Execução do Juízo de Execução de Oeiras

              Sumário:

              I – Quem argui a falsidade de uma certidão de citação para a execução, elaborada por um agente de execução, tem o ónus de alegar e provar factos que permitam concluir pela falsidade (art. 372 do CC) e deve-o fazer nos termos dos artigos 451, 446 e 449 do CPC (entre o mais requerendo logo a produção de prova sobre ela).

              II – Numa execução, em que a citação é feita pelo AE, é ele que tem de enviar (como enviou) a carta do art. 231/5 do CPC e não a secretaria judicial.

              III – Da carta prevista no art. 231/5 do CPC não tem de constar o prazo para a defesa (ou para a oposição), tanto mais que a citação já está feita pessoalmente e o prazo já se iniciou.

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

              A 04/02/2022, a U-SA requereu contra EF uma execução sumária (com agente de execução) para pagamento de vários créditos hipotecários no total de 184.012,60€ de capital mais 18.212,27€ de juros (seguiu-se a uma outra execução, extinta por absolvição da instância, por falta de cumprimento do procedimento PERSI que, agora, diz já ter sido cumprimento devidamente), juntando a/r de interpelação da executada para o vencimento antecipado das dividas correspondentes.

              A 07/03/2022, o Agente de execução penhorou as duas fracções autónomas hipotecadas para garantia dos créditos.

              A 08/03/2022, o AE enviou carta registada para citação da executada para, no prazo de 20 dias, pagar ou deduzir oposição à execução ou à penhora, que veio devolvida [refª 20754661].

              A 28/03/2022, o AE diligenciou pela citação pessoal da executada.

              A 11/05/2022, o AE junta certidão da citação na própria pessoa da executada, efectuada por ele próprio às 16h30 do dia 04/05/2022, na morada indicada da executada, assinalando o quadrado que antecede o seguinte: “O citando recusou receber ou assinar a presente citação, tendo sido por mim informado de que a nota da citação e os documentos ficam à sua disposição na secretaria judicial.” E junta registo do envio, no dia 09/05/2022, de carta registada para a executada, na mesma morada, notificando-a, nos termos do disposto no art. 231/4-5 do CPC de que se considera citada por recusa de assinar a certidão e receber o duplicado dos documentos e de que os duplicados dos documentos anexos à certidão de citação ficam à sua disposição na secretaria judicial, bem como que a citação considera-se feita em 04/05/2022. Não há notícia de que tal carta tenha sido devolvida.

              A 20/05/2022, C, advogada, requereu, ao abrigo do disposto no artigo 27.º, n.º 4, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, que lhe fosse facultada a consulta dos presentes autos.

            A 24/05/2022, a executada fez requerimento para juntar aos autos comprovativo do requerimento de apoio judiciário e para suspender o prazo para oposição até ao deferimento e nomeação de patrono (juntou prova desse pedido feito a 23/05/2022).

              A 24/05/2022, a secção de processos notifica a advogada que o requereu a 20/05/2022 que lhe foi concedido o acesso aos autos para consulta na área reservada do mandatário no sistema informático de suporte à actividade dos tribunais.

              A 24/05/2022, a secção de processos notifica o requerimento da executada de 24/05/2022 ao AE e à exequente.

              A 20/10/2022, cinco meses depois, a exequente faz o seguinte requerimento ao Sr. Juiz titular do processo: vem requerer que se ordene o prosseguimento da execução porquanto, inexplicavelmente, esta se encontra por impulsionar, na sequência de um mero requerimento da executada a pedir a suspensão por ter requerido apoio judiciário. A mesma executada não veio aos autos, desde então, praticar mais nenhum acto no processo, pelo que deve ser notificada a Segurança Social e a Ordem dos Advogados para informarem se tal benefício lhe foi ou não concedido e os autos prosseguirem os seus regulares termos.

              No dia 25/10/2022, a secção de processos envia ofício à segurança social a solicitar informação quanto à decisão que recaiu sobre o pedido de apoio judiciário feito pela executada.

              A 27/10/2022, a SS informa que o processo está em instrução, tendo sido efectuada audiência prévia que aguarda resposta [da executada].

