde e bem-estar da criança acima da efectiva concretização dos convívios com o progenitor.
- É, pois, neste cont|exto pandémico grave e nunca vivido, ainda desconhecido de todos, que deve ser enquadrada a conduta da mãe.
- Repare-se que foi esta foi a única situação imputada à mãe de não entrega dos filhos ao pai, tratando-se, pois, de uma situação isolada e pontual, a qual não ocorreu por leviandade ou capricho da mãe, mas por esta estar absolutamente convencida que essa seria a melhor forma de proteger os filhos, assegurando a sua saúde e bem-estar.
- Isso mesmo resulta, de forma clara e inequívoca, dos documentos juntos aos autos, mais concretamente da troca dos e-mails entre o pai e a mãe já transcritos, bem como do teor do doc. 1 junto à resposta da mãe de 13/04/2020.
- Por diversas vezes a mãe apelou ao bom senso e razoabilidade do pai, sugerindo um adiamento da semana das férias da Páscoa, mostrando-se disponível para que, posteriormente, fosse compensado o tempo que o pai deixou de estar com os menores.
- É bem patente que nunca se verificou, da parte da mãe, qualquer intenção de obstaculizar os convívios dos filhos com o pai, estando apenas em causa circunstâncias que a fizeram crer que, face à grave situação pandémica existente, a saúde e bem-estar dos menores seria posta em causa caso fossem entregues ao pai.
- Daí que os menores nunca tivessem deixado de comunicar com o pai, quer por telefone quer por videochamada, durante o período em que não estiveram com o mesmo (cfr. ponto 21 dos factos provados).
- Mal andou, pois, o Tribunal recorrido ao considerar que não tinham justificação os receios da mãe, qualificando a sua conduta de ilícita.
- O Tribunal interpretou erradamente o regime, revelando incapacidade de enquadrar a situação em causa na conjuntura absolutamente excepcional de início de pandemia que se vivia nessa altura, em que todos e quaisquer comportamentos humanos eram ponderados e avaliados em função dos riscos de contágio do vírus.
- Numa situação normal, é evidente que informações sobre para onde o pai viajaria seriam completamente irrelevantes, do ponto de vista das responsabilidades parentais; o mesmo não se pode dizer no início do Estado de Emergência no país, com a imposição de um confinamento geral, em que esse tipo de informações se tornavam fundamentais para avaliação do risco de contágio.
- Sobre a avaliação da reiteração (ou não) da conduta da mãe, de modo a poder subsumi-la ao regime de incumprimento previsto no artigo 41º do RGPTC, o Tribunal recorrido, simplesmente, não se pronunciou.
- E não o fez porque, efectivamente, a mãe nunca obstaculizou convívios dos filhos com o pai; pelo contrário, sempre incentivou e promoveu tais convívios, estando em causa, no presente incidente, uma situação isolada e excepcional que justificou a conduta da progenitora.
- Ao julgar o presente incidente de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais procedente, condenando a mãe no pagamento de uma multa e nas custas processuais, o Tribunal recorrido interpretou e aplicou incorrectamente o disposto no artigo 41º do RGPTC.
- Por fim, sempre se dirá, por mera cautela e dever de patrocínio, ainda que se considerasse que a mãe incumpriu com o regime da regulação das responsabilidades parentais, a condenação da mesma em 8 unidades de conta seria manifestamente desproporcional e excessiva, face às circunstâncias e ao carácter absolutamente isolado desta situação.
O pai respondeu defendendo a sentença e o mesmo fez o MP.
A síntese da argumentação do pai é a seguinte, feita por ele, na parte útil:
I. Nas suas alegações de recurso a mãe admite o incumprimento, mas afirma que este se deveu a “motivos imponderáveis alheios à sua vontade”.
J. É factual, como alega a mãe, que o incumprimento ocorreu dentro do período de confinamento devido à pandemia associada ao vírus SARS- COV-2 (COVID-19).
K. Apesar deste facto, e como refere a sentença recorrida, “Na ver-dade, de acordo com os elementos dos autos (e é a estes que atendemos) não existe o mínimo fundamento para a mãe considerar que o seu intuito em querer proteger a saúde dos filhos, seja maior ou melhor que o do pai; ponto é que ao mesmo não se lhe arrede a possibilidade de o fazer, como sucede quando se priva o mesmo dos convívios com os filhos, e até quando se priva estes de igual modo dos convívios com o pai.”
L. A mãe foi apresentando várias “razões” para tentar fundamentar a sua recusa de entrega dos menores, a saber: (i) o Estado de Emergência em que o país se encontrava; (ii) o facto de o pai ter feito uma viagem ao estrangeiro e não ter supostamente cumprido a quarentena obrigatória na sequência dessa viagem; (iii) o alegado facto de o pai ter passado férias num suposto “Hotel” em M; (iv) o alegado facto de o pai conti-nuar a fazer a sua vida em condições normais e a ir trabalhar para o escri-tório; (v) pela alegada inexistência do período de férias da Páscoa, (vi) o pai já ter incumprido o regime acordado em alegadas ocasiões anteriores.
M. A própria mãe percebeu “a meio caminho”, isto é, ao longo do processo, que os motivos justificativos apresentados nos e-mails trocados com o pai não passavam de mera especulação da sua parte, pelo que não insistiu neles nas suas alegações de recurso.
N. Com efeito, a mãe tentou utilizar o argumento de que o pai também tinha várias situações de incumprimento e costumava incumprir o regime estabelecido, designadamente como vem explicado no Apenso F do presente processo.
[…]
P. Ora, concluiu a sentença recorrida, muito acertadamente, que “Desde logo, alegar-se os sucessivos incumprimentos pelo pai – não es-tando comprovados, como se vê inclusive do decidido no apenso F –para justificar a conduta obstaculizadora dos convívios não legitima a sua conduta.”
Q. Mais se acrescenta que no apenso F, relativo a um incidente de incumprimento intentado pela mãe contra o pai, foi julgado improcedente, tendo o Tribunal dado razão ao pai, pelo que se entende que a referida “reiteração” no incumprimento é uma afirmação vazia da pai, sem substrato real e proferida com profunda e grave má fé.
R. Nas suas alegações de recurso, a mãe focou-se especialmente no primeiro argumento invocado: a protecção e preocupação com a saúde dos menores no contexto pandémico.
S. A mãe tenta, nas suas alegações, justificar a recusa na entrega dos menores ao Pai no seu zelo e preocupação com a saúde destes, como se extrai, nomeadamente do ponto 14 das conclusões do recurso […]
T. Desde logo, a referida alegação – em especial, depois de toda a prova que foi produzida nos autos – é gravemente difamatória.
U. Tal como o pai tem vindo a demonstrar há vários anos – nos vários processos e apensos destes autos – a mãe persiste em injuriar o pai (pois, sem qualquer critério ou auto controle, acusa o pai de ser mau pai e de não ter interesse pelos menores) e em difamar o mesmo, alegando nos presentes autos e em todos os demais (incluindo em sede criminal) que o pai coloca os filhos em perigo, não se preocupa com eles, é mau e um negligente pai, etc.
V. A sucessiva ânsia de litigância da mãe prejudicou e prejudica gravemente os menores que, infelizmente, têm vivido os últimos 5 anos da sua vida sob este permanente discurso de maldizer e de tentativa de alienação parental.
W. Acontece que, quando finalmente existe uma decisão judicial como aquela que ora apreciamos que, de forma clara, objectiva e concreta, concluiu pelo manifesto e grave incumprimento da mãe, a mesma recusa-se a aceitar.
X. Ou seja, independentemente das decisões judiciais que a mãe apenas respeita se lhe forem favoráveis, a mesma não se coíbe de, sem qualquer concretização e/ou prova, difamar o pai de forma grave.
Y. Esta postura da mãe é bem reveladora do “inferno” que a mesma criou desde a separação que a mesma nunca conseguiu aceitar e/ou ultrapassar, ainda hoje tendo por único e exclusivo objectivo prejudicar o pai, indiferente às consequências nefastas que tal postura tem nos menores.
Z. Sem prejuízo do exposto, saliente-se que a mãe nem sequer esclarece em que medida a entrega dos menores ao pai colocaria, em concreto, a saúde dos menores em perigo.
AA. Na opinião da mãe, de um modo geral, os menores estariam mais susceptíveis à situação pandémica com o pai pelo simples facto de a mãe não ter informações detalhadas sobre a vida do pai dos menores, e seu ex-marido.
BB. Aliás, é precisamente o que decorre do na conclusão 16 das alegações de recurso, onde se pode ler que […] “Foi esta falta de comunicação/informação por parte do pai que justificou o receio da requerida” – e não apenas a preocupação com os dois menores.
CC. Ora, com a troca de e-mails junta aos autos, é possível perceber que o diálogo entre as partes é extremamente difícil e com um grau de litigiosidade relevante, o que se denota também da quantidade de apensos que existem no presente processo.
DD. Com efeito, o pai reduziu a comunicação com a mãe ao mínimo indispensável, isto é, aos assuntos com relevância para a vida e bem-estar dos dois filhos menores, sob pena de viver permanentemente inundado de insultos e acusações da mãe que tudo faz apenas para o prejudicar, sem qualquer preocupação sobre o impacto que tal postura teve e tem na vida e crescimento saudável dos menores.
EE. Aliás, a própria mãe admite tal facto, no seu e-mail de 30/03/2020, tendo escrito: “E depois dizes que queres falar só do necessário deles”.
FF. De facto, o pai pretende conversar com a mãe sobre os assuntos essenciais para os filhos, como a própria refere, respeitando a medida do necessário.
GG. Assim, é manifesto que a alegada falta de comunicação seja um argumento atendível no caso, ou que justifique a recusa de entrega dos dois menores, já que o pai mantém a comunicação sobre os temas essenciais e necessários para a vida dos filhos.
HH. Perante a falta de informação sobre a vida do pai, a mãe especula e cria “teorias” com base em palavras retiradas do contexto que ouve nas conversas do pai com os filhos pelo telefone.
