Processo do Juízo de Família de Menores de Lisboa

              Sumário:

            I – Quando ambos os progenitores têm condições praticamente idênticas para assegurar à criança a fruição de todos os seus direitos e o seu desenvolvimento global, nada havendo a apontar-lhes de negativo, a solução do problema de ter de escolher com qual deles a criança ficará a residir – porque, depois de a criança começar a frequentar um estabelecimento de ensino, a distância de cerca 300 km entre a residência de um e de outro impossibilita a manutenção da residência alternada -, terá de passar pela consideração dos factores que se salientarem no sentido positivo a favor de uma das alternativas.

             II – No caso existem (apenas) três elementos, positivos, que apontam no sentido da solução da criança ficar com o pai: (i) a existência de uma irmã de 4 anos, que a criança conhece desde sempre e que vive com o pai; (ii) a boa relação que a criança mantém, desde há dois anos, com a escola e com a professora, do local onde vive o pai; e (iii) a opinião da criança que dá a entender que prefere continuar onde está.

              III – No caso não se provou – ao contrário do que entendem a sentença recorrida e a mãe e foi este o motivo único da solução contrária – que a mãe tenha maior disponibilidade para promover relações habituais da criança com o pai do que este para promover as relações da criança com a mãe.

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

              I, nascida em 16/07/2015, é filha de B e de M.

              Em 19/10/2017 foi regulado, a requerimento do pai, o exercício das responsabilidades parentais ficando a criança a residir alternadamente, de 7 em 7 dias, com a mãe (em Lisboa) e com o pai (em Portimão) e determinando-se o restante regime em consonância.

              Em 13/11/2020 a mãe requereu a alteração de tal regime para quando a criança ingressasse no 1.º ciclo do ensino primário obrigatório, 2021/2022, e a alternância de residências deixava de ser viável. O pai, em resposta, defendeu que o regime devia ser o inverso.

              No decurso do processo desencadeado por tal requerimento da mãe foi fixado, em 28/05/2021, um regime provisório ficando determinado que a criança passasse a residir com o pai a partir do início do ano escolar (Set2021), com a inerente alteração do restante regime em consonância.

              A 14/10/2021, depois de realizada a audição técnica especializada – junta desde 02/07/2021 – os progenitores foram notificados para alegaram por escrito (art. 39/4 do RGPTC), o que eles fizeram a 30/11/2021.

              A 04/01/2022 o julgamento foi marcado para 21/04/2022, data em que se iniciou com a audição de 6 testemunhas (4h30), continuando a 30/06/2022 (com a audição de outras 6 testemunhas – 2h45), a 04/07/2022 (com a audição da criança – 18m) e a 05/07/2022 (com a audição dos progenitores e as alegações dos advogados – 1h).

              A sentença foi proferida a 28/12/2022, e, em síntese, determinou que a criança passasse a residir com a mãe a partir do início do ano lectivo 2023/2024 e que até lá se mantivesse o regime provisório.

              O pai recorre da sentença na parte que se refere ao tempo posterior ao início ao ano lectivo 2023/2024, arguindo a nulidade da sentença por falta da fundamentação da decisão de facto, impugnando parte da decisão da matéria de facto e a fixação da residência da criança com a mãe, defendendo que ela devia continuar a residir consigo.

              A mãe contra-alegou defendendo a sentença recorrida.

              O MP alegou no sentido de a criança continuar a residir com o pai.

                                                                 *

                                                        Documento

              No dia a seguir a ter interposto recurso, o pai veio requerer a junção aos autos de um documento, nos termos e para os efeitos do artigo 425 do CPC.

              A mãe opôs-se.

              Para ser junto um requerimento depois da sentença, as partes têm de alegar uma série de pressupostos (artigos 423, 425 e 651 do CPC), o que não se satisfaz com a simples invocação de uma norma legal.

              Assim, o documento não pode ser admitido e o pai terá de ser condenado em multa (artigos 443/1 do CPC e 27/4 do RCP) e o documento será mandado desentranhar.

                                                                 *

              Questões a resolver: as nulidades, a impugnação da decisão da matéria de facto e a questão da residência do menor (com as consequências inerentes em questões reflexas).

                                                                 *

              Das nulidades por falta de fundamentação da decisão da matéria de facto e por violação do interesse da criança.

              Esta fundamentação foi a seguinte:

         O Tribunal formou a sua convicção na totalidade da prova produzida em audiência, dando particular relevo às declarações que ao longo dos autos foram sendo prestados pelas partes, aos depoimentos das testemunhas e ainda aos documentos juntos aos autos pelas partes, cujos teores foram analisados à luz da experiência comum.

         As partes, nas suas declarações, reproduziram, no essencial, o conteúdo das peças processuais que foram apresentadas como alegações.

         No que concerne ao nascimento da menor e às decisões judiciais a que é feita referência na petição inicial, formou o Tribunal a sua convicção no teor dos documentos apresentados sob os números 1, 2 e 3, juntos com a petição inicial.

         No que concerne à inscrição na escola formou o tribunal a sua convicção no teor do documento apresentado com o requerimento de 21/12/2020.

         Foi ainda relevante o relatório da audição técnica especializada, de 13/04/2022, que aqui se dá por reproduzido e que não foi no seu essencial contrariado pela análise crítica resultante da totalidade dos depoimentos prestados em audiência pelas várias testemunhas ouvidas.

         No que a este meio de prova concerne, cumpre dizer que foram relevantes no essencial todos os depoimentos prestados em juízo, tendo-se notado, contudo, uma maior preocupação por parte da progenitora e seus familiares com a intangibilidade dos afectos da menor com ambos os seus agregados familiares. Não se teve a percepção de igual preocupação por banda da família paterna da menor, em preservar o afecto e fomentar contactos da menor para com a progenitora.

              Depois o tribunal procede, em 13 páginas, à síntese da prova pessoal produzida (incluindo a audição da criança) e terminou assim:

         “Da totalidade destes depoimentos logrou o Tribunal obter prova bastante para os factos que entendeu estarem provados, tendo valorado apenas aqueles em que havia unanimidade de depoimentos ou, pelo menos, consonância bastante quanto ao fundamental do relatado.

         Julgaram-se não provados todos os factos, relativamente aos quais os depoimentos eram dissonantes ou inexistiu qualquer outro meio de prova, de tal modo que não logrou o Tribunal formar, sobre os mesmos, convicção suficiente sobre a sua ocorrência.”

              O pai retira daqui destes dois últimos §§ que:

         “a decisão do Tribunal a quo não se sustenta em qualquer prova documental das vastas juntas ao processo, nem concretiza que depoimentos, e em que medida, deram lugar ao conjunto de factos que este vem a considerar provados. Razão pela qual, a sentença em causa só pode ser considerada cabalmente nula por falta de fundamentação na fixação da matéria de facto, porquanto o Tribunal a quo não justifica de forma suficiente e satisfatória a matéria de facto que dá como provada, viciando as demais conclusões que daí retira.”