              A 09/11/2022, foi proferido o seguinte despacho: Nada a determinar uma vez que, entretanto, foi junta informação pela SS quanto ao estado do pedido de apoio judiciário formulado pela executada, o qual foi notificado às partes, mantendo-se a suspensão do prazo para a executada deduzir oposição à execução e/ou à penhora até ser proferida decisão sobre esse pedido.

              Por ofício de 28/11/2022, a Ordem dos Advogados veio dizer que tinha sido nomeado patrono à executada e que o advogado tinha sido notificado naquela data da nomeação efectuada. A secção de processos notificou esta nomeação ao AE e à exequente.

              A 06/12/2022, a SS veio informar que o pedido de apoio judiciário tinha sido deferido, na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento faseado da compensação do patrono.

              A 29/12/2022, a advogada que fez o requerimento de 20/05/2022, veio requerer a junção aos autos de procuração a seu favor passada pela executada. A procuração tem data de 16/12/2022.

              A 06/01/2023 são apensos aos autos embargos deduzidos pela executada a 04/01/2023. Nesses embargos, a executada deduz a seguinte questão prévia: da nulidade da citação:

         1\ De acordo com a certidão de citação do EA a executada, recusou–se a assinar a certidão – o que desde logo se afirma ser falso – uma vez que o AE apenas remeteu por carta registada (e não presencialmente) a notificação datada de 09/05/2022 e recebida pela executada a 12/05/2022 de cujo teor resulta que a nota de citação e os documentos se encontravam à sua disposição na secretaria judicial, nos termos do art. 231/4 do CPC. Ora,

         2\ Dispõe o art. 231/5 do CPC que “No caso previsto no número anterior, a secretaria notifica ainda o citando, enviando-lhe carta registada com a indicação de que o duplicado nela se encontra à sua disposição.”

         3\ Sucede que, a secretaria judicial não procedeu ao envio de tal carta registada a fim de notificar a executada para levantar a documentação na respectiva secretaria, o que revela ter sido inobservada tal formalidade prescrita na lei.

         4\ E conforme decidido, entre outros, pelo acórdão do TRE de 13/02/2020, proc. 41615/17.1YIPRT-A.E1, “Se o destinatário da citação se recusa a assiná-la ou a receber o duplicado do agente de execução, observado que seja o disposto no art. 231/4 do CPC, impõe-se o subsequente envio, pela secretaria, de carta registada com indicação de que o duplicado nela se encontra à disposição do citando, sob pena de o acto de citação não se ter regularmente efectivado.”

         5\ Na verdade, a citação é nos termos do disposto art. 219/1 do CPC, o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama o mesmo ao processo para se defender.

         6\ Impondo-se, por isso, que os tribunais sejam exigentes na averiguação do condicionalismo da causa final da citação, que é a de proporcionar a uma pessoa o conhecimento efectivo de que está a ser accionada judicialmente, para que possa exercer em plenitude o seu direito de defesa e do prazo de que dispõe para tal efeito.

         7\ Por conseguinte, importa ainda ressaltar que o AE na notificação remetida à parte não cumpriu com o disposto no n.º 2 do art. 231 do CPC; isto é, não indicou o prazo dentro do qual a executada podia oferecer a defesa (cf. art. 227/2 do CPC).

         8\ Pelo exposto, deve considerar-se nula, e de nenhum efeito, a citação, conforme o preceituado nos artigos 191/1 e 195/1 do CPC), o que acarreta a nulidade dos actos processuais subsequentemente praticados (cf. art. 195/2 do CPC) – cf. notificação datada de 09/05/2022, mas apenas recebida a 12/05/2022.

         9\ Nulidade que aqui expressamente se invoca e pretende ver declarada, para todos os efeitos legais.

              A 10/01/2023 foi proferido, nos embargos, despacho a determinar a notificação [da exequente] para contestar (CPC 732/2) – e a notificação do AE para, em dez dias, se pronunciar sobre a invocada nulidade da citação.

              A 07/02/2023, nos embargos, a exequente contestou e disse o seguinte quanto à nulidade da citação:

         2\ Começa a executada por invocar a nulidade da citação, dizendo que não se recusou a assinar a “certidão” do AE.

         3\ O exequente é alheio a este procedimento de citação, como se sabe. Todavia, sempre se dirá que consta dos autos principais (documento com a refª 20754661) que a executada não reclamou a carta para citação junto dos correios, apesar de lhe ter sido deixado um aviso.

         4\ Em Maio de 2022, a executada foi citada, através da diligência pessoal realizada pelo AE.

         5\ Logo a seguir, em 20/05/2022, a mandatária da executada pediu a consulta electrónica dos autos.

         6\ E, dias depois, em 24/05/2022, a executada juntou aos autos o comprovativo de ter pedido o apoio judiciário, o que determinou a suspensão do processo.

         7\ Ainda que se admita, por mera hipótese, que tenha havido nulidade da citação, a mesma encontra-se sanada com a intervenção da executada no processo, em 24/05/2022, nos termos do artigo 189.º do CPC.

         8\ E ainda que se entendesse que tal suposta nulidade não foi sanada, sempre se dirá que, tendo em conta a apresentação destes embargos, nos termos do n.º 4 do artigo 191.º “[a] arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado”.

         9\ Neste sentido, improcede em toda a linha a pretensão da executada a este respeito.

              A 07/02/2023, o AE informou o seguinte:

         Em 08/03/2022, foi tentada a citação via posta da executada, tendo a mesma sido devolvida ao remetente, com a indicação de “objecto não reclamado”

         Face ao sucedido, em 04/05/2022, foi tentada a citação por contacto pessoal da executada, sendo que, embora tenha sido possível chegar à fala com a mesma e de lhe ter sido explicado que o conteúdo da citação, bem como o prazo de que dispunha para deduzir oposição à execução/penhora, o certo é que esta se recusou a assinar e receber a certidão de citação, bem como os respectivos documentos que a acompanhavam.

         Não é por isso verdadeiro o alegado pela executada no ponto 1º do articulado dos embargos de executado.

         Informa-se ainda que no seguimento da recusa de recebimento da citação, em 09/05/2022, foi a executada notificada para os termos do disposto do art. 231 do CPC.

              A 02/03/2023, nos embargos, a executada vem dizer que:

         Refere a informação junta aos presentes autos pelo AE […] que se frustrou a citação via postal da embargante de 8/03/2022 pela mesma.

         Ora, compulsado o AR junto pelo AE execução, do seu teor não se poderá concluir que a carta remetida tenha sido a citação que ali aparece anexa uma vez que o envelope anexo se mostra aberto.

         Sendo certo que não corresponde à verdade o demais alegado pelo AE, concretamente a sua tentativa de proceder à citação por contacto pessoal da executada que nunca ocorreu,

         Aliás, muito se estranha que o AE se desloque do seu domicílio profissional em V a Cascais para proceder a uma citação por contacto pessoal (quando muito poderia ter referido que delegou tal acto noutro Colega).

         Finalmente, é o próprio AE que considera que não se encontra efectuada a citação, uma vez que mantém vedado ATÉ HOJE, o acesso dos autos (executivos) à executada e sua mandatária, conforme resulta do citius – artigo 164/2-c do CPC – cf. print tirado da página do citius com data de hoje (02/06/23 [sic – o que consta é a data de 01/03/2023 – parenteses deste TRL]) referente ao processo executivo em causa que aqui se junta como doc. n.º 1 e se dá por integralmente reproduzido.

         Requer que seja considerado cumprido o direito ao contraditório da executada, seguindo-se ulterior tramitação.

              A 09/06/2023 é proferido o seguinte despacho:

         Questão prévia – da nulidade de citação para a execução:

         Compulsados os presentes autos verifica-se que a executada veio, por apenso à execução […] deduzir a presente oposição à execução, mediante embargos de executado, começando por invocar a nulidade da citação para a execução.

         Conforme é consabido, o meio próprio para arguir a nulidade da citação não é a oposição à execução e/ou à penhora, devendo (tal arguição) ser feita no próprio processo executivo (cf. acórdão STJ de 14/5/96, BMJ 457/284 e de 5/12/2000, Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 1999, pág. 268, Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 2ª edição, 295), sendo que, se vier a ser julgada procedente, implicará a repetição da citação com a concessão de prazo para a dedução da pertinente oposição.

         Porém, ocorrendo erro no meio processual utilizado pela parte impõe-se a convolação, oficiosa, para os termos processuais adequados – cf. nº3, do art. 193º, do CPC.

         Tal convolação, com os limites naturais – pois que não pode operar caso existam obstáculos intransponíveis, como é o caso de ter já decorrido o prazo previsto para o acto convolado -, visa evitar que, por meras razões de índole formal, deixe de ser apreciada uma pretensão deduzida em juízo, em prejuízo da justa composição dos litígios.

         Arguida na oposição à execução a nulidade da citação efectuada na execução, o tribunal, oficiosamente, convola a oposição em reclamação de nulidade (a tramitar na execução, onde foi praticado o acto), meio processual próprio.

         E cabe ao Tribunal apreciar e decidir a reclamação, fazendo as adequações formais que repute necessárias, nunca podendo, contudo, julgar “por erro no meio processual adequado, sem efeito o pedido de declaração de nulidade da citação para a execução”, não constituindo razões meramente formais limites naturais intransponíveis – cf., neste sentido, ac. TRG de 07/03/2019; ac. TRP de 05/03/2015, processo 3788/13.5YYPRT-A.P1.

         Nesta conformidade e ao abrigo do princípio da adequação formal, determino que se extraia cópia do requerimento de oposição à execução, bem como da contestação entretanto apresentada e do requerimento junto pela embargante em 02/03/2023 e se incorpore nos autos principais, com vista à apreciação, no local próprio, da sobredita arguição de nulidade, dado que a exequente já se pronunciou, em sede de contestação entretanto apresentada, quanto à invocada nulidade.

         Após incorporação nos termos sobreditos, notifique o AE para que informe o que tiver por conveniente quanto ao alegado no requerimento de 02/03/2023 (falta de acesso ao processo executivo) no prazo de cinco dias.

         Junta tal informação, conclua de imediato, no processo principal.

                                               *

         Mais determino a imediata sustação de todos os termos da execução (cf. artigo 851/2 do CPC).

                                               *

         Considerando que a eventual procedência do incidente de nulidade de citação, a conhecer na execução, importará, necessariamente, a anulação dos actos subsequentes e consequente extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide – ao que acresce que a pendência do incidente de nulidade de citação impõe a sustação de todos os termos da execução –, determino que os presentes autos aguardem o trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida no âmbito do referido incidente.

                                               *

         Notifique (incluindo o Sr. Agente de Execução).

              Notificado a 14/06/2023, o AE, a 26/06/2023, informa que:

         Desconhece o motivo pelo qual a executada não teve acesso ao processo, sendo certo que até à resposta ao requerimento apresentado pelo signatário, a executada nunca comunicou ou informou qualquer tipo de dificuldade de aceder ao mesmo.

         No entanto sempre se dirá, que tal facto poderá estar relacionado com a actualização no sistema informático GPESE/SISAE relativamente ao estado da citação da executada, o qual já se encontra, entretanto, actualizado.

         Complementarmente informa-se V. Exa., que após a citação da executada, nunca foram solicitados quaisquer documentos relativos à presente execução.

              Notificada desta informação, a executada, a 04/09/2023 vem dizer que:

         Por diversas vezes no decorrer da tramitação foi comunicada à secretaria do tribunal a impossibilidade do acesso aos autos, assim como ao escritório do AE – aliás, tanto por isso, é que foi retirado um print da página do Citius, em 02/03/2023, por forma a comprovar a falta de acesso (cf. documento anexo no requerimento de 02/03/2023 no apenso de embargos).

              A 19/09/2023, foi proferido o seguinte despacho [transcreve-se sem o relatório]:

         “[…]                         

         Dispõe o art. 187/-a do CPC que é nulo tudo o que se processe depois da petição inicial salvando-se apenas esta quando o réu não tenha sido citado.

         Há falta de citação quando o acto tenha sido completamente omitido ou se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável (art. 188/-a-e do CPC).

         Dispõe igualmente o artigo 191/1-3 do CPC que “sem prejuízo do disposto no artigo 188.º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei”, sendo que “a irregularidade só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado.”

         A nulidade resultante da falta de citação é de conhecimento oficioso, sana-se pela intervenção do réu no processo e pode ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada (artigos 189, 196 e 198/2 do CPC).

         Compulsados os autos verifica-se que:

        1. A presente execução foi instaurada em 04/02/2022 contra EF.
        2. Em 28/03/2022 o AE informou nos autos que iria proceder à citação da executada, após penhora, por contacto pessoal, dada a devolução de carta de citação por “não reclamada”.
        3. Em 11/05/2022, o AE juntou aos autos certidão de citação pessoal, levada a cabo em 04/05/2022, na pessoa da executada, na morada em Cascais.
        4. Na aludida citação consta assinalado que a executada recusou receber e assinar a nota de citação, tendo sido informada pelo mesmo que a nota de citação e documentos que a acompanham ficariam à sua disposição na secretaria judicial.
        5. Em 11/05/2022, o AE juntou ainda cópia de carta registada datada de 09/05/2022, dirigida à executada, da qual resulta a seguinte informação: “Fica notificada, nos termos do disposto no art. 231/4-5 do CPC, de que se considera citado por recusa de assinar a certidão e receber o duplicado dos documentos e de que os duplicados dos documentos anexos à certidão de citação ficam à sua disposição na secretaria judicial, bem como que a citação considera-se feita em 04/05/2022.”
        6. Em 20/05/2022, foi junto aos autos, pela mandatária da executada, pedido de consulta electrónica do processo.
        7. Em 24/05/2022 foi junto aos autos, pela executada, comprovativo de pedido de apoio judiciário apresentado em 23/05/2022, junto da Segurança Social, na modalidade de nomeação de patrono e dispensa de taxa de justiça, com a finalidade de contestar a execução referida em 1.
        8. Em 29/12/2022 foi junta procuração forense pela executada a favor da mandatária que efectuou o pedido de consulta dos autos em 20/05/2022.
        9. E, em 04/01/2023, deduziu embargos de executado.

         A arguição do executado reconduz-se, no essencial, à nulidade de citação, nos termos previstos no art. 191/1 do CPC.

         Da sequência de actos supra exposta resulta o cumprimento pelo AE do disposto no artigo 231/1 a 4 do CPC, sem qualquer mácula, bem como o cumprimento do disposto no n.º 5 do citado artigo, no lugar da secretaria judicial.

         Resulta igualmente dos autos que a executada recebeu e tomou devido conhecimento da aludida notificação e que decorridos cerca de 8 dias procedeu ao pedido de consulta dos autos através da advogada subscritora do requerimento de embargos e que veio a ser constituída como sua mandatária nos presentes autos.

         A morada indicada na certidão pessoal de citação é a indicada pela própria executada.

         Por outro lado, verifica-se que a arguição de nulidade de citação não foi efectuada na primeira intervenção da executada, mas sim quase nove meses depois e após consulta dos autos por advogado.

         Verifica-se assim que, à data da arguição de nulidade, o vício arguido se havia sanado, nos termos dos artigos 189 e 198/2 do CPC, sendo ainda evidente que a verificar-se as irregularidades invocadas pela executada, as mesmas não foram de molde a prejudicar a sua defesa, conforme resulta do teor do requerimento de embargos de executado.

         Decide-se assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, julgar improcedente a arguição de nulidade de citação, deduzida pela executada.

         Custas pela executada/requerente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

              A executada veio recorrer de tal despacho – para que seja declarado nulo e substituído por outro que mantenha a suspensão da execução -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcreve na parte útil:

         3\ É falso que a executada se tenha recusado a assinar a certidão de citação, uma vez que o AE remeteu a notificação (de 09/05/2022 e recebida pela executada a 12/05/2022) por carta registada e não presencialmente.

         4\ Mais, a secretaria judicial não procedeu ao envio de carta registada a fim de notificar a executada para levantar o duplicado da referida citação na respectiva secretaria, conforme impõe o art. 231/4 e 5 do CPC.

         5\6\ E o AE na notificação remetida à executada também não cumpriu com o disposto no art. 231/2 do CPC, não tendo indicado o prazo dentro do qual a executada podia oferecer a defesa (cf. art. 227/2 do CPC).

         7\ Tendo sido, claramente inobservadas formalidades essenciais e prescritas na lei, que influíram no exame e na decisão da causa e que igualmente prejudicaram a defesa da executada.

         8\ Sendo que tais inobservâncias verificadas configuram nulidade da citação, sem nenhum efeito legal, conforme o preceituado nos artigos 191/1 e 195/1 do CPC,

         9\ Acarretando, por conseguinte, a nulidade dos actos processuais subsequentemente praticados (cf. art. 195/2 do CPC).

         10\ Os vícios arguidos não foram sanados, ao contrário do alegado pelo tribunal a quo.

         11\ Já que a simples consulta do processo por parte de advogado (mais tarde constituído mandatário) não configura um acto processual relevante,

         12\ E nem dele se pode extrair a conclusão de que a executada tomou conhecimento do seu processado por forma a ficar em condições de assegurar o seu efectivo direito de defesa.

         13\ Pelo que, o tribunal a quo foi excessivo ao alegar que foi cumprido sem mácula o art. 231/1 a 4 e também o n.º 5, do CPC, e o vício sanado, nos exactos termos do caso em apreço.

         14\ Pretendendo-se, assim, a reapreciação do despacho de 19/09/2023 em matéria de direito e a imediata suspensão da execução, pois a decisão do tribunal a quo é ferida de nulidade,

         15\ Com violação expressa do disposto no art. 231/1 a 5 do CPC e do princípio do contraditório plasmado nos artigos 2 e 20/1 da CRP.

       A exequente respondeu o seguinte, em síntese feita pela própria:

         “[…]

      1. No caso concreto, os factos são os seguintes [descreve-os, no essencial, do mesmo modo que o faz a sentença recorrida, com a diferença de que diz que “a 08/03/2022 foi citada a executada, por via postal, para a morada por si indicada, tendo tal carta de citação sido devolvida por ‘não reclamada’” (doc. n.º 2) e “Posteriormente à citação pessoal, a 09/05/2022, a secretaria judicial notificou a executada, nos termos e para os efeitos, designadamente, do artigo 235/5 do CPC (doc. n.º 4).”]
      2. No presente recurso, a executada sustenta que não tomou devido conhecimento dos termos do processo por, na sua óptica, a citação dever ser considerada nula, nos termos previstos nos artigos 191/1 e 195/1 do CPC, por não ter sido enviada pela secretaria a carta a que se refere os n.ºs 4 e 5 do artigo 231.º do CPC.
      3. A acção judicial que está na base da presente discussão corresponde a um processo executivo, e não declarativo, sendo as funções da Secretaria, designadamente em matéria de citações e notificações, desempenhadas pelo AE, que cumpriu com o preceito legal.
      4. O AE citou a executada, primeiro por via postal (carta registada com aviso de recepção remetida para a morada indicada pela própria executada), e frustrada tal citação (carta devolvida por “não reclamada”), efectuou-a pessoalmente, tendo a executada recusado receber e assinar a respectiva nota de citação,
      5. O AE informou a citanda que a nota de citação e documentos que a acompanham ficariam à sua disposição na Secretaria Judicial.
      6. Posteriormente, a Secretaria Judicial notificou a executada, no dia 09/05/2022, novamente, para a morada por si indicada (doc. n.º 4).
      7. Assim, foram cumpridas todas as formalidades, tanto pelo AE, como pela Secretaria Judicial, destinadas a dar conhecimento à executada do processo que contra si corre.
      8. Em todo o caso, ainda que se admitisse, por mera hipótese, que tenha havido nulidade da citação, a mesma encontra-se sanada, nos termos dos artigos 189 e 198/2 do CPC, com a intervenção da executada em vários momentos do processo, sem ter arguido logo tal omissão: no momento em que consultou o processo, no momento em que procedeu à junção de procuração forense e, por último, com a apresentação dos embargos.
      9. Dúvidas não restam que a executada recebeu e tomou conhecimento da acção que contra si estaria a ser intentada,
      10. Aliás, como afirma nas suas alegações, a mandatária consultou o processo de execução “porque a executada a contactou”, o que ilustra bem como a executada tinha conhecimento do processo.
      11. Deve considerar-se intempestiva a arguição de nulidade de citação, por ter ocorrido quase nove meses depois do conhecimento do processo, e após consulta dos autos por Advogada,
      12. A executada não tinha de ter integral conhecimento do processo para poder apresentar os embargos, já que os principais elementos constantes do mesmo foram-lhe, de facto, transmitidos com a citação realizada,
      13. E ainda que se entendesse que não deveria a nulidade estar sanada, sempre se dirá que, nos termos do artigo 191/4 do CPC, “[a] arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado”, o que não ocorreu, tendo a executada apresentado os seus embargos à execução, que foram liminarmente admitidos, tendo tido oportunidade de aí expor os seus motivos para se opor à execução, como quis, e, aliás, como fez.
      14. Não poderá a citação considerar-se nula, pois que, de facto, a executada teve conhecimento do acto, e, resulta dos factos enunciados que o alegado insucesso da citação apenas ocorreu por factos a esta imputáveis.”

              Apreciação:

              O facto de a executada dizer que é falso que se tenha recusado a assinar a certidão da petição, em 04/05/2022, é irrelevante por inconsequente:

              (i) não só o problema que tinha levantado nos embargos era o da nulidade da citação por falta de observância de formalidades, enquanto que se houvesse falsidade na certidão, referindo uma recusa inexistente, o problema seria de falta de citação (art. 188/1a do CPC): se ela não se recusou a assinar e se, apesar disso, a citação não está assinada e consta que se recusou, é falso todo o acto e por isso inexistente como tal; aliás, a executada, no recurso, sugere que o AE nem sequer se deslocou à sua residência, ao contrário do que ele diz,

              como, (ii), apesar de a certidão da citação se tratar de um documento autêntico, a executada não arguiu, nos termos devidos, a falsidade da certidão nos embargos de executado onde deduziu a nulidade da citação, como teria de fazer: “a força probatória plena dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade” (artigos 372/1 e 347 do CC), ou seja, mediante a arguição e a prova de falsidade (Lebre de Freitas, A acção declarativa, 5.ª edição, Gestlegal, 2023, pág. 278), isto é, alegando factos e arrolando prova deles com o incidente (de falsidade do acto de citação, como o teria de fazer: artigos 451, 446 e 449, todos do CPC).

              [a natureza autêntica de tal acto decorre do art. 363/2 do CPC: como resulta do confronto entre os n.ºs 3, 4 e 7 do art. 231 do CPC, a certidão assinada pelo AE atesta o facto, tendo o AE autoridade para tal, dada por aquelas normas – Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 1.º, 4.ª edição, Almedina, 2012, pág. 465; no mesmo sentido, por exemplo, Lebre de Freitas, A acção declarativa, citada, pág. 276 e nota 11, dá como exemplo de actos, referidos como praticados pela autoridade ou oficial público (ou outra pessoa provida de fé pública) documentador, provados por documento autêntico, a deslocação do agente de execução a certa morada para citar o réu] (no mesmo sentido, apenas por exemplo, veja-se o ac. do TRP de 04/05/2022, proc. 4366/20.8T8PRT-A.P1, e os elementos referenciados por este)]

              Em suma: não se alegam factos, nem se arrola prova, que permitam a prova a falsidade da certidão da citação; pelo que esta se presume feita nos termos que constam da certidão.

              Isto quer dizer que a executada está citada desde 04/05/2022, nos termos da certidão da citação.

              E é este o pano de fundo das questões levantadas pela executada e não aquele que ela pretende, que seria o da falsidade do acto da citação.

                                                                 *

              De qualquer modo, o que a executada fez foi arguir a nulidade da citação, nos termos do art. 191/1 do CPC, por preterição de formalidades prescritas na lei.

              A executada pretende que a carta registada prevista no art. 231/5 do CPC só pode ser enviada pela secretaria, isto é, que o AE não se pode substituir à secretaria (quando arguiu a nulidade, invocou nesse sentido, o acórdão do TRE referido acima). O despacho recorrido, pelo contrário, entendeu que o AE se substituiu à secretaria. A exequente ora vai no mesmo sentido, ora entende, mal, que foi a secretaria que enviou a carta do art. 231/5 do CPC.

              O ac. do TRE invocado pela executada diz respeito a uma acção especial (declarativa), não a uma acção executiva. Por outro lado, no caso daquele acórdão não se verificou o envio da carta pelo AE, pelo que não se discutiu se o envio da carta pelo AE substitui ou torna desnecessário o envio da carta pela secretaria. Nas execuções, lembra a exequente, é o AE que procede à citação. Neste sentido, dispõe o art. 719/1 do CPC: Cabe ao agente de execução efectuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos. E, para o efeito, o art. 726/8 do CPC lembra: Quando deva ter lugar a citação do executado, a secretaria remete ao agente de execução, por via electrónica, o requerimento executivo e os documentos que o acompanhem, notificando aquele de que deve proceder à citação.

              Assim sendo, a carta do art. 231/5 do CPC foi bem enviada pelo AE e não pela secretaria; e a executada tomou conhecimento dela, pelo que não tem razões para se queixar.

                                                                 *

              Outra das formalidades que não teriam sido observadas, segundo a executada, era o facto de fazer constar, na carta prevista no art. 231/5 do CPC, a indicação do prazo para pagar ou deduzir oposição, o que teria de ter sido feito por força dos artigos 231/2 e 227/2 do CPC.

              O que o art. 231/5 do CPC dispõe é que que seja enviada carta registada com a indicação de que o duplicado da petição, no caso, do requerimento executivo, se encontra à disposição do citado na secretaria. Sem mais. O que se compreende, já que a citação já foi feita – no caso, pessoalmente, pelo AE, a 04/05/2022 – e a carta do art. 231/5 do CPC é uma formalidade mais, mas posterior à citação e não é sequer a contar desta carta que se conta o prazo, mas sim da citação pessoal, pelo que, a indicação individualizada de um prazo poderia induzir em erro a executada sobre o prazo para a defesa.

                                                                 *

              As outras razões da executada, sobre a matéria, são considerações dependentes da procedência das razões anteriores e não procedem sem a procedência delas (por exemplo: só teria sentido estar a discutir a violação do princípio do contraditório, se a executada não tivesse sido citada e se, como ela pretende, a carta do art. 231/5 do CPC tivesse que a informar do prazo para a defesa), pelo que ficam prejudicadas.

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              Assim, a arguição da nulidade é improcedente, o que justifica a improcedência do recurso.

              À cautela, diga-se, entretanto, que, o despacho recorrido e a exequente não têm razão em invocar a sanação da nulidade da citação – se ela se verificasse, o que não é o caso -, contando para o efeito com a actuação da advogada que é a actual mandatária da executada. É que, essa actuação, que é valorada pelo despacho recorrido e pela exequente, foi uma actuação de uma advogada, não de uma mandatária da executada. O contrato de mandato foi constituído só muito mais tarde. Nesta parte, pois, a executada teria razão.

              Por fim, se se tivesse constatado a falta de observância de formalidades prescritas pela lei, de qualquer modo não haveria lugar à declaração de nulidade, porque a executada, aquando da arguição da nulidade não invocou o requisito do prejuízo, nem os factos que pudessem conduzir à verificação do preenchimento desse requisito. Requisito exigido pelo art. 191/4 do CPC: A arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado. E o facto de, no corpo das alegações do recurso, a executada já referir esses factos, não supriria a falta de alegação dos mesmos no momento próprio, da arguição da nulidade. Nesta parte, pois, a exequente teria razão.

*

              Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.

              Custas, na vertente de custas de parte, pela executada.

              Lisboa, 07/03/2024

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto