Processo do Juízo Central Cível de Loures

             

              Sumário:

              Os autores têm direito ao reembolso pelos devedores dos valores que provaram já terem pago no seu lugar como fiadores do empréstimo bancário (art. 644 do CC).

 

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

             JB e AB intentaram uma acção comum contra M e A pedindo que (i) os réus sejam condenados a reembolsar os autores de 69.185,67€ que os autores dizem ter pago por eles, bem como (ii) de quaisquer valores que, futuramente, os autores venham a prestar, directamente conexos com a fiança prestada e para garantir a manutenção do imóvel na titularidade dos réus, (iii) decretando-se que seja suficiente para fazer valer os direitos dos autores os comprovativos dos valores prestados pelos autores em obrigações cumpridas junto do Banco, e bem assim os comprovativos do pagamento dos impostos municipais sobre imóveis e taxas pagas ao município de VFX, nomeadamente para efeitos de registo de hipoteca judicial sobre bens dos réus, com (iv) juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos, até integral pagamento.

              Alegam, em síntese, que foram fiadores dos réus num empréstimo bancário para compra do imóvel de habitação dos réus e que estes deixaram de pagar as prestações do empréstimo, motivo pelo qual os autores procederam ao seu pagamento, assim como passaram a proceder ao pagamento de outras despesas dos réus, nomeadamente seguros, prestação de condomínio, consumos de luz, impostos e despesas com veículos, tudo no valor peticionado.

              Os réus foram citados editalmente (a 22/01/2021) e depois na pessoa do Ministério Público e não contestaram.

              Depois de realizada a audiência final, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente e, consequentemente, absolvendo os réus dos pedidos.

              Os autores recorrem desta sentença, impugnando parte da decisão da matéria de facto e a decisão de absolvição dos réus.

              O Ministério Público contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.

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              Questões que importa decidir: se a matéria de facto deve ser alterada e se os autores se sub-rogaram nos valores invocados e se, por isso, tinham direito ao seu reembolso pelos réus.

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              Factos provados [o facto L foi acrescentado por este TRL em consequência da decisão da impugnação da matéria de facto]:

         A\ Por escritura pública 26/11/2002, os réus declararam comprar, pelo preço de 60.000€ a fracção autónima E.

         B\ Na mesma escritura os réus e o Banco declararam ajustar um contrato de mútuo com hipoteca em que os réus se confessaram solidariamente devedores ao Banco de 87.300€, que naquele acto receberam a título de empréstimo e que para integral cumprimento das obrigações assumidas constituíram a favor do Banco hipoteca voluntária sobre a fracção autónoma adquirida.

         C\ Igualmente na mesma escritura os autores declararam constituir-se fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas pelos réus no âmbito daquele contrato, renunciando ao benefício da excussão prévia.

         D\ O prédio referido em A foi registado a favor dos réus e inscrito a favor do réu na respectiva matriz predial urbana.

         E\ Nos termos da cláusula 4.ª/3 do documento anexo à escritura, foi previsto que as prestações mensais para pagamento do capital mutuado e juros vincendos seriam de 420,60€, sem prejuízo das variações das taxas de juro que se viessem a registar ao longo do período previsto para pagamento integral do mútuo e seus juros.

         F\ Nos termos da cl.ª 10.ª/1c mesmo documento, de entre outras obrigações, os mutuários obrigaram-se a pagar pontualmente as obrigações fiscais e taxas camarárias relativas à fracção e, em caso de incumprimento, ficou o Banco autorizada a efectuar todos os pagamentos em dívida.

         G\ E nos termos da cl.ª 10.ª/1-g desse documento, obrigaram-se ainda a efectuar o pagamento dos prémios de seguros que se encontram referidos nas alíneas d), e) e f) do citado número 1 através de conta bancária aberta na mutuante.

         H\ No dia 15/09/2008 foi remetida pelo Banco uma carta aos autores, que a receberam, com o seguinte teor:  a fim de tratar de assunto relacionado com o contrato em epígrafe, venho convidar V. Exª a comparecer neste departamento até ao próximo dia 16/10/2008. Caso haja algum inconveniente, agradeço contacto telefónico para os números abaixo indicados.

         I\ Na reunião realizada a que se reporta a carta, os autores foram alertados para o facto de os réus terem deixado de cumprir com as obrigações assumidas perante o Banco.

