Processo do Juízo Central Cível de Lisboa

              Sumário:

       I – Um tractor e o seu reboque podem ser considerados individualmente para efeitos indemnizatórios de períodos de paralisação por reparação, mas para isso é necessário que se prove que ambos sofreram danos que implicassem essa paralisação.

              II – Quando se prevê uma indemnização pelo conjunto articulado, está-se a englobar o tractor e o reboque, pelo que não pode ser atribuída essa indemnização por cada um e, se apenas um deles tiver tido danos, essa indemnização deve ser reduzida. 

              III – Se o lesado não deu qualquer resposta aos contactos da seguradora com visto à peritagem do veículo, não pode, depois, pedir, juros em dobro (art. 38/2 do DL 291/2007) ou a sanção do art. 40/2 do DL291/2007.

           IV – “O DL 62/2013 de 10/05, vem definir no art. 2/1 o seu âmbito de aplicação – a todos os pagamentos efectuados como remuneração de transacções comerciais –  dele excluindo, na al. c) do n.º 2 os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efectuados por companhias de seguros.”

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

              AA-SA, intentou a presente acção comum contra a actual Seguros-SA, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe: 104.798,03€, com juros de mora, de 14% ao ano, em dobro da taxa legal como decorre do nºs 1 e 3 do artigo 43 do DL 291/2007 sobre o montante da condenação até efectivo e integral pagamento, ou, caso assim não se entenda, juros de mora à taxa comercial, desde a mesma data [sic] até efectivo e integral pagamento, a que acresce a obrigação de pagamento de juros à taxa de 5% ao ano desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, mais penalizações impostas pelo incumprimento do DL 291/2007; e notificada para, se assim o entender, comunicar a assunção ou não assunção da sua responsabilidade como fixado no artigo 36/1-e do mesmo DL a fim de parar com a penalização imposta por força do decorrente deste incumprimento 100€ o qual se requer continue a contar até à data da sua assunção de responsabilidade.

              Para tanto, alegou, em síntese, que é possuidora e locatária do veículo tractor e de um semi-reboque, vítima de um acidente de viação em 15/01/2018 imputável a um condutor de um veículo com responsabilidade segurada; foi feita a reclamação inicial do acidente, por uma empresa representante da autora, por carta enviada pelo correio normal à ré em 19/01/2018, e depois por fax de 14/02/2019 e por uma outra carta de 14/02/2020, mas a ré até hoje não assumiu a responsabilidade do mesmo dando origem a danos acrescidos aos danos causados pelo acidente, que pretende ver indemnizados com os valores pedidos, para além das penalizações legais decorrentes de tal conduta. O valor pedido corresponde, com um erro de 10€, à soma, de (i) 3355,18€ ou 3555,18€, conforme as versões, pela reparação, (ii) 2056,24€, mais tarde actualizados para 4112,48€, de custos de paralisação, (iii) 200€ de peritagem, (iv) 73.800€ por falta de assunção de responsabilidade, a 100€/dia desde a carta de 18/03/2018, e (v) 23.120,37€ de juros.

              A ré contestou, alegando que não recebeu qualquer comunicação datada de 19/01/2018; apenas em 14/02/2019 teve conhecimento da ocorrência do acidente e a partir de então iniciou diligências necessárias ao apuramento do acidente e enquadramento e verificação dos danos e definição da responsabilidade, mas entretanto a autora já havia procedido, por sua iniciativa e com total desconhecimento, autorização ou intervenção da ré à “reparação” dos “danos”; excepcionou o abuso de direito da autora, por ter protelado a instauração da acção e de, com base nisso, estar a pedir uma quantia exorbitante a título de juros e de penalizações [o valor inicial da reparação era de 3355,18€ e de 2056,24€ o da paralisação e agora a autora pede, para além de juros, uma indemnização de 104.000€, mais de 20 vezes superior] e diz que é isto o que a autora está a fazer noutras acções do mesmo género; pediu que a autora fosse condenada como litigante de má fé, em multa e indemnização no valor de 5000€, sem prejuízo da aplicação de uma taxa sancionatória excepcional, nos termos do art. 531 do CPC.

              A autora respondeu, em 34 páginas e mais 34 documentos, às excepções invocadas pela ré e à acusação de litigante de má fé, pugnando pela improcedência das mesmas, incluindo a do abuso de direito e de litigância de má fé.

              A 07/01/2022, a ré vem dizer que “tendo sido notificada para juntar cópia duma gravação identificada pela autora na PI, vem dizer que não dispõe dessa gravação. Por isso, não lhe é possível juntar como requerido. Só agora transmite esta informação, porque tem tentado localizá-la, recorrendo aos elementos fornecidos pela autora.” A ré notificou esta informação à autora na mesma data.

              A 21/03/2022, a autora pronuncia-se sobre esta informação nos termos que abaixo serão sintetizados. 

              Depois de realizada a audiência final, foi proferida sentença, condenando a ré a pagar à autora 3.555,18€ a título de danos patrimoniais + 600€ a título de indemnização por privação de uso, acrescidos de juros de mora à taxa supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde a data da citação da ré em relação aos 3.555,18€ e desde a presente decisão em relação aos 600€ e vincendos até integral pagamento, absolvendo-a do demais.

              A autora interpôs recurso desta sentença, impugnando a decisão da matéria de facto e a absolvição da ré dos outros pedidos.

              A ré contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.

                                                                 *

              Questões que importa decidir: se a decisão da matéria de facto deve ser alterada e se a autora tem direito (i) a uma indemnização superior por paralisação, (ii) às penalizações pedidas e (iii) a juros a uma taxa superior.

                                                                 *

              Foram dados como provados os seguintes factos [transcrevem-se com algumas simplificações]:

         1\ A autora é titular da licença 000000 emitida para o tractor matrícula 11-11-11, a qual, a legitima a usar o conjunto circulante constituído pelo referido tractor e pelo semi-reboque com a matrícula L-222222 […].

         2\ A autora é locatária do tractor e proprietária do semi-reboque, afectos ao desenvolvimento do seu objecto social.

         3\ No dia 15/01/2018, pelas 17h15, no aceso à Avenida da Ponte 25 de Abril, no distrito e concelho de Lisboa, freguesia de Alcântara, sentido Lisboa-Almada, ocorreu um embate, envolvendo aquele conjunto circulante, conduzido pelo Sr. L, motorista da autora, e o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 33-QP-33, conduzido pelo Sr. N, com registo a favor de F.

         4\ A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro encontrava-se à data do embate transferida para a ré, através da apólice do ramo automóvel 4444444444.

         4bis\ A ré reconhece que o embate ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do veículo QP.

         5\ Pelo menos, por fax datado de 14/02/2019, a autora comunicou à ré o embate, identificou os intervenientes, remeteu listagem de prejuízos e solicitou peritagem.

         6\ Por carta enviada por correio normal pela ré directamente para a autora a 07/03/2019 e por esta recepcionada a 18/03/2019, foi comunicado [sob o “assunto: comunicação de responsabilidade”] que: “face à declaração amigável recebida, promovemos o enquadramento do presente sinistro na convenção IDS (Indemnização directa ao segurado). Porém, ainda não foi possível proceder à avaliação de danos na viatura. Assim, não havendo ainda uma posição definida, reservaremos para momento ulterior a nossa decisão relativamente à definição da responsabilidade.” [este TRL acrescentou o texto em parenteses recto para reproduzir melhor o documento em causa].

         7\ Em 14/02/2020, a RS-Lda, na qualidade de representante da autora, enviou uma carta à ré, como “reclamação de prejuízos de forma quantificada”, a interpelar para o pagamento dos prejuízos decorrentes deste sinistro, por correio registado, para a sede da ré, com o seguinte teor: Reclamação de indemnização correspondente ao custo de reparação do tractor, no valor de 3.355,18€; reclamação de correspondente aos custos de paralisação do tractor no valor de 2.056,24€ e reclamação de indemnização correspondente aos custos decorrentes da necessidade de contratar a RC-Lda, para proceder à peritagem do veículo acidentado no valor de 200€.

         8\ A autora, sem autorização ou conhecimento da ré, procedeu a uma vistoria do tractor, através da RC em 26/01/2018.

         9\ O tractor deu entrada na oficina a 26/01/2018 e a reparação foi concluída em 02/02/2018.

         10\ Na sequência do embate, o tractor sofreu: fractura do pára-choques frente, do aro exterior do farol frente direito, do conjunto de resguardos da porta frente direita; o empeno: do estribo inferior direito, suporte direito do pára-choques, do canto frente direito da cabine; ligeiro da porta frente direita, do suporte dos estribos direitos, da respectiva moldura, da cava da roda frente direita e ainda danos na pintura das partes sinistradas.

         11\ A reparação dos danos referidos em 9, com mão de obra incluída, custou 3.355,18€, sem IVA.

         12\ Pela realização da peritagem, a autora pagou à RC 200€.

         13\ No dia 15/02/2019 a ré tentou contactar a autora.

         14\ Nesse contacto, a autora informou a ré que o contacto deveria ser efectuado com o departamento de sinistro (Sr. H), através do telefone 263.850.477.

         15\ A ré de imediato tentou, por diversas vezes, o contacto para o referido n.º de telefone, no entanto, ninguém atendeu.

         16\ Estas tentativas de contacto ocorreram: no dia 15/02/2019 às 11:04; no dia 15/02/2019 às 14:56.

         17\ No dia 18/02/2019 pelas 09:12, a ré tentou efectuar mais um contacto com a autora, na pessoa do Sr. H, o que conseguiu, tendo no entanto o Sr. H informado a ré que deveria ligar com o Sr. Eng.º A (555555555).

         18\ Este contacto foi tentado pela ré nessa mesma data, no entanto não atendeu.  

         19\ A ré, em 18/02/2019, às 09:14, enviou um SMS para a autora, com o seguinte teor: “De Companhia de Seguros X. Agradecemos o seu contacto para o n.º 666666666 para marcação de peritagem seleccionando opção 2 em sinistros automóvel. N.º de sinistro 777777777.”

         20\ (…) não houve qualquer resposta da parte da ré.

         21\ O acidente foi tentado regularizar no âmbito da convenção IDS.

         22\ À data dos factos, o veículo da autora estava seguro na X e o veículo QP estava-o na Seguros Y.

         23\ A X suscitou a reclamação em sede do IDS e a Y assumiu a responsabilidade pelo sinistro a 14/02/2019.

                                                                 *

Da impugnação da decisão da matéria de facto

              A autora entende que em vez do que consta dos factos 13 a 21 devia constar antes que (a numeração foi colocada por este TRL):

         (i) A ré tentou contactar a autora no período compreendido entre 15/02/2019 e 18/02/2019.