II. Tendo sido a própria mãe a confirmar tal situação, afirmando na conclusão 19 da suas alegações de recurso que “a mãe sabia que o pai havia estado, na semana anterior às férias da Páscoa, num hotel em M, já que, numa das videochamadas realizadas com os filhos, isso mesmo foi mencionado pelo progenitor”.
JJ. Sucede, como já foi supra referido, que a falta de informação sobre a vida do pai não consubstancia uma razão válida para que a mãe obste aos convívios dos menores com o pai nos períodos previstos por acordo.
KK. A mãe terá de aceitar que não lhe cabe o papel de julgar, decidir e impor!
LL. Aqui chegados, fica evidente que andou bem, e não merece qualquer censura, a decisão do Tribunal recorrido que entendeu que “A isto somou a mãe acusar o pai da violação de um dever de comunicação/ /informação que também não se impõe ao pai já que não é ónus deste – em face das obrigações legais e decorrentes do regime fixado – prestar à mãe toda e qualquer informação sobre a vida que a mesma entenda por bem perguntar-lhe – sobre para onde se deslocou nem em que datas; mas tão somente as que dizem respeitos aos assuntos relevantes para a vida dos menores.”
MM. Ainda sobre a questão da alegada preocupação com a saúde dos menores como suposta justificação para incumprir o regime fixado e homologado pelo Tribunal, importa dizer que pai e mãe são igualmente capazes de zelar e proteger a saúde dos seus filhos, pelo que a mãe não podia ter assumido que era a única capaz de o fazer, retirando ao pai a possibilidade de conviver e cuidar dos menores num contexto de pandemia.
NN. Não condenar a mãe por este incumprimento e não o considerar grave seria permitir e legitimar que a mãe decida unilateralmente quando é que é um bom momento para o pai estar com os filhos menores, em função de anseios e medos próprios.
OO. Ora, tal como refere a sentença recorrida, “não pode a mera invocação desta [a pandemia] e o apregoar-se conclusivamente que apenas se visou proteger a saúde do filhos, justificar nem legitimar a decisão unilateral da progenitora em vedar os contactos dos filhos com o pai, desde logo a arrepio de decisão judicial cujo cumprimento se lhe impõe. Assim, a conduta da mãe em não permitir os convívios dos filhos com pai, não só viola a decisão judicial fixada, como o próprio direito dos filhos aos convívios com o pai.”
PP. O regime de convívios é imperativo, conforme esclarece a sentença, não se pode “afastar segundo a sua vontade, impondo ao outro [progenitor] o critério que subjectivamente entenda adoptar em determinado momento, arrogando-se de maior responsabilidade sobre os filhos comuns”.
QQ. Os períodos em que os menores não têm escola e têm oportunidade de estar vários dias seguidos com o progenitor com quem não residem habitualmente são de extrema importância, e diga-se que são mais do que uma obrigação legal que resulta do cumprimento do acordo em vigor, são um direito dos filhos ao convívio com o pai.
RR. Assim, o incumprimento em causa é especialmente grave uma vez que a mãe privou os menores do convívio com o pai não residente, durante um período que se prolongou durante cerca de um mês e meio consecutivo, que sem estes períodos (no caso, uma semana de férias da Páscoa!) foi afastado dos seus filhos menores e impedido de participar activamente na vida dos filhos e com eles passar tempo de qualidade.
SS. Retirar ilegitimamente este direito aos menores é vedar e limitar a sua relação com o pai e, contrariamente ao que tenta fazer crer a mãe, é um comportamento extremamente grave e, não havendo qualquer justificação válida para o mesmo, é culposo e deve gerar as legais consequências previstas, no caso, a condenação em multa.
TT. A mãe veio discordar da interpretação e aplicação do artigo 41.º do RGPTC ao caso em apreço, por considerar que o incumprimento em análise não foi grave e culposo, condições necessárias para desencadear consequências legais, nomeadamente a multa.
UU. A mãe tenta socorrer-se da doutrina e da jurisprudência para demonstrar que, para a recusa de entrega dos filhos menores ao outro progenitor, dentro dos convívios estipulados por acordo, originar consequências, tem de haver um “incumprimento ser considerado culposo (praticado com dolo), grave e reiterado”.
VV. Como já foi acima explanado, não se reconhece qualquer fundamento às justificações apresentadas, já que nada no comportamento do pai dos menores faz prever que a saúde dos menores fique prejudicada ou que estes fiquem mais expostos à infecção pelo vírus COVID-19 quando estão com o pai.
WW. Tal como concluiu o Tribunal recorrido, esta recusa de entrega dos menores não assegura nem salvaguarda o interesse dos mesmos, antes pelo contrário: “Ponderamos por outro lado que esta conduta – de se impedir a concretização de convívios com o progenitor não residente – em detrimento do interesse dos menores (que ao Tribunal incumbe salvaguardar), tende a minar a qualidade da relação pai- filhos, que se constrói com a presença.”
XX. Mesmo abrindo a hipótese de a mãe ter receios decorrentes da situação de Estado de Emergência que se estava a viver, não é aceitável – para o pai, nem para o Tribunal recorrido – que a reacção aos anseios próprios seja impedir os menores de conviver com o pai nos convívios atribuídos a este.
YY. Acresce que o incumprimento da mãe é especialmente culposo e grave por se ter prolongado por um período de cerca de um mês e meio, em que a mãe podia e devia ter invertido a sua posição incumpridora, nunca o tendo feito e preferindo inventar teses e desculpas sucessivas para levar a cabo o seu intento de afastar os menores do pai.
ZZ. O ordenamento jurídico português reconhece de tal forma a importância da manutenção dos normais convívios das crianças com o progenitor não residente (ou em residência alternada), que consagrou a excepção das “Deslocações por outras razões familiares imperativas, designadamente o cumprimento de partilha de responsabilidades parentais, conforme determinada por acordo entre os titulares das mesmas ou pelo tribunal competente;”, permitindo a circulação com base nesta situação.
AAA. Verificou-se que, tanto o Decreto 2-A/2020, de 20/03, que regulamentou a aplicação do Estado de Emergência, como o Decreto 2-B/2020, de 02/04, que regulamentou a prorrogação do Estado de Emergência, previam expressamente como excepção ao dever geral de recolhimento domiciliário as deslocações “para cumprimento de partilha de responsabilidades parentais, conforme determinada por acordo entre os titulares das mesmas ou pelo tribunal competente”.
BBB. Aqui chegados, contrariados que estão todos os argumentos invocados pela mãe para a recusa de entrega dos menores na semana de férias da Páscoa de 2020, que cabia ao pai, verifica-se que esta recusa não teve qualquer fundamento válido, constituindo na verdade um grave incumprimento do regime em vigor das responsabilidades parentais.
CCC. Pelo que, se pugna pela manutenção, na íntegra da sentença recorrida, que muito acertadamente condenou um comportamento da mãe que, para além de ser inaceitável e censurável, colide com o superior interesse dos menores.
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Questões a decidir: se a mãe não cumpriu a regulação e se, no caso de se entender que sim, se o fez de forma a merecer a multa que lhe foi aplicada.
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Foram dados como provados os seguintes factos provados que interessam à decisão das questões a decidir [as rasuras e os parenteses rectos – com as horas dos emails – foram colocados por este TRL; as horas estão provadas pelos e-mails que serviram para prova dos factos em causa; os factos 19-A e 19-B foram aditados em face do resultado da impugnação da decisão da matéria de facto]:
1 – O requerente e a requerida casaram-se civilmente, sem convenção antenupcial, na freguesia de Viana do Castelo, em 30/06/2007.
2 – Por sentença proferida em 08/04/2019, no processo de divórcio sem consentimento, de que este processo é apenso com a letra «F», foi decretado o divórcio do casal, dissolvendo-se o casamento, com efeitos reportados a 30/11/2016.
3 – Requerente e requerida são pais de S, nascido aos 03/11/2010, e de M, nascido aos 17/04/2013.
4 – No âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, que corre termos como apenso A, realizou-se conferência de pais no dia 12/06/2017, tendo então pai e mãe formalizado acordo parcial quanto ao exercício das responsabilidades parentais em relação aos filhos menores, nos seguintes termos, e além do mais que aí consta:
1.ª (Guarda e responsabilidades)
1.1 Os menores ficarão à guarda e cuidados da progenitora, junto de quem se fixa a residência;
1.2. As responsabilidades parentais de maior importância para a vida dos menores serão exercidas por ambos os progenitores e as responsabilidades relativas à vida corrente serão exercidas pela progenitor com quem os menores se encontrem em cada momento.
2.ª (Contactos e convívios)
2.1. A partir de Junho de 2017, os menores passarão fins-de-semana alternados de 15 em 15 dias com o progenitor, devendo este ir buscar os menores na sexta-feira ao estabelecimento de ensino, entregando-os depois no domingo, em casa da progenitora, até às 21 horas.
2.2. A partir de Setembro de 2017, os menores passarão fins-de-semana alternados de 15 em 15 dias com o progenitor, devendo este ir buscar os menores na quinta-feira ao estabelecimento de ensino, entregando-os depois no domingo, em casa da progenitora, até às 21horas.
3.ª (Contactos)
3.1. O progenitor com quem os menores estiverem no momento, compromete-se a facilitar os contactos entre os menores e o outro progenitor, devendo ser respeitadas os horários de descanso e as actividades escolares dos menores.
3.2. Os progenitores comprometem-se a comunicar um ao outro todas as questões relevantes relacionadas com os menores, nomeadamente no que diz respeito às questões de educação, saúde e bem-estar dos mesmos.
4.ª (Férias e épocas festivas)
4.1. Nas férias de verão de 2017, os menores passarão, no mês de Julho, semanas alternadas com os progenitores e no mês de Agosto uma quinzena com cada um dos progenitores, sendo que a primeira e terceira semanas de Julho e a 1.ª quinzena de Agosto pertencem ao progenitor e a segunda e quarta semanas de Julho e a 2.ª quinzena de Agosto pertencem à progenitora.
4.2. A partir do verão de 2018, os menores passarão, nos meses de Julho e Agosto, duas quinzenas alternadas com cada um dos progenitores, devendo o período que pertence a cada um ser acordado entre ambos.
4.3. Na falta de acordo entre os progenitores, relativamente às férias de verão, nos anos ímpares o progenitor terá preferência de escolha e nos anos pares a progenitora terá preferência de escolha, devendo estes comunicar o período que pretendem até ao dia 30 de Abril do ano a que diga respeito.
4.4. Nas férias da Páscoa de 2018, os menores passarão a 1.ª semana com a progenitora e a 2.ª semana com o progenitor, alterando anualmente.
4.5. Nas férias do Natal de 2018, os menores passarão a 1.ª semana com a progenitora e a 2.ª semana com o progenitor, alternando anualmente, devendo a troca ser feita no dia 25 de Dezembro antes do almoço.
4.6. Os menores passarão o Dia da Mãe e o aniversário desta com a progenitora e o Dia do Pai e o aniversário deste com o progenitor.
4.7. No aniversário dos menores, estes passarão uma refeição com cada um dos progenitores.
As partes acordam ainda que caso o progenitor se desloque, por motivos profissionais, ao estrangeiro no fim-de-semana em que os menores estariam consigo, poderá estar com estes noutro fim-de-semana em termos a combinar com a progenitora.
5 – Os menores passaram a primeira semana de férias da Pascoa do ano 2020 com a mãe.
6 – A mãe não entregou os filhos ao pai no fim de semana de 04 a 05/04/2020, para que passassem com este a segunda semana da Páscoa.
7 – O pai e a mãe trocaram por correio electrónico os escritos juntos em cópia a fls. 364-367 e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
8 – O pai enviou assim, no dia 29/03/2020, [às 13h01], um e-mail à mãe, além do mais, com o seguinte teor [transcrevem-se agora neste TRL os 3 últimos §§]:
“Relativamente a este período de férias da Páscoa, para evitar qualquer tipo de problema ou confusão, agradeço que clarifiques se é para ir buscar os miúdos:
a) no sábado, dia 4 de Abril, indo de volta sábado, dia 11 de Abril;
b) Domingo, dia 5 de Abril, indo de volta Domingo, dia 12 de Abril
Relembro-te que o computador que enviei para os miúdos é emprestado e, portanto, deverá ser devolvido quando os for buscar.
Saliento que o facto de teres bloqueado o teu número de telefone, que consta do processo de regulação das responsabilidades parentais, representa um grave incumprimento das tuas obrigações, o que ainda se torna mais grave nos tempos que correm.
Por último, agradeço que deixes de inundar este endereço com constantes e desnecessários emails e também que me deixes de ligar repetidamente a altas horas da noite. Limita, se faz favor, a comunicação ao estritamente necessário e exclusivamente com relação aos miúdos.”
9 – A mãe respondeu, no mesmo dia, enviando [às 18h11m10] um e-mail, além do mais, com o seguinte teor [transcreveram-se agora também os §§ 2 e 3]:
“Bem não sei mesmo qual a tua intenção de escrever este Mail.
Pois o telemóvel está desbloqueado e para além disso, só na parte que importa tens falado com eles. Aliás diga-se que ainda ontem falaste embora tenhas ligado já fora das horas estabelecidas pelo tribunal e da outra vez até falaste por vídeocamara sugestão unicamente minha para os conseguires ver.
Quanto ao restante, de inundar isto ou aquilo não entendo mais uma vez o que quer dizer.
Por último sei que estás numa casa de férias/hotel fora de Lisboa a fazer umas férias normais como se nada se estivesse a passar e qd disseste que ficarias em casa a trabalhar, para caso fosse necessário prestar algum apoio, auxílio aos nossos filhos. Coisa que não aconteceu até hoje. Para além de ter sabido que chegaste há pouco do estrangeiro.
Assim, relativamente ao estares presencialmente com os miúdos e, uma vez que tu sim, tens o telemóvel bloqueado como sempre e depois de te ter pedido para desbloqueares nesta altura (não se conseguindo falar no caso de emergência) respondo-te mais tarde, pois agora estou a tratar deles.”
10 – A mãe remeteu ao pai um e-mail, [às 01h41 de] 30/03/2020, além do mais, com o seguinte teor [os 2 primeiros §§ são agora transcritos]:
“Este Mail está bloqueado (como sempre), o outro que deixaste em tribunal para mais de 3 anos nunca respondeste por ele. Portanto não há comunicação propositadamente.
Desbloqueias este Mail para enviar um Mail, dizendo mentiras e coisas que só por ti foram cometidas e depois voltas a bloquear para não me permitires que eu responda, gravíssimo.
Mas a preocupação com o bem estar dos miúdos e a omissão de qualquer dever de auxílio (tendo em conta o que vivemos e no caso de ser preciso) e assistência é notória.
Não podes enviar mails, bloquear de seguida tudo (para não seres incomodado com os assuntos deles, o bem estar) especialmente nesta fase e ainda vir dizer que “só queres falar o estritamente necessário deles” quando bloqueias o Mail e o outro nunca respondes por lá (até há pouco tempo fingindo que não recebias os Mails nomeadamente do colégio, saúde, bem estar e tempo com eles, etc.) para não teres que assumir qualquer responsabilidade deles (como se eles não existissem ou fossem os dois também teus filhos), e dizendo no Mail coisas falsas em relação à minha postura e que tu, e só tu sim é que as cometeste e depois dizer que queres limitar ao necessário deles.
Mas se o Mail está bloqueado!
O outro nunca respondeste por ele para tentares justificar que não os recebias!
Estamos a passar uma coisa terrível e tu foste para o estrangeiro (já com as escolas fechadas e nós havemos casa de quarentena), não me comunicaste nada, uma vez que no dia seguinte ias receber os miúdos! Uma irresponsabilidade gravíssima!
A seguir (já depois de dizeres que ias ficar em Lisboa a trabalhar e para caso necessário prestares o dever de auxílio aos teus filhos) foste de viagem para M para uma casa de férias num hotel (já tinha sido decretado o estado de emergência)!!!
Disseste ao M que depôs iam para lá e que ele poderia brincar com uns miúdos!
Continuas a fazer a tua vida sem ser em quarentena agora obrigatória!!! Uma irresponsabilidade cívica e uma falta de noção e respeito pela sociedade, filhos, eu e todos incrível!
E depois dizes que queres falar só do necessário deles, e bloqueias o Mail! O telemóvel! Tudo! Não querendo saber de todo, dos miúdos e se fosse preciso alguma coisa, não protegendo a saúde física deles e de toda a comunidade. Isto é uma epidemia! Não se pode andar a sair do País (e ocultar-me essa informação extremamente relevante para receberes os miúdos, pondo em causa a saúde deles!) Não se pode ir passar férias para M numa casa dentro do hotel! Muito provavelmente o hotel fechou hoje e a piscina, restaurante e outras áreas de lazer e por isso deves ter vindo agora para Lisboa e também por isso dizes agora que queres os miúdos. É de uma negligência grosseira.”
11 – O pai, em resposta ao e-mail referido em 10, comunicou à mãe, por e-mail [das 14h11 de 30/03/2020]:
“Não respondeste à questão das férias, a única que era para responderes.
Pergunto novamente, para evitar qualquer tipo de problema ou confusão, agradeço que clarifiques se é para ir buscar os miúdos:
a) no sábado, dia 4 de Abril, indo de volta sábado, dia 11 de Abril
b) Domingo, dia 5 de Abril, indo de volta domingos, dia 12 de Abril
12 – Na falta de resposta da mãe, o pai enviou novo e-mail [às 11h14 de] 01/04/2020, informando:
“Continuo a aguardar resposta quanto às férias. Se nada disseres vou buscar os miúdos no Domingo, dia 5 de Abril de manhã.”
13 – No dia 01/04/2020, pelas 12h12, a mãe enviou e-mail ao pai do seguinte teor:
“Tendo em conta que o risco é elevadíssimo nesta fase de pandemia, as trocas, contacto com mais pessoas, e que até pouco tempo não estavas com eles em alguns dos teus fins-de-semana e férias, a única solução razoável, prudente e única maneira de os proteger do elevado risco de contágio é adiar as férias e eventualmente compensar em momento posterior. Até porque eles e eu estamos de quarentena voluntária desde 14 de Março e tu não. Foste na semana que as escolas já estavam fechados para o estrangeiro (destino desconhecido), a semana passada foste de férias para um hotel/casa de férias e ainda não fizeste a quarentena agora obrigatória de pelo menos 15 dias, o que ias expor de forma grave os miúdos ao risco de potencial contágio, há outras formas de pelo menos estes próximos 15 dias estares em contacto à distância com eles, pelo telefone (como sempre).
Nesta fase, nem sequer há férias pois perante a pandemia e situação de mitigação e apelos cívicos do governo (nós cumprimos rigorosamente desde o dia 14 de Março) pelo que também deverias fazer o mesmo, pelo dever cívico que se impõe a todos nós, e pelos teus filhos. Pelo que este Mail não faz sentido, por não ser razoável e causaria elevadíssimo risco para eles (nesta fase), tendo que adiar as férias para momento posterior (logo que passem mais 15 dias e quando fizeres a quarentena agora obrigatória pelo governo, não indo de férias para um hotel, há formas de compensar e como sabes bem). Devias ser o primeiro tendo em conta todo o contexto e apelos do País e porque estiveste à pouco tempo no estrangeiro e em casa de férias num hotel a não querer arriscar em expor os miúdos neste caso em concreto a elevado risco de contaminação.
Assim, e por tudo isto, como sabes o Mail das férias nesta altura não faz qualquer sentido, pois terá que se aguardar pelo menos 15 dias e depois ir vendo e decidindo por forma a que a quarentena deles desde o dia 14 de Março e saúde deles não seja posta em causa.”
14 – No mesmo dia 01/04/2020, pelas 12h27, a mãe enviou e-mail ao pai com o seguinte teor:
“Assim o Mail (como sabes) e o título não faz qualquer sentido, especialmente nesta fase, causa muita estranheza, agora queres os miúdos durante uma semana (quando antes não ficavas conveses el [sic – TRL] alguns dos teus fins-de-semana e férias e nunca quiseste sequer compensar esse tempo, para além de outros factores graves).
Vir agora, nesta fase de pandemia, depois de chegares de país desconhecido e teres estado de férias num hotel em M ainda a semana passada é no mínimo estranho. Pois sabes que, o risco de contágio é elevadíssimo nesta fase, eles e eu estamos de quarentena e poderias sempre compensar este tempo (se o quisesses fazer pela primeira vez). Assim, a única solução prudente, razoável, de bom senso (já para não falar no enquadramento total) é adiar as férias (e tu sabes bem disso).
Portanto não sei mesmo qual a intenção repentina do Mail e agora nesta fase crucial, agora queres férias com eles, sabendo perfeitamente que, por uma questão de risco elevadíssimo para eles que eu nunca iria concordar, porque também (mas não só) vieste do estrangeiro e estiveste num hotel de férias em M a semana passada, obviamente colocando a saúde deles em causa… e sabes disso…
Portanto não entende, de todo o Mail.
15 – O pai comunicou à mãe, por e-mail [das 09h22] de 02/04/2020:
“é de lamentar que uma vez mais estejas a colocar os teus devaneios mentais à frente do interesse dos miúdos.
Ao contrário do que afirmas, estamos sim em período de férias escolares e o estado de emergência nacional prevê inclusivamente medidas para que os filhos de pais separados não sejam afectados. O que tu estás a fazer agora não só é inacreditável como representa uma violação muito grave do que está estipulado em termos de responsabilidades parentais. Espero que reconsideres e que cumpras com o que está acordado, sendo certo que irei, desde já, tomar todas as medidas ao meu alcance para evitar que me proíbas mais uma vez de estar com os meus filhos.”
16 – O pai por e-mail [das 18h39] de 02/04/2020 comunicou ainda à mãe:
“para que fique bem claro, o regime de regulação das responsabilidades parentais não está, de forma nenhuma, suspenso, pelo que irei buscar os meus filhos no próximo dia 5 de Abril, pelas 11h30. Como já referi, o Governo decidiu excluir expressamente do dever geral de recolhimento obrigatório as deslocações para cumprimento de partilha de responsabilidades parentais. Assim, se insistires com a recusa de entrega dos meus filhos, tal constituirá uma situação de incumprimento grave da regulação das responsabilidades parentais em vigor.
Apesar de não ter que te dar nenhum tipo de justificação sobre a minha vida é importante salientar que as tuas divagações sobre um qualquer hotel não só são absolutamente falsas como pura e simplesmente descabidas. Recordo-te também que nos termos da regulação das responsabilidades parentais em vigor tens de ter o número de telemóvel que indicaste no processo disponível, o que não tem acontecido.
Espero que consigas colocar o interesse dos meus filhos acima de tudo e que cumpras com as tuas obrigações.”
17 – A este e-mail a mãe respondeu [às 23h02 d]o mesmo dia (02/04/2020):
“Bem… por agora envio cópia das chamadas feitas por ti, o que desmente e deixa claro quem é que mente (como sempre em tudo).
Tens falado como sempre com eles, até por vídeo chamada (note-se sugerida por mim) bem como, fora de horas estipuladas e que mostram claramente que se o telefone estivesse bloqueado não apareceria o teu número de telefone, bem como decidiste repentinamente ligar de número anónimo, mas também falaste com eles conforme estipulado pelo tribunal (e como sempre cumpri rigorosamente em tudo). E tu não (não só aqui mas em situações bastante mais graves).
Não tens o número activo que te comprometeste em tribunal, das últimas vezes entregaste os miúdos doentes e nada comunicaste como te comprometeste em tribunal e mesmo depois de questionado sobre o que tinham (como sabes o requerimento de incumprimento já entrou em tribunal), chamaste a polícia num dos fins-de-semana que sabias perfeitamente que não era o teu e, só o fizeste para tentar perturbar a mim e miúdos (incumprimento que também como sabes entrou em tribunal), não entregaste os miúdos quando devias e na hora que devias e estavas obrigado pelo tribunal (depois de vários mails meus a perguntar, a querer saber o que se passava e porque não vinham eles de volta na hora e dia marcado, incumprimento também em tribunal) entre outros graves, reiteramos.
Portanto aqui se vê quem mente em tudo o que diz e faz sem nunca pensar nos miúdos acima de qq outra coisa.
Para além disto soube que tinhas acesso sem poderes ao meu número de telemóvel, facturas, sem dizeres nada para mais de 2 anos, gravíssimo e bem demonstrativo da verdadeira intenção em manter um litígio que nunca deveria existir, pois ainda tendo em conta todo o teu contexto pessoal actual nesta pandemia.
Qt ao resto respondo depois pois agora tenho que tratar deles.”
18 – [Às 11h47] de 04/04/2020 o pai enviou novo e-mail à mãe com o seguinte teor:
“No seguimento dos teus emails e dos emails do teu advogado, agradeço que informes se manténs a tua recusa em entregar-me os miúdos amanhã ou se entretanto reconsideraste a tua posição.
Na falta de resposta, presumo que manténs a tua recusa, mesmo em prejuízo do melhor interesse dos miúdos.
Quanto a tudo o resto, será certamente tratado nas instâncias próprias.”
19 – Na sequência disso, a mãe enviou ao pai um e-mail às 14h41 de 04/04/2020, com o seguinte teor:
“Noto que desbloqueaste o Mail para enviar um. Vamos ver se mais uma vez e como sempre o Mail está também bloqueado.
Conforme sabes o melhor interesse para os miúdos, a salvaguarda deles e nesta fase não é forçares uma situação de férias da Páscoa (quando não há férias da Páscoa para ninguém), pondo em causa o risco elevadíssimo de contágio aos miúdos uma vez que não só o País e mundo está numa situação gravíssimo de pandemia, os vários avisos por parte do governo para todos ficarem em casa de quarentena e tu, foste para o estrangeiro à pouco tempo (País desconhecido de contágio de Coronavírus), bem como, a semana passada foste de férias para um hotel em M (já depois de todos os avisos/pedidos do governo para ficarem em casa), estares a trabalhar sem fazer qualquer quarentena obrigatória pondo em risco elevadíssimo o contágio aos miúdos que estão comigo de quarentena desde o dia 14!
Para além de até há pouco tempo não estavas com eles nas férias, nem nos fins-de-semana, que ficaram acordados em ata.
Aliás diga-se que (como sabes bem) há vários incumprimentos teus graves em relação aos miúdos e que estão em tribunal neste momento (ao contrário de mim, que sempre cumpri rigorosamente em tudo e com tudo deles). Portanto não é verdade o que dizes (como sempre e tu sabes).
Também é falso que não fales com eles pelo telemóvel, pois como sabes até há pouco tempo nem ligavas para eles, agora que ligas falaste até por videochamada (sugerida somente por mim) e de outras vezes até ligaste e falaste embora já fora de horas estipuladas pelo tribunal.
Assim não se entende qual a tua verdadeira intenção em tudo isto, com mentiras e tentando forçar um litígio onde tu deverias ser o primeiro (tendo em conta o teu contexto pessoal e mundial) a não o criar, pois tratando-se da saúde, bem estar, e o elevado risco de contágio do vírus aos miúdos, e sendo tu o Pai deverias querer protegê-los e não forçá-los a exposição de risco elevado para manteres um litígio que deveria ser pacífico para eles.
Tendo em conta que estiveste há pouco tempo no estrangeiro, e ainda a semana passada num hotel sem cumpristes em nada com a quarentena obrigatória e mesmo assim, insistires/forçares e só pelo litígio em não proteger os miúdos de elevado risco de contágio, deve prevalecer o bom senso e a segurança e integridade física deles sempre e acima de tudo.”
19-A – A mãe enviou ao pai, em 04/04/2020, pelas 18h53, um e-mail com o seguinte teor:
“Em primeiro lugar o teu mail é falso (mais uma vez) e bastante ofensivo em relação a mim.
Não podes falar assim, até porque (como sabes) é falso o que dizes, até hoje sempre cumpri rigorosamente com tudo e tu é que não e com coisas mais graves, e por isso tens em tribunal vários incumprimentos em relação a eles.
Portanto insistes em manter um litígio forçado onde devido à situação em que vivemos só deveria haver consenso e imperar o bom senso, por eles, para os proteger do elevado risco de contágio (só por ti criado). Ou seja, devia partir de ti (e tu sabes disso, só não o fazes para tentar manter o litígio).
Até porque não há férias e tu não cumpriste a quarentena obrigatória, criando obviamente, elevado risco de contágio para os miúdos só para tentar dizer que agora nestas férias não prescindes de os ter! Não faz sentido nenhum e tu sabes disso.
E também sabes que foste para o estrangeiro, que a semana passada estiveste de férias num hotel, estás a trabalhar, o bom senso deve imperar nestas situações em que há efectivamente elevado risco de contágio para os miúdos, e que a saúde deles poderá ser gravemente posta em causa.
Mas tu, obviamente sabes isso.
É de lamentar que continues num litígio muito triste (e neste período terrível em que vivemos) e que insistas em tentar ter motivos para justificar o bloqueio o que a razão nos diz.
Aliás, só entendo este litígio forçado da tua parte para tentares justificar o bloqueio de Mail não havendo comunicação (durante estes 3 anos mas também para o futuro) e que estás desde sempre obrigado pelo tribunal para tentares justificar a tua omissão de auxílio aos miúdos e em questões relevantes caso e quando necessário) bem como, os teus incumprimentos graves.
Pois se ninguém te ofendeu, também não há qualquer mentira em nada (e tu sabes), nem decisões em interesse próprio ou de que outra maneira seja, mas sim tratar-se de uma pandemia e tu sabes disso, foste mesmo assim de férias a semana passada para um hotel em M, e também para o estrangeiro (ao invés de fazeres a quarenta obrigatória a que todos é imposto pelos apelos do governo e dever cívico e com a agravante de teres filhos e sabendo que os ias receber…).
Ao invés, nós estamos de quarentena rigorosa em casa desde o dia 14, eles estão bem (e tu sabes isso pois falas com eles até fora de horas e por videochamada falaste por sugestão só minha), sabes que não há férias para ninguém e que irias obviamente expor os miúdos a elevado contágio (e tu sabes isso).
Para os proteger do elevado risco de contágio, o bom senso deve prevalecer, pois o risco de apanharem o vírus é enorme nesta fase e tendo em conta o teu modo de vida até à data.
Parece-me que a tua posição, sabendo tu do elevado risco de contágio que eles poderiam correr nesta fase, não está a ser razoável e de todo, a pensar neles, na saúde deles e bem estar deles.”
19-B – E, nesse mesmo dia, pelas 19h01, a mãe enviou um e-mail ao pai, com o seguinte teor:
“Não se trata pois de atitudes ou decisões mas tão só de bom senso que deve sempre imperar acima de qualquer outra coisa quando se trata de saúde, integridade física e o bem estar deles.”
20 – O pai fez, entre os dias 10 e 14/03/2020, uma viagem de trabalho ao Dubai, tendo, na sequência disso, decidido manter-se em isolamento durante 14 dias, sem estar inclusive com os filhos nesse período por via desse isolamento.
21 – Durante o período em que os menores não estiveram com o pai, estes falaram com o mesmo por telefone e videochamada.
22 – Os menores passaram com o pai os fins de semana de 14 a 17 e 28 a 31/05/2020.
*
Da impugnação da decisão da matéria de facto
A mãe diz o seguinte:
No ponto 7 dos factos provados, o Tribunal a quo deu por reproduzidos os escritos (e-mails) trocados entre o pai e a mãe entre os dias 29/03/2020 e 04/04/2020, de fls. 364 a 367, que correspondem aos e-mails juntos como doc. 1 ao incidente de incumprimento deduzido pelo pai.
Transcrevendo-se parte desses mesmos e-mails nos pontos 8 a 19 dos factos provados.
Não se compreende por que razão o Tribunal a quo não deu como reproduzidos os e-mails enviados pela mãe ainda no dia 04/04/2020, às 18h53 e 19h01, ocultados do referido doc. 1 junto ao incidente, mas juntos pela mãe na resposta ao mesmo de 13/04/2020.
Documentos esses que não foram impugnados pelo pai.
Pela importância dos mesmos, no sentido de se compreender todo o contexto, nos quais se torna evidente que a preocupação da mãe era a saúde e segurança dos filhos e não obstaculizar os convívios dos filhos com o progenitor, deveriam tais e-mails ser igualmente dados por reproduzidos na matéria de facto provada.
O pai responde que:
[…N]a troca de e-mails junta aos autos, e que integra os factos provados, já constam emails que aludiam explicitamente à alegada preocupação da mãe com a saúde dos filhos, como decorre, aliás, dos e-mails que constam no elenco de factos provados onde pode ler-se: […].
[…N]ão se afigura necessário “no sentido de complementar a contextualização da situação” (cfr. ponto 5 das conclusões das alegações de recurso), já que o enquadramento da situação em análise foi amplamente avaliado pelo Tribunal a quo e dúvidas não restaram sobre a motivação da mãe se revelar insuficiente para justificar a recusa de entrega dos menores ao pai.
Mais, a mãe não concretiza em que medida a inclusão destes e-mails no elenco de factos provados contribuiria para uma decisão em sentido diverso por parte do Tribunal recorrido, o que é, só por si, demonstrativo da irrelevância da alteração pretendida para o desfecho da causa.”
Apreciação:
Apesar de se poderem opor as objecções levantadas pelo pai a esta pretensão da mãe, considera-se que, no caso, em que quase todos os factos se limitam apenas à transcrição dos e-mails no período em causa, a inclusão dos dois e-mails referidos pela mãe, expedidos no último dos dias desse período, contribui para o melhor esclarecimento de que tudo o que consta deles foi tudo o que foi invocado nesses dias e nada ficou por revelar. É também este o motivo que levou à transcrição completa de todos os §§ de tais e-mails, já que a omissão de alguns §§ poderia levantar a dúvida sobre se nada mais teria sido dito com relevo ou se o que tinha sido dito, noutro contexto, poderia ter outro sentido. Por isso, considera-se que, tal como pretendido pela mãe, os dois e-mails devem ser também transcritos, o que aliás já se fez.
*
Do recurso sobre matéria de direito
A fundamentação da decisão recorrida foi a seguinte:
“[…]
De acordo com o disposto no artigo 41.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível:
“Se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respectivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos”
[…]
Temos como assente que a mãe não entregou os filhos ao pai no fim de semana de 04 a 05/04/2020, para que passassem com este a segunda semana da Páscoa, conforme lhe incumbia por força do regime em vigor.
Temos assim de igual modo como certo, no confronto com o regime de residência e convívios em vigor, o incumprimento pela progenitora, pelo que urge agora apreciar se o que que é invocado pela mesma quanto à pandemia e à preocupação com a saúde dos filhos, justifica essa conduta ou exclui a ilicitude do seu comportamento.
E a resposta é claramente negativa.
Desde logo, e em primeiro lugar, o invocado confinamento sem a permissão de contactos com o pai, não tem fundamento, nem factual, nem legal.
Desde logo, factualmente não veio alegado um único facto concreto que permita de algum modo considerar que neste caso concreto, estes filhos menores, quer decorrente de qualquer situação pessoal de fragilidade, quer de qualquer conduta concreta de risco ou dissidência do pai, tivessem de permanecer em confinamento, permanecendo em casa da mãe, sem contacto com o pai.
Atente-se aqui que não pode proceder o argumento utilizado pela mãe nas comunicações que fez ao pai para a recusa da entrega dos menores: por se referir de forma especulativa (i) a uma viagem feita pelo mesmo ao estrangeiro sem sequer a concretizar sequer temporalmente, presumindo daí risco elevadíssimo, e (ii) a estadia em hotel, em condicionamento em que os próprios hotéis estavam fechados.
A este propósito apenas se provou [o que consta de ponto 20].
A isto somou a mãe acusar o pai da violação de um dever de comunicação/informação que também não se impõe ao pai já que não é ónus deste – em face das obrigações legais e decorrentes do regime fixado – prestar à mãe toda e qualquer informação sobre a vida que a mesma entenda por bem perguntar-lhe – sobre para onde se deslocou nem em que datas; mas tão somente as que dizem respeitos aos assuntos relevantes para a vida dos menores.
De igual modo, a utilização do contexto pandémico para impedir os convívios dos filhos com o pai é de igual modo desprovida de fundamento legal.
Na verdade, o dever geral de recolhimento obrigatório introduzido pelo Decreto n.º 2-A/2020, de 20/03, que procedeu à execução da declaração do Estado de Emergência decorrente da pandemia Covid 19, excepcionou expressamente à inerente proibição de circulação as:
Deslocações por outras razões familiares imperativas, designadamente o cumprimento de partilha de responsabilidades parentais, conforme determinada por acordo entre os titulares das mesmas ou pelo tribunal competente (artigo 5.º, alínea j)
Atente-se que a mãe decide de forma unilateral impedir os convívios dos filhos com pai, comunicando ao pai, além do mais:
Assim, e por tudo isto, como sabes o Mail das férias nesta altura não faz qualquer sentido, pois terá que se aguardar pelo menos 15 dias e depois ir vendo e decidindo por forma a que a quarentena deles desde o dia 14 de Março e saúde deles não seja posta em causa.
O que em sede de alegações vem invocado pela mãe, procurando justificar a sua conduta, não tem qualquer razão de ser.
Desde logo, alegar-se os sucessivos incumprimentos pelo pai – não estando comprovados, como se vê inclusive do decidido no apenso F –para justificar a conduta obstaculizadora dos convívios não legitima a sua conduta.
Depois, a invocada omissão do dever de informação, de igual modo não tem substrato factual, nem legal, em face do acima do já exposto, não se descortinando qualquer conduta do pai violadora de tal dever, nem de modo algum justificador daquela conduta.
Por último, alegar-se que a preocupação da mãe foi como sempre a saúde dos menores, e nada se dizer é a mesma coisa.
Na verdade, de acordo com os elementos dos autos (e é a estes que atendemos) não existe o mínimo fundamento para a mãe considerar que o seu intuito em querer proteger a saúde dos filhos, seja maior ou melhor que o do pai; ponto é que ao mesmo não se lhe arrede a possibilidade de o fazer, como sucede quando se priva o mesmo dos convívios com os filhos, e até quando se priva estes de igual modo dos convívios com o pai.
Acresce que não se considera cumprido o regime de convívios por dizer-se que os filhos contactaram telefonicamente com o pai e que se permitiu tal circunstância.
Depois, o medo da pandemia e os conceitos indeterminados e conclusivos que vêm associados a tal medo e que são invocados pela mãe, tratando-se de especulação e não estando assentes em factos concretos, como sucedeu no caso dos autos, não podem servir para justificar a violação do regime de regulação do exercício das responsabilidades legais.
Como se referiu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/01/2022 [proc. 11774/19.5TB8LSB-H.L1-2]:
“[…]
3 – As circunstâncias excepcionais decorrentes da pandemia SARS-COVID 2, nomeadamente no que respeita a eventual risco para a saúde do menor, não sendo determinantes da alteração dessa decisão, poderão ser consideradas no seu acatamento/cumprimento quando ocorrerem, se ocorrerem e nos seus termos concretos, que não meramente hipotéticos, devendo para o efeito ser suscitadas no processo para decisão do tribunal, tendo-se em atenção que, quer no cumprimento da decisão do tribunal, quer no exercício de quaisquer direitos as partes não podem deixar de agir de boa-fé, dentro do fim social e económico dos respectivos direitos/deveres, como dispõem os art.ºs 334 do CC e 8 e 542 do CPC.”
Não estando alegados – e por conseguinte provados – factos concretos relacionados com as circunstâncias excepcionais da pandemia, não pode a mera invocação desta e o apregoar-se conclusivamente que apenas se visou proteger a saúde do filhos, justificar nem legitimar a decisão unilateral da progenitora em vedar os contactos dos filhos com o pai, desde logo ao arrepio de decisão judicial cujo cumprimento se lhe impõe.
Assim, a conduta da mãe em não permitir os convívios do filhos com pai, não só viola a decisão judicial fixada, como o próprio direito dos filhos aos convívios com o pai.
O regime de residência e convícios judicialmente fixado, consubstancia regime legal determinado pelo órgão competente e por isso dotado de imperatividade.
Quer os progenitores, quer os filhos comuns estão obrigados ao respectivo acatamento, quer o Tribunal a fazê-lo cumprir.
Não é, pois, algo que algum dos progenitores possa não cumprir ou, mais ou menos cumprir, ou afastar segundo a sua vontade, impondo ao outro o critério que subjectivamente entenda adoptar em determinado momento, arrogando-se de maior responsabilidade sobre os filhos comuns.
Assim, e nessa sequência, convém ter em conta que as decisões judiciais, a fim de não serem letra morta nem se limitarem a exprimir apenas um ideal, necessitam, independentemente da sua natureza, de execução, sendo a efectividade da tutela dos direitos uma característica basilar a que deve tender todo o ordenamento processual, para que resulte conforme aos ditames da justiça, e esta de facto aconteça.
Assim, compete a cada Estado dotar-se de um arsenal jurídico adequado e suficiente para garantir o respeito pelas obrigações que lhe incumbem ao abrigo do artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (Maire vs. Portugal n.º 48206/99, n.º 76, TEDH 2003-VII).
O incidente previsto no supra aludido artigo 41.º do RGPTC, consubstancia um misto de actividade declarativa e de actividade executiva na medida em que se impõe apurar, em primeiro lugar, se existe ou não o incumprimento, sendo inequívoco que tal se verifica neste caso.
Verifica-se ademais que a conduta da mãe na não entrega dos menores ao pai para com eles passarem a semana da páscoa, conforme lhe incumbia, na sequência de troca de correspondência revelando de forma persistente tal recusa, releva uma conduta grave que não se mostra justificada nem legitimada e é por conseguinte culposa, e censurável.
No que concerne às consequências, temos que o tribunal não está limitado às providências requeridas por qualquer um dos progenitores, podendo aplicar outras, de acordo com o interesse dos menores.
Mostrando-se verificado e consumado o incumprimento injustificado por parte da mãe, por via de comportamento desta grave, culposo e censurável, a solução que se tem como adequada, é condená-la na multa processual prevista no artigo 41 do RGPTC, a fixar até 20 unidades de conta, nos termos do dispositivo referido.
Ponderamos que no caso dos autos, que a privação de convívios dos menores com o pai ocorreu por período algo considerável (os menores ficaram privados de passar um período correspondente a semana de férias e apenas voltaram a estar com o pai nos fins de semana de 14 de Maio).
Ponderamos por outro lado que esta conduta – de se impedir a concretização de convívios com o progenitor não residente – em detrimento do interesse dos menores (que ao Tribunal incumbe salvaguardar), tende a minar a qualidade da relação pai-filhos, que se constrói com a presença, e contribuirá para que se continue a exaurir o sistema, com o lançar-se mão de inúmeros incidentes processuais e legais, como este caso é exemplo, a fim de se pretender a resolução de questões que, com mero bom senso (que se enuncia mas não se concretiza), poderia facilmente ser alcançada.
Assim sendo, e tudo ponderado, entende-se condenar a mãe em multa por este incidente entendendo-se adequado fixar a multa em 4 UC por cada um dos filhos menores, e assim, no total de 8 UC.
As razões da mãe e do pai contra e a favor desta fundamentação já foram transcritas acima no relatório deste acórdão.
Apreciação:
Concorda-se com a análise da situação feita pela sentença recorrida e acompanhada pelo pai – no sentido de que ela corporiza um incumprimento pela mãe, não justificado nem desculpável. E tais peças rebatem adequadamente a argumentação da mãe.
Diga-se o mesmo por outras palavras:
A mãe devia ter entregue os filhos ao pai para que eles passassem juntos a 2.ª semana do período corresponde às férias da Páscoa, mesmo que em termos formais as férias não existissem por se estar num período de confinamento obrigatório em consequências das normas já muito citadas neste acórdão.
A razão invocada pela mãe – receio de contágio com o vírus SARS CoV-2 – para não ter cumprido aquela obrigação de entrega não é válida. Só seria válida se estivessem provados factos que permitissem a conclusão de que o pai tem menos cuidado com a saúde dos filhos do que a mãe e isso na medida suficiente para criar perigo para aqueles. Não havendo esses factos a mãe terá que aceitar que o tribunal parta do princípio que o pai é tão cuidadoso quanto ela.
Os motivos invocados pela mãe para ter aquele receio também não são objectivamente válidos: nada permitia à mãe concluir que o pai não tinha observado um período de confinamento depois da viagem ao estrangeiro e a referência à estadia num hotel não está comprovada (mas não se utiliza, para afastar este argumento, a posição seguida na sentença e pelo pai de que os hotéis estavam fechados, pois que este não se trata de um facto provado, nem é facto notório). Repare-se aliás que a própria argumentação da mãe, nas conclusões 19 a 21 vem pôr em causa a boa-fé na utilização desta argumentação: afinal não estará em causa o facto de o pai estar num hotel, mas sim estar numa casa de um empreendimento turístico.
É certo que, apesar disso, subjectivamente, dada a falta de elementos, a mãe, na época – praticamente em cima de uma pandemia declarada recentemente, causada por um vírus desconhecido com notícias alarmantes sobre as mortes que estava a provocar -, criou uma série de convicções sobre a situação, que justificavam a sua preocupação com o eventual contágio dos filhos, baseada nos poucos elementos de que tinha conhecimento sobre as circunstâncias de vida do pai.
Mas, precisamente por serem poucos esses elementos, não lhe era permitido tirar a conclusão referida acima, tendo que se resignar à presunção (quando não há prova de nada em contrário), que este TRL e o tribunal recorrido também são obrigados a aceitar tendo em conta apenas os factos provados, de que o pai é tão capaz como qualquer outro progenitor de ter preocupações e cuidado com a saúde dos filhos.
De qualquer modo, o pai poderia ter contribuído para dissipar os receios subjectivos da mãe que, pelo menos, se compreendem mesmo que não se justifiquem, se tivesse tido em conta, como o devia ter feito actuando de boa fé (art. 762/2 do CC), a obrigação decorrente do ponto 3.2 do acordo sobre a regulação do exercício das responsabilidades parentais: Os progenitores comprometem-se a comunicar um ao outro todas as questões relevantes relacionadas com os menores, nomeadamente no que diz respeito às questões de educação, saúde e bem-estar dos mesmos. Ou seja, o pai não podia deixar de saber, como qualquer outro “bom pai de família” (no sentido em que o art. 487 do CC utiliza tal conceito para apuramento da culpa) que, nas circunstâncias em causa, com os poucos dados que a mãe tinha, esta poderia ficar preocupada com a hipótese de contágio dos filhos e, por isso, a comunicação de factos que permitissem dissipar desde o início aqueles receios era, no contexto, uma “questão” relevante.
Ou seja, embora a mãe não tenha todas as razões por ela referidas para acusar o pai de falta de cumprimento do dever comunicação – e fá-lo com argumentos pouco coerentes, como se vê na conclusão 15 do seu recurso, pois que a meio dele reconhece que o incidente de que fala foi julgado improcedente – não deixa de ter alguma razão.
De qualquer maneira, o modo como a mãe não cumpriu aquela obrigação de entrega, também aponta em sentido contrário ao da justificação da sua conduta ou de desculpa da mesma. Os termos utilizados por ela são próprios, como diz o pai, de quem entende que está investido numa posição de autoridade ou de superioridade em que lhe compete ou tem o poder de julgar, decidir e impor unilateralmente aquilo que entende melhor para os filhos, isto é, sem ter em conta a posição do pai: desde logo, tendo a pergunta do pai sobre a data e hora da entrega sido feita a 29/03/2020 não responde a ela durante 3 dias, apesar de ter escrito 2 e-mails com observações críticas sobre o comportamento cívico do pai; depois, quando responde (a 01/04 às 12h12 – ponto 13), fá-lo com considerandos sobre o comportamento dele como se tal comportamento merecesse uma reacção desfavorável (:Tendo em conta que […] até pouco tempo não estavas com eles em alguns dos teus fins-de-semana e férias, a única solução razoável, prudente e única maneira de os proteger do elevado risco de contágio é adiar as férias e eventualmente compensar em momento posterior. […]); põe as coisas em termos de eventualidade (como se acabou de ver) e com o juízo sobre a decisão da eventualidade a caber a ela; depois põe ela as condições para permitir a entrega (tendo que adiar as férias para momento posterior (logo que passem mais 15 dias e quando fizeres a quarentena agora obrigatória pelo governo, não indo de férias para um hotel […].); e no fim anuncia a decisão, naturalmente, tendo em conta o contexto, a tomar por ela (: Assim, e por tudo isto, […] terá que se aguardar pelo menos 15 dias e depois ir vendo e decidindo […]). Não há aqui sombra de sugestão (ao contrário do que é referido na conclusão 28 do recurso).
*
O incumprimento de que fala o art. 41/1 do RGPTC é um incumprimento sem qualificações. Por isso, naturalmente, basta a ilicitude e a culpa: só no direito penal é que a negligência, para ser sancionada, tem de ser prevista no tipo (art. 13 do Código Penal). A culpa, na sistematização do Código Civil, abrange o dolo e negligência. Apenas quando a lei exige expressamente o dolo é que a negligência pode ser afastada e mesmo assim a negligência/culpa grave, em várias daquelas hipóteses, é equiparada ao dolo. Não há pois base legal para a exigência de que o incumprimento previsto naquele art. 41/1 seja doloso.
Aliás, ver-se-á mais à frente, que apenas um acórdão, dos muitos que serão referidos, exigiu o dolo (sem adiantar fundamentação para o efeito), e apenas o fez em termos genéricos, sem aplicação ao caso que estava a julgar.
Quanto ao facto de o incumprimento ter de ser grave e reiterado, também tal exigência não tem base legal. Se a lei quisesse que assim fosse tê-lo-ia dito. Assim, por exemplo, no crime de maus tratos, do art. 152 do CP, a lei não qualificava os maus tratos. Quando a doutrina e a jurisprudência, apesar disso, começaram a exigir a reiteração dos maus tratos, a lei foi alterada, tendo o legislador esclarecido que os maus tratos seriam punidos, fossem eles reiterados ou não (art. 1 da Lei 59/2007, de 04/09: “Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos […]”). Noutro exemplo, o da violação da obrigação de alimentos, o art. 250 do CP exigia apenas a violação da obrigação e mais tarde foi alterado (art. 7 da Lei 61/2008 de 31/10) para passar a prever, no n.º 2, a agravação da pena para a violação reiterada da obrigação, ficando, por isso, esclarecido que a violação da obrigação por uma vez bastava para a prática do crime na sua forma simples. Noutro contexto, o Code Civil (francês) exige expressamente, para a aplicação da multa, a violação grave ou reiterada (art 373-2-6 §V, modificado pela Loi n°2021-1754 du 23 décembre 2021: Le juge du tribunal judiciaire délégué aux affaires familiales règle les questions qui lui sont soumises dans le cadre du présent chapitre en veillant spécialement à la sauvegarde des intérêts des enfants mineurs. Le juge peut […], lorsqu’un parent fait délibérément obstacle de façon grave ou renouvelée à l’exécution de l’un des titres mentionnés aux 1° à 6° du I de l’article 373-2-2, le condamner au paiement d’une amende civile d’un montant qui ne peut excéder 10 000 € = O juiz do tribunal judicial delegado para os assuntos de família resolve as questões que lhe sejam submetidas no âmbito do presente capítulo, tendo especial cuidado em salvaguardar os interesses dos filhos menores. O juiz pode […], quando um progenitor deliberadamente obstruir de forma grave ou reiterada a execução de um dos títulos referidos nos n.ºs 1 a 6 do I do artigo 373.º-2.2. condená-lo ao pagamento de uma multa civil de um montante que não pode exceder € 10.000]. Isto para além da sanção pecunária compulsória prevista no §IV do mesmo artigo [: Ele pode, mesmo ex officio, ordenar uma sanção pecuniária compulsória [astreinte] para garantir a execução de sua decisão. Se as circunstâncias o exigirem, poderá anexar uma sanção pecuniária compulsória à decisão proferida por outro juiz ou o acordo parental em causa num dos títulos referidos nos n.os 1º e 2º do I do artigo 373.º-2-2. Aplica-se o disposto nos artigos L. 131-2 a L. 131-4 do CPC]. Ou seja, ali há uma exigência legal e ela é posta em alternativa, não se exigindo pois a violação grave e reiterada, o que também chama a atenção para que é um exagero, mesmo quando há previsão legal, exigir que uma violação grave seja reiterada.
Em suma: um incumprimento – que é um ilícito – desde que seja culposo, basta para o preenchimento da previsão da aplicação da multa do art. 41/1 do RGPTC.
Apesar disto, regista-se que a lei diz que pode o tribunal […]. Não diz ‘deve’. Não se trata, por isso, de uma imposição automática, perante a simples verificação de um incumprimento culposo. Por isso, compreende-se que, apesar de bastar um incumprimento culposo para que seja possível aplicar a multa, o tribunal só o deve fazer se as circunstâncias do caso o justificarem.
A maior ou menor gravidade do incumprimento deve apenas servir para a determinação do valor da multa – e por isso o leque alargado de valor (entre 1 e 20 UC) – e uma bagatela não deve, por natureza, por falta de relevo, levar à aplicação da multa. Esta, como qualquer sanção, deve ter em vista a prevenção geral e especial de futuros ilícitos culposos, chamando a atenção para que as decisões dos tribunais (entre elas as que homologam acordos) devem ser cumpridas. Não deve, por isso, ser um castigo.
Uma multa leve e aplicada a tempo evita os inconvenientes de multas aplicadas depois de violações graves e reiteradas, o que é mais uma razão para rejeitar a exigência de tal gravidade e reiteração, exigência que potencia a multiplicação de conflitos e o arrastar dos processos.
Veja-se agora a jurisprudência invocada pela mãe na conclusão 10 do recurso (assinala-se que em nenhum dos acórdãos citados foi referida qualquer doutrina):
O acórdão do TRP de 10/01/2012, proc. 336/09.5TBVPA-B.P1 diz: A verificação do incumprimento da regulação das responsabilidades parentais exige um comportamento grave e reiterado por parte do progenitor remisso, não bastando uma ou outra falta sem antecedentes nem consequentes, de forma a apurar se ele criou intencionalmente uma situação que permita assacar-lhe um efectivo juízo de censura.
Ou seja, considerou que não tinha sido feita prova da culpa do progenitor no incumprimento imputado. Foi essa a razão de decidir e não a generalização que consta do sumário. O acórdão tem como único suporte, o ac. do TRL de 14/09/2010, proc. 1169/08.1TBCSC-A.L1-1. Este acórdão não cita nenhum outro e no caso não condenou a mãe porque “dos factos provados não podemos concluir por tal, não se vislumbrando que a mãe tenha criado intencionalmente qualquer situação para evitar as visitas dos menores ao pai, isto é, não há da parte daquela qualquer incumprimento reiterado e grave, culposo, que permita assacar-lhe um efectivo juízo de censura.”
O acórdão do TRL citado pela mãe, tendo em conta os dados fornecidos, não foi encontrado (apesar da recorrente dizer que ele estava publicado na base de dados da DGSI).
O ac. do TRG de 23/02/2017, proc. 23/14.2T8VCT-A.G1, apesar de ter um ponto do sumário onde diz que: “continua válido e actual o entendimento, que era uniforme, de que só o incumprimento grave e reiterado do progenitor remisso justifica que seja condenado em multa, somente relevando, quanto à culpa, o dolo no incumprimento”, termina com dois outros pontos em que diz: “V – Não se provando qualquer facto que indicie ter a mãe, progenitora guardiã, tentado, sequer, influenciar negativamente o filho no sentido de evitar ou dificultar a reaproximação ao pai, inscreve-se no dever de protecção da criança toda a sua actuação posterior aos dois factos que estiveram na origem da interrupção temporária das visitas, por os mesmos terem provocado acentuado desequilíbrio psicológico na criança. VI – Se a mãe, progenitora guardiã, motu proprio, fez restabelecer as visitas quando constatou ter-se restabelecido o sentimento de confiança da criança no pai, também se não pode imputar-lhe um prolongamento fictício e, por isso, injustificado, da situação motivadora da suspensão das visitas, não tendo, por isso, sido culposa a sua actuação, porque ocorreu uma causa justificativa relevante, não merecendo, assim, o juízo de censura que constitui a condenação em multa”.
Assim, o fundamento para a não aplicação da multa foi a justificação da conduta e não a consideração genérica anterior. Este acórdão – que não tem qualquer justificação para a exigência do dolo – como sustentação da afirmação genérica remete para jurisprudência que, apesar das considerações tecidas, se limita a exigir que o comportamento do incumpridor seja ilícito e culposo: o ac, do TRG de 25/11/2013, proc. 910/10.7TBGMR-C.G1, que remete para os acs. do TRP de 17/01/2000 e de 29/03/1993, e o ac. do TRL de 29/05/2012, proc. 2518/08.8TMLSB-B.L1-7, que diz que I – O art. 181/1 do DL 314/78, de 27/10 [OTM] – e subsequentes alterações legislativas – consagra uma sanção específica prevista na lei para o incumprimento do regime estabelecido em matéria de regulação do exercício do poder paternal, pressupondo sempre a ilicitude e a culpa inscritas no comportamento – relevantemente censurável – assumido pelo incumpridor.
Este acórdão do TRL apenas reduziu a multa aplicada à mãe pelo incumprimento. O acórdão remete para os seguintes acórdãos:
O ac. do TRP de 07/04/2011, proc. 180/05.9TMMTS-B.P1, que refere o ac. do TRP de 30/01/2006; é um acórdão interlocutório, esclarecendo não ter ainda os dados necessários para se pronunciar sobre a condenação em multa e indemnização.
O ac. do TRC (e não do Porto) de 27/11/2007, 3283/05.6TBVIS-A que diz no sumário que “São pressupostos para o desencadeamento das medidas previstas no artigo 181 da OTM uma situação de falta de cumprimento, por parte de um dos pais, do acordado na regulação de poder paternal; a influência dos actos de incumprimento na execução dos objectivos visados com a regulamentação incumprida, e a natureza culposa desse incumprimento).” No texto diz não reconhecer “qualquer incumprimento culposo da mãe da menor em relação ao regime de visitas fixado”. A base é apenas o já referido ac. do TRP de 03/10/2006 com o nº 0622382.
O ac. do TRG de 06/01/2011, proc. 2255/08.3TBGMR-G.G1. Este acórdão limita-se a dizer que “1. No incidente de incumprimento por violação do regime de visitas só há que proferir uma decisão provisória condenando o progenitor em multa se houver culpa deste. 2. A circunstância do incidente de incumprimento revestir a natureza de jurisdição voluntária não autoriza a ultrapassagem dos limites estabelecidos na lei para a multa.” No texto, decide-se “revogar a decisão provisória recorrida, por os autos não conterem neste momento elementos que permitam proferir um juízo de culpa relativamente ao comportamento da recorrente.” Como base invocam-se os já referidos acs. do TRL, proc. 1169/08 e o ac. de 21/06/2007, proc. 5145/2007-6 que por sua vez remete para os já referidos acórdãos do TRP de 29/03/1993 e de 30/01/2006, proferido no proc. 0557105.
O ac. do TRE de 02/02/2012, proc. 2165/07.1TBPTM-F: este acórdão remete para os já referidos acórdãos do TRP de 30/01/2006, do TRP de 03/10/2006, do TRP de 07/04/2011, do TRL 21.06.2007, do TRL de 14/09/2010, do TRG 06/01/2011 e do TRC 27/11/2007.
O ac. do TRP de 29/03/1993, proc. 9240434, ainda a propósito do art 181/1 da Organização Tutelar de Menores, diz que esta norma “pressupõe uma situação tal que torne necessário o recurso a meios coercivos para levar de vencida a resistência pertinaz e continuada do progenitor remisso a cumprir o que estava acordado ou decidido quanto à situação de menor, e não a uma ou outra falta sem antecedentes nem consequentes. II – Pressupõe também o não cumprimento culposo por parte do faltoso.”
Salvo o devido respeito, está-se a confundir uma multa como uma sanção pecuniária compulsória.
O ac. do TRP de 17/01/2000, proc. 9951038 diz que “a aplicação de sanções por incumprimento do que tiver sido acordado ou decidido pressupõe a análise das circunstâncias concretas em que incorreu o incumprimento para se verificar se existe culpa e ilicitude ou, pelo menos, se revestem gravidade que justifiquem a condenação”
Trata-se também de um simples sumário, não sendo esclarecedora a dispensa – constante do sumário que não se sabe se corresponde ao texto do acórdão – da culpa e ilicitude se houver gravidade que justifique a condenação. De qualquer modo, como se vê, o acórdão não aponta para a exigência da gravidade e da reiteração.
Quanto ao acórdão do TRG de 26/10/2017, proc. 2416/15.9T8BCL-C.G1, ele faz a inicial típica generalização (: “À luz do disposto no artigo 41/1 do RGPTC mantém-se válido o entendimento de que só o incumprimento grave e reiterado do progenitor remisso justifica a sua condenação em multa” – para o efeito invoca apenas os acs. do TRG de 25/11/2013 e de 23/02/2017, já vistos acima), mas depois diz “II – A aplicação de sanções pelo incumprimento do que tiver sido acordado quanto à regulação das responsabilidades parentais dependerá sempre da ponderação e análise dos factos concretos, pois só a análise das circunstâncias concretas em que incorreu esse incumprimento permite verificar se existe culpa e ilicitude por parte do progenitor incumpridor e se as mesmas revestem gravidade que justifiquem a condenação”.
Faltaria, de qualquer modo, demonstrar que caso tivesse havido um primeiro incumprimento em que também se pudesse dizer que “a análise das circunstâncias concretas em que incorreu […] permite verificar [que] existe culpa e ilicitude por parte do progenitor incumpridor e [que] as mesmas revestem gravidade que justifiquem a condenação”, a multa não teria sido aplicada ou não seria aplicável e porquê.
Um ac. do TRP, que também costuma ser referido, de 30/01/2006, proc. 0557105, diz apenas que “só o incumprimento culposo, e não mero incumprimento desculpável, de um dos progenitores, relativamente ao acordado quanto ao exercício do poder paternal, deve ser sancionado com multa e indemnização.” No texto o acórdão dizia: “Não se vislumbra qualquer incumprimento culposo por parte da requerida, sendo certo que apenas este – o incumprimento culposo – é susceptível de ser gerador da multa e da indemnização previstas no artigo 181 da OTM. Por outro lado, como já se deixou dito estamos perante uma falta ocasional, meramente pontual, sem qualquer repercussão na vida do menor ou dos progenitores (designadamente do requerente) bem como sem qualquer influência no normal desenrolar e funcionamento do acordo alcançado quanto ao exercício do poder paternal do menor.”
Ou seja, apesar de outras considerações, foi a falta de culpa a razão da não condenação.
O ac. do TRP de 03/10/2006, proc. 0622382, que é um outro que também costuma ser invocado, diz que: “I – Não é qualquer incumprimento que faz desencadear as consequências ditadas no art. 181 da OTM. O incumprimento desgarrado de um progenitor em relação ao regime de visitas instituído ao outro não configura violação desse preceito. II – O incumprimento reiterado e grave só releva se for culposo, isto é, se puder ser assacado ao progenitor faltoso um efectivo juízo de censura.”
No texto, o acórdão diz: “o único incumprimento imputável à requerida prende-se com o facto de no mês de Abril de 2005 não ter consentido que o requerente levasse consigo o filho de ambos, num dos fins-de-semana desse mês. É pouco – muito pouco – para fazer funcionar o mecanismo do art. 181º da OTM. Como já se disse, esse preceito só se aplica a situações continuadas e graves de incumprimento. Se assim não fosse, isto é, se o art. 181º funcionasse automaticamente para todo e qualquer incumprimento, raros seriam os processos relativos a menores em que não existiriam incidentes deste tipo.”
Mas não se vê que o inconveniente apontado tenha de ser afastado pela via da exigência de um incumprimento grave e continuado sem suporte legal como já se disse.
Em suma, dos acórdãos invocados pela mãe e de todos os outros para que eles remetem, só um defende, mas sem razões, a exigência do dolo, e nenhum dos que exigem a gravidade e reiteração demonstram a existência de tal exigência, ainda para mais em simultâneo. Por último, a fundamentação da não condenação é, em regra, a demonstração da inexistência de culpa.
Pelo que, pelas razões adiantadas acima, considera-se que é melhor a tese aqui defendida.
Concorda-se, por isso, com a aplicação da multa nestes casos e com as razões invocadas para o efeito pela sentença recorrida (nos últimos 12§§, onde são feitas referências suficientes ao entendimento da mãe sobre o regime do art. 41 para se poder aqui afirmar que não é verdade, ao contrário do que a mãe diz na conclusão 34, que a sentença não se tenha pronunciado sobre tal), tendo em conta o que já se assinalou acima quanto ao incumprimento culposo (com dolo directo) da mãe, embora sem especial gravidade (embora também não se possa dizer que é muito pouco grave, o que impede que a multa se fique pelo mínimo ou pouco acima desse mínimo) e para o qual, como já foi dito, o pai contribuiu.
Tendo em conta tudo o que é dito acima a multa, no entanto, deve ser reduzida para 4 UC, valor que serve já os objectivos referidos, tanto mais que a condenação não deve ser por cada filho, pois do que se trata é de sancionar (com respeito por aqueles objectivos) o comportamento da mãe.
Repare-se, para além do já referido, que para a concretização da multa não há quaisquer dados relativos às condições económicas do agregado familiar da mãe (que se indiciam ser fracas – o pai num dos e-mails chama a atenção para que o computador é emprestado e tem de ser devolvido) e que, por isso, a aplicação da multa de 8 UC poderia vir a repercutir-se sobre os menores; e repare-se também que, embora os factos provados sugiram que possa ser como se diz na sentença recorrida, isto é, que “os menores ficaram privados de passar um período correspondente a semana de férias e apenas voltaram a estar com o pai nos fins de semana de 14 de Maio”, a verdade é que este último facto (na parte sublinhada) não se trata de um facto provado (e o pai não impugnou, como o podia fazer nos termos do art. 636/2 do CPC, a decisão da matéria de facto para que esta afirmação ficasse a constar como provada).
Apesar disso não deixa de ser verdade, como diz a sentença recorrida, e só na parte que se refere ao pai, que:
[..] a privação de convívios dos menores com o pai ocorreu por período algo considerável (os menores ficaram privados de passar um período correspondente a semana de férias […]
[e] esta conduta – de se impedir a concretização de convívios com o progenitor não residente – […], tende a minar a qualidade da relação pai-filhos, que se constrói com a presença […]”
Ora, como é dito no ac. do TRL de 21/06/2007, citado acima:
3. Com efeito, assumindo o direito de visita a natureza jurídica de um direito/dever, constitui ele próprio a essência dos direitos parentais para o progenitor não guardião do menor, funcionando, neste sentido, como um meio desse progenitor, não guardião do menor, manifestar a sua afectividade para com o filho, estreitando laços, partilhando emoções e ideias, e transmitindo-lhe valores, sentimentos de todo indispensáveis ao real crescimento do menor e ao seu desenvolvimento harmonioso do ponto de vista psicológico.
4. Por isso, o afastamento de um dos pais da vida da criança é uma situação que se configura, em si mesma, como contrária aos interesses da própria criança e, por conseguinte, urge salvaguardar, com vista à manutenção das relações pessoais e fortalecimento dos laços afectivos entre pais e filhos.
*
Quanto a custas: considera-se que a pretensão pode ser dividida em duas de igual valor: multa/não multa; 100% de multa ou 0%. Quanto à 1ª a mãe perdeu tudo, paga 50%. Quanto à 2.ª a mãe perdeu 50% de 100%, pelo que paga 25% do restantes 50%. O pai paga o resto: 25%
*
Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente quanto à pretensão de revogação da multa, mas reduz-se o valor desta para 4 UC.
Custas, na vertente de custas de parte, pela mãe em 75% e pelo pai em 25%.
Lisboa, 02/03/2023
Pedro Martins (voto vencido, enquanto relator, apenas quanto ao valor da multa aplicada à mãe, que baixaria para 1,5UC, principalmente tendo em conta (i) a falta de dados quanto às condições económicas da mãe (ii) e a contribuição do pai para o estado de espírito da mãe que a levou ao incumprimento).
1.’ Adjunto
2.’ Adjunto