         E, no fim do recurso, diz ainda que a sentença é nula por violar o superior interesse da menor.

              A mãe contrapõe que não se verifica nem a falta de fundamentação nem a nulidade.

              Apreciação:

              Concorda-se parcialmente com o pai na crítica à fundamentação da decisão da matéria de facto: está longe daquela que se considera ser a imposta pelas normas respeitantes à matéria: art. 607/3 do CPC.

              Como diz Miguel Teixeira de Sousa: “A fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente para cada facto […] Se o facto for considerado provado, o tribunal deve começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostraram inconclusivos e terminar com a referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção. Se o facto for julgado não provado, a ordem preferível é a seguinte: primeiramente devem ser indicados os meios de prova que conduzem à demonstração do facto; depois devem ser expostos os meios de prova que formaram a convicção do tribunal sobre a não veracidade do facto ou que impedem uma convicção sobre a sua veracidade; finalmente devem ser referidos os meios inconclusivos (Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 2ª edição, 1997, pág. 348).

              No mesmo sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, 2017, página 706, explicam, quanto aos factos provados: com a reforma de 95/96 do CPC, “o tribunal passou a dever, por exemplo, explicitar porque acreditou em determinada testemunha e não em outra, porque se afastou das conclusões dum relatório pericial para se aproximar das de outro, porque razão o depoimento de uma testemunha com qualificações técnicas o convenceu mais do que um relatório pericial divergente ou por que é que é que, não obstante vários depoimentos produzidos sobre certo facto, não se convenceu de que ele se tivesse verificado.” 

              Ou seja, a fundamentação deve ser feita facto a facto ou conjunto de factos com unidade de sentido, dizendo, por exemplo, que quanto àquele facto, ou grupo de factos, a resposta se baseou no que foi dito pela pessoa x, que sabe dele por isto e por aquilo, e não foi contraditada, ou, tendo-o sido, dizendo porque é que se tinha acreditado nela, em vez de naquela que a contradisse. Com isto, para além do mais, estaria a evitar-se que o tribunal estivesse a fazer o papel – que não lhe compete e que não serve para nada – de relator da prova produzida (que está gravada, sendo a gravação que vale, não o resumo feito pelo tribunal), evitando-se também a perda de tempo correspondente.

              Ora, a decisão recorrida não faz nada disto. Nem aliás cumpre minimamente uma daquelas regras do art. 607/3 do CPC, qual seja, a de compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, deixando-a com inúmeras repetições (há factos que chegam a ser repetidos 4 vezes) e várias contradições (assinaladas pelo pai e tratadas na altura própria).   

              Apesar disso, esta falta de observância das regras da fundamentação da decisão de facto, que, como se viu, se verifica – mas não, ao contrário do que diz o pai, no que se refere à ausência de referências a prova documental, que existem  – não é um problema de nulidade da sentença (art. 615/1-b do CPC), mas sim um problema da decisão da matéria de facto, que assume variadas formas e, conforme elas, tem solução prevista nas várias alíneas do art. 662/3 do CPC.

              No caso, o tribunal, em vez de explicar directamente porque é que tinha decidido dar como provados os factos, explicita o critério que lhe serviu para optar pela decisão e deixa ao leitor da sentença – aos advogadas das partes e ao tribunal de recurso – o trabalho de aplicar tal critério do tribunal recorrido para perceber a razão de decidir de cada facto. É claro que isto levanta muitos problemas e denuncia as fragilidades da decisão da matéria de facto, mas não impede as partes, como se demonstra no caso, de impugnarem os pontos concretos da decisão da matéria de facto, indicando porque é que eles deviam ter sido decididos de outro modo.

              Quanto à nulidade da sentença por “violar o superior interesse da menor”, a ter ocorrido tal violação, ela corresponderá a um erro de julgamento e não uma nulidade.

              Em suma improcede a arguição das nulidades.

                                                                 *

              Estão dados como provados os seguintes factos [transcrevem-se já com as alterações decididas por este TRL quanto à impugnação da matéria de facto, sendo as partes eliminadas ou alteradas assinadas com a sua rasura, e substituídas, no último caso, com o que se segue a elas]:

         A\ I nasceu em 16/07/2015 [em Aveiro] e é filha da requerente e do requerido [ambos então com 23 anos].

         B\ As responsabilidades parentais foram reguladas no processo 257/17.8T8CSC, que correu termos no Juízo de Família e Menores de Cascais, nos seguintes termos:

             1\ A criança residirá alternadamente, com ambos os progenitores, ocorrendo tal alternância ao domingo, sendo que um dos progenitores entrega a criança e o outro irá buscar, exercendo as responsabilidades parentais relativamente aos actos da vida corrente o progenitor com quem a criança se encontrar.

             2\ As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança, serão exercidas em comum por ambos os progenitores.

             [não existem os n.ºs 3 e 4 – parenteses deste TRL]

             5\ Nas férias de Verão, a I passará igual período com cada um dos progenitores, sendo o respectivo período a combinar entre os progenitores, até dia 31/03 do ano a que respeitam.

             6\ A I passará alternadamente com cada um dos progenitores os dias 24, 25, 31/12 e 01/01, em termos a combinar entre ambos.

             7\ No ano de 2017, passará os dias 24 e 25/12 com a mãe e os dias 31/12 e 01/01 com o pai, alternando-se nos anos subsequentes.

             8\ A criança pode estar com o pai o dia de aniversário deste e o dia do pai e com a mãe o dia de aniversário desta e o dia da mãe.

             9\ No dia de aniversário da criança, esta tomará uma das principais refeições com cada um dos progenitores, em termos a acordar entre ambos os progenitores.

             10\ As despesas médicas e medicamentosas que a criança gerar, na parte não comparticipada por sistema de saúde ou seguro de saúde e as despesas escolares (propinas, inscrições e materiais escolares), bem como despesas extracurriculares, desde que acordadas por ambos os progenitores, serão pagas na proporção de 50% por cada progenitor envio de comprovativo, no prazo de 10 dias, devendo o outro progenitor proceder ao pagamento no mesmo prazo.

             11\ As deslocações da I ao estrangeiro dependem da autorização de ambos os progenitores.

         C\ O pai requereu uma alteração deste regime que regulava as responsabilidades parentais da menor no Juízo de Família e Menores de Portimão, tendo [o processo] terminado com a prolação da sentença homologatória do pedido de desistência apresentado por ele.

         D\ Até à entrada da I, para o 1º ano, do 1º ciclo de escolaridade, ela residia grosso modo em quinzenas alternadas, com cada um dos progenitores, sendo que quando residia com a mãe, a I estava em Lisboa e quando residia com o pai estava em Portimão.

         E\ Apenas a circunstância da criança não poder frequentar dois estabelecimentos de ensino em simultâneo, determinou a necessidade de alteração.

         F\ Em 28/05/2021, foi proferido despacho que alterou provisoriamente o regime que regula as responsabilidades parentais da menor, tendo sido determinado que:

             – o exercício das responsabilidades parentais será exercido de modo conjunto, entre os pais, nas questões de particular importância;

             – a menor fixa residência em Portimão, aos cuidados do pai com quem residirá;

             – a menor poderá conviver com a progenitora, três fins de semana por mês, a combinar com o pai, indo a mãe busca-la a Portimão e o pai buscá-la a Lisboa;

             – a menor passará com a progenitora a totalidade das férias do Natal e das férias da Páscoa, bem como 2/3 das férias de Verão;

             – a progenitora deverá pagar a título de alimentos, em benefício da filha menor, o montante de 75€ por transferência bancária para conta a indicar pelo pai, até ao dia 8 de cada mês.

         G\ No ano lectivo 2021/22, a menor ingressou no 1º ano do ensino primário obrigatório, numa escola em Portimão, encontrando-se actualmente a residir com o progenitor, em Portimão e visitando a mãe, três fins de semana por mês, em Lisboa.

         H\ Após a separação, em 2016, a menor ainda não tinha um ano de idade, ficou entregue aos cuidados e a residir com a mãe e o pai foi viver para Portimão. Nesta altura, a mãe não contou com o auxílio do pai.

         I\ Até meados de 2017, altura em que os progenitores acordaram no regime de residência alternada que se encontrava em vigor até ser fixado o regime provisório em cumprimento, a menor mantinha contacto com ambos os progenitores.

         J\ Durante a vigência deste regime de residência alternada a menor viveu sensivelmente igual tempo com a mãe, em Lisboa, como com o pai, em Portimão.

         L\ A menina frequentava a creche durante duas semanas em Portimão e duas semanas em Lisboa. No último ano de 2019, apenas esteve inscrita na creche em Portimão.

         M\ A menor encontra-se inscrita no Centro de Saúde de Lisboa, onde é seguida pela médica assistente da família materna e onde tem cumprido o plano nacional de vacinação com cadência e frequência pré-determinadas pelo Serviço Nacional de Saúde.

         N\ A menor não tem médico de família em Portimão.

         O\ O menor tem mantido uma relação de grande proximidade, afecto, uma relação securizante, com a mãe e com o pai.

         P\ A mãe desenvolve a sua actividade profissional em call-center, num horário de 6 horas diárias, entre as 9h e as 15h, e já frequentou um curso entre as 19h e as 23h, que já concluiu, folgando aos fins-de-semana.

         Q\ A mãe desloca-se a Portimão, para ir buscar a sua filha, em cumprimento do regime fixado provisoriamente.

         R\ A mãe desenvolve a sua actividade profissional em regime de teletrabalho e tem relativa flexibilidade para adequar o seu horário de trabalho às necessidades do seu agregado familiar.

         S\ A mãe tem disponibilidade para levar e ir buscar a sua filha à escola, que se situa a escassos metros de distância da sua casa, cerca de 3 a 5 minutos a pé, durante o período lectivo, bem como total disponibilidade para a acompanhar na execução dos trabalhos diários e no estudo, dispensando-lhe toda atenção, o que já acontece aos fins-de-semana em que a menor está na companhia da progenitora, pois fazem juntas os trabalhos de casa e estudam.

         U\ Considerando que nas escolas públicas o período diário lectivo termina entre as 15h e as 15h30, nas quatro horas que medeiam entre as 15h e as 19h, a mãe poderá lanchar com a menor, auxiliá-la na execução dos trabalhos de casa e no estudo, passear ou desenvolver alguma actividade lúdica com ela, designadamente ir ao parque infantil junto da sua casa, dar-lhe banho, jantarem e deitá-la, assegurando o seu tempo de descanso.

         V\ A menor não foi colocada na escola básica correspondente à que frequentava no pré-escolar, onde tinha as suas amigas.

         X\ Com a ida para o 1º ano, a menor teve que se adaptar ao novo estabelecimento de ensino, a novos colegas e professor, o que não foi difícil, pois a menor é uma criança com elevada capacidade de adaptação e muito sociável.

         Z\ A escola que é, actualmente, frequentada pela menor em Portimão é mais distante da residência paterna do que a escola que frequentaria em Lisboa é da residência materna.

         Aa\ Em Portimão, a menor acaba o seu período lectivo cerca das 15h, ficando em actividades de tempos livres na escola até às 16h40, altura em que a avó paterna a vai buscar e a leva para a sua residência até cerca das 17h, quando o pai a vai buscar a casa da avó.

         Ab\A menor só se encontra com a sua irmã mais nova, à hora a que o pai a vai buscar a si e à irmã, uma vez que a I é entregue aos cuidados daquela avó paterna.

         Ac\ O pai, pai de duas crianças, tem de repartir o seu tempo pelas suas duas filhas.

         Ad\ Em contraponto, a mãe não tem outros filhos, pelo que todo o seu tempo livre pode ser dedicado à I.

         Ae\ A disponibilidade da mãe para a I é total.

         Af\ Durante os sucessivos períodos de confinamento a mãe procurou alfabetizar a menor em casa, em Português, Inglês e Alemão.

         Ag\ Muitas vezes é a companheira do pai, quem leva a I à escola.

         Al\ Em Lisboa seria a mãe quem iria levar e buscar à escola a I.

         Am\ A mãe conta ainda com o auxílio da sua companheira, dos pais desta, que vivem no mesmo prédio.

         An\ A mãe conta com o apoio do irmão, tio da menor, que vive com esta.

         Ao\ A mãe conta com o apoio da avó materna da menor, que regressou do Brasil e está a residir em Lisboa, como rede de suporte na sua falta.

         Ap\ A menor mantém laços de amizade em Lisboa, com familiares por via materna e filhos de amigos da mãe.

         Aq\ A mãe vive num apartamento com a sua companheira, de tipologia T3, onde a menor dispõe do seu quarto.

         Ar\ A mãe trabalha, em regime de contrato de trabalho sem termo, por conta de outrem, auferindo o vencimento mensal de cerca de 800€.

         As\ A companheira da mãe está, actualmente, desempregada, auferindo subsídio de desemprego.

         At\ O tio materno da menor, resid[iu] com a mãe da I e com a sua companheira.

         Au\ O tio trabalha e aufere um salário mensal na ordem dos 1000€ contribuindo para todas as despesas domésticas => as despesas do agregado da mãe da criança.

         Av\ Durante o fim-de-semana em que a menor está na companhia da mãe e da companheira, a mãe acompanha a execução dos trabalhos de casa e no seu estudo.

         Ax\ A mãe encontra-se muito motivada e desejosa de estar presente na vida diária da sua filha.

         Az\ A mãe reúne todas as capacidades para garantir o bem estar da menor e suprir todas as suas necessidades, estando disponível para flexibilizar e proporcionar os convívios da menor com o pai, caso esta fique, a final, a residir consigo.

         Ba\ Junto da mãe, a menor reúne todas as condições para que se desenvolver harmoniosamente e num ambiente familiar de tranquilidade, atenção e afecto não só da mãe, como do seu tio materno que vive em Lisboa, da companheira da mãe e da família desta que, pela proximidade, já desenvolveram com I fortes laços afectivos e agora também com a avó materna que, embora já tivesse vivido e acompanhado a menor em bebé, esteve ausente alguns meses no Brasil, tendo já regressado a Portugal e residindo, actualmente, em Lisboa.

         Bb\ A mãe vive em união de facto com uma companheira, com quem não tem filhos em comum.

         Bc\ O pai vive, em união de facto com uma companheira, com quem tem uma filha, a M.

         Bd\ A M é irmã consanguínea da I, e tem 4 anos de idade.

         Be\ Na data de nascimento da sua irmã M, I vivia alternadamente entre Lisboa e Portimão.

         Bf\ As duas irmãs frequentam diferentes estabelecimentos de ensino.

         Bg\ A mãe e o pai são dedicados não tendo as suas capacidades e competências parentais em algum momento sido colocadas em causa.

         Bh\ A mãe paga 200€ de renda de casa.

         Bi\ O pai aufere mensalmente o salário na ordem dos 878€, sendo que a sua companheira aufere o salário mensal de 750€ e pagam 120€ de renda de casa.

         Bj\ O pai apresentou nos autos em 26/05/2021, bónus mensais na ordem dos 250€ e é ainda beneficiário de apólice de seguro de saúde onde a menor I também está incluída.=> recebe, ainda, por vezes, bónus cujos valores variam ocasionalmente, tendo sido o bónus referente a Março de 2021 no valor de 250€; para além do seguro de saúde que lhe é proporcionado pela sua entidade patronal e no qual a filha está incluída.

         Bl\ A mãe não tem carta de condução, pelo que sempre que a sua companheira não a pode conduzir a Portimão, esta tem que se deslocar de autocarro, regressando também de autocarro com a menor.

         Bm\ Para visitar e ter a sua filha na sua companhia a mãe despende mensalmente o montante de 60€/viagem x 3 viagens mês = 180€.

         Bn \ No cômputo geral, para que a mãe possa visitar e estar com a sua filha no regime determinado provisoriamente, esta terá que despender, mensalmente, o valor mínimo de 255€.

         Bo\ Desde que se separaram a I ficou à guarda e aos cuidados da mãe, que nunca impediu, pelo contrário potenciou, os seus contactos com o pai.

         Bp\ A mãe procurou o pai e entregou-lhe a menor, aos seus cuidados, quando teve que ser internada e esteve incapacitada de cuidar dela, demonstrando, desde cedo, maturidade e uma total disponibilidade para manter e potenciar os convívios da menor com o pai e com a família paterna, não só nuclear, como alargada.

         Bq\ A mãe aceitou que a sua filha menor passe três fins-de-semana por mês com o pai, caso este não seja guardião, em virtude de considerar que é mais relevante para o sadio desenvolvimento afectivo da menor manter uma relação de grande proximidade com ambos os progenitores, do que privilegiar o convívio com os amigos durante os fins-de-semana.

         Br\ A mãe considerou, e considera, ainda que todos os três fins-de-semana que a menor deverá passar com o pai não guardião deverão ser passados na residência deste e junto da família deste.

         Bs\ Só na residência que a menor terá com cada um dos progenitores poderá encontrar a estabilidade que a sua nova rotina lhe trará e viver com tranquilidade ora junto da família materna, ora junto da família paterna, não sendo alternativa a pernoita em hotéis.

         Bt\ Os contactos não têm sido favorecidos pelo pai, nem pelo agregado familiar do pai, excepto no cumprimento do regime estipulado.

         Bu\ Em casa do pai existe uma estrutura familiar sólida e uma tranquilidade inerente na vida que a criança leva em Portimão, associada a hábitos e rotinas, que aí lhe são inculcados pelo pai.

         Bv\ A I tem, em Portimão, a sua irmã de 4 anos, a M, nascida em 2018, de quem é muitíssimo próxima, cujo nascimento e crescimento a I acompanhou desde sempre, irmã da qual tem saudades quando se ausenta para Lisboa.

         Bx\ A irmã M faz parte da vida da I desde o dia em que nasceu, o que contribuiu para que as duas mantenham uma relação muito forte.

         Bz\ O pai conta, em Portimão, com o apoio dos seus pais e dos seus sogros, pais da sua companheira, com quem vive desde 2017. Tanto os seus pais como os seus sogros, são pessoas ainda novas entre os 59 e os 65 anos de idade, já não se encontrando os seus sogros a trabalhar.

         Ca\ A I tem uma forte ligação com toda a referida família.

         Cb\ Além de um irmão de 27/28 anos, que vive em Lisboa e que chegou a viver, em sua casa, na época da pandemia, a progenitora não tenha qualquer outro familiar a viver em Portugal.

         Cc\ A família alargada paterna da I vive praticamente toda, em Portimão. Residem nesta cidade os pais (avós de I), sogros, cunhados e respectivo sobrinho, com 12 anos de idade e com quem a I tem uma excelente relação.

         Cd\ O pai labora nos escritórios da empresa de traduções do pai, com o nome T-Lda, das 8h30m às 17h, tendo, como referiu em sede de declarações, para além de uma certa flexibilidade horária e abertura, uma vez que trabalha com o seu pai, um horário adaptado às rotinas da criança.

         Ce\ O pai esforça-se por manter uma rotina com a I, a qual, em regra, toma banho, janta e se deita, todos os dias, às 21h.

         Cf\ Entre as 19h e as 21h são feitas as rotinas acima descritas com a I, às quais a mesma está habituada e lhe trazem estabilidade e tranquilidade.

         Cg\ O pai preocupa-se, por isso, com a tranquilidade e bem-estar da filha.

         Ch\ O pai tem preocupação com a componente política inerente à vida da mãe, a qual esta exerce de forma muito activa, tal como por esta asseverado, e as consequências que daí possam decorrer para a filha, pretendendo evitar que a filha seja levada para reuniões ou manifestações de um determinado partido e que conviva apenas com membros e filhos de membros desse partido.

         Ci\ O pai teme efeitos adversos que a actividade da mãe possa trazer para a filha, seja por via dos convívios a que acima se fez referência, seja pelas perseguições políticas que invoca de que a mãe já foi alvo.

         Cj\ O pai reside num apartamento T3, no qual a filha tem um quarto só para si e que tem também um terraço, no qual a I e a irmã costumam brincar e no qual fazem com o pai trabalhos de jardinagem (e.g. rega, plantações), uma vez que o pai cultivou aí um pequeno jardim.

         Cl\ O apartamento tem também uma grande mais-valia, na óptica do pai, que são os espaços amplos e seguros existentes a curtas distâncias do mesmo, em concreto, uma praça directamente à frente de casa, um parque infantil a cerca de um minuto a pé, um campo a cerca de 3 minutos a pé e a praia a 20 minutos a pé ou 5 minutos de carro, mais valia essa que é usufruída pela I, que brinca, muitas vezes, em todos estes locais.

         Cm\ A escola na qual a filha está inscrita encontra-se a uma distância não mais de 3 minutos de automóvel e 15 minutos a pé, a partir da casa do pai.

         Cn\ A criança tem em Portimão da sua família, o pai, a madrasta, a irmã, os avós paternos, tios paternos e primo que aí residem.

         Co\ A I tem um quarto só para si, na casa do pai.

         Cp\ A I tem diversos amigos quer na escola que frequenta, quer fora da escola.

         Cq\ A I tem em Portimão, um pediatra, Sr. Dr. H.

         Cr\ Ao que acresce o seguro de saúde que é proporcionado ao pai pela entidade patronal, no qual está incluída a I.

         Cs\ A mãe vive em Portugal desde os 9 anos de idade.

         Ct\ A mãe frequentou o curso de Línguas, Literaturas e Cultura.

         Cu\ A mãe trabalha como operadora de call center na manutenção remota de antenas, actualmente está em teletrabalho e conclui recentemente um curso pós-laboral com equivalência a antigo bacharelato, com a duração de 2 anos, visando encontrar outra saída profissional.

         Cv\ A companheira da mãe teve a mesma profissão que esta, tendo ambas trabalhado na mesma empresa.

         Cx\ Em 2019, a I não frequentou a creche em Lisboa, sendo alfabetizada pela mãe.

         Cz\ Até ao início do 1º ano de escolaridade, a menor vinha vivendo com ambos os progenitores num regime de residência alternada, de forma regular e equitativa para cada um dos pais, com excepção do período em que a progenitora esteve hospitalizada por insuficiência renal.

         Da\ A I tem um bom relacionamento com a companheira da mãe e com a família desta, sendo todos uma família muito extensa.

         Db\ Os pais da M [a companheira da mãe] são como avós para a I e vivem no andar imediatamente abaixo de si, no mesmo prédio.

         Dc\ A casa onde vive é um apartamento de tipologia T2 + 1 (T3) e tem um quarto para a I.

         Dd\ A avó materna da I vive na zona de Lisboa. O avô materno e a madrasta vivem na Suíça. A mãe tem ainda um irmão, de 27/28 anos, que vive em Lisboa e que chegou a viver, em sua casa, na época da pandemia.

         De\ O sogro é taxista e a sogra educadora de infância, ambos têm idade compreendida entre 60 a 65 anos e mantém-se no activo.

         Df\ A I mantêm com os mesmos uma relação muito próxima como família alargada e costumam almoçar juntos ao fim de semana.

         Dg\ A I, antes da decisão provisória, foi inscrita na escola básica em Benfica, a um bloco de distância da sua habitação.

         Dh\ A I tem um círculo de amizades em Lisboa, alguns filhos de amigos e outros residentes nas proximidades.

         Di\ A I está inscrita no Centro de Saúde de Lisboa e a sua médica de família é a Dra. N, que a segue. Tem sido também neste Centro de Saúde que tem cumprido o plano nacional de vacinação.

         Dj\ O pai é tradutor, trabalhando nos escritórios da empresa de traduções do pai, com o nome de T-Lda. A empresa tem por objecto social, a actividade de tradução e também de alojamento local. A actividade do pai na empresa está apenas ligada à tradução.

         Dl\ Depois da separação do casal, em 2016, o pai foi viver para junto dos pais em Portimão, provisoriamente.

         Dm\ O pai reside em Portimão, num apartamento de tipologia T3 e os seus pais vivem próximo, também em apartamento.

         Dn\ Numa primeira fase, após a separação e a mãe ter vindo viver para a zona de Lisboa, via a menor em fins-de-semana em que vinha a Lisboa.

         Do\ Na perspectiva do pai, após o final desse ano de 2016, a menor passou a estar mais tempo consigo (antes e depois do internamento hospitalar da mãe).

         Dp\ O pai aufere 878€ de vencimento, a que acresce subsídio de alimentação. A sua companheira aufere cerca de 750€; vivem em casa d sogra e não pagam propriamente renda, apenas um valor simbólico.

         Dq\ O pai vive com a sua companheira A, em Portimão, desde 2017, com a qual tem em conjunto uma filha com 4 anos a M, nascida em 2018.

         Dr\ Cada uma das crianças tem quarto próprio em casa do pai.

         Ds\ I é muito chegada à irmã, ambas têm uma ligação forte entre si. A I também se afeiçoou à sua companheira.

         Dt\ A I esteve sempre inscrita na creche, em Portimão, desde 2018. Numa primeira fase a mãe também inscreveu a I numa creche em Lisboa. A menina frequentava a creche durante duas semanas em Portimão e 2 semanas em Lisboa, embora com alguma irregularidade quanto à igualdade da duração do regime com cada um.

         Du\ A I frequentou escola em Portimão.

         Dv\ A família alargada, pais, avós e irmão vivem na sua maioria em Portimão (com excepção do irmão que se encontra temporariamente no estrangeiro).

         Dx\ Os seus pais têm ambos 59 anos, a sogra 60 e sogro 64/65 anos, sendo que a I se relaciona com os pais da sua companheira como família.

         Dx\ O horário laboral do pai é das 08h30 às 17h, altura em que sai do trabalho e vai buscar a I à escola. Tem flexibilidade neste horário laboral por trabalhar em empresa do seu pai; esforça-se por manter uma rotina.

         Ea\ O pai tem seguro de saúde proporcionado pela entidade patronal, que incluí a I, sendo que habitualmente a I é acompanhada no Hospital do Alvor. Aí o seu médico pediatra é o Sr. Dr. H e por norma recorre a este, por vezes também no consultório deste.

                                                                 *

                                 Da impugnação da decisão da matéria de facto

Omitiu-se por falta de interesse

                                                                 *

              Da impugnação da síntese feita pelo tribunal da prova pessoal produzida:

              O pai faz, a seguir à impugnação da matéria de facto, uma extensa análise da apreciação da prova feita pelo tribunal, quer na parte em que o tribunal faz a extensa síntese da prova pessoal, quer na parte em que depois a invoca na fundamentação de direito.

              A mãe, em resposta, faz uma análise de sentido contrário.

              Ora, um recurso não se destina a assinalar os erros que se entendem existir numa sentença, mas sim a impugnar as decisões tomadas nela. Ou seja, os erros que o pai entende existir na apreciação da prova pessoal produzida ou têm reflexos nas decisões dos vários pontos da matéria de facto – caso em que é no momento da impugnação desses pontos que há que fazer essa análise e apontar esses reflexos – ou não têm e são irrelevantes.

              Por isso, toda esta parte do recurso é irrelevante. O pai não a utilizou para a impugnação da decisão da matéria de facto e, quanto à matéria de direito, a prova pessoal não tem relevo, pois que o que o tribunal tem de utilizar na fundamentação de direito são os factos provados (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, pág. 707: “o que interessa à fundamentação da decisão final [são] os factos principais que hajam sido provados, os quais têm de ser discriminadamente descritos […]”) e, depois, indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final (art. 607/3 do CPC). Ou seja, a invocação da prova pessoal na fundamentação de direito não tem qualquer valor e deve ser desconsiderada, pelo que é irrelevante a análise e contra-análise feita pelos progenitores.

                                                                 *

              O que antecede tem uma excepção, que se refere à apreciação da audição da criança.

              O tribunal deve, em princípio, ouvir a criança e tomar em consideração o que ela tiver dito.

              Ora, foi na parte da sentença em que se fez a apreciação da prova pessoal produzida, que o tribunal incluiu a parte em que revelou o que é que a criança disse sobre os factos em causa.

              Essa parte tem necessariamente autonomia e deve ser transcrita, porque só assim se sabe a posição da criança e se pode tomar posição sobre essa posição.

              Assim:

         “Foi ouvida a I, designadamente sobre a sua rotina junto de cada um dos pais e sobre regime de visitas entre Portimão e Lisboa, que disse andar no 1.º ano, na escola em Portimão. Falando sobre a sua rotina, disse que é o pai quem a leva à escola e ao mesmo tempo leva também o avô para o trabalho. Costuma ser a avó paterna a ir buscá-la, a avó Z. Quanto à sua irmã M, é a avó L, mãe da A, quem a vai buscar. Gosta muito da escola que frequenta em Portimão e gosta muito da professora que neste momento tem Covid. Também gostava da escola em Lisboa, mas se viesse para Lisboa deixava de ver a professora e de fazer o 2.º ano com esta. Costuma estar com a mãe aos fins de semana. Vão de autocarro, considera que é uma viagem muito “chata”. O pai vai buscá-la e regressam de carro, mas por vezes também vão de autocarro. Por vezes dorme na viagem.

         Quando está com a mãe vão muitas vezes a museus e gosta de fazer actividades com a M (mãe da M) que vive no mesmo prédio, no andar de baixo. Quando estava em Lisboa, por vezes ajudava-a a cuidar dos bebés, na sala da M, na escola. Gosta de Lisboa porque era “fixe”, tinha muitos lugares onde ir e mais lugares para visitar.

         Com o pai, por vezes, pratica skate na rua ou participa em fazer música com o pai (este faz música “metal”), nada mudaria no pai, este é muito “fixe!”; com a mãe gosta de estar, pois esta leva-a a sítios muito “fixes”, se tivesse de apontar algo menos positivo em relação à mãe, é que não gosta que esta fale na relação com o pai.

         Fala muito ao telemóvel com a mãe, mas sem horário, esta por vezes liga-lhe ou é a própria que pede ao pai para ligar à mãe. O pai não se opõe a que fale com a mãe (embora às vezes esteja ocupado e tenha de esperar).

         Gostava que a mãe fosse viver para local mais próximo de Portimão, Albufeira ou Faro e gostaria que os pais se entendessem.”

*

Do recurso sobre matéria de direito

              Nas conclusões H a Y, o pai põe em causa as conclusões a que a sentença chegou utilizando a síntese que fez da prova pessoal produzida, contrapondo, o pai, que a prova produzida permitia outras conclusões e passa a analisar essa prova, inclusive o que foi dito pela criança. Depois lembra que o MP defendia que a criança devia ficar a residir com o pai; e diz que os critérios que devem presidir à determinação da residência, como o superior interesse da criança, a igualdade entre os progenitores e a disponibilidade manifestada por cada um dos progenitores para promover relações habituais do filho com o outro progenitor deviam ter imposto a solução contrária à da sentença, invocando a continuidade das relações afectivas com a irmã (ac. do TRP de 23/11/2006, proc. 0635220), e com o pai (ac. do TRG de 19/02/2013, proc. 119/08.0TMBRG.G1) e a necessidade da manutenção da vida estável e acompanhada de família em Portimão.

              Nas contra-alegações, a mãe defende a sentença e segue-a na respectiva fundamentação, sendo que a sentença seguiu, no essencial, a solução que a mãe defendeu durante o processo.

              Apreciação

              O art. 40/1 do RGPTC impõe que “Na sentença, o exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a um dos progenitores, […], aí se fixando a residência daquela.”

              O art. 1906/5 do CC precisa que “O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.”

              E o n.º 8 deste artigo complementa: “O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.”

              Portanto, o interesse da criança resulta da consideração de todos os factos provados que tenham a ver com a existência das condições para assegurar à criança a fruição de todos os seus direitos e o seu desenvolvimento global, de que a lei se limita a salientar um deles: a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho.

              Mais desenvolvidamente, o Comentário geral n.º 14 (2013) do Comité dos Direitos da Criança [das Nações Unidas] sobre o direito da criança a que o seu interesse superior seja tido primacialmente em consideração, considera (nos seus nºs. 52 a 79) que os elementos a ter em conta ao avaliar o interesse superior da criança, como pertinentes para a situação em causa, são os seguintes: (a) A opinião da criança, (b) A identidade da criança (que inclui características tais como o sexo, a orientação sexual, a nacionalidade de origem, a religião e as crenças, a identidade cultural e a personalidade e a desejável continuidade da educação da criança, as suas origens étnicas, religiosas, culturais e linguísticas); (c) Preservação do ambiente familiar e manutenção de relações (o termo “família” deve ser interpretado num sentido lato de modo a incluir os pais biológicos, adoptivos ou substitutos ou, quando aplicável, os membros da família alargada ou da comunidade nos termos dos costumes locais; a criança tem o direito “a manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos os pais); (d) Cuidados, protecção e segurança da criança (os termos “protecção e cuidados” também devem ser interpretados em sentido lato, uma vez que o seu objectivo não é enunciado em termos negativos ou limitados – tal como “proteger a criança de danos” -, mas, pelo contrário, relativamente ao ideal mais vasto de assegurar o “bem-estar” e o desenvolvimento da criança. O bem-estar da criança, em sentido lato, inclui as suas necessidades básicas materiais, físicas, educativas e emocionais, bem como as necessidades de afecto e segurança); (e) Situação de vulnerabilidade; (f) O direito da criança à saúde; (g) O direito da criança à educação.

              No caso dos autos, considerando todos estes elementos, ambos os progenitores estão praticamente em igualdade quanto às condições para assegurar à criança a fruição de todos os seus direitos e o seu desenvolvimento global nada havendo a apontar-lhes de negativo, pelo que a questão só pode ser resolvida pegando em três factores que podem ser salientados a favor de uma das soluções, no caso a solução da criança permanecer na situação em que de facto já está, isto é, com o pai:

              (i) a relação com a irmã de 4 anos, que conhece desde sempre e principalmente nos dois últimos anos, sendo que quando a sentença foi proferida a criança tinha apenas 7 anos e meio; relação que, podendo ser, deve ser preservada (não se fala de outras relações porque essas são equivalentes para ambos os agregados familiares);

              (ii) a boa relação que a criança mantém com a escola e com a professora, que, preservada, terá a vantagem de manter a continuidade do ensino e das amizades da criança; e

              (iii) a opinião da criança que, manifestamente sem querer tomar partido a favor do pai ou da mãe ou sem querer que se pudesse dizer que a sua opinião ia num desses sentidos, dá claramente a entender que prefere continuar onde está, quer ao dizer que gosta da escola que já frequenta e da professora, quer ao dizer que gostava que a mãe fosse viver para local mais próximo de Portimão.

              A sentença recorrida face a isto não dá qualquer relevo ao primeiro elemento, arranjando apenas uma solução para não perturbar demasiado a relação com a irmã (foi disto que a sentença tratou e não, como diz a mãe, de a sentença ter tomado em consideração o facto da criança ter uma irmã mais nova com quem deverá viver tempo de qualidade, reservando para esse efeito os períodos de lazer como sejam os fins-de-semana e períodos mais alargados de férias, por isso, as férias gozadas com o pai serão em maior número de dias do que as gozadas na companhia da mãe), tal como não dá relevo ao segundo elemento e, em relação ao terceiro, desvaloriza-o. Em contrapartida, a sentença recorrida vai buscar um outro elemento para suporte da solução da criança ficar a residir com a mãe, qual seja, a desvalorização, por toda a família paterna, da relação da criança com a mãe, em contraposição com a valorização da relação da criança com o pai pela mãe.

              Veja-se a fundamentação de direito da sentença:

         Resulta da totalidade da prova produzida que o agregado familiar do pai, não valoriza o contacto da criança com a mãe, cumprindo-o esforçadamente, mas sem o reconhecerem como necessário. Têm obviamente consciência das limitações económicas desta e não obstante invocam que deverá ser a mesma a visitar a filha no Algarve e ali permanecer em qualquer alojamento, que não qualquer casa da família, para a filha poder estar com a mãe. Pela avó paterna foi dito que todas as semanas a sua neta pernoita um dia na sua casa, que não fala da mãe, que ao longo de todos os anos apenas uma vez disse que tinha preconizou que os contactos com a mãe, se restringissem a fins de semana com pontes ou feriados, nunca com a periodicidade fixada. O pai colocou o foco na destabilização da irmã M, que sente a ausência do pai, ao Domingo e da irmã durante o fim de semana. Chegam tarde, para jantar em família no Domingo e as deslocações a Lisboa, são muito dispendiosas, não as fazendo habitualmente de autocarro, por demorara ainda mais tempo. Entende ainda ser incompreensível ter de contribuir pessoal e economicamente para que a filha esteja com a mãe.

         A mãe, por seu turno, alega que levará a menor a Portimão, e prescindirá do tempo de lazer de fim de semana, para que a filha possa estar com a irmã e a família paterna. Propõe-se assumir a educação escolar, a assistência médica e durante o fim de semana assegurar que a filha esteja com o pai.

         Estas duas perspectivas não podem deixar de ser sopesadas.

         A I, mantendo-se a situação actual, está em via de perder, a cada dia, a cada desgaste de cada fim de semana em que vai de Lisboa e são 3 por mês, a liberdade de sentir como gratificantes as vindas à casa da mãe.

         […]

         É irreal e até algo grave fazer acalentar na criança, a ideia de que caso a mãe fosse viver para Albufeira ou para Faro, tudo se resolveria. Não é credível pensar que foi a criança que congeminou tal ideia.

         Impõe-se, pois, assegurar que o direito da I de ter mãe e pai, presentes na sua vida, não se esvazie na distância dos quilómetros que a mesma tem que decorrer entre ambos os seus pais, tanto mais que, como se viu, junto do agregado familiar paterno a menina não fala da mãe, ao contrário do que acontece no agregado materno, onde fala de todos.

         Concorda-se com a progenitora quando alega que o tempo de maior contacto com a família, provavelmente, ocorre ao fim de semana. Deste modo, talvez assista razão à mãe no sentido que deverá ser este o período reservado ao pai, por ser potencialmente potenciador de convívio e inerente ligação com a irmã.

         […]

         O pai vive em Portimão, junto da praia e assumidamente cidade de destino de férias. Talvez faça mais sentido que seja aqui que a menor esteja mais tempo no Verão, altura que poderá fruir em pleno da sua irmã, dos seus avós e de toda a  família e ainda da proximidade de todos os equipamentos que a cidade dispõe, ao invés de deles ficar provada, na altura em que eles são mais apetecíveis.

         Deste modo, afigura-se-nos que [… d]epois deste ano, apenas 15 dias de Verão serão reservados à mãe, ficando todo o remanescente para o pai.”

              Tudo isto, como se vê, com base na síntese da prova pessoal produzida e não com base nos factos provados. Com base nessa síntese, a sentença chega à conclusão de que “a família paterna não valoriza o contacto da criança com a mãe, cumprindo-o esforçadamente”, e que, por via disso, “a criança está em via de perder a liberdade de sentir como gratificantes as vindas à casa da mãe” ou que “o direito da criança de ter mãe” está a esvaziar-se “na distância dos quilómetros que a mesma tem que” percorrer. Entretanto a sentença desvaloriza a posição que a criança assumiu, sugerindo que está a transmitir ideias da família paterna.

              Ora, tendo em conta os factos provados, não há um único que dê suporte à suposta desvalorização pelo pai da relação da mãe com a filha e daí que a sentença tenha sentido necessidade de recorrer à sua síntese da prova pessoal em vez de aos factos provados. Havia um único facto provado que daria suporte a tal, o bt\, mas foi eliminado na decisão da impugnação da  matéria de facto e nesta fase seria desvalorizado, se já não tivesse sido eliminado, porque é uma conclusão sem suporte factual. A favor da conclusão de que a mãe valoriza a relação da criança com o pai existe o “facto” bo\ (para além do facto já eliminado bp\), mas trata-se apenas de uma conclusão, não constando dos factos provados nada que a suporte. Quando a az\ e bq\ não são mais do que enunciados de boas intenções, aliás maculadas pelos factos br\ e bs\, que são considerações tecidas pela mãe a nível retórico para defesa da sua posição.

              Quanto à desvalorização da posição da criança, pela sentença, através da sugestão de que a criança está apenas a exprimir posições de terceiros (pai/companheira/avó paterna), não se aceita que assim seja: é perfeitamente natural que uma criança a viver com um dos pais pense na solução do problema de estar sem o outro e que a encontre na saída aparentemente mais fácil e natural, qual seja a de este se aproximar do local onde ela está a viver (e onde prefere ficar a viver). A sentença crê que uma criança com 7 anos não tem capacidade para fazer isto, mas não tem razão.

              A mãe entende que a sentença ainda se serviu, bem, de outros critérios para a solução adoptada: (i) O facto da menor poder usufruir da disponibilidade da mãe para a acompanhar na sua rotina e percurso escolar, assim como para lhe prestar toda a assistência, designadamente médica, e prestar todos os cuidados de higiene e saúde; (ii) O facto da menor poder usufruir do local onde o pai reside, destino turístico, durante os fins-de-semana e períodos de férias.

              Ora, quanto a (i), dos factos provados não resulta que o pai não tenha a mesma disponibilidade que a mãe, apenas que o que a sentença disse quanto à mãe em av\ não o repetiu para o pai; quanto a (ii), não foi um factor de escolha que a sentença considerasse, mas sim um elemento de que a sentença se serviu para compensar o pai por não ficar a residir com a criança.

              Por fim diga-se que a utilização dos três elementos a favor da solução da residência da criança com o pai, não reflecte uma suposta superioridade da continuidade das relações ou da estabilidade da vida do menor sobre a relação com um dos progenitores, como quando se discute a questão da residência alternada e se diz, mal segundo se crê, que aquelas devem prevalecer sobre a necessidade de restabelecer a convivência com o outro progenitor. No caso, trata-se, em vez disso, de utilizar aqueles factores para escolher aquele dos progenitores a quem a criança deve ser confiada por impossibilidade de se manter a residência alternada.

              Em suma, a solução da confiança ao pai é a melhor e o recurso deve proceder.

              Em consequência, deve ser alterado o regime fixado, nas partes implicadas, mantendo-se as restantes regras.

              Quanto ao regime de visitas, este terá de ser alterado de modo a que não se mantenham os três fins de semana por mês com a mãe – por implicar viagens que, para qualquer pessoa são cansativas e aborrecidas, e ainda mais o serão para uma criança (como no caso ela próprio o diz), e potencialmente perturbadores do potencial de estudo da criança. Assim, a criança deverá passar apenas fins-de-semana alternados (de 15 em 15 dias) com a mãe, de sexta às 18h até domingo à 18h.

              Em compensação e para promover a relação de proximidade que a criança tem com a mãe:

              – sempre que houver “pontes” entre feriados nacionais e fins-de-semana, esses períodos alargados devem ser passados com a mãe, mas apenas na medida do possível e com a reserva da regra de fins-de-semana alternados; para o efeito, os progenitores elaborarão, até ao dia 1 de Janeiro de cada ano, um plano para esse ano contendo esses períodos.

              – as férias de Verão serão repartidas entre a mãe, 2/3, e o pai, 1/3, em 2 períodos consecutivos de tempo, dividindo-se o da mãe em dois subperíodos, começando em 2024 pela mãe, seguindo-se em 2025 pelo pai, em 2026 pela mãe e assim sucessivamente.

              – as férias da Páscoa serão sempre passadas com a mãe;

                                                                 *   

              Tendo em conta a importância que os progenitores, como em geral todas as outras pessoas, dão ao período de Natal e de Ano Novo, como o revela o regime original, entende-se que ele tem de ser repartido, ao contrário do que foi fixado no regime provisório.

              Nenhum dos progenitores discutiu o valor dos alimentos, pelo que esta parte mantém-se como já estava a vigorar.

                                                                       *

              Pelo exposto julga-se o recurso procedente, revogando a sentença recorrida no que se refere “a partir do início do ano lectivo 2023/2024 e daí em diante”, fixando-se agora o seguinte regime a partir do início do ano lectivo 2023/2024:

              1 – A criança ficará a residir com o pai.

              2 – As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança são exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.

              3 – O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente da criança cabe ao pai, excepto quanto aos períodos em que a criança estiver com a mãe, mas, neste caso, a mãe, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes definidas pelo pai.

              4 – A criança deverá passar fins-de-semana alternados (de 15 em 15 dias) com a mãe, de sexta até domingo; a mãe pode ir buscar a filha à 6ª feira depois das actividades escolares, devendo o pai ir buscá-la às 18h de domingo a casa da mãe.

              5 – Sempre que houver “pontes” entre feriados nacionais e fins-de-semana, esses períodos alargados devem ser passados com a mãe, mas apenas na medida do possível e com a reserva da regra de um fim-de-semana de intervalo; para o efeito, os progenitores elaborarão, até ao dia 1 de Janeiro de cada ano, um plano para esse ano contendo os fins-de-semana normais e os fins de semana prolongados.

              6 – As férias de Verão serão repartidas entre a mãe, 2/3, e o pai, 1/3; o período com a mãe será dividido em dois subperíodos, um destes a gozar no início das férias e o outro no fim das férias.

              7 – As férias da Páscoa serão sempre passadas com a mãe.

              8 – As férias de Natal serão repartidas em períodos iguais,  iniciando–se pela mãe.

              9 – A criança pode estar com o pai o dia de aniversário deste e o dia do pai e com a mãe o dia de aniversário desta e o dia da mãe, desde que seja o progenitor em causa a deslocar-se até onde estiver a criança e que não haja prejuízo para a actividade escolar da criança.

              10 – No dia de aniversário da criança, esta poderá tomar uma das principais refeições com cada um dos progenitores, em termos a acordar entre ambos os progenitores.

              11 – A mãe deverá pagar a título de alimentos, em benefício da criança 75€ mensais por transferência bancária para a conta já indicada pelo pai, até ao dia 8 de cada mês.

              12 – As despesas médicas e medicamentosas que a criança gerar, na parte não comparticipada por sistema de saúde ou seguro de saúde e as despesas escolares (propinas, inscrições e materiais escolares), bem como despesas extracurriculares, desde que acordadas por ambos os progenitores, serão pagas na proporção de 50% por cada progenitor, mediante envio de comprovativo, no prazo de 10 dias, devendo o outro progenitor proceder ao pagamento no mesmo prazo.

              13 – As deslocações da criança ao estrangeiro dependem da autorização de ambos os progenitores.

              Custas do recurso, na vertente de custas de parte, pela mãe.

              Retire do processo e restitua ao recorrente o documento junto com o recurso, com 0,5 UC de multa (artigos 443/1 do CPC e 27/1 do RCP).   

              Para efeitos de averbamento, nos termos do disposto no artigo 78 do Código de Registo Civil, comunique à Conservatória de Registo Civil a fixação do presente regime de exercício de responsabilidades parentais.

              Lisboa, 22/06/2023

              Pedro Martins

              1.º Adjunto 

              2.º Adjunto