         J\ Naquela altura a dívida vencida e não paga perfazia o montante de 4.285€ e a prestação mensal cifrava-se em 470,47€.

         K\ Os réus abandonaram a fracção referida, desconhecendo os autores o seu actual paradeiro, sabendo apenas que se deslocaram para B.

         L\ Os autores pagaram ao Banco, como fiadores, pelas prestações inerentes ao empréstimo, de 13/04/2009 a 22/12/2021, 22.989,89€. 

              Para fundamentação desta decisão da matéria de facto, o tribunal recorrido disse o seguinte:

         O tribunal fundou a sua convicção, no que respeita aos factos provados sob as alíneas A a H, no teor dos documentos juntos aos autos, ou seja, a escritura pública e documento anexo, a certidão do registo predial e da matriz, assim como a carta remetida pelo Banco.

         No que respeita à resposta provada sob as alíneas I, J e K, o tribunal considerou as declarações de parte da autora que, nessa sede, foram credíveis, principalmente quando conjugadas com o teor da carta remetida pelo Banco e pelas inscrições manuscritas que nela constam, que claramente se traduzem em anotações de algum dos autores tomadas na reunião e de onde constam os valores em dívida do empréstimo naquela data e o valor da prestação mensal.

         Relativamente aos factos considerados não provados, verifica-se da documentação junta aos autos o seguinte:

         Os autores tinham livre acesso à fracção autónoma dos réus que foi adquirida através do empréstimo bancário do qual aqueles são fiadores, ao ponto de terem acesso, inclusivamente, à respectiva caixa de correio, pois juntaram aos autos extractos da conta bancária do réu Messias que lhe foram remetidos para essa morada (de outra forma não se vislumbra como poderiam os autores aceder a tais documentos).

         Dos extractos da conta bancária do réu juntos pelos autores verifica-se que este recebeu, no período em causa (ano de 2009) prestações da Segurança Social e depósitos em numerário provenientes de entidade desconhecida, assim como transferências do autor mas também transferências e entregas em numerário de JF (que se desconhece quem seja).

         Por outro lado, do teor dos comprovativos de depósito apresentados pelas partes surgem não só depósitos em numerário da autora, mas também de ML e de MB (que se desconhece quem seja).

         Os valores destas transferências e depósitos são, muitas vezes, de valores idênticos ou semelhantes e tendencialmente com uma periodicidade mensal. Nomeadamente JF realizava depósitos e transferências mensais durante um determinado período no constante valor de 360€ (valor que igualmente surge em outros depósitos e transferências).

         Quanto às facturas de consumos de luz constata-se que as mesmas respeitam à dita fracção dos réus mas a contratos diferentes. Inicialmente encontram-se em nome de JR e respeitam ao contrato de fornecimento n.º 0000000000, mas a partir de Fevereiro de 2013 as facturas passam a ser em nome de AB, a autora, e respeitantes ao contrato de fornecimento com o n.º 1111111111 para, a partir de 2014 (quanto os réus já estariam há anos em B) a facturação passou a ser emitida em nome do réu M. Tal significa que, de alguma forma, conseguiu a autora celebrar contrato de fornecimento de luz da fracção em seu nome e, mais tarde, conseguiu celebrar contrato ou transferir de alguma forma o contrato de fornecimento para o nome do réu. Já as facturas da água surgem sempre em nome do réu.

         Quer das facturas da luz como das da água constata-se que, no período de tempo em que os réus já estariam fora da fracção, os consumos não são compatíveis com a mera manutenção e limpeza de um imóvel desabitado. São, sim, compatíveis com a ocupação do imóvel por pessoas que nele habitam e fazem a sua vida diária, com consumos de água e luz consentâneos com a permanência de um agregado familiar na fracção.

         Por sua vez, se analisarmos o teor dos documentos comprovativos de compras do que os autores apelidam de materiais de construção, verifica-se que contêm aquisição de bens que não se circunscrevem a materiais destinados à manutenção do imóvel, como por exemplo estendal e molas para a roupa (Leroy Merlin a 21/10/2010) e balde para WC (Maxmat a 22/11/2014).

         Todos estes elementos apontam claramente para a seguinte situação: aquando da saída dos réus do imóvel, por alguma razão (muito provavelmente pelas relações de amizade que tinham as partes) os autores ficaram na posse do imóvel, com acesso total, inclusive à caixa de correio, e procuraram rentabilizar o mesmo arrendando-o, motivo pelo qual surgem depósitos mensais de valores idênticos ou muito aproximados e de pessoas diversas, com periodicidade tendencialmente mensal, ou seja, a renda devida no âmbito do contrato. Só assim se explica a preocupação com os pagamentos relativos ao imóvel, que chegaram ao ponto de realização de contrato de fornecimento de luz pela autora. E, nessa medida, não se pode afirmar que foram os autores, com o seu dinheiro, que suportaram os custos que agora reclamam, pois os valores foram provenientes de terceiros a quem arrendaram o imóvel de forma a manter o mesmo e a suportar os custos inerentes ao mesmo. Para além do mais, tirando alguns depósitos que existem em nome dos autores, estes não lograram provar que foram eles que procederam aos pagamentos todos que alegam pois desconhece o tribunal (nenhuma prova foi feita nesse sentido) de quem seja o titular das contas bancárias a que respeitam os talões de multibanco. Aliás, se a preocupação dos autores fosse realmente a que alegam (e não de suportar os custos do imóvel com a sua rentabilização no mercado de arrendamento e não com dinheiro próprio), teriam tido a preocupação de fazer eles próprios, em seu nome e com documentos comprovativos, os pagamentos que invocam que suportaram com dinheiro seu e não teriam prolongado a situação praticamente durante 10 anos. E não é minimamente credível que os autores sejam tão ingénuos ao ponto de acharem que, sendo fiadores num empréstimo bancário para aquisição de habitação, tinham a obrigação de pagar toda a espécie de créditos e despesas dos réus, incluindo impostos relativos a veículos (sendo que também não juntam documento que comprove a realização desses pagamentos).

         Por estas razões não foram credíveis as declarações da autora, verificando-se que as testemunhas pouco sabiam da situação para além do que lhe foi veiculado pelos próprios autores.

                                                                 *

                                 Da impugnação da decisão da matéria de facto

            Por força do art. 640 do CPC, com a epígrafe de ‘Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto’:

         1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

         a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

       b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

         c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

         2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

     a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

         […]”

              Quer no corpo das alegações, quer nas conclusões do recurso, os autores não têm uma qualquer referência a prova pessoal produzida (depoimentos ou declarações de parte) e, quanto a documentos, referem-se apenas aos comprovativos de depósito que fizeram, directa ou indirectamente, para que não houvesse incumprimento do empréstimo – ou mais precisamente aos documentos juntos com requerimento datado de 21/02/2022 referências citius 11988478 e 11988487, numerados de 1 a 14, cada um com inúmeras folhas e respeitantes a 2009 até 2021, cujos montantes perfazer 40.495,22€ -, e a uma resposta por escrito do Banco: “podemos informar que os senhores fiadores receberam sempre um documento emitido por esta instituição, por cada depósito que efectuaram, para o pagamento das prestações do contrato nº 218.21.100823-8, pelo que estarão em condições de provarem os valores pagos.”

              Assim, do recurso, como impugnação da matéria de facto, apenas se pode aproveitar a questão do pagamento dos valores inerentes ao empréstimo no montante indicado, por falta de observância dos ónus previstos no art. 640, n.ºs 1 e 2-a, do CPC quanto a tudo o resto.

               Posto isto,

       Como se viu os autores invocam os comprovativos de depósito que fizeram, directa ou indirectamente, para que não houvesse incumprimento do empréstimo. Confirmam assim aquilo que já resulta da fundamentação da decisão da matéria de facto: as amortizações do empréstimo (e valores conexos, como seguros) foram feitas com os valores que estavam depositados numa conta do réu e não do autor. E esses depósitos eram efectuados não só pelos autores, mas também por terceiros. Ora, dos comprovativos dos depósitos efectuados por terceiros não é possível deduzir que eles foram feitos indirectamente pelos autores como estes pretendem. Os documentos não podem dizer isso e, já se viu, os autores não invocaram qualquer prova pessoal como suporte da impugnação.

              Já quanto aos documentos que comprovam o depósito de valores feitos pelos autores em conta do réu, embora se perceba o raciocínio da sentença recorrida (acompanhado e complementado pelo MP), não se aceita o resultado. É certo que, de imediato, os depósitos de valores, apenas provam os depósitos, não que os pagamentos das amortizações sejam feitos com esses depósitos. Para mais quando são depositados outros valores. Pelo que, quando o banco mutuante se paga da amortização com o dinheiro que está depositado não se pode dizer, sem mais, que o faça com os valores que foram depositados pelos autores e não com os valores que foram depositados por terceiros.  Mas mesmo que assim seja, não deixa de ser certo, também, que, no caso de haver outros valores no momento da amortização e se forem eles os utilizados, o dinheiro depositado pelos autores continua lá e pode servir para posteriores amortizações. Ora, nos extractos bancários que constam do documento 1, referido a seguir, verifica-se que na conta do réu em causa, durante os três anos que estão em causa, a conta, nos movimentos a débito, só serviu para pagar as cobranças do empréstimo e do seguro respectivo e as comissões de manutenção da conta e o saldo que em meados de 2012 lá estava era apenas de 79,24€, pelo que se pode concluir que todos os valores que os autores lá depositarem nesse período de 3 anos serviu para pagamento dos valores inerentes ao empréstimo. O que aliás estava de acordo com a lógica da manutenção do contrato, de acordo com a cláusula 9/1 do documento complementar: “1. Todos os pagamentos a que a PARTE DEVEDORA fique obrigada pelo presente contrato serão efectuados através da conta de depósito à ordem número 000-00.000000-8, constituída no balcão do Banco em FC, em nome da PARTE DEVEDORA, obrigando-se esta a manter a citada conta com provisão suficiente para o efeito.”          

            Ora, sendo os autores fiadores dos réus no empréstimo, tendo os réus deixado de pagar o empréstimo provavelmente desde há cerca de um ano quando em Set2008 os autores foram notificados pelo banco mutuante desse incumprimento (pois que nessa data já estavam em dívida 4285€), e tendo os autores passado a entregar valores nessa conta que, em meados de 2009 já estava regularizada, mas à justa, e continuando regularizada em meados de 2012, não se vê razão para duvidar que essa regularização foi também feita com os depósitos entregues pelos autores durante esse período e que, portanto, esses depósitos (os dos autores) serviram para pagamento dos valores inerentes ao empréstimo, tanto mais que o próprio Banco dá a resposta supra citada (pelos autores, no recurso) ao tribunal quando é inquirido sobre aquilo que foi pago pelos autores.

              Portanto, voltando acima, aceita-se como certa a conclusão da fundamentação da decisão da matéria de facto de que a existência de outros depósitos, feitos por terceiros, não provam que esses outros depósitos sejam pagamentos feitos pelos autores, considerando-se como provável a explicação dada pela sentença recorrida – ou seja, que a fracção deve ter sido arrendada a terceiros em diversos períodos e que as contrapartidas pagas por estes devem ter servido para pagamento do empréstimo – probabilidade que, como é óbvio, não serve para prova de um facto, mas serve para afastar a convicção de que esses pagamentos eram feitos pelos autores -, mas já não que os próprios depósitos feitos pelos autores [provavelmente a título supletivo, quando aquelas contrapartidas não chegassem] não podem ser considerados como a fonte dos pagamentos dos empréstimos feitas pelo credor mutuante através do débito na conta do réu.

              Ou seja, a prova documental referida no recurso, e que ainda vai ser concretizada a seguir, serve, na medida do assinalado, para criar a convicção da verdade de parte dos factos alegados pelos autores e não foi produzida prova que crie a dúvida do contrário, pelo que a alegação de facto se pode dar como parcialmente provada (art. 346 do CC).

               Posto isto, veja-se:

           O documento 1 consta apenas de extractos bancários da conta do réu, um relativamente ao período de 20/02/2009 a 30/04/2009 e outros relativamente ao período de 26/08 (embora numa das folhas conste 26/06/2009) a 30/06/2012, sendo possível ver nestes três anos apenas 3 transferências feitas com o nome do autor de 400€ + 380€ + 230€, em 21/09/2009, 02/02/2010 e 28/04/2011 num total de 43 movimentos positivos (entre os restantes 40 constam transferências da segurança social, entrega de numerário e entrega de valores para cobrança – sem identificação, mesmo que numérica – e transferências e entrega de numerários, 6 de 360€, de JF).

              Assim, temos 1.010€ dos autores que serviram para pagamento das amortizações.

              O documento 2 consta de 5 talões de entrega de valores na conta do réu (400€ a 13/04/2009, a 19/05/2009, a 18/06/2009 e a 21/07/2009 e 380€ a 28/12/2009 – dos talões consta a assinatura do autor, idêntica à que consta da procuração judicial junta com a petição inicial).

                Assim, temos mais 1.980€ dos autores que serviram para pagamento das amortizações.

            O documento 3 consta de 7 talões de entregas de valores na conta do réu, um deles com a assinatura do autor, no valor de 70€ feita em 2010, tendo os outros 6 outras assinaturas não relacionáveis com os autores. Portanto, apenas podem ser considerados os 70€.

              O documento 4 consta de 11 talões de entregas de valores na conta do réu, feitas em 2011. Apenas um deles, de 11/02, no valor de 360€, com a assinatura do autor. Portanto, apenas podem ser considerados os 360€.

              O documento 5 consta de 9 talões de entregas de valores na conta do réu, feitas em 2012, nenhum deles com a referida assinatura. 

              O documento 6 consta de 11 talões de entregas de valores na conta do réu, feitas em 2013, um deles de 360€ com a referida assinatura e outro de 230€ com uma assinatura de MB que, naturalmente, pode ser imputável aos autores. Portanto, podem ser considerados 590€ a favor dos autores.

              O documento 7 consta de 12 talões de entregas de valores na conta do réu, feitas em 2014; sete deles têm a assinatura do autor ou a de MB. Os valores são de 210€ + 100€, em Janeiro, 360€ em Fevereiro; 360€ em Abril; 360€ em Maio; 360€ em Agosto; 360€ em Setembro; portanto, podem ser considerados a favor dos autores 2110€.

              O documento 8 são créditos na conta do réu com movimento de valores diversos cobrados por débito na conta da autora em 2015 dos seguintes montantes: 307,08€ em Jan; 306,99€ em Fev; 306,30€ em Março; 302,84€ em Abril; 301,50€ em Dez. Portanto, 1.524,71€ a favor dos autores.

              O documento 9 são créditos na conta do réu com movimento de valores diversos cobrados por débito na conta da autora em 2016, em 5 meses, no total de 1.506,12€ a favor dos autores.

              O documento 10 são créditos na conta do réu com movimento de valores diversos cobrados por débito na conta da autora em 2017, em 11 meses, 8 de 300€, 1 de 275€, 1 de 400€ e 1 de 205€. Portanto, mais 3.280€ a favor dos autores.

              O documento 11 são créditos na conta do réu com movimento de valores diversos cobrados por débito na conta da autora em 2018, em 12 meses, num total de 3.667€ a favor dos autores.

              O documento 12 são créditos na conta do réu com movimento de valores diversos cobrados por débito na conta da autora em 2019, em 12 meses, num total de 3.677,82 a favor dos autores.

              O documento 13 são créditos na conta do réu com movimento de valores diversos cobrados por débito na conta da autora em 2020, em 7 meses, num total de 1.988€ a favor dos autores.

              O documento 14 são créditos na conta do réu com movimento de valores diversos cobrados por débito na conta da autora em 2021, em 4 meses, num total de 1.226,24€; e inclusive consta a referência a fiador em todos eles; portanto 1.226,24€ a favor dos autores.

              Visto o que consta do pedido (ii) e o disposto no art. 557/2 do CPC (lembrado, quanto à norma correspondente – art. 472/2 do CPC antes da reforma de 2013 – pelo ac. do STJ de 27/09/2012, invocado por Evaristo Mendes, obra e local citados abaixo), podem-se ter em conta os pagamentos que os autores fizeram já no decurso da acção.

              Em suma, considera-se parcialmente procedente a impugnação da decisão da matéria de facto, devendo-se acrescentar aos factos provados o facto L\: Os autores pagaram, como fiadores, pelas prestações inerentes ao empréstimo, de 13/04/2009 a 22/12/2021, 22.989,89€.     

                                                           *

                                 Do recurso sobre matéria de direito

              Nesta parte, os autores dizem que:

         j/ Os autores lograram provar que pagaram a título de crédito à habitação pelo menos o valor de 40.495,22 €.

         k/ E nesse valor tinha o tribunal ad quo o dever de condenar os réus a reembolsar os autores, cujos pagamentos foram efectuados na qualidade de fiadores daqueles,

         l/ Como, pelas razões aduzidas, o tribunal ad quo tinha a obrigação de condenar os réus pelos seus débitos a instituições fornecedoras de bens de primeira necessidade e contratadas pelos réus antes destes se terem ausentado para B, contratos que eles não denunciaram e só eles podiam denunciar.

         m/ E bem assim os impostos e contribuições pagos ao Estado Português, quer impostos devidos por viaturas que estiveram registados a favor dos réus e se mantiveram em nome deles durante o tempo em que os avisos de cobrança foram enviados para o imóvel deles, e pagos pelos autores.

         n/o Não tendo a prova documental sido devidamente apreciada, deverá a sentença proferida ser substituída por outra que condene os réus a pagar aos autores os valores por estes pagos a título do crédito habitação no montante de 40.495,22€ e bem assim os valores também por estes pagos referentes aos consumos de bens de primeira necessidade e impostos pagos ao Estado, no montante de 11.739,92€, o que totaliza o montante de 52.235,14 €, tudo com juros de mora por conta dos réus.

              Apreciação:

           Quanto ao pedido de condenação dos réus a reembolsarem os autores daquilo que estes despenderam como seus fiadores no contrato de mútuo, a alteração da decisão da matéria de facto implica a necessidade da alteração, parcial, da decisão da matéria de direito. Se, afinal, se dá como provado que os autores efectuaram alguns pagamentos como fiadores dos réus no referido contrato, então têm direito ao seu reembolso (nessa parte).

              Por força da fiança, o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor (art. 627/1 do CC). É que a fiança tem o conteúdo da obrigação principal (art. 634 do CC) e, por isso, não sendo esta cumprida pelo devedor, o credor pode demandar logo o fiador para que ele o faça no lugar do devedor (art. 641/1 do CC) e, se este pagar a dívida no lugar do devedor, fica sub-rogado nos direitos do credor na medida em que estes foram por ele satisfeitos. (art. 644 do CC).

              Pelo que, tendo os autores pagado ao mutuante 22.989,89€ da dívida em causa, têm o direito de demandar os réus para que estes o reembolsem desse valor e teriam também direito aos juros de mora desde que fizeram o pagamento, à taxa legal (veja-se Evaristo Mendes, pág. 825 do Comentário ao CC, Direito das Obrigações, UCP/FD/UCE, Dez2018: “quer os pagos pelo fiador quer aqueles a que o credor teria direito desde a data em que o fiador cumpriu”). Mas como não pediram os juros vencidos desde o momento em que pagaram mas só desde a petição – como decorre do facto de o valor por eles dado à acção só incluir o que eles dizem ter pago, por isso sem incluir os juros já vencidos (art. 297/1-2 do CPC) e do facto de não fazerem referência a qualquer data de vencimento dos juros vencidos, ou de pagamento dos valores -, é só aos vencidos desde a citação que têm direito.

              Como a sub-rogação só se dá com a satisfação do crédito (art. 644 do CC), não se pode falar de sub-rogação quanto àquilo que ainda não foi pago pelo fiador, pelo que não pode ter lugar em relação a prestações futuras (neste sentido, Evaristo Mendes, obra citada, pág. 827/IX, lembrando o assento do STJ 2/78 de 09/11/1977, proc. 066378, e o ac. do STJ de 27/09/2012, proc. 663/09.1TVLSB.L1.S1, este com uma solução contrária mas quanto a um devedor solidário, não precisamente quanto a um fiador, e num caso particular em que ao devedor solidário já tinham sido penhorados bens para o pagamento; no caso dos autos e nas situações normais, não se sabe se o devedor não virá a pagar as prestações futuras, nem se sabe se o devedor ou o fiador não arranjarão forma de as pagarem com os rendimentos obtidos através do arrendamento do imóvel a terceiros, como está indiciado já ter ocorrido).  

              Quanto ao pedido por outros valores que os autores dizem ter pago para além dos que pagaram ao Banco, não se alteraram os factos vindos como provados da 1.ª instância, nem os autores os pretenderam alterar nessa parte, pelo que as conclusões l/ e m/ não têm qualquer suporte factual e, por isso, são obviamente improcedentes. A conclusão o/ é uma simples repetição dos pedidos.

                                                                 *

             Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, revogando-se parcialmente a sentença recorrida, condenando-se agora os réus a reembolsarem os autores dos 22.989.89€ que estes pagaram no seu lugar como fiadores entre 13/04/2009 a 22/12/2021, com juros de mora à taxa legal vencidos desde a data da citação para esta acção e vincendos até integral pagamento.

              Custas de parte, pelos autores e pelos réus, na proporção do decaimento.

              Lisboa, 13/07/2023

              Pedro Martins                          

              1.º Adjunto 

              2.º Adjunto