         (ii) A ré, chegando à fala com o empregado da autora H, não forneceu os dados necessários para identificar o processo de sinistro em apreço.

         (iii) A autora, em particular o seu empregado H recebe várias chamadas por dia, relativas a sinistros, com identificação deficiente quanto a datas locais e matrículas.

         (iv) A autora não recepcionou nenhum SMS proveniente da ré.

              A autora entende ainda que devia ter sido dado como provado que:

1. A representante da autora, a empresa RS-Lda, enviou, em 19/01/2018, por correio normal, para a Direcção do ramo automóvel na Av. da L em Lisboa, a sua reclamação inicial sobre o acidente […].

2 = 3. O único contacto efectuado pela ré junta da RS foi efectuado através de telefonema de 19/02/2020, às 15:02, com a duração de chamada de 11:11, proveniente do número de contacto (+351) 888888888, realizado pela empregada da ré Cl a qual reconhece ter a ré recepcionado a carta de 19/01/2018.

4. A RS, na pessoa de A, tentou entrar em contacto, por diversas vezes, com a ré, mediante chamada telefónica para o call center desta.

5. No âmbito da sua gestão interna, para a ré, por esta se considerar um IDS devedor, não se devem respeitar os prazos do DL 291/2007.

6. No âmbito da sua gestão interna, para a ré, esta assumiu, apenas internamente, a responsabilidade como IDS devedor a 15/02/2019.

7. No âmbito da sua gestão interna, para a ré não é obrigatório existir participação do seu segurado, nem necessitam que o segurado responsável o faça.

8. A ré, enquanto seguradora que assume a responsabilidade, enquanto marca Y e apenas internamente, não comunicou à autora, terceiro lesado, a assunção da responsabilidade, por entender competir à ré, enquanto marca X, IDS credor, a comunicação dessa assunção;

9. A ré, enquanto marca X não contactou o titular/proprietário do veículo causador do acidente nem confirmou se este participou o sinistro;

10. A ré não definiu a sua responsabilidade no âmbito do presente sinistro.

11. A ré até esclareceu, através de carta enviada à autora, datada de 07/03/2019, e pela autora recepcionada em 18/03/2019, conforme o teor do doc. 6, junto com a PI, o seguinte: “Assim, não havendo ainda uma posição definida, reservamos para momento ulterior a nossa decisão relativamente à Definição de Responsabilidade.”

12. Não houve pagamentos efectuados no âmbito da regularização do presente sinistro.

              Por fim,  a autora entende que o facto não provado sob 3 (: a ré não comunicou posição sobre a assunção de responsabilidade pelo sinistro até à presente data) devia ter sido dado como provado.

              Isto tudo resultaria da conjugação do seguinte, segundo a autora e nos termos da mesma (com simplificações e sem transcrição das passagens dos depoimentos):

              Do depoimento da testemunha A: a RS enviou, em 19/01/2018, por correio normal a sua reclamação inicial, que o único contacto efectuado pela ré junto da RS foi efectuado através de telefonema de 19/02/2020, às 15:02, com a duração de chamada de 11:11, proveniente do número de contacto (+351) 888888888, realizado pela empregada da ré Cl, que a ré reconhece ter recebido a carta enviada a 18/01/2018, tanto pela Cl como pelo perito D, que a ré não definiu a sua responsabilidade no âmbito do presente sinistro e que não houve pagamentos efectuados no âmbito do presente sinistro, aliás, que por diversas vezes tentara entrar em contacto com o call center da ré quanto a este mesmo sinistro solicitando o contacto da gestão, sem sucesso, nunca lhe foi passado o contacto ao gestor de sinistro nem com este chegando uma única vez à fala no decurso dessas tentativas de contacto, refere que não existiu nenhum envio de SMS para a autora no que toca a tentativas de contacto para a regularização do mesmo, que o único contacto que teve ocorreu a 19/02/2020 e foi promovido por Cl como referido, e que apenas após 10min de conversa, sem o deixar falar, lá acusou a recepção de todas as correspondências enviadas pela autora, tendo ainda referido que depois de ter solicitado a gravação dessa chamada tal não foi possível de concretizar por parte da ré, e que a ré “deixou de pagar os sinistros a tempo e horas”.

              Do depoimento da testemunha H: a ré não forneceu os dados necessários para identificar o processo de sinistro em apreço, que este recebe várias chamadas por dia, relativas a sinistros, com identificação deficiente quanto a datas, locais e matrículas, tendo sido peremptório em afirmar que a autora nunca recepcionou SMS algum proveniente da ré.

              Do depoimento da testemunha Cl: no âmbito da sua gestão interna para a ré, por esta se considerar um IDS devedor, não se devem respeitar os prazos do DL 291/2007, que para a ré, internamente, marca Y, esta assumiu a responsabilidade como IDS devedor a 15/02/2019, que internamente, para a ré, na marca Y, não é obrigatório existir participação do seu segurado, nem necessitam que o segurado responsável o faça, que a ré, como marca que assume a responsabilidade, não comunicou à autora, terceiro lesado, a assunção da responsabilidade, por entender competir à ré, IDS credor, a comunicação dessa assunção e que não existiram pagamentos efectuados no âmbito do presente sinistro, uma vez que, pese embora considerarem o presente processo fechado e prescrito, Y não havendo lugar a pagamentos, o mesmo só se encontra “aberto” por se encontrar em processo judicial.

              Do depoimento da testemunha C: a ré na marca X não contactou o titular/proprietário do veículo causador do acidente nem confirmou se este participou o sinistro, que a X não definiu a sua responsabilidade no âmbito do presente sinistro e que não houve pagamentos efectuados no âmbito do presente sinistro, e ainda que na audiência, por não ter acesso ao processo físico mas apenas aos in put não conseguiu explicar o encerramento técnico a 11/03/2019, o que, indo ao encontro do que a sua supervisora CF referiu à testemunha A no sentido de que no processo constavam todas as correspondências da AA enviadas à ré, carta datada de 19/01/2018, fax datado de 14/02/2019, pode assim acolher justificação aquela data de encerramento automático atenta a factualidade de que se justifica o encerramento automático do processo pela recepção comprovada no processo daquela carta de reclamação da autora datada de 19/01/2018, bem assim como constar no processo o doc. 9 (fax datado de 14/02/2019) e doc. 10 (reclamação final datada de 14/02/2020) estes dois últimos juntos com a PI e comprovadamente recepcionados sem qualquer referencia nos in puts do processo.

              O doc. 7 junto com a petição inicial, que consiste na reclamação inicial enviada pela RS à ré, por meio de correio simples, a 19/01/2018 conjugado com o depoimento da testemunha A, que esta carta foi elaborada pela representante da autora e enviada para a direcção do ramo automóvel da ré, devendo ser dado como provado o facto que constitui o acto do envio.

              O doc. 11 junto com a PI que consiste no único contacto efectuado pela ré perante a RS¸ tendo em conta o depoimento da testemunha A confirmando ter sido a única chamada efectuada pela ré e o depoimento da testemunha C dando nota ao tribunal que nem todos os actos de gestão do processo se encontram vertidos no processo interno de regularização de sinistro da ré, Y, impondo-se julgar-se como provado que tal chamada ocorreu na data mencionada de 19/02/2020 como a única chamada efectuada pela ré perante a autora.

              Falta de junção, pela ré, da gravação da chamada entre Cl e A, requerida pela autora na PI, identificando-a claramente, bem como os factos que a mesma se destinava a provar, designadamente o facto (art. 45 da PI) de a ré ter conhecimento da ocorrência do sinistro automóvel, pelo menos, desde 19/01/2018, e ainda todas as gravações em seu poder realizadas no âmbito da resolução deste processo. O tribunal determinou, no despacho saneador, que a ré juntasse aos autos a gravação solicitada pela autora. A ré não procedeu à junção da gravação, apenas referindo que não dispõe dessa gravação. Ora a ré nada justifica, nem sequer impugna que essa chamada e a conversa mantida ocorreu. A autora, ao contrário do afirmado pela ré, tentou entrar em contacto com esta, tendo, com a junção do seu doc.11 da PI, feito prova de que entrou em contacto com ela naquele dia, com a duração de chamada de 11:11, não podendo fazer prova do teor desta chamada, porquanto a gravação da mesma não se encontra na plena disponibilidade da ré, por motivos que se desconhecem. Ora, qualquer pessoa que entre em contacto com o call center da ré é imediatamente confrontado com a gravação automática de que «a presente chamada será gravada, caso não o pretenda, por favor desligue e entre em contacto pelos canais alternativos» (ou mensagem similar, mas sendo o seu conteúdo o mesmo), Y, encontra-se esta obrigada a dispor de uma base de dados organizada onde possa aceder às gravações efectuadas e, por outro lado, não se encontra obrigada por lei a proceder à sua destruição num determinado prazo máximo. Tendo em consideração o preceituado no artigo 15 do Regulamento UE 679/2016, directamente aplicável ao caso sub judice por força do seu artigo 99/2, tinha e tem a ré de identificar claramente os dados recolhidos nesta chamada telefónica, bem como o seu correcto armazenamento. Sendo mesmo esta a política de protecção de dados da ré conforme doc.1 junto pela autora com o seu requerimento de 13/02/2022, onde requereu que não sendo possível à ré cumprir com o acima preceituado, nem com o determinado pelo tribunal a quo, que o tribunal a quo verificasse a existência dos pressupostos de aplicação do preceituado nos artigos 417/2 ex vi artigo 430, ambos do CPC, em especial a aplicação da figura da inversão do ónus da prova, como plasmado no artigo 344 do CC. Esta apreciação não foi efectuada pelo tribunal recorrido, pelo que se verifica a existência de omissão de pronúncia, nos termos previstos no artigo 615/1 do CPC; tal não se considerando, sempre a ré não respeitou o comando imposto pelo tribunal recorrido, pelo que sempre será de se aplicar o preceituado nos normas acabadas de citar e, consequentemente, seguindo a estatuição destas normas, dar-se como provado o teor do artigo 45 da PI.

              A ré contra-alegou, defendendo a improcedência da impugnação.

              Apreciação:

              Quanto ao depoimento da testemunha A, documentos 7 e 11 [e também 18] e falta de junção da gravação: trata-se, aquele, do depoimento de alguém que tenta demonstrar que a sua empresa, em serviço para a autora, enviou uma carta por correio normal (isto é, declaradamente, não registado) à ré em 19/01/2018 Y a seguir ao acidente (doc.7). Ora, qualquer pessoa pode, hoje, escrever e imprimir uma carta com data de 19/01/2018 e dizer que essa carta é de 19/01/2018. Por isso, uma empresa habituada a estas coisas – como é o caso da empresa da testemunha, dedicada à regularização de sinistros –, sabe que para provar mesmo que seja apenas o envio de uma carta deve enviá-la, pelo mínimo, pelo correio registado. Aliás, é isso que diz o invocado, pela própria autora, art. 46 do DL 291/2007. Nunca passará pela cabeça de ninguém pensar que se provará o envio de uma carta, num caso em que está em causa o pedido de mais de uma centena de milhares de euros, apenas porque uma testemunha de uma empresa encarregada de regularizar o sinistro diz que essa carta foi enviada por um colega. Há ainda que ter em conta o seguinte: estamos perante um caso absolutamente singular: uma empresa encarregue de regularizar sinistros diz ter escrito uma carta a reclamar o sinistro no dia seguinte ao mesmo e, depois, espera pela resposta mais de um ano sem qualquer reacção. Isto não corresponde minimamente à normalidade das coisas, e o facto de uma testemunha da empresa em causa dizer que foi isso que ocorreu, sem qualquer corroboração, não convence seja quem favor. E a impressão da carta em causa, já foi dito, não tem o mais pequeno valor e, por isso, não serve de corroboração de nada. Mais, ainda quanto a este caso: a empresa em causa um ano depois (só um ano depois) escreve um fax à seguradora a dar conta da reclamação inicial, o que espoleta uma reacção da seguradora, a que a empresa em causa não dá qualquer seguimento e só um outro ano depois é que envia nova carta para a seguradora (desta vez, multiplicando por 20x o valor do que reclamava: se pedia então cerca de 5000€, pede então cerca de 105.000€). De novo isto não corresponde à normalidade das coisas, pelo que tudo o que esta testemunha conta sobre isto tudo não convence minimamente este TRL, como não convenceu o tribunal recorrido, como este disse expressamente. Entre o mais, esta testemunha tenta convencer, com um conjunto de e-mails, alguns deles internos, da ré, de Março de 2020, que obteve por acaso (e que não tem o pudor de não juntar apesar de não ser a destinatária dos e-mails), de que teria havido, por parte da seguradora, o reconhecimento de ter recebido a reclamação inicial de 19/01/2018. Ora, desses e-mails (juntos como doc.18 pela autora num requerimento de 22/09/2020, depois da PI, em detrimento da possibilidade de um real contraditório pela ré), não resulta minimamente tal reconhecimento. Mas a autora e esta testemunha da empresa dizem que sim, perfeitamente indiferentes à tentativa de demonstração que assim é. Ora, nenhuma linha do texto desses e-mails da seguradora, consta qualquer frase que implique esse reconhecimento. O facto de a testemunha (A), num desses e-mails, o último em data, sem notícia da resposta,  ter escrito “Por outro lado agradeço a gentileza de me ter, também, confirmado a recepção da nossa “reclamação inicial” do seu “reminder” e da “reclamação final” quantificada, tudo, no âmbito dos documentos constantes do vosso processo” não quer dizer, minimamente, que seja verdade e não simples ficção da testemunha. Neste contexto, ainda, a testemunha tenta convencer, com o screenshot de um telemóvel (doc.11), de que há a gravação de uma chamada telefónica de fev2020 entre a seguradora e a testemunha, em que a pessoa que fala em nome da seguradora, admitiu ter recebido a reclamação inicial de fev2018, apesar de a testemunha dizer que essa pessoa foi tão indelicada consigo que nem a deixou falar. Faltaria explicar como é que sendo assim, a pessoa em causa, da seguradora, afinal teria deixado a testemunha falar da reclamação inicial de fev2018, em termos de ser clara quanto ao assunto e ter respondido, também de forma clara, que sim, que a seguradora tinha recebido tal reclamação. Tudo isto não corresponde à lógica das coisas nem ao que acontece normalmente. E visto que a autora e a testemunha da empresa em causa conseguem ler, no texto dos emails já referidos, que a seguradora reconhece o recebimento da reclamação inicial, contra a evidência das coisas, não tem a mais pequena credibilidade a afirmação da autora (na petição e no recurso) e da testemunha em causa no seu depoimento, de que nessa chamada, naquele contexto, a pessoa que falava em nome da seguradora, teria reconhecido ter recebido a reclamação inicial. E, sempre neste contexto absolutamente excepcional, de um processo que foi iniciado, de facto, com um fax de fev2019, e que a empresa encarregue pela autora de regularizar o sinistro, só contacta de novo a seguradora em fev2020 (pedindo-lhe mais de 20x o que inicialmente lhe pedia), nada tem de especial que a seguradora não tenha guardado uma suposta gravação (que não há qualquer prova de ter existido) de uma conversa ocorrida, em que a seguradora se indigna pela anormalidade/inadmissibilidade de todo o processo em causa. Pelo que, nas circunstâncias, não é de dar nenhum relevo processual à falta de junção aos autos de tal gravação, de uma chamada que teria sido feita pela seguradora para a testemunha (pelo que não serve de nada a testemunha e a autora estarem a dizer que quando se liga para a seguradora se inicia de imediato uma gravação).

              Saliente-se, entretanto, deste testemunho, o reconhecimento de erro, na acareação (não transcrita nem referida pela autora): disse ter ressalvado na troca de comunicações com a testemunha F não prescindir das ‘penalizações’, quando antes dizia que a testemunha F estava de acordo com o valor total reclamado, sendo que é contra a lógica das coisas que alguém a quem são pedidos mais de 100.000€ para além do valor da reparação, esteja de acordo com o valor do que era pedido.

              Ainda quanto à gravação, diga-se que, de qualquer modo, tendo a ré respondido que não possuía a gravação, cabia à ré, no prazo geral de 10 dias (art. 149 do CPC) requerer prova, por qualquer meio, de que tal resposta não correspondia à verdade (art. 431/1 do CPC), o que ela não fez naquele prazo, pelo que o tribunal não tinha que decidir nada quanto a isso (art. 433 do CPC), pelo que não se verifica a nulidade invocada.

              Do depoimento da testemunha H (empregado da autora): deste depoimento não resulta nada do que a autora diz. Antes de mais note-se que a transcrição das passagens é um absurdo. A autora anuncia o período de gravação como sendo de 19:42 a 22:19, que já seria da instância da ré, e diz que a primeira pergunta que transcreve é do mandatário da autora, e transcreve outras como se também fosse deste, mas cerca de metade das passagens são da instância da ré, embora com duas perguntas feitas pelo mandatário da autora noutro período (13:48 a 14:22). Aquela primeira pergunta, repete-se, é do mandatário da ré, e foi feita mais precisamente ao minuto 20:09 depois de um acto falhado a 19:42.

              Ou seja, a sequência da transcrição é:

              19:42 Mandatário da Autora […]

              13:48 Mandatário da Ré […]

              14:13 Testemunha […]

              14:16 Mandatário da Ré […]

              14:22 Testemunha […]

              20:44 Testemunha […]

              […]

              Ora, a pergunta de 19:42 ou melhor de 20:09 é das instâncias da ré e não da autora.

              As perguntas de 13:48 e 14:16 são do interrogatório do mandatário da autora e não da instância da ré.

              A resposta de 20:44 é uma resposta à pergunta do mandatário da ré de 20:09.

              Com este tipo de transcrição já se indicia que a testemunha não disse nada de útil, senão ela seria apresentada com o mínimo de cuidado para fornecer dados úteis. Seja como for, a testemunha limitou-se a tecer considerações genéricas sobre quem gere os sinistros conforme os casos e o que é que acontece nas chamadas telefónicas, e-mails e sms. Mas nada que se tenha passado no caso, pois que, no caso, segundo ela, nada se passou consigo, ou seja, segundo ela, não terá recebido nenhum telefonema nem SMS, embora não negue que pudesse ter recebido uma chamada da seguradora e que, dizendo essa chamada respeito a um caso em que a responsabilidade fosse de terceiro, remeteria a seguradora para a RS, precisamente como a ré diz ter ocorrido (pode-se conferir o depoimento na transcrição que foi feita dele pela ré; por exemplo: T – Sim sim, se eu perceber que era do domínio do Sr. Eng A, encaminho  Adv – Isso aconteceu neste caso? T – Não consigo garantir Adv – Admite que possa ter acontecido  T – Admito, que sim e que não, nesta data não consigo…).

              Quanto aos possíveis lapsos de comunicação da ré, não corresponde à normalidade das coisas quanto a pessoas habituadas e destinadas a tratar destes assuntos; não se acredita que a pessoa da seguradora tenha deixado uma mensagem vocal sem dados suficientes para ser contactada de volta (designadamente o n.º do sinistro) e não se acredita que a ré, apesar de a autora reconhecer que a ré a tentou contactar, não tenha deixado o sms que consta do histórico/comentário. Ou seja, aceita-se que num histórico electrónico particular não constem muitas coisas que podiam constar, mas não se acredita que constando dele certa coisa, ela não tenha ocorrido. As coisas que dele constam e que são confirmadas pela testemunha (C) que faz parte dos comentários desse histórico (doc. 7 do requerimento da ré de 03/11/2021), são de aceitar, a não ser que a parte contrária as ponha, com prova, em dúvida (art. 346 do CC).

              Quanto ao depoimento da testemunha Cl (gestora de seguros, em 14/02/2019, da Y que, no caso, era o IDS devedor [seguradora do ligeiro responsável] à data do sinistro; o que diz de útil e nada mais podia saber, foi a que a X (IDS credor – seguradora do lesado/autora) emitiu o ADR [aviso de reclamação] do sinistro e a Y assumiu a responsabilidade de imediato): a testemunha não disse, evidentemente, ao contrário do que é alegado pela autora, que no âmbito da sua gestão interna para a Y, por esta se considerar um IDS devedor, não se devem respeitar os prazos do DL 291/2007, o que disse foi – nos termos transcritos, sem muito rigor, pela própria autora -: “tem que respeitar os prazos, não fica [no espaço da plataforma de que estava a falar… – TRL] porque o único prazo que temos que fazer é o de dar resposta à congénere, que são 72h no âmbito do IDS e comunicar a [assunção de] responsabilidade ao nosso segurado -; e o que explicou a seguir foi que como recebeu, pela X, a declaração amigável do sinistro, não precisou da participação do seu segurado (ligeiro) e que apesar de a Y ter assumido a responsabilidade, não houve pagamentos porque a X, por razões que a esta respeitam e que ela, Y, não tem de saber (mas que o tribunal sabe), nunca comunicou ter feito pagamentos que a Y depois teria de reembolsar.

              Quanto ao depoimento da testemunha C: a testemunha não disse nada, na instância da autora, de parecido com o que a autora, confusamente, sugere que ela disse [ou que se retiraria do que ela disse], ou seja: o que, indo ao encontro do que a sua supervisora CF referiu à testemunha A no sentido de que no processo constavam todas as correspondências da AA enviadas à ré, carta datada de 19/01/2018, fax datado de 14/02/2019, pode assim acolher justificação aquela data de encerramento automático atenta a factualidade de que se justifica o encerramento automático do processo pela recepção comprovada no processo daquela carta de reclamação da autora datada de 19/01/2018”. Antes pelo contrário, tudo o que ela disse, incluindo no seu interrogatório, confirma o que consta dos comentários que analisou permitindo a prova dos factos 13 a 21. É certo que do que esta testemunha disse, resulta realmente que do separador “comentários” da plataforma em causa, não consta nenhum comentário que dê conta da existência do fax de 14/02/2019 e da reclamação de 14/02/2020, documentos juntos com a PI e recebidos pela X. Mas nem se vê porque é que deviam constar: as partes fazem, nos seus processos internos, os comentários que entendem e como entendem e as partes contrárias não têm nada que estar a censurá-las por isso. Se, depois, esses comentários não servem para prova de alguma coisa, o problema é da parte em causa.

              Veja-se agora em concreto as pretensões da autora:

              Quanto a  (i) dos 4 factos que a autora pretende substituir aos factos 13 a 21, temos a testemunha C que confirma o conteúdo dos comentários que constituem o doc.7 do requerimento de 03/11/2021 (do histórico electrónico do processo interno da ré), pelo que não há razão para dar como provado esse facto em substituição dos factos 13 a 21 (que aquela testemunha confirma). As testemunhas A e H não demonstram ter razões para os pôr em causa.

              As passagens citadas do depoimento da testemunha H não confirmam o que a autora quer dar como provado em (ii) daquele conjunto de 4 factos.

              O que consta de (iii) daquele conjunto é uma generalidade sem qualquer relevância tendo em conta o dado como provado de 13 a 21 e o que já foi dito a propósito do depoimento da testemunha H.

              O que consta de (iv) está errado face ao que consta de 19 (confirmado pela testemunha C e referido doc.7).

              Quanto aos factos 1 a 12 que a autora quer que sejam aditados:

              1 – Já foi dito que a versão da autora não tem qualquer credibilidade: uma empresa de regularização de sinistros não envia uma carta por correio normal e depois está à espera 1 ano sem resposta da seguradora e sem reclamar nada quanto à falta de resposta durante um ano. Não faz parte sequer das coisas concebíveis.

              2 = 3: não há qualquer prova do conteúdo do telefonema de 19/02/2020;

              4 – a testemunha A não tem qualquer credibilidade, face ao conteúdo do seu depoimento como já foi dito – é empregado da RS que tenta justificar a conduta da sua empresa do modo já referido acima.

              5 – Já foi dito que a testemunha Cl não disse nada disto.

              6 a 8 – trata-se de factos sem qualquer relevância – está-se a falar da actuação da gestora da Y, seguradora do ligeiro responsável pelo acidente, no âmbito da IDS. De resto, o que importa quanto a esta, Y, já consta dos factos provados 21\, 22\ e 23\.

              9 – trata-se de facto sem qualquer relevância – está-se a falar da actuação da gestora da X como seguradora do tractor/reboque no âmbito da IDS.

              10 – A posição da X está clara e provada no facto provado 6\ e com isso a autora já tem base para a sua construção – certa ou errada é outra questão, a ver adiante.

              11 – A autora não reparou que isto já consta do facto provado 6\.

              12 – É uma evidência que não tem de constar dos factos provados, já que é um pressuposto da acção e decorre da posição da ré.

              Quanto ao facto não provado sob 3, a consideração dele como não provado resulta de se considerar que a resposta constante do facto provado 6\ corresponde à posição da ré.

              Em suma, improcede totalmente a impugnação da decisão da matéria de facto.

              Acrescente-se que a autora tem uma parte do seu recurso dedicada à “renovação da prova”, com considerações genéricas que, com adaptações mínimas podem ser feitas em qualquer outro recurso, e que, face ao que antecede, não tem, no caso, qualquer razão de ser, isto é, não há qualquer situação de necessidade de que a prova seja renovada.

*

Do recurso sobre matéria de Direito

                                              Quanto à paralisação

              O tribunal recorrido, depois de estabelecer a responsabilizada da seguradora, como seguradora do ligeiro, pelos danos causados à autora, o que não vem discutido nem há razões para discutir, lembra, para além do mais, que:

         A autora pediu 257,03€ diários pela paralisação do tractor e ainda outra de igual valor pela paralisação do seu reboque, reclamando assim pela paralisação do seu conjunto circulante 257,03€ x 2 x 8 num total de 4.112,48€.

         Para o efeito, invoca como referencial o acordo celebrado entre a APS e a ANTRAM, sendo que esta entidade representa grande parte do sector dos transportes rodoviários pesados de mercadoria.

         Resultou demonstrado que o veículo sinistrado deu entrada na oficina a 26/01/2018 e a reparação foi concluída em 02/02/2018 (facto 9), o que implica a paralisação do mesmo durante 8 dias consecutivos.

         Não sendo de descurar tal acordo como um referencial a ter em conta, a verdade é que estando em causa um conjunto circulante, constituído pelo tractor e pelo semi-reboque, não se vislumbra fundamento para a duplicação de valor pretendido pela autora.

         Por outro lado, não tendo a ré logrado demonstrar que o semi-reboque estava em condições de circular, não se afigura adequada proceder à aplicação da redução de valor prevista no art. 3/4 do protocolo em causa.

         Deste modo, fixamos em termos quantitativos um valor de 100€ diários, a arbitrar pela perda de uso da viatura no seu conjunto (tractor e reboque), sendo que entendemos dever considerar apenas 6 dias, porquanto, o período considerado engloba um fim-de-semana.

         Assim sendo, a autora tem direito a uma indemnização pela perda de uso da viatura de 600€ (= 100 x 6 dias úteis).

              A autora entende que (sempre com um mínimo de simplificações e de eliminação de repetições):

  1. Os veículos que integram um «conjunto de veículos», in casu, o conjunto circulante composto pelo tractor e pelo semi-reboque são material e juridicamente autónomos e, por conseguinte, funcionalmente intermutáveis na utilização económico-comercial de cada um dos tipos em combinação com diferentes veículos do outro tipo, possuindo cada um dos elementos do conjunto uma utilidade económica de exploração comercial própria e autónoma; à luz do exposto, a paralisação de qualquer deles deva relevar também autonomamente como fonte de danos.
  2. Para fundamentar o custo de paralisação do conjunto circulante especial, a autora socorre-se do acordo celebrado entre a APS e a ANTRAM como critério para a fixação da indemnização no caso sub iudice, consubstanciando o juízo de equidade previsto no artigo 566/3 do CC (acórdãos proferidos nos processos 779/03.8TBOBR.C1, 1661/07.5TBMTJ.L1-8, 1458/12.0TVLSB.L2-2, 189/16.7T8CDN.C1, 11421/16.7T8LSB.L1-6 e 80/14.1T8ALQ.L1-6).
  3. Ora, tendo em consideração que o acordo em causa foi celebrado entre a APS e a ANTRAM, sendo que esta entidade representa grande parte do sector dos transportes rodoviários pesados de mercadorias, afigura-se razoável que os valores indemnizatórios aí previstos para situações de paralisação de veículos pesados de mercadorias surjam como equitativos, atendendo à similitude de situações e à qualidade e representatividade dos outorgantes no sector dos transportes em questão, sendo indiferente ao caso que a autora tenha outorgado ou não o referido acordo ou seja associada ou não da ANTRAM, devendo, por conseguinte, ser fixado pelo tribunal ad quem a verba requerida pela paralisação no valor de 257,03€/dia para o ano de 2017, conforme melhor se alcança pela actualização do acordo entre a ANTRAM e APS, como decorre da aplicação da taxa de imobilização diária para veículos de peso bruto entre 26 e 40 toneladas afectos ao serviço internacional.
  4. É igualmente devida indemnização à autora, no que à paralisação diz respeito, considerandos ambos os veículos que compõe o conjunto circulante propriedade desta, conforme orientação vertida no âmbito dos acórdãos proferidos nos processos 14227/19.8T8PRT.P1, 2278/07.0TVLSB.L1-1, 11421/16.7T8LSB.L1-6 e 04B312, constituindo tractor e semi-reboque realidades distintas para efeitos de fixação de indemnização pela paralisação.
  5. Y, a autora deve ser ressarcida na verba de 257,03€ diários pela paralisação do tractor e ainda outra de igual valor pela paralisação do seu reboque, reclamando assim pela paralisação do seu conjunto circulante a verba total de 257,03€ multiplicada por 2 e este valor multiplicado por 8 dias num total de 4.112,48€, atento o facto de o reboque não poder circular sem o tractor e vice-versa.

              A ré responde que:

  1. […] o dano de privação do uso deve manter-se no montante de 600€, correspondente a 6 dias de paralisação para o tractor (único que ficou danificado).
  2. Não ficou demonstrado que a autora era associada da ANTRAM, o que determina a inaplicabilidade do protocolo defendido pela autora nas suas alegações.
  3. Aliás, a jurisprudência tem entendido não ser de aplicar a tabela da ANTRAM – cfr. acórdãos STJ de 11/12/2012, proc. 549/05.9TBCBR -A.
  4. Pelo que, considerando-se que se trata de veículo de mercadorias afecto ao desenvolvimento de actividade comercial, a jurisprudência tem fixado o dano de privação do uso em 100€ diários – neste sentido, ac. do TRG de 27/02/2020, do TRC de 06/02/2018 proc. 189/16.7T8CDN.C1.
  5. Aplicando-se ao caso dos autos a equidade (na falta de dados específicos sobre o valor diário de privação), e a jurisprudência nos casos semelhantes, conclui-se que o valor de privação diário de 100€, definido na sentença recorrida, é adequado ao caso dos autos (e ultrapassa em cerca de 30% o valor considerado pela jurisprudência nos casos anáYs) [o conteúdo destes parenteses diz, certamente, respeito a outro caso – TRL].
  6. O valor de privação do uso deve incidir apenas sobre o tractor, não sendo extensível ao semi-reboque, uma vez que este não sofreu danos, podendo ser combinado com outro tractor, conforme depoimento prestado pelas testemunhas VC cujo depoimento se encontra registado em sistema áudio a […] e AN, cujo depoimento se encontra registado em sistema áudio a […]

              Apreciação:

              Antes de mais vejam-se os acórdãos invocados pela autora:

              Ac. do TRC de 29/09/2009, proc. 779/03.8TBOBR.C1:       

         […]

      1. […] o lesado está obrigado a agir com diligência, nomeadamente não dilatando no tempo a propositura de acção de indemnização, sob pena de contribuir para o agravamento dos danos e ver reduzido o montante a atribuir.

              A autora invoca este acórdão, não para o que antecede, mas para a questão da aplicação da tabela do acordo da ANTRAM e APS, já que o acórdão diz:

         “[…] Sendo certo, como escreve a ré, que a tabela acordada entre a ANTRAM e a APS não é mais do que uma mera tabela orientadora, não o é menos que a testemunha F…., industrial de transportes e, nessa medida, pessoa com especiais habilitações para responder, apontou para um prejuízo na ordem dos 200€ diários, o que excede o valor da dita tabela. Considerando que o seu depoimento não foi contrariado por meio algum e que os valores indicados pela ANTRAM são aqueles que as entidades mais interessadas – associações de transportadores e de seguradoras – entenderam como mais equilibrado, não há razão para o não aceitar, tal como se decidiu em primeira instância.”

              Entretanto, anote-se que o acórdão ainda disse:

         “São elementos atendíveis, naturalmente, mas sem valor intrínseco e absoluto. Os quantitativos fixados nos acordos da ANTRAM com a APS são válidos para quem os quiser aceitar, para quem pretender, no fundo, escapar às delongas e contratempos de uma acção judicial; no mais, não passam de mero valor referencial, a conjugar com outros elementos de prova; aproximar-se-ão de uma certa bitola de normalidade, mas não mais do que isso. Na sua actividade diária, as empresas de transportes efectuam trabalhos muito diferentes e com margens de lucro (ou de prejuízo) muito diferentes, também.”

              Ac. do TRL de 02/06/2016, proc. 1661/07.5TBMTJ.L1-8; do sumário do acórdão vê-se que este trata de um direito de regresso; a autora utiliza este acórdão para a questão do período de paralisação, com uma passagem em que o acórdão está a decidir uma impugnação de um ponto da decisão de facto quanto ao período de paralisação. O acórdão não tem interesse para o caso.

              Ac. do TRL de 18/05/2017, proc. 1458/12.0TVLSB.L2-2,  que, segundo a autora, aplica o acordo entre a ANTRAM e APS como critério norteador de equidade.

              Este acórdão diz:

         Mesmo não sendo aplicável directamente tal acordo, o mesmo sempre servirá, como entendeu bem a sentença recorrida, como elemento de referência para a fixação da indemnização na falta de outros elementos de facto mais concretos, mas que servem para a formação de um melhor juízo de equidade e de forma a afastar o mais possível qualquer arbitrariedade na fixação da indemnização. Nos termos do acordo ANTRAM “por paralisação entende-se […] Não serão compreendidos os sábados, domingos e os feriados oficiais.” […] O valor diário da imobilização previsto no acordo referido para 2011 era de 235,49€ (alegado pela autora e aceite pela ré na contestação). Cabe, todavia, referir que ao utilizar-se como referência o acordo ANTRAM deve o mesmo ser aplicável e atendido em toda a sua extensão, nomeadamente quanto ao cálculo da indemnização e factores excludente, pelo que nesse cálculo se devem excluir, como defende a apelante, os sábados, domingos e feriados oficiais ocorridos no período de paralisação a ressarcir.”

              Ac. do TRC de 06/02/2018, proc. 189/16.7T8CDN.C1:

              A autora invoca este acórdão para aproveitar o que se segue:

         Efectivamente, concordando que, no caso em apreço, não serão de aplicar, tout court, os valores previstos na tabela da ANTRAM para efeitos de compensar a paralisação dos veículos dos respectivos associados, já consideramos que nada obsta (veja-se entendimento semelhante, embora que respeitando aos custos de aluguer no mercado de rent-a-car, no ac. do TRC de 16/12/2009) a que se pondere os 250€/dia, previstos em tal tabela, como mero referencial a considerar no juízo de equidade a fazer nos termos do art. 566/3 do CC.

              A autora não cita o § seguinte com que o acórdão conclui a matéria:

            Assim, ponderado o exposto, entendemos que, em juízo de equidade, nos termos do art. 566/3 do CC, será de arbitrar pela paralisação diária do veículo em questão o valor de 100€ […].            

              Ac. do TRL de 22/02/2018, proc. 11421/16.7T8LSB.L1-6:

         A equiparação do conjunto de veículos a um veículo único para efeitos de circulação, feita no art. 111/2-3 do Código da Estrada, não pode ser interpretada como significando que também o mesmo se aplica para fixação de indemnização ao proprietário pelos danos sofridos com a paralisação do tractor e do semi-reboque para transporte de mercadorias em consequência de acidente de viação.

              Neste caso, tractor e reboque sofreram danos e paralisação; aplicou-se o acordo entre a ANTRAM e a APS, com relação a serviço internacional; 253,69€/dia por cada um porque a tabela prevê o peso máximo de 40 toneladas e o peso do tractor era de 40 e o do reboque 30,5 no total de 70,5 toneladas.

              A autora aproveita ainda o ac. do TRL de 27/09/2018, proc. 80/14.1T8ALQ.L1-6 para o mesmo efeito, esquecendo que ANTROP não é igual a ANTRAM:

         IV – No caso dos autos, em que se discute o valor da indemnização pela privação do uso de um veículo afecto ao transporte colectivo de passageiros, afigura-se equitativo acomodar tal indemnização no valor indemnizatório (231,86€/dia) estabelecido no «acordo de paralisação» celebrado entre a APS e a ANTROP, atendendo à similitude de situações e à qualidade e representatividade dos outorgantes no sector dos transportes em questão.

              Acórdão proferido no proc. 14227/19.8T8PRT.P1 que só pode ser o ac. do TRP de 02/12/2019, tem a ver com um processo de expropriação e decisões surpresa, pelo que não tem nada a ver com o caso.

              Ac. do TRL de 29/11/2011, proc. 2278/07.0TVLSB.L1-1; Trata-se um caso em que o tractor estava seguradora numa companhia e o semi-reboque estava segurado noutra; o que se discutia era a relação interna entre estas duas seguradoras, não a questão da responsabilidades delas para com o dono do tractor e do reboque. Não tem interesse para o caso dos autos.

              Ac. do STJ de 18/11/2004, processo 04B312

         1 – Os veículos que integram um «conjunto de veículos» são material e juridicamente autónomos.

         2 – Resultando de despiste e colisões do automóvel segurado na ré, exclusivamente imputáveis a facto do seu condutor, danos materiais no tractor e no semi-reboque da autora […], incluindo a paralisação temporária de um e do outro, deve a seguradora indemnizar cumulativamente os danos das paralisações dos dois veículos e não apenas de uma única paralisação do conjunto unitariamente considerado.

              Os acórdãos invocados pela ré:

              A ré invoca o ac. do STJ de 11/12/2012, proc. 549/05.9TBCBR -A, para dizer que a jurisprudência tem entendido não ser de aplicar a tabela da ANTRAM. Este acórdão diz respeito a um caso em que, por não ter sido possível liquidar o dano, a seguradora foi condenada no que se liquidasse em execução posterior a um outro acórdão do STJ; o dano teve que ser fixado segundo dados apurados na liquidação e a aplicação da tabela do acordo entre a ANTRAM e a APS foi afastada quase liminarmente. Para além de que estava em causa um dano de paralisação por 4 anos. Ou seja, uma situação muito particular, que não tem nada a ver com o caso dos autos.

              Por outro lado, a ré diz que, considerando-se que se trata de veículo de mercadorias afecto ao desenvolvimento de actividade comercial, a jurisprudência tem fixado o dano de privação do uso em 100€ diários – neste sentido, invoca os acórdãos do TRC já citado pela autora, proc. 189/16.7T8CDN.C1, e um acórdão do TRG de 27/02/2020 (sem o identificar minimamente, sendo que nesse dia foram publicados 16 acórdãos do TRG e 2 deles sobre o dano da privação do uso – este TRL calcula que a ré quer referir-se ao acórdão do processo 272/18.4T8VPA.G1).

              O ac. do TRG disse que:

         Se no que respeita aos automóveis de uso particular já hoje não se fixam indemnizações por privação do uso inferiores a 10€ por dia de paralisação, no que respeita aos veículos de uso profissional, as indemnizações são substancialmente superiores. No caso de veículos pesados de transporte nacional e internacional as indemnizações não são inferiores a 100€ por cada dia de paralisação. Como exemplo paradigmático e merecedor de ser seguido como referência, encontramos o acórdão do TRC de 06/02/2018, proferido no processo 189/16.7T8CDN.C1, que arbitrou pela paralisação diária de um veículo pesado de mercadorias, que realizava transportes nacionais e internacionais, o valor de 100€ por cada dia útil de imobilização, sendo certo que se refere precisamente a factos ocorridos no ano de 2015, tal como sucede no caso sub iudice).

              O acórdão aplicou 100€/diários pela imobilização de um reboque para serviço internacional.

                                                                 *

              Entretanto, a autora ainda podia ter citado o ac. do TRC de 08/03/2022, proc. 768/21.0T8VIS.C1:

            II – Em caso de paralisação do tractor e do semi-reboque, em consequência de acidente de viação, é devida indemnização pela paralisação dos dois veículos.

              Este acórdão atribui 120€ [por se reportar a um acidente de 2020]/diários pela imobilização de cada um dos veículos (transporte internacional). Neste acórdão diz-se que a ré lembra que “no acordo entre a ANTRAM e a APS se prev[ê] que no caso de um conjunto rodoviário, composto por um camião e um reboque,  as importâncias a pagar pela paralisação serão calculadas com base na totalidade do peso bruto do conjunto, independentemente do veículo sobre o qual os danos incidam.” O acórdão rejeita esta tese, por um lado porque o acordo em causa é desconhecido nos autos e, por outro, porque entende que estão em jogo dois veículos material e juridicamente autónomos.

              E a ré podia ter invocado o acórdão do TRE de 10/02/2022, proc. 576/20.6T8EVR.E1:

         […] II – Se na sequência de um acidente de viação apenas o semi-reboque acoplado a um tractor sofreu danos, a imobilização por reparação do primeiro é susceptível de implicar a imobilização do segundo, se o conjunto de ambos estiver afecto a uma exploração económica unificada, não dispondo a autora de um outro semi-reboque adaptado a fazer ligação com aquele. […]

         VII – Existe abuso de direito por parte da Autora ao pretender beneficiar de um crédito calculado sobre um período de tempo que estava na sua esfera de disponibilidade aumentar ou reduzir.

              Trata-se de um caso com semelhanças ao dos autos e entre as mesmas partes; atribui-se 100€/diários pelo dano da paralisação dos dois veículos que se considerou provado; o acórdão vai dizendo, entre o mais, que: como reconhece a sentença, não discordam autora e ré na aplicação da tabela de paralisação acordada entre a ANTRAM e a APS para os veículos de transporte internacional de mercadorias, interpretando, apenas de modo diferente a aplicação de tal acordo. Ora, o recurso a tais tabelas, independentemente da prova de associada da titular da indemnização, facto que a ré aceitou, representa um recurso legítimo e útil num juízo que se desenvolve na base da equidade, como ponto de partida. O montante indemnizatório diário que nos serve de base pressupõe um veículo articulado no seu conjunto, Y, aplicado às duas viaturas como sendo uma única. É esse pressuposto que nos serve de referência. Não constituindo o montante indemnizatório um crédito devido a uma empresa comercial, mas sim a uma proprietária de viatura sinistrada, por coincidência empresa comercial, sendo indiferente para as razões do crédito a sua actividade ou objecto social, não são devidos juros à taxa comercial, mas sim à taxa civil. Diz-se também que a seguradora invocou que nos termos do nº 4 do art. 3 do protocolo [o referido acordo], “Tratando-se de um veículo articulado, cujos danos impliquem apenas a paralisação do semi-reboque, e não do tractor, as importâncias a pagar corresponderão a 40% das previstas no Anexo 1”. Este acórdão têm um link para o acordo entre a ANTRAM e a APS de 2011; http://www.antral.pt/wp-content/uploads/Acordo-de-Paralisac%CC%A7a%CC%83o-Antral.APS-.pdf (nesta versão não se encontra o art. 3/4 com o conteúdo referido pela ré).

                                                                       *

              Posto isto,

              Primeiro, só se provou a necessidade de paralisação do tractor; circunstâncias que implicassem a necessidade de paralisação também do semi-reboque teriam de ser alegadas e provadas pela autora (art. 342/1 do CC) e não foram. Pelo que só há que indemnizar a paralisação do tractor.

              Segundo, a tabela do acordo entre a ANTRAM e a APS – que não está junta aos autos, ao contrário do que é sugerido pela autora: a única coisa que foi junta, com o doc.12 da PI foi uma compilação de tabelas, da ANTRAL, ANTRAM, ANTROP, etc., não se sabe feita por quem – não é o acordo entre a ANTRAM e a APS e por isso é inútil e não se pode aplicar.

              Terceiro, o acordo poderia ser aplicado como um dos factores de um juízo de equidade (art. 566/3 do CC), mesmo não sendo a autora membro da ANTRAM, mas teria que se saber o seu conteúdo e ele ter sido discutido nos autos (já agora note-se que esse acordo não é livremente acessível na internet já que tal está dependente de um registo no sítio da ANTRAM; por outro lado, não é facilmente encontrado, mesmo por vias laterais ou indirectas, e como se foi vendo no meio das citações dos acórdãos referidos pelas partes, existem várias versões dele desde 1999).

              Quarto; como decorre do que se disse em ‘primeiro’, é evidente que se aceita que, para vários fins, o tractor e o reboque podem ser vistos individualmente e darem lugar a indemnizações individuais; mas é também certo que um reboque não pode circular sem um tractor e a circulação de um tractor sem reboque não faz sentido. Por isso, não se aceita a posição dos dois únicos acórdãos, um de 2018 do TRL (11421) e outro de 2022 do TRC, que dão duas indemnizações, uma por cada um, ressalvando-se, entretanto que, em ambos os casos, quer o tractor quer o reboque tinham sido danificados, o que não é o caso dos autos. O que é outro modo de dizer que, independentemente de poderem ser vistos individualmente, para alguns efeitos, no acordo em causa, tendo em conta as referências que lhe são feitas, terão sido, para efeitos de indemnização, considerados, logicamente, como um conjunto articulado, como diz o acórdão do TRE de 2022. Ou seja, o valor da tabela usada pela autora seria para o conjunto, nunca permitindo uma duplicação de valores. Aliás, a autora começou por pedir só uma indemnização (2056,24€) só vindo a pedir duas (mas dizendo que era uma actualização – art. 74 da PI -, não uma duplicação) nesta acção (4112,48€). E como era uma indemnização para um conjunto, se afinal um dos elementos do conjunto não tivesse danos, logicamente o outro poderia continuar a ser utilizado e daí que seja natural e lógico que seja como a ré diz, isto é, que o acordo preveja uma indemnização de apenas 40% para o caso de o tractor poder circular (porque o reboque tem menos valor no conjunto). Ou seja, esta regra do acordo seria só uma concretização da redução lógica que sempre se teria de fazer. Isto é, se se atribuir, por equidade, um valor de indemnização para um conjunto, se afinal um deles pode circular, a indemnização deve então ser mais baixa. Daí que o acórdão do TRE de 2022 tenha atribuído, como a sentença recorrida, um valor de apenas 100€/diários, pelo impossibilidade de circulação do reboque, o que está de acordo com os valores que são atribuídos noutros casos referenciados.

              Cinco: tendo tudo isto em conta e considerando ainda que a ré, devido à actuação da autora, nem sequer pôde aceder ao veículo antes da reparação e que, por isso, não pôde discutir verdadeiramente a necessidade dos dias de reparação em causa, nem os valores da reparação, nem mesmo se realmente os danos existiam, e que a autora não fez prova de nenhuns prejuízos concretos, estando em causa só um presumido prejuízo diário decorrente da imobilização do veículo que se integra numa empresa dedicada a uma actividade comercial, considera-se o valor de 100€/diários pela paralisação do tractor durante a reparação como adequado, e que realmente os dias não úteis não devem ser considerados.

                                                                 *

                                 Penalizações (arts. 38/2 e 40/2 do DL 291/2007):

              O tribunal lembra ainda que:

         A autora pede que sobre os montantes devidos sejam contabilizados juros nos termos preceituados no art. 38/2 do DL 291/2007, porquanto, decorreram 30 dias úteis sobre o previsto no artigo 36 do mesmo DL.

         O art. 36 do DL preceitua, sob a epígrafe “Diligência e prontidão da empresa de seguros” que [para evitar repetições, este TRL transcreve outras normas para além do art. 36/1-a  transcrito pelo tribunal recorrido]:

1.Sempre que lhe seja comunicada pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo terceiro lesado a ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro, a empresa de seguros deve:

a) Proceder ao primeiro contacto com o tomador do seguro, com o segurado ou com o terceiro lesado no prazo de dois dias úteis, marcando as peritagens que devam ter lugar;

b) Concluir as peritagens no prazo dos oito dias úteis seguintes ao fim do prazo mencionado na alínea anterior;

c) Em caso de necessidade de desmontagem, o tomador do seguro e o segurado ou o terceiro lesado devem ser notificados da data da conclusão das peritagens, as quais devem ser concluídas no prazo máximo dos 12 dias úteis seguintes ao fim do prazo mencionado na alínea a);

d) Disponibilizar os relatórios das peritagens no prazo dos quatro dias úteis após a conclusão destas, bem como dos relatórios de averiguação indispensáveis à sua compreensão;

e) Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 30 dias úteis, a contar do termo do prazo fixado na alínea a), informando desse facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento electrónico;

f) Na comunicação referida na alínea anterior, a empresa de seguros deve mencionar, ainda, que o proprietário do veículo tem a possibilidade de dar ordem de reparação, caso esta deva ter lugar, assumindo este o custo da reparação até ao apuramento das responsabilidades pela empresa de seguros e na medida desse apuramento.

2 – Se a empresa de seguros não detiver a direcção efectiva da reparação, os prazos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior contam-se a partir do dia em que existe disponibilidade da oficina e autorização do proprietário do veículo.

3 – Existe direcção efectiva da reparação por parte da empresa de seguros quando a oficina onde é realizada a peritagem é indicada pela empresa de seguros e é aceite pelo lesado.

4 – Nos casos em que a empresa de seguros entenda dever assumir a responsabilidade, contrariando a declaração da participação de sinistro na qual o tomador do seguro ou o segurado não se considera responsável pelo mesmo, estes podem apresentar, no prazo de cinco dias úteis a contar a partir da comunicação a que se refere a alínea e) do n.º 1, as informações que entenderem convenientes para uma melhor apreciação do sinistro.

5 – A decisão final da empresa de seguros relativa à situação descrita no número anterior deve ser comunicada, por escrito ou por documento electrónico, ao tomador do seguro ou ao segurado, no prazo de dois dias úteis após a apresentação por estes das informações aí mencionadas.

6 – Os prazos referidos nas alíneas b) a e) do n.º 1: a) São reduzidos a metade havendo declaração amigável de acidente automóvel; […]

[…]”

         Por sua vez, dispõe o artigo 38 do mesmo DL, na redacção actual, que:

             “1 – A posição prevista no n.º 1-e ou no n.º 5 do artigo 36 consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte.

             2 – Em caso de incumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas no número anterior, quando revistam a forma dele constante, são devidos juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal ou, em alternativa, sobre o montante da indemnização proposto para além do prazo pela empresa de seguros, que seja aceite pelo lesado, e a partir do fim desse prazo.

             3 – Se o montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial.

             4 – Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por proposta razoável aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado.”

         O previsto no artigo 38 reporta-se às situações em que a seguradora, assumindo a responsabilidade do segurado na produção do sinistro, formula uma proposta, o que não ocorreu nos presentes autos.

         Por outro lado, preceitua o art. 40 do mesmo DL que:

             1 – A comunicação da não assunção da responsabilidade, nos termos previstos nas disposições identificadas nos n.ºs 1 dos artigos 38 e 39, consubstancia-se numa resposta fundamentada em todos os pontos invocados no pedido nos seguintes casos: a) A responsabilidade tenha sido rejeitada; b) A responsabilidade não tenha sido claramente determinada; c) Os danos sofridos não sejam totalmente quantificáveis.

             2 – Em caso de atraso no cumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas nos n.ºs 1 dos artigos 38 e 39, quando revistam a forma constante do número anterior, para além dos juros devidos a partir do 1.º dia de atraso sobre o montante previsto no n.º 2 do artigo anterior, esta constitui-se devedora para com o lesado e para com o ISP, em partes iguais, de uma quantia de 200€ por cada dia de atraso.”

         Resultou demonstrado que a ré apenas teve conhecimento do sinistro em causa em 14/02/2019 (facto 5) e que, nessa sequência, diligenciou telefonicamente junto da autora, por várias vezes, com  vista à marcação de peritagem, tendo inclusive deixado mensagem (factos 13 a 19), ao que a autora não respondeu.

         Por sua vez, por carta enviada por correio normal pela ré directamente para a autora a 07/03/2019 e por esta recepcionada a 18/03/2019, foi comunicado que: «face à declaração amigável recebida, promovemos o enquadramento do presente sinistro na Convenção IDS (Indemnização Directa ao Segurado). Porém, ainda não foi possível proceder à avaliação de danos na viatura. Assim, não havendo ainda uma posição definida, reservaremos para momento ulterior a nossa decisão relativamente à definição da responsabilidade.» (facto 6).

         A falta de definição da posição da ré face ao sinistro em causa não pode ser subsumível no art. 40/2 do DL 291/2007 porquanto entendemos que a autora deu causa a tal indefinição da situação ao não ter correspondido às solicitações telefónicas da ré, nem escritas, inviabilizando que o sinistro fosse resolvido em sede convenção IDS, por não ter sido possível à ré ter procedido à vistoria do veículo sinistrado.

         Deste modo, a presente acção deverá improceder neste particular, bem como do pedido final ficando, consequentemente, precludida a apreciação do alegado abuso de direito em que a autora incorreria.

              A autora diz o seguinte contra isto:

         33\ Conforme o teor do art. 34/3 do DL 291/2007, a ré deveria ter contactado o causador do sinistro, o que não sucedeu e mais, sem prejuízo da regularização do sinistro com base na prova apresentada pelo terceiro lesado, ou seja, que a ausência de peritagem, mais de um ano volvido após o acidente, não implica a ausência de pagamento à autora, outrossim implica tal pagamento e que se determine o motivo pelo qual o causador do sinistro não o participou à sua seguradora, aqui ré, para que entrasse em contacto com a autora, e não o oposto, uma vez que é à ré, e não à autora, que compete o contacto inicial com o terceiro lesado (autora), por ser a ré que tem a gestão efectiva e o total controlo do processo de regularização do sinistro, conforme o teor dos artigos 31 e 36/1-a do DL 291/2007

         […]

         35\ Tendo resultado provado que a ré teve conhecimento do sinistro a 14/02/2019, a mesma deveria ter tomado as seguintes diligências, nos termos do artigo 36 do DL 291/2007: 1-a\ proceder ao primeiro contacto com o terceiro lesado e marcação das peritagens, 2 dias úteis, até 18/02/2019; 1-b\ Prazo para a conclusão das peritagens, 4 dias úteis, até 22/02/2018; 1-d\ prazo para a disponibilização dos relatórios das peritagens, 2 dias úteis após a conclusão destas,  26/02/2018; 1-e\ Comunicação da assunção ou não assunção da responsabilidade, 15 dias úteis sobre o prazo definido em 36/1-a, 08/03/2018 [os erros de datas são da autora  TRL].

         36\37\ A carta enviada pela ré à autora data foi por esta recepcionada a 18/03/2019, ou seja, claramente dez dias após o prazo definido pela conjugação do n.º6 com o n.º1-a do artigo 36 do DL 291/2007, pelo que sempre deveria considerar-se a ré devedora de uma verba de 100€ por dia contabilizado a partir do dia 08/03/2019 e até ao 18/03/2019 que corresponde a 10 dias = 1000€.

         Sem conceder,

         38\ Nunca se poderá conceber que ré tenha cumprido o dever de comunicação de assunção ou não assunção da responsabilidade previsto nos artigos 36/1-e, 38/1-2 e 40/1-2 do DL.

         39\ Ou seja, é imposto à ré, enquanto empresa de seguros, um acto de conteúdo positivo que deve obrigatoriamente ser cumprido no prazo máximo definido no DL 291/2007, designadamente os 30 dias úteis previstos no seu art. 36/1-e, e, tendo em consideração o quadro legal vigente, o conhecimento presumido não corresponde a um acto de conhecimento positivo nos termos dos artigos 36/1-e, 38/1 e 2 e 40/1-2 do DL 291/2007, pelo que não pode ser a autora, que, com a propositura de uma acção, faz presumir que contra si própria que a ré não assume a responsabilidade pelo causar do acidente.

         40\ Destarte, é claro que o legislador pretendeu que a seguradora apresentasse uma proposta, nos termos do art. 38/1 do DL 291/2007, ou uma resposta fundamentada, nos termos do art. 40/1 do DL, não que se remetesse ao silêncio, ou que reserve para si, em momento ulterior no futuro a definir de acordo com a sua discricionariedade, sendo igualmente consabido que o silêncio da seguradora não possui valor jurídico, nos termos do artigo 218 do CC.

         41\ Dúvidas não existindo quanto à omissão da emissão de uma proposta apresentada pela ré ou de sua resposta fundamentada, devendo ser considerado que a ré ainda não cumpriu o dever imposto pelo artigo 36/1-e do DL, isto é, não formalizou, de forma positiva, o teor da obrigação que sobre si impende, devendo ser condenada no pagamento da penalização imposta pelo artigo 40/2 do DL até que tal comunicação seja expedida e do conhecimento da autora e, como consequência directa, ser condenada na penalização prevista no artigo 40/2, até que, de forma positiva e inequívoca, venha comunicar junto da autora a sua assunção, ou não assunção, da responsabilidade na regularização do sinistro, para tanto, depositando o valor que entende ser devido, sob pena de, nada fazendo, se continuarem a vencer as penalizações impostas pelo supra citado normativo.

         42\ A ré não deu cumprimento ao disposto no art. 36/1-e, não deu cumprimento ao preceituado no art. 38/1, ambos do DL 291/2007, isto porque não formulou uma proposta razoável nem procedeu ao pagamento de qualquer valor.

         43\ Ou seja, é imposto à ré, enquanto empresa de seguros, um acto de conteúdo positivo que deve obrigatoriamente ser cumprido no prazo máximo definido no DL 291/2007, designadamente os 30 dias úteis (in casu 15 dias úteis) previstos no art. 36/1-e.

         44\ Destarte, é claro que o legislador pretendeu que a seguradora apresentasse uma proposta, nos termos do art. 38/1 do DL 291/2007, ou uma resposta fundamentada, nos termos do art. 40/1 do mesmo DL, não que viesse enviar uma carta com o conteúdo do facto provado sob 6, em que:

         − Até à apresentação da contestação a ré não definiu a sua posição, quando a Y havia já assumido internamente a responsabilidade e a X (ambas ré) não o havia feito, nem sequer o comunicado à autora, conforme o depoimento das testemunhas Cl e C.

         − Nenhum montante foi liquidando até à presente data e, caso se verificasse o decurso do prazo de prescrição, bem poderia a autora demandar a ré que esta sempre oporia a prescrição, de nada lhe valendo a carta por esta enviada e recepcionada a 18/03/2022 [sic] para o computo indemnizatório se esta não for acompanhada de uma concreta proposta indemnizatória.

         45\ Muito menos poderá ser afirmado que não o fez por falta de cooperação por parte da autora, uma vez que o preceito é inequívoco, sempre que o dano sofrido for quantificável, deve ser formulada a proposta a que alude o art. 38/4 do DL 291/2007.

         46\ Pois, se o dano é quantificável, não pode a ré, em momento algum, vir afirmar que reserva para momento futuro a sua definição de responsabilidade, o que é um nim não previsto na lei, sob pena de se encontrar a subverter o funcionamento do procedimento de regularização de sinistros automóveis, como fixado pelo DL 291/2007, nos seus artigos 36 e 38.

         47\ Pois o envio de uma missiva que remete para um momento posterior, sujeito à inteira discricionariedade da ré, sem comunicar a assunção ou não assunção nem o tendo feito sequer em qualquer momento posterior, não pode ser enquadrado como cumprimento do art. 36/1-e do DL 291/2007, mas antes como uma clara violação do aí preceituado.

         48\ A assunção ou não assunção de responsabilidade por parte da ré nada tem a ver com a quantificação do prejuízo mas sim das circunstâncias em que ocorreu o acidente.

         49\ Objectivamente, a ré não cumpriu o normativo ínsito no artigo 38/1 do DL 291/2007, o que, de outro modo, resulta numa visão simplista da aplicação do DL, em que bastaria somente o envio de uma mera carta simples afirmando que a empresa de seguros se reserva no direito de, num momento futuro, decidir se é ou não responsável na produção do sinistro, momento esse futuro sem prazo, que poderá coincidir com o prazo prescricional, em que nada é pago até esse momento e que continuará sem ser pago, dado essa mesma ocorrência de prescrição, sem necessidade sequer de se efectuar uma proposta razoável de indemnização e de pagamento dessa mesma proposta.

         50\ Pois resulta taxativamente da aplicação do art. 38/1 do DL 291/2007, que a posição prevista no n.º 1-e ou no nº5 do artigo 36 consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte, encontra-se no domínio de actuação da ré a não contestação da responsabilidade, como ocorreu, como a quantificação do dano, que lhe compete efectuar, e não à autora, que apenas teve a necessidade de o efectuar por força do incumprimento do disposto no aludido art. 38/1 do DL por parte da ré.

         51\ Face o exposto, deverá ser considerado que a ré ainda não cumpriu o dever imposto pelo artigo 36/1-e do DL, isto é, não formalizou, de forma positiva, o teor da obrigação que sobre si impende, devendo ser condenada no pagamento da penalização imposta pelo artigo 40/2 do DL 291/2007 até que tal comunicação seja expedida e do conhecimento da autora.

         52\ Assim, verifica-se que o tribunal recorrido violou o teor dos artigos 33/2-7, 34/1-3, 36/1-a-e, 38/1-2, 40/1-2 e 46 do DL 291/2007, 9/3 218 e 232 do CC e 4/6 da Directiva 2000/26/CE.

         53\ Assim deve considerar-se a ré devedora de uma verba de 100€ por dia contabilizado a partir do dia 08/03/2019, que se deve considerar o dia em que tomou conhecimento do sinistro, até ao dia em que a sua contestação se presume notificada à autora, ou seja, o dia 09/07/2020, perfazendo um total de 48.900€, à razão de 100€ diários x 489 dias, ou, tal não se entendendo, até ao dia em que a ré efectivamente apresentar uma proposta à autora, não sendo suficiente a mera assunção de responsabilidade sem a apresentação de uma proposta concreta de indemnização, o que, notoriamente, ainda não sucedeu no âmbito da presente regularização de sinistro,

         [nas conclusões 54\ e 55\ a autora, “sem prescindir”, repete o essencial que antecede, agora com referência à data da recepção da carta de 19/01/2018].

         56\ Aliás, é bem notória a própria contradição do tribunal recorrido, que na sentença recorrida afirma [na parte da litigância de má fé – TRL] que “não resulta de tal carta a assunção de responsabilidade pelo sinistro em causa nos presentes autos […]”:

         57\ Y, deverá ser entendimento do tribunal recorrido que a ré ainda não assumiu a responsabilidade pela ocorrência do sinistro em apreço nos presentes autos.

              A ré responde a isto com extensas contra-alegações e sínteses delas, relatando novamente os factos, autonomamente (embora, no essencial, de forma coincidente com a sentença), com recurso ao depoimento das testemunhas, indiferente à circunstância de a sentença ter uma parte dela dedicada aos factos provados e de a fundamentação de Direito se ter de basear nestes factos e não nos factos que a ré descreve (salvo se a ré tivesse impugnado a decisão da matéria de facto, ao abrigo do art. 636/2 do CPC). Sendo assim, não se transcrevem as sínteses das contra-alegações da ré, nesta parte, nem na parte em que, também extensamente, desenvolve a questão do abuso de direito, pois que, como se verá, esta parte fica prejudicada (pela razão indicada na sentença recorrida). Note-se que a ré chega a misturar alegações de outro processo, como por exemplo na síntese 73 em que fala na reclamação de 1634,74€ da reparação dos danos sofridos no tractor e de 2570,30€ de paralisação e na reparação do veículo Toyota CHR, valores e veículo que não têm nada a ver com o caso dos autos) e na síntese 92 quando fala no enriquecimento de um IPS (que não existe no caso). De minimamente útil existe apenas o seguinte:

         62\ Não se verifica, da parte da ré qualquer incumprimento do preceituado no DL 291/2007, nomeadamente nos artigos 38 e 40.

         […]

         76\ A ré não actuou de forma a ser sancionada de acordo com o regime previsto no art. 40/2 do DL 291/2007.

         77\ Conforme defendido na sentença recorrida, foi a autora que deu causa à indefinição da situação, ao não ter correspondido às solicitações da ré, telefónicas ou escritas, inviabilizando que o sinistro fosse resolvido em sede de IDS, por não ter sido possível à ré a vistoria do veículo sinistrado.

         […]

         93\ Caso se entenda desconsiderar a existência de um manifesto desequilíbrio entre o dano verificado na esfera da autora – 3.555,18€, – e o montante da condenação pelo alegado incumprimento das regras do DL 291/2007 – que não se verifica – estaremos perante a violação dos preceitos constitucionais do nomeadamente a do art. 20 (principio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva), artigo 13 (princípio da igualdade) e artigo 202/1 (dever da administração da justiça imposto aos tribunais).

              Apreciação:

              Depois de ter conhecimento de um acidente de viação que envolva veículos em que responsabilidade civil pela respectiva circulação esteja por si garantida uma seguradora deve contactar de imediato (2 dias úteis ou 1 no caso de existência de declaração amigável) o tomador de seguro para marcar as peritagens que devam ter lugar (art. 36/1-a-6 do DL 291/2007).

              Foi o que a seguradora fez, como resulta dos factos 5 e 12 a 19, sem qualquer resposta do tomador de seguro/autora (facto 20). Perante isto, nada pode ser censurado à ré neste caso. Ela não pode, como é óbvio, fazer diligências antes de ter conhecimento do sinistro e, depois de ter conhecimento, o que tem de fazer é tentar marcar a peritagem. Se não o consegue por culpa do lesado, o problema não é dela, mas do lesado que só de si próprio se pode queixar.

              O art. 38/2 do DL 291/2007 pressupõe que a seguradora não cumpriu o disposto no seu art. 36/1-e ou 36/5, como decorre do seu n.º1. Ora, a ré não chegou a estar na situação do art. 36/1-e, pois que nem sequer lhe responderam ao pedido de marcação de peritagem. Só depois disso é que o prazo em causa no art. 36/1-e poderia começar a contar. Aliás, como decorre indirectamente do art. 36/2-3 do mesmo DL. E a ré nunca chegou a estar na situação do art. 36/5 do DL, pois que esta está na dependência da situação do art. 36/4 do DL que não tem aplicação ao caso.

              O art. 40/2 do DL 291/2007 pressupõe que a seguradora se atrasou no cumprimento dos deveres fixados no art. 38/1, o que já se viu que não ocorreu, ou no art. 39/1 que não tem nada a ver com o caso.

              Posto isto,

              Quanto à conclusão 33\ O art. 34/3 do DL 291/2007 trata de uma situação de responsabilidade do tomador de seguro ou lesado perante a seguradora, não tendo nada a ver com o caso. De qualquer modo, a autora está a confundir as coisas: ela, através da RS contactou, como lesada, a X como seguradora do responsável, quando a X era a sua, dela autora, seguradora. E a X contactou-a (à autora) directamente como lesada/segurada/tomadora do seguro. Não havia outro segurado/lesado ou tomador de seguro que a X tivesse que contactar.

              Quanto à conclusão 35\: já se viu que a X fez o que tinha a fazer e não era obrigada a mais.

              Quanto às conclusões 36\ e 37\: a carta da ré, do facto 6, foi algo que a ré fez a mais, não a menos. Como ainda não tinha conseguido fazer a marcação da peritagem não tinha sequer que fazer a comunicação em causa.

              Quanto a de 38\ a 55\: como já se viu a ré, face às normas em causa, não tinha que assumir a responsabilidade. Portanto, concorda-se com a sentença recorrida. Mas no âmbito da IDS, provavelmente porque a autora não lhe respondeu até então, a seguradora até a assumiu na carta do facto 6, em que “comunica a responsabilidade” embora deixando a definição dela – naturalmente dos danos e valores – para depois da peritagem. Como o prazo ainda não se tinha iniciado – porque ainda não tinha podido fazer a peritagem porque a autora e a RS nada lhe respondiam – é evidente que não pode ter sido ultrapassado. E muito menos tinha, a seguradora, face ao que antecede, de formular qualquer proposta razoável, pois que ainda não tinha podido fazer a peritagem do veículo da autora, ou proceder a qualquer pagamento (este previsto no art. 43/1 do DL).

              Nisto tudo, pois, a única divergência deste TRL com a sentença tem a ver com a interpretação do facto 6. Este acórdão considera que com essa carta a ré comunica a assunção da responsabilidade embora não o tivesse que fazer. A sentença recorrida não vê assim as coisas e basta-se (como este TRL também se basta, embora diga algo mais por necessidade de pronúncia sobre os argumentos expendidos) com o facto de a ré, até então, não ter tido as condições, por culpa da autora, para definir a sua responsabilidade. Sendo assim, vê-se que, ao contrário do que a autora diz, nas conclusões 56\ e 57\, a sentença não entra em contradição na fundamentação, quando, ao pronunciar-se sobre a litigância de má fé, afirma que “a ré ainda não assumiu a sua responsabilidade pelo sinistro.”

                                                                 *

              Quanto aos juros, a sentença recorrida diz que:

         Aos valores indemnizatórios são devidos, apenas, juros de mora à taxa supletiva legal para obrigações civis; quanto aos danos patrimoniais são devidos juros desde a data da citação e quanto aos danos pela privação de uso, os juros são devidos desde a presente decisão; ambos até integral pagamento (cf. artigo 805/3 e 559/1 do CC e Portaria 291/03, de 08/04).

         Efectivamente, estamos perante uma indemnização civil e não perante o cumprimento de qualquer obrigação comercial, pelo que não se vislumbra o alcance do peticionado pela autora neste particular.

              Contra isto, a autora diz o seguinte:

  1. Deverá ser determinado que são devidos juros no dobro da taxa legal aplicável de 7% até efectivo e integral pagamento sobre as quantias devidas a título de danos indemnizáveis e privação de uso, ou seja, de 14%, sobre o valor da condenação até efectivo e integral pagamento, como o impõe o teor dos artigos 38/2 do DL 291/2007, dos artigos 99/2, 13§2, 230 e 102 do Código Comercial, 9/3 do CC, 7 do regime anexo ao DL 269/98 e artigos 2 e 30 dos DL 32/2003 e 62/2013.
  2. De acordo com o artigo 38/2 do DL 291/2007, a ré é devedora de juros no dobro do valor fixado pelo tribunal recorrido, e não em singelo, dado o incumprimento por parte da ré dos deveres fixados nos artigos 36 e 38 do DL 291/2007, e, bem assim, conforme o disposto no artigo 43/1-3 do mesmo DL.

              A ré responde o seguinte:

  1. Sobre esta questão, perfilhamos, aqui, do entendimento da sentença recorrida: a autora faz uma interpretação errada do regime que consagra juros moratórios ao dobro da taxa legalmente prevista, concretamente o art. 38/3 do DL 291/2007.
  2. Não se verifica qualquer violação do art. 38 do DL 291/2007: a ré, no caso vertente, não actuou dessa forma, sendo manifesto que não existe qualquer “Proposta razoável” que careça de ser valorada nos termos pretendidos pela autora.

         […]

  1. Não são devidos quaisquer juros sancionatórios.
  2. A autora faz uma interpretação errada do regime que consagra juros moratórios ao dobro da taxa legalmente prevista, concretamente o art. 38/3 do DL 291/2007.

              Apreciação:

              Quanto à argumentação baseada na suposta violação das obrigações dos artigos 36, 38 e 43 do DL 291/2007, já foi afastada acima.

              Quanto aos juros comerciais, remete-se para a sentença e para o ac. do TRE de 2022 citado acima: “O DL 62/2013 de 10/05, que estabelece medidas contra os atrasos no pagamento de transacções comerciais e transpõe a Directiva  2011/7/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16/02/2011, vem definir no art. 2/1 o seu âmbito de aplicação – a todos os pagamentos efectuados como remuneração de transacções comerciais –  dele excluindo, na al. c) do n.º 2 os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efectuados por companhias de seguros.”

                                                                 *

              Pelo  exposto, julga-se o recurso da autora totalmente improcedente.

              Custas, na vertente de custas de parte, pela autora.

              Lisboa, 25/05/2023

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto