Processo do Juízo Central Cível de Lisboa
Sumário:
I – É ilegal o despacho do juiz que, nas acções de valor superior a metade da alçada da Relação, dispensa a audiência prévia quando tenciona conhecer, de imediato, do mérito da causa (artigos 593/1, a contrario, e 591/1-b, ambos do CPC).
II – Ao abrigo do dever de adequação processual (artigos 6 e 547 do CPC), pode-se aceitar, em casos especiais, essa dispensa, desde que o juiz profira um despacho com a invocação das especificidades do caso que a justificam e com a solução que perspectiva para o mérito da causa, dando às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a dispensa e a solução e as partes aceitem essa dispensa ou não se oponham a ela.
III – Sendo revogado por ilegal o despacho que dispensa a audiência, o saneador-sentença que tenha sido proferido na sua sequência cai por arrastamento (art. 195/2 do CPC, por aplicação analógica).
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:
JM intentou uma acção declarativa comum contra o B-S.A., e GB, dando à acção o valor de 30.000,01€.
Os réus contestaram e o B reconveio.
A autora replicou.
A 23/06/2021 foi convocada uma audiência prévia, destinada a todos os fins previstos no art. 591/1 do CPC.
A 24/11/2021, depois da audiência se iniciar, foi tentada a conciliação das Partes, sem êxito; de seguida, a Sr.ª juíza expôs aos mandatários algumas questões suscitadas pela petição inicial e após proferiu despacho a interromper a audiência e convidando a autora a aperfeiçoar a PI no prazo de 10 dias, concretizando melhor os factos relativos à posse que alega ter sobre as fracções em causa nos autos.
A 06/12/2021 a autora apresentou a PI aperfeiçoada.
A 20/12/2021, o B contestou os factos concretizadores introduzidos pela autora.
A seguir, em 17/02/2022, foi proferido o seguinte despacho:
O tribunal considera que se encontra habilitado a conhecer de imediato do mérito da causa, razão pela qual se mostra dispensável a convocação das partes para nova audiência e se determina a notificação das mesmas para sobre esta possibilidade se pronunciarem. Prazo: dez dias.
Apenas a autora se pronunciou, dizendo o seguinte:
Presume-se que o tribunal queira dispensar a realização de nova audiência prévia, no entanto, e considerando-se em condições de decidir conhecer o mérito da causa, também quererá necessariamente dispensar a audiência de julgamento.
Impõe-se assim que a autora se pronuncie quando a estas duas possibilidades.
O processo não está em condições de dispensar audiência prévia uma vez que a anterior, realizada no passado dia 24/11/2021 foi interrompida para que a autora pudesse aperfeiçoar a PI.
A audiência prévia quando foi designada […] destinava-se aos fins previstos nas alíneas (a) a (f) do art. 591/1 do CPC.
Interrompida após a tentativa de conciliação apenas foi cumprido o fim previsto na referida alínea (a).
Pelo que, e para todos os efeitos processuais, não foi realizada audiência prévia em cumprimento do referido despacho que a designou.
Nem sequer foi cumprido o disposto na alínea (b) do referido artigo para permitir agora uma decisão de mérito, nomeadamente facultada às partes a discussão de facto e de direito para que o tribunal conhecesse imediatamente do mérito da causa.
Pelo que, em cumprimento das regras processuais, não poderá o tribunal conhecer de imediato do mérito da causa sem que seja realizada a audiência prévia nos termos do art. 591/1-b do CPC.
[…] tendo necessariamente o processo que prosseguir os seus termos com a marcação de audiência prévia e audiência de julgamento.
A 05/04/2022 foi proferido o seguinte despacho:
A audiência prévia foi interrompida, porquanto no âmbito da discussão de facto e de direito (al.b)) e das posições das partes (al.c)), o tribunal entendeu ser de convidar a autora a aperfeiçoar a sua PI, o que esta fez. Exercido o contraditório, o tribunal entende que pode desde já proferir o despacho previsto no art. 595/1-b (art. 591/-d), pelo que – nos termos do disposto no art. 593/1 do CPC – pode dispensar a continuação da audiência, o que fez. Contudo, facultou [o tribunal recorrido terá querido escrever ‘faculta’ – parenteses deste TRL] a possibilidade de as partes se pronunciarem, o que estas podem fazer por escrito, no prazo de dez dias, para que não sejam surpreendidas pela decisão.
A marcação de nova audiência, sendo dispensável e atendendo à agenda do tribunal, adiaria, sem justificação, uma decisão que se pretende o mais célere possível, pelo que indefiro o requerido.
Notifique.
O despacho foi notificado por cartas de 11/04/2022 e, sem que se passasse nada entretanto, a 15/06/2022 foi aberta conclusão, sendo proferido saneador no dia 14/09/2022, julgando a acção totalmente improcedente, por manifesta falta dos pressupostos necessários à procedência dos pedidos, absolvendo os réus de ambos os pedidos. O pedido reconvencional foi admitido e o processo prosseguiu para produção de prova sobre o mesmo, estando designada a audiência final para 16/05/2023.
A autora recorre deste saneador sentença, terminando as suas alegações, com as seguintes conclusões, na parte útil e, para já, apenas quanto à questão da dispensa da audiência prévia (a autora tem ainda uma parte do recurso, relativa ao erro de julgamento quanto à falta dos pressupostos necessários à procedência dos pedidos):
O tribunal a quo proferiu sentença no despacho previsto no art. 595/1-b do CPC, o que fez sem ter realizado a audiência prévia para cumprir o disposto nas alíneas (b) a (f) do art. 591/1 do CPC. Em cumprimento das regras processuais, não poderia o tribunal a quo ter conhecido do mérito da causa sem que tivesse realizado a audiência prévia nos termos do artigo 591/1-b do CPC. Antes de decidir no despacho saneador a autora foi notificada dessa intenção do tribunal e pronunciou-se deduzindo argumentos contra. O tribunal a quo não se pronunciou quanto a tais argumentos, pelo que a sentença é nula nos termos do artigo 615/1-d do CPC.
O B contra-alegou e sobre o que disse quanto a esta matéria fez uma síntese com 27 §§ onde, numa súmula feita por este TRL, diz que:
Por despacho de 05/04/2022, ao invés do que a autora alega, o tribunal a quo pronunciou-se sobre os argumentos por ela aduzidos contra a dispensa da continuação da audiência prévia, que não mereceram o seu acolhimento; pelo que, inexiste a alegada omissão de pronúncia, geradora de nulidade, nos termos do art. 615/1-d do CPC.
Ao contrário do que a autora alega, houve lugar à audiência prévia, a que alude o art. 591/1-b do CPC, a qual foi extensível à alínea (c) deste preceito; aliás, foi nesse seguimento que o tribunal a quo convidou a autora a aperfeiçoar a sua PI;
Após o que (a 17/02/2022), entendeu o tribunal a quo estarem reunidas as condições para proferir saneador-sentença, tendo ordenado a notificação às partes para se pronunciarem sobre esta possibilidade e no seguimento, no despacho de 05/04/2022, dispensou a continuação da audiência nos termos do art. 593/1 do CPC.
Uma boa parte da nossa jurisprudência tem entendido que, quando o juiz pretende conhecer do mérito da causa em despacho saneador, poderá dispensada a audiência no âmbito dos seus poderes/deveres de gestão processual e adequação formal, caso entenda que a questão foi suficientemente debatida nos articulados e desde que as partes sejam ouvidas sobre o propósito de dispensar a audiência e lhes seja concedida a possibilidade de se pronunciarem sobre a matéria da causa que irá ser decidida. E foi isso que aconteceu nos presentes autos.
De todo o modo, e sem conceder, sempre a (eventual) nulidade de dispensa de continuação de audiência prévia tinha de ser arguida nos termos previstos no art. 199 do CPC, o que, no caso, equivale a dizer que tinha de ser arguida, no prazo de dez dias a contar da notificação da decisão proferida em 17/02/2022, já que com essa notificação as partes tomaram conhecimento de que a continuação da audiência prévia havia sido dispensada.
Independentemente da irregularidade processual que tivesse sido cometida, foi proferido despacho que dispensou nova audiência prévia, sem que as partes tivessem reagido, por via de recurso, contra esse facto.
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Questões que importa decidir: se a audiência prévia não podia ter sido dispensada e se tal deve acarretar a anulação do saneador-sentença que julgou a acção improcedente; se esta última questão tiver resposta negativa, ficará por decidir a outra questão posta pelas conclusões do recurso.
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Os factos que interessam à decisão destas questões constam do relatório que antecede.
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Nulidade do despacho por falta de pronúncia
As questões sobre as quais o tribunal se tem de pronunciar (causas de pedir e excepções) não incluem os argumentos aduzidos pelas partes, pelo que não se verifica a arguida nulidade. De qualquer modo, e como diz o B, no despacho de 05/04/2022 o tribunal até se pronunciou sobre aqueles argumentos.
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Da (não) realização da audiência prévia
O B diz que a audiência prévia se realizou. Mas não é assim. Mesmo que o tribunal, na audiência de 24/11/2021 tenha eventualmente facultado às partes a discussão de facto e de direito, em cumprimento do art. 591/1-b do CPC – o que, aliás, não passa de uma hipótese, isto é, os factos não permitem dizer que ela se verifica -, depois disso proferiu um despacho convidando ao aperfeiçoamento da PI, o que quer dizer que admitiu a hipótese de, com o aperfeiçoamento da PI passarem a existir todos os pressupostos necessários à procedência dos pedidos que, depois, no saneador-sentença decidiu que não se verificavam, sem que tivesse facultado às partes a discussão dessa falta. Assim, falta a audiência prévia enquanto faculdade de as partes fazerem a discussão oral, perante o juiz, de facto e de direito, apesar de o juiz tencionar conhecer imediatamente do mérito da acção.
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A dispensa da continuação da audiência prévia
Nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação, isto é, não superiores a 15.000€, a audiência prévia pode ser dispensada em dadas circunstâncias, como resulta do art. 597/-a-b do CPC, desde que o juiz possibilite o exercício do contraditório por escrito.
Mas esta acção tem um valor superior, pelo que esta norma não se aplica.
Para as outras acções, e salvo as situações especiais do art. 592 do CPC, que não têm aplicação ao caso, rege o disposto nos artigos seguintes:
O art. 591/1 do CPC dispõe:
“Concluídas as diligências resultantes do preceituado no n.º 2 do artigo anterior, se a elas houver lugar, é convocada audiência prévia, a realizar num dos 30 dias subsequentes, destinada a algum ou alguns dos fins seguintes:
[…]
b) Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar excepções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa;
[…]
d) Proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º;
[…]
O art. 593/1 do CPC dispõe:
Nas acções que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º.
Logo, claramente, como se estava perante o fim indicado na alínea (b) do art. 591/1 – pois que o juiz tencionava conhecer, imediatamente, do mérito da causa – e não perante um dos previstos nas alíneas (d), (e) e (f), a audiência não podia ser dispensada.
Neste sentido, o ac. do TRP de 12/11/2015, proc., 4507/13.1TBMTS-A.P1, com o qual o Prof. Miguel Teixeira de Sousa [num post de 21/12/2015 no blog do IPPC] concorda, embora dizendo que “O acórdão complica o que era bastante mais simples de fundamentar; a audiência prévia não podia ser dispensada, simplesmente porque a sua realização é obrigatória sempre que o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador (art. 591/1-b e 593/1 a contrario, CPC).
Neste sentido, também, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 2.º, Almedina, 3.ª edição, 2017, pág. 641-642 e 650-651; e Rui Pinto, Notas ao CPC, vol. II, 2.ª edição, 2015, Coimbra Editora, páginas 52-53 e 55-58.
Em algumas decisões judiciais tem-se visto defender que o art. 591/1-d do CPC se refere à hipótese de se visar proferir despacho saneador, nos termos do art. 595/1, e que este tem duas alíneas. Quando o art. 593/1 permite a dispensa da audiência prévia no caso do art. 591/1-d está a permiti-la quer seja o caso da al. a ou da al. b do art. 595/1. Como a al. b se refere à hipótese de conhecimento imediato do mérito da causa, a possibilidade da dispensa abrange esta hipótese. Como se vê do cruzamento de referências no despacho de 05/04/2022, é com base nesta interpretação que o tribunal recorrido defende que a lei prevê, nestes casos, a possibilidade de dispensa da audiência prévia.
Mas esta argumentação esquece que o art. 593/1 diz que a audiência só pode ser dispensada quando ela se destine apenas aos fins indicados nas alíneas (d) a (f), não abrangendo, por isso, a alínea (b) do art. 591/1. Assim, aquela interpretação é uma ilegítima interpretação ab-rogante do art. 593/1 do CPC (assim também o ac. do TRL de 13/11/2014, proc. 673/03.2TYLSB.L1-6, lembrado por Rui Pinto, obra citada, páginas 52 e 55-57).
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Da dispensa com base no poder de adequação processual: da necessidade de consentimento ou de não oposição
Tem-se vindo a admitir, no entanto, a dispensa da audiência prévia com base no dever adequação processual inserido no dever de gestão processual (arts. 6 e 547 do CPC).
Isto apesar da recusa bem fundamentada por parte de alguma jurisprudência: vejam-se os acs. do TRE de 10/05/2018, proc. 2239/15.5T8ENT-A.E1 e do TRG de 17/01/2019, proc. 4833/15.5T8GMR-A.G3 (ambos dizendo que “Cremos, face ao que dispõe a lei, não ser de perfilhar o entendimento que aceita a possibilidade de se dispensar a audiência prévia fazendo uso do mecanismo de gestão processual previsto nos artigos 547 e 6 do CPC, uma vez que a simplificação processual ou a adequação formal não pode ir contra normas que reflectem determinado ritualismo como obrigatório ou necessário) e o do TRE de 18/10/2018, proc. 2118/16.9T8ENT-C.E1: Não é lícito dispensar a realização de audiência prévia em hipóteses não previstas pelo artigo 593/1 do CPC mediante a invocação do dever de gestão processual ou do princípio da adequação formal, ao abrigo do disposto nos artigos 6 e 547 do mesmo Código (em texto diz-se: Não faria sentido o legislador restringir expressamente a possibilidade de dispensa da realização de audiência prévia pelo juiz às hipóteses previstas pelo artigo 593/1 e, simultaneamente, admitir ilimitadamente essa possibilidade mediante a invocação do dever de gestão processual ou do princípio da adequação formal, acabando-se num regime semelhante àquele que o artigo 597 estabelece apenas para as acções de valor não superior a metade da alçada da Relação).
E das muito pertinentes dúvidas de parte da doutrina sobre essa possibilidade (veja-se Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, 2.º vol., pág. 650, com a critica a um acórdão do TRL que admite a hipótese de, por adequação processual, após a audição das partes, o juiz poder dispensar a audiência prévia, com fundamento em que a matéria em causa já fora suficientemente debatida nos articulados, e com a remissão para a posição também crítica de Rui Pinto, Notas ao CPC, vol. II, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2015, págs. 57-58 a esse acórdão) e de fortes reservas de outra parte da jurisprudência (pondo em dúvida a possibilidade de ser dispensada a audiência prévia com base no poder de gestão processual, veja-se o ac. do TRP de 27/09/2017, proc. 136/16.6T8MAI-A.P1, acabando por o aceitar em casos limites).
Tudo isto tem em conta que é o modo como o contraditório deve ser observado que no caso tem relevo e não a formal observância do contraditório por escrito.
Ou seja, na concepção da reforma de 2013 do CPC, concorde-se ou não se concorde com ela, “a audiência prévia […] assume[-se] como um dos momentos mais marcantes da acção declarativa. Esta audiência visa assegurar, com efectividade, a aproximação entre as partes, e estas e o tribunal, através de uma cultura de diálogo. Visa ainda que a actuação dos sujeitos processuais seja dominada pela ideia da oralidade e da cooperação entre todos. A audiência prévia contém virtualidades que a tornam um palco privilegiado onde, simultaneamente, actuam todos os intervenientes processuais, numa verdadeira comunidade de trabalho, sendo tal audiência um dos expoentes máximos da oralidade e da cooperação que caracterizam o processo civil moderno. […] […A] regra acerca da realização da audiência prévia expressa o entendimento legislativo de que há objectivos que só serão efectivamente alcançados por via desta audiência e das suas virtualidades […]” (as passagens entre aspas são de Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2015, págs. 256 e 322).
Ou como dizem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, vol. 2.º, pág. 641: “No novo código […] o juiz não pode julgar de mérito no despacho saneador sem primeiro facultar a discussão, em audiência, entre as partes […]” (o realce é dos autores).
Na Proposta de Lei n.º 113/XII PL 521/2012 2012.11.22, apresentada pela presidência do Conselho de Ministros, de reforma do CPC, escreve-se: “O novo figurino da audiência prévia, designação ora dada à audiência a realizar após a fase dos articulados, assente decisivamente num princípio de oralidade e concentração dos debates, pressupondo a intervenção activa de todos os intervenientes na lide, com vista a obter uma delimitação daquilo que é verdadeiramente essencial para a sua plena compreensão e justa resolução […]. Há um manifesto investimento na audiência prévia, entendida como meio essencial para operar o princípio da cooperação, do contraditório e da oralidade. […].”
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Tendo em conta as razões daquela recusa e das dúvidas e reservas, só para casos especiais se pode admitir que, com base no dever de adequação processual, se dispense a audiência prévia e isso com observância de uma específica tramitação processual com determinados requisitos.
Desde logo, sendo a actuação de um dever de gestão processual terá que haver uma prévia audição das partes (art. 6 do CPC) e, tendo em conta que a “adequação processual tem sempre como limite as normas imperativas e os princípios fundamentais do processo civil” e que “a forma legal do processo constitui uma garantia das partes” (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 2.º, 3.ª ed., Almedina, 2017, páginas 472 e 471), não se pode chegar ao ponto de, através do poder de adequação processual, mas sem o acordo das partes, se dispensar actos ou formalidades prescritos pela lei com carácter obrigatório. Pelo que, só se as partes tiverem concordado com a dispensa, ou pelo menos não se tiverem oposto a ela, é que a audiência prévia poderá ser dispensada. Para que é que se consultariam as partes sobre a possibilidade da dispensa, se depois, perante a oposição de uma delas, se dispensasse à mesma a audiência?
(neste sentido, do consentimento das partes como um dos requisitos da dispensa da audiência com base no dever de adequação, veja-se, expressamente, o ac. do TRL de 04/06/2019, proc. 214/16.1T8MFR.L1-7; ac. do TRP de 12/07/20219, proc. 974/20.5T8AGD-A.P1: I – Quando se pretende conhecer (no todo ou em parte) do mérito da causa, a audiência prévia só pode ser dispensada se, por um lado, no despacho que ordenou a notificação das partes para se pronunciarem quanto à dispensa de tal formalidade processual, o tribunal a quo tivesse expressamente mencionado o sentido da sua posterior decisão, de modo a acautelar decisões-surpresa (artº 3º nº 3 do CPC) e, por outro, se ambas as partes estivessem de acordo quanto à prescindibilidade da mesma; o ac. do TRL de 11/12/2019, proc. 98964/18.2YIPRT; o ac. do TRL de 26/05/2022, proc. 15919/16.9T8LSB-B.L1-2 embora com um voto de vencido: I – A regra da obrigatoriedade da realização da audiência prévia, fora dos casos de não realização ou dispensa expressamente previstos na lei (cf. artigos 592.º, 593.º e 597.º do CPC), apenas pode ser afastada quando as especificidades da causa assim o justifiquem, ao abrigo dos deveres de gestão processual e adequação formal (artigos 6.º e 547.º do CPC), desde que, para além do indispensável contraditório sobre as questões de direito ou de facto a apreciar no saneador-sentença, as partes se possam previamente pronunciar sobre a conveniência duma diferente tramitação processual, manifestando a sua concordância de forma expressa ou tácita (pela não oposição) à dispensa da audiência prévia; o ac. do STJ de 16/12/2021, proc. 4260/15.4T8FNC-E.L1.S1: VI – A análise da situação e suas consequências seria completamente diferente se o juiz a quo houvesse, antes de proferir a decisão de mérito, notificado as partes, informando-as deste seu propósito e advertindo-as de que o faria na ausência de oposição destas, o que, a verificar-se, significaria, nessas circunstâncias, a sua anuência a esta agilização do processado, bem como o seu reconhecimento quanto à desnecessidade de alegarem de facto e de direito antes da prolação decisão que, conhecendo do fundo da causa, definiria a sorte do pleito. VII – A dispensa pelo juiz da realização da audiência prévia, nos casos em que é obrigatória, nos termos do artigo 591/1-b do CPC, como forma de proporcionar às partes o exercício de faculdades processuais concedidas por lei, está ela própria igualmente sujeita ao contraditório, evitando-se assim decisões surpresa, expressamente vedadas pelo artigo 3/3 do CPC; o ac. do TRE de 17/06/2021, proc. 931/19.4T8OLH.E1: 1 – Finda a fase dos articulados, se o julgador entender que os autos contêm os elementos necessários a que seja proferida decisão de mérito, impõe-se a convocação de audiência prévia. 2 – Não é legalmente possível dispensar a realização desta e proferir saneador-sentença com decisão de mérito se uma das partes manifestou oposição expressa a essa dispensa; o ac. do TRC de 24/01/2023, proc. 3689/21.3T8LRA.C1: III – Para além d[o]s casos tipificados na lei, é ainda possível, por aplicação do princípio da adequação formal contido nos artigos 6 e 547 do CPC, a dispensa da audiência prévia, naqueles casos em que, sendo possível a decisão de mérito, as questões a decidir tenham sido já objecto de discussão nos articulados, desde que precedida de prévia consulta das partes, por exigência do princípio do contraditório, previsto no art. 3/3 do CPC. IV – Não existindo oposição das partes à dispensa de audiência prévia, podem as alegações orais que nele se haveriam de produzir, ser substituídas por alegações escritas.
No mesmo sentido, mas defendendo que, então, já se está para além da gestão processual, Miguel Teixeira de Sousa, em Jurisprudência 2021 (232), de 04/07/2022, Audiência prévia; dispensa judicial; gestão processual, relativamente ao ac. do TRP de 22/11/2021, 14/20.4T8AGD-A.P1 [que tinha decidido que: ‘No exercício dos poderes de gestão processual previstos nos artigos 6/1 e 547 do CPC e que estão atribuídos ao juiz no sentido de adoptar mecanismos de simplificação e agilização do processo e do seu andamento, o tribunal, em vista de conhecer do mérito da causa na fase do despacho saneador, pode dispensar a audiência prévia em hipóteses não contempladas no artigo 593 do CPC, precedendo audição das partes com indicação das razões por que se entende dever dispensar a realização de tal acto processual’]:
“Se o valor dos embargos de executado é superior a metade da alçada da Relação […], a dispensa da audiência prévia por iniciativa do juiz é muito discutível. Se, mesmo quando a audiência prévia é dispensada pelo juiz nos termos do art. 593.º, n.º 1, CPC, qualquer das partes pode impor a sua realização (art. 593.º, n.º 3, CPC), então não é fácil admitir que o juiz possa, por sua iniciativa, dispensar essa audiência fora dos casos legalmente admitidos. No mínimo, ter-se-ia de admitir nessa hipótese a mesma possibilidade de realização da audiência prévia por imposição potestativa de qualquer das partes.
Quando muito, pode admitir-se uma dispensa judicial da audiência prévia para além do disposto no art. 593.º, n.º 1, CPC, se ambas as partes estiverem de acordo com a dispensa proposta pelo tribunal, algo que está para além do poder de gestão processual e que configura um verdadeiro acordo de procedimento entre o tribunal e as partes. No entanto, ainda que esta possibilidade praeter legem possa vir a ser explorada pela jurisprudência e pela doutrina (algo que agora se deixa em aberto), a verdade é que a condição da concordância de ambas as partes não estava preenchida no caso concreto.”)
Não basta, por isso, ao contrário da posição seguida pelo tribunal recorrido e do que é defendido pelo B, que se tenha dado às partes, como no caso se deu, a possibilidade de discutirem a possibilidade de a audiência prévia ser dispensada. As partes teriam ou que ter aceite a dispensa ou não se ter oposto à mesma.
Note-se que, nesta hipótese, de terem as partes aceite ou não se terem oposto à dispensa, o que se diz de seguida deixa de ter interesse, pois que deixa de se verificar qualquer ilegalidade na dispensa da audiência (neste sentido, apenas por exemplo: o ac. do TRP de 08/11/2021, proc. 3633/19.8T8PRT.P1: por despacho proferido em 11/02/2021 as partes foram notificadas para, querendo, se pronunciarem sobre o eventual conhecimento do mérito da causa na fase do despacho saneador. A autora não tomou qualquer posição sobre o eventual conhecimento do mérito da causa na fase do saneador, tendo a ré declarado não se opor a esse conhecimento nessa fase. Neste contexto, o TRP disse: tudo sopesado, a decisão que implicitamente dispensou a audiência prévia para conhecimento imediato do mérito da causa na fase do despacho saneador, porque proferida no exercício do dever de gestão processual e precedida de audição das partes com indicações sucinta das razões por que se justificava tal procedimento, sem que tenha havido qualquer oposição da recorrente, não enferma de qualquer ilegalidade, devendo confirmar-se e improcedendo esta questão recursória; o mesmo aconteceu no ac. do TRC de 24/01/2023, proc. 3689/21.3T8LRA.C1; e no ac. do TRE de 30/06/2021, proc. 735/19.4T8PTG-C.E1).
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Depois, o despacho que dê às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a dispensa, terá de ser devidamente fundamentado com a invocação das especificidades do caso que justificam a dispensa. Não poderá, pois, nunca, ser um despacho modelo aplicável a todo o tipo de casos Ora, no caso dos autos, quer o despacho de 17/02/2022, quer o despacho de 05/04/2022 são despachos que podem ser aplicados a todos os casos, sem qualquer conexão com as especificidades dos casos que estejam em causa.
(assim, apenas por exemplo, o já citado ac. do TRP de 27/09/2017, proc. 136/16.6T8MAI-A.P1: Podemos, contudo, aceitar que em casos limite, quando as questões a decidir forem muito simples e a decisão sobre as mesmas for pacífica na jurisprudência e na doutrina, essa preocupação do legislador possa não fazer sentido e o juiz possa, no uso do seu poder de simplificação e agilização processual e adequação formal proferir a decisão por escrito sem realizar a audiência prévia. Mesmo nesses casos, entendemos que a decisão de prescindir desse acto processual prescrito na lei deve ser fundamentada e precedida não da manifestação da intenção de o fazer, mas, sobretudo, do convite prévio às partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de o fazer e da permissão às partes de alegar por escrito o que iriam sustentar oralmente na audiência se esta tivesse lugar; o ac. do TRP de 08/11/2021, proc. 3633/19.8T8PRT.P1: Quando pretenda conhecer do mérito da causa na fase do saneador, o tribunal pode dispensar a realização da audiência prévia no exercício dos poderes de gestão processual e atendendo ao princípio da adequação formal, desde que previamente ouça as partes com indicação das razões por que se entende dever dispensar a realização de tal ato processual; e o ac. do TRL de 08/03/2022, proc.5152/19.3T8LRS.L1-7: “1 – No âmbito de uma acção declarativa de processo comum, quando o juiz se julgue habilitado a conhecer imediatamente do mérito da causa ou de alguma excepção peremptória, deve convocar a audiência prévia para esse fim, não o podendo fazer sem primeiro facultar a discussão, em audiência, entre as partes, sem prejuízo de, no uso do poder de gestão e adequação processuais prescindir desse acto processual, por decisão fundamentada, desde que as razões de facto e de direito já se mostrem debatidas nos articulados, as partes sejam notificadas dessa intenção e tenham a possibilidade de sobre ela tomarem posição.” Quanto à doutrina, veja-se agora João Pedro Pinto-Ferreira, Adequação formal e garantias processuais na acção declarativa, Almedina, Out2022, págs. 218-222, o juiz pode dispensar a audiência prévia com base no poder de adequação processual, desde que assegure o respeito pelos direitos processuais fundamentais, o que passará por (i) o juiz concretizar as razões que o levam a adequar o processo – isto é, em que medida o teor dos articulados permite a dispensa –, permitindo às partes pronunciar-se sobre a própria adequação processual projectada e (ii) tenha sido facultado às partes o contraditório prévio sobre a questão ou questões a decidir).
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Por fim, dispensando-se a audiência prévia oral, com a substituição por uma audiência prévia escrita, terá que se cumprir aquilo que seria inerente à audiência oral em que o juiz tencionasse conhecer imediatamente do mérito da causa, ou seja, o juiz tem de dizer às partes, minimamente que seja, o sentido da sua decisão, pois que só assim é que as partes podem iniciar a discussão de facto e de direito prevista na norma do art. 591/1-b do CPC. Ora, não foi isso o que aconteceu no caso dos autos.
(ac. do TRP de 12/07/20219, proc. 974/20.5T8AGD-A.P1: I – Quando se pretende conhecer (no todo ou em parte) do mérito da causa, a audiência prévia só pode ser dispensada se, por um lado, no despacho que ordenou a notificação das partes para se pronunciarem quanto à dispensa de tal formalidade processual, o tribunal a quo tivesse expressamente mencionado o sentido da sua posterior decisão, de modo a acautelar decisões-surpresa (art. 3/3 do CPC) e, por outro, se ambas as partes estivessem de acordo quanto à prescindibilidade da mesma; ac. do TRE de 17/06/2021, proc. 931/19.4T8OLH.E1: “Porém, mesmo para quem defende a possibilidade excepcional de dispensa da audiência prévia nessa situação tal dispensa está sempre dependente do prévio prevenir das partes de “forma fundamentada, sobre a solução do litígio, o que implica a enunciação das questões a solucionar e a sua comunicação às partes” para que possam “influenciar o juiz na discussão do mérito da causa” (ver Delgado de Carvalho, in A dispensa da audiência prévia como medida de gestão processual: para lá dos receios do legislador, em https://blogippc.blogspot.pt/2016/06/a-dispensa-da-audiencia-previa-como.html).” Este autor diz, no 1.º§ da pág. 17 deste estudo: Todavia, em substituição da audiência participada e do ambiente de cooperação com as partes, para que se possa dispensar a audiência prévia é condição de equidade processual que o juiz, mesmo que a questão a solucionar não revele complexidade, informe sempre as partes sobre a solução que perspetiva para o litígio e, quando possível, lhes comunique um projecto de decisão para que aquelas possam exercer um efectivo contraditório; ac. do TRE de 30/06/2021, proc. 735/19.4T8PTG-C.E1: i) mesmo para quem defenda, ao abrigo da gestão processual, que é facultada pela lei ao Juiz, a possibilidade deste, em qualquer das situações, designadamente do conhecimento imediato do mérito da causa, dispensar a realização de audiência prévia, tal dispensa está sempre dependente do prévio prevenir das partes de forma fundamentada, sobre a solução do litígio, o que implica a enunciação das questões a solucionar e a sua comunicação às partes para que possam influenciar o juiz na discussão do mérito da causa; ac. do TRG de 15/06/2022, proc. 194/09.0TBAVV-A.G1: III. O despacho informando as partes da sua intenção de dispensar a audiência prévia e proferir decisão que ponha termo à causa, desprovido de qualquer fundamentação de facto e de direito não permite àquelas antever qual o quadro factual e jurídico em que assentaria a decisão do Tribunal. Este acórdão lembra o ac. do TRP de 05/11/2018, proc. 1425/17.8T8GDM.P1: “(…) qual era o sentido decisório que o Tribunal tinha em mente vir a proferir? Quais os seus fundamentos factuais? E qual a sua subsunção jurídica? É que não se fazendo essa enunciação, mesmo em termos sumários, no despacho em apreço, coloca-se a questão de saber que contraditório as partes estavam em condições de exercer de forma fundada?)
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Não deixe de se dizer, ainda, que o princípio da adequação processual tem por fim permitir a adopção de mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável (arts. 6 e 547 do CPC); ora, a complicada tramitação processual que se tem de exigir para que a dispensa da audiência prévia, quando obrigatória, não provoque nulidade processual, não se tem mostrado compatível com aquela simplificação e agilização processual, como o caso dos autos demonstra (repare-se que o despacho a falar na possível dispensa da audiência vem de 17/02/2022 e só 7 meses depois acabou por ser proferida decisão final quanto à acção).
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Havendo um despacho a dispensar a audiência prévia, não há uma nulidade processual a ser arguida perante o juiz, mas sim um despacho ilegal / erro de julgamento sujeito a recurso / impugnação (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 1.º, Almedina, 2021, 4.ª edição, páginas 404-405; é também a posição de Miguel Teixeira de Sousa, como se verá abaixo [corrige-se, assim, o erro de ter qualificado de nulidade esta ilegalidade, no ac. citado acima, proferido no proc. 98964/18.2YIPRT, embora também então se referisse que a reacção era o recurso e não a reclamação precisamente porque tal decisão estava a coberto de um despacho]), ao contrário do que é defendido pelo B.
Recurso esse que é uma impugnação deferida, não autónoma, já que não cabe nem nas hipóteses do art. 644/1 nem nas do art. 644/2 do CPC. Ou seja, a impugnação de tal despacho devia ser feita – como o fez a autora – no recurso que viesse a ser interposto das decisões previstas no art. 644/1 do CPC (art. 644/3 do CPC), isto é, do despacho saneador que decidiu do mérito da causa, embora não tenha posto termo ao processo por ter deixado seguir para julgamento a reconvenção.
Pelo que a impugnação é tempestiva, ao contrário do sugerido pelo B; isto é, a decisão não tinha transitado em julgado.
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Das consequências do despacho que dispensou a audiência sem o poder fazer sobre a sentença proferida:
O despacho que dispensa a audiência prévia, quando se está perante um caso que não admite essa dispensa, ou quando ela não foi devidamente dispensada do modo referido acima, é um despacho ilegal por erro de julgamento que, tendo de ser revogado, acarreta a anulação, por arrastamento, de todos os actos posteriores.
Não devendo a audiência prévia ter sido dispensada, era nela e depois da discussão oral de facto e de direito sobre a existência dos pressupostos necessários à procedência da acção que devia ter sido decidido tudo aquilo que foi decidido no saneador-sentença, o que implica que ele seja anulado, por arrastamento da revogação do despacho da dispensa (art. 195/2 do CPC, aplicado analogicamente).
Neste sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandra, obra citada, vol. 2.º, pág. 730: “[…] se um acto da sequência processual anterior à sentença estiver ferido de nulidade (por exemplo, iniciaram-se as alegações orais quando faltava produzir ainda produzir determinado meio de prova) e esta tiver sido tempestivamente arguida, a sentença será anulada em conformidade com o disposto no art. 195/2. […]” Isto na base de que “No quadro dos vícios específicos da sentença, de que tratam os arts. 614 a 617, não entram as invalidades decorrentes do seu proferimento em momento processual inadequado. Não se trata então de vício de um acto que devesse ter lugar, mas da prática de um acto processual que não devia ter lugar no momento em que foi praticado. […]”
Seguindo-se a posição do Prof. Miguel Teixeira de Sousa, há uma decisão ilegal (a que dispensou a audiência prévia) e um saneador sentença nulo por excesso de pronúncia [post de 28/01/2019 no blog do IPPC, Jurisprudência 2018 (163), Audiência prévia; dispensa; nulidade processual; consequências, em comentário ao ac. do TRL de 23/10/2018 (1121/13.5TVLSB.L1-1)]:
[…] são possíveis três situações bastante distintas: […]
[3.º caso:] Aquela em que uma decisão dispensa ou impõe a realização de um acto obrigatório ou proibido e em que uma outra decisão decide uma outra matéria; nesta situação, há duas decisões judiciais.
[…neste] terceiro caso, há que considerar a forma de impugnação das duas decisões […] dado que o tribunal a quo dispensou a realização da audiência prévia e proferiu o despacho saneador, ou seja, proferiu duas decisões.
[…]
[…] Se, apesar da omissão indevida de um acto, o juiz conhecer na decisão de algo de que não podia conhecer sem a realização do acto omitido (ou, pela positiva, conhecer de algo de que só podia conhecer na sequência da realização do acto), essa decisão é nula por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC).
Portanto […a] dispensa indevida da audiência prévia implicava a nulidade do despacho saneador por excesso de pronúncia.
[…]”
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Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando o despacho de 05/04/2022 que dispensou a audiência prévia, com a consequente anulação, por arrastamento, do saneador-sentença proferido na sequência da dispensa ilegal daquela audiência, e determinando-se que o processo prossiga nos seus termos normais, com prolação de novo despacho saneador com audiência prévia.
Custas, na vertente de custas de parte (não existem outras), pelos réus que são quem perde o recurso.
Lisboa, 30/03/2023
Pedro Martins
2.º Adjunto
2.º Adjunto