Processo  do Juízo Central Cível de Lisboa

 

              Sumário:

              I – A dúvida sobre o impacto temporal que teve o comportamento do dono da obra no atraso verificado na realização da empreitada, corre por conta do empreiteiro, por ser ele que tem o ónus de ilidir a presunção da sua culpa nesse atraso (art. 799/1 do CC).

              II – A falta de elementos necessários para a liquidação da cláusula penal moratória com função compulsória (“multas”) implica que o tribunal condene no que vier a ser liquidado (art. 609/2 do CPC).

              III – Manchas num material encomendado que não se alegue não ter essas manchas, nem se alegue que elas reduzem o valor da obra, não podem ser consideradas defeitos relevantes.

              IV – De uma cláusula contratual que se limita a dizer que o empreiteiro se obriga a reparar qualquer defeito ou imperfeição nos trabalhos objecto do contrato, sem acrescentar que tal responsabilidade é independente de culpa, não é possível, sem mais, concluir que se convencionou uma responsabilidade objectiva.

              V – Quando o defeito tem origem no projecto fornecido pelo dono da obra, “a responsabilidade do empreiteiro só se deverá considerar excluída quando o erro de concepção não for detectável por um profissional de competência suficiente (o bom profissional) na realização daquele tipo de obras” o que não é o caso dos autos em que a ré informou o autor da inadequação do método de execução da impermeabilização da piscina, projectado pela equipa utilizada pelo autor e depois executou o novo método de impermeabilização apresentado pelo arq / fiscal da obra e aprovado pelo autor, método que a ré estava obrigada a cumprir e cuja execução era acompanhada / fiscalizada semanalmente pelo autor e fiscal.

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

 

              L intentou contra P-SA (daqui para a frente ré) e B-SA uma acção declarativa com processo comum, pedindo que o tribunal condene a ré:

   (A) a pagar ao autor 50.904,93€, a título de penalidades contratuais pelo atraso na execução da obra;

          (B) a pagar ao autor 18.779,93€, relativa a indemnização por defeitos da obra; ou, em alternativa, a pagar ao autor 1.835,64€, relativa a encargos assumidos pelo autor com a rectificação e finalização de trabalhos e a realizar os seguintes trabalhos: a) acabamento das paredes com enchimento das tijes; b) afagamento em todos os pisos, por forma a garantir um acabamento global uniforme; c) remoção das tubagens colocadas e substituição pelas tubagens previstas no projecto, incluindo todos os trabalhos acessórios e remates necessários; d) substituição total da calha no tecto do piso 1; e) substituição das calhas e afinação das portas de correr no piso 2; f) reparação das portas dos pisos 1 e 2; g) correcção da saída dos tubos de ventilação na cobertura;

     (C) a efectuar a remoção total dos revestimentos e acabamentos da piscina, executando-os novamente, de forma a eliminar as infiltrações de água para as restantes áreas do imóvel; ou, em alternativa, a pagar ao autor 18.798,37€;

         (D) a pagar ao autor 31.200€ relativa a indemnização por lucros cessantes, dada a impossibilidade de este usufruir do imóvel, nomeadamente através do seu arrendamento;

         (E) a pagar ao autor 5.732,42€, relativa a trabalhos que o autor se viu obrigado a adjudicar à T-Lda, em resultado do incumprimento e do atraso por banda da ré; e

         E condene a B-SA a indemnizar o autor, solidariamente com a ré, pelo montante de 25.452,47€.

              O autor alegou para tal, em síntese, que: celebrou com a ré um contrato de empreitada pelo qual adjudicou a esta a empreitada de construção de um edifício; por culpa da ré, sucederam-se atrasos na execução dos trabalhos, facto que deu origem à aplicação de penalidades contratuais;  a ré rescindiu o contrato de empreitada com fundamento na falta de pagamento de uma factura; o autor invocou a compensação do crédito relativo às penalidades com eventuais créditos da ré; o autor notificou a ré de diversos defeitos da obra, conferindo prazo para a sua reparação e interpelou-a para proceder à entrega de todas as licenças e de todos os elementos e documentos relativos à obra, incluindo o livro de obra; ambas as partes acordaram que o autor pagaria o montante reclamado pela ré e que a ré finalizaria alguns dos trabalhos, não facturaria outros trabalhos a mais e entregaria determinada documentação; assim, o autor pagou a quantia e a ré efectuou os trabalhos, mas não entregou os documentos; na presente data, encontram-se por corrigir diversos defeitos; em resultado do atraso na execução da obra, o autor deixou de poder usufruir do imóvel; nos termos do contrato de empreitada, a ré constituiu garantia bancária do bom cumprimento das suas obrigações a favor do autor, pelo que a 2.ª ré se constituiu fiadora e principal pagadora, de forma solidária com a ré.

              A ré impugnou a matéria de facto alegada pelo autor, dizendo, ainda, em síntese, que: o tardio começo da obra não foi da sua responsabilidade, mas sim da demora na obtenção da licença de ocupação da via pública e dos diversos erros e omissões que constavam do projecto, que obrigaram a uma alteração do projecto e a novas decisões do dono da obra; o atraso e a falta de conclusão da obra não se devem a motivos imputáveis à ré; recusou-se a regressar à obra enquanto não fossem pagas as facturas em dívida; tinha fundamentos para rescindir unilateralmente o contrato; inexistem motivos para proceder ao accionamento da garantia bancária; conclui pela improcedência da acção e, em consequência, pela sua absolvição, requerendo a condenação do autor como litigante de má-fé, em multa e em indemnização.

              A B-SA aceitou que emitiu a garantia bancária referida na petição inicial, dizendo que se trata de mera fiança bancária; impugna a restante matéria de facto alegada pelo autor e refere, em síntese, que a ordenadora da garantia sempre afirmou que era uma situação de cumprimento defeituoso do contrato de empreitada e não perante um incumprimento definitivo do mesmo, pelo que perante tal informação sentiu-se legitimada a não cumprir com o contrato de garantia/fiança prestada a favor do autor; conclui assim que aguardará o desfecho da presente acção, e cumprirá com o que nela vier a ser determinado no que toca ao destino da garantia bancária, sendo que imputará à sua co-ré todas as despesas em que venha a incorrer, conforme contratualmente estipulado, incluindo as custas de parte, reservando-se, no entanto, o direito a honrar as ditas garantias caso a tanto venha a ser compelida e que a sua responsabilidade está limitada ao valor constante da garantia bancária validamente emitida a favor do autor.

              (este relatório utilizou, quase na íntegra, o relatório da sentença recorrida)

              Depois de realizada a audiência final, foi proferida sentença julgando a acção improcedente e em consequência absolvendo as rés dos pedidos formulados pelo autor.  Improcedente o pedido de condenação do autor como litigante de má-fé.

              O autor recorre desta sentença impugnando parte da decisão da matéria de facto e a decisão dos pedidos A, B (apenas na parte relativa ao chão) e C, que segundo ele deviam ter sido procedentes (o que implica também a condenação da B-SA).

              A ré contra-alegou no sentido da improcedência do recurso e levantando a questão prévia da falta de cumprimento dos ónus decorrentes do art. 639/2 e 640/1-b-c do CPC.

              A B-SA não contra-alegou.

                                                                 *

              Questões a decidir: a prévia levantada pela ré e as decorrentes do recurso do autor: se a matéria de facto deve ser alterada e se os pedidos A, B (parte) e C deviam ter sido julgados procedentes (com consequências para a B-SA). Embora o autor diga que é mais amplo o objecto do seu recurso, a verdade é que, como se verá, as conclusões e o próprio corpo das alegações, não ultrapassam a pretensão de alteração da decisão daqueles pedidos, não havendo nenhuma conclusão que tenha a ver com os outros. Daí que sejam apenas aquelas as questões a decidir (art. 635/2-4 do CPC).

                                                                 *

              Questão prévia – dos ónus dos artigos 639 e 640 do CPC:

              Ao contrário do pressuposto pela ré, as normas jurídicas não são os artigos legais que as contém. Ora, ver-se-á abaixo que são claras as normas jurídicas invocadas pelo autor no seu recurso como sendo aquelas que deviam ter sido aplicadas e o sentido com que as que foram aplicadas deviam ter sido interpretadas e aplicadas, pelo que não se verifica a violação do disposto no art. 639/2 do CPC. Por outro, ver-se-á também que foram concretamente indicados os concretos pontos de facto que o autor considera incorrectamente julgados e as concretas razões jurídicas e os meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, pelo que também  não se verifica a violação do disposto no art. 640/1 do CPC.

                                                                 *

              Os factos provados que interessam à decisão daquelas questões são os seguintes [este TRL aditou os factos 70 a 79 na sequência da decisão sobre a impugnação do autor; e pôs os factos, na medida do possível, por ordem cronológica, embora mantendo a numeração, de modo a ser perceptível a alteração e a manter as referências utilizadas na impugnação; e transcreveu, na parte que ainda importa para a solução das questões a resolver, alguns dos documentos dados por reproduzidos, expressa ou implicitamente]:

         1\ O autor e a ré celebraram, em 01/08/2016, um contrato de empreitada pelo qual o autor adjudicou à ré a empreitada de construção de um edifício de habitação unifamiliar em Lisboa, que se rege pelas suas Condições Particulares e Condições Gerais, que se encontra a fls. 24 a 31 vs. dos autos e que se dá aqui por integralmente reproduzido.

             Condições particulares:

             Cláusula 2.ª – Prazo e multas

1. Os trabalhos objecto deste Contrato terão início em 08/08/2016 e fim a 15/04/2017 (240 dias), conforme Plano de Trabalhos que se anexa ao presente Contrato e dele faz parte integrante. devidamente rubricado pelas partes.

2. A Empreitada será concluída em três fases.

a) A 1ª fase terá início a 08/08/2016 e será concluída nos termos do Anexo V a 31/10/2016;

             No final desta fase vão estar executados os seguintes trabalhos:

             – Movimento de terras:

             – Contenção do betão projectado:

             – Fundações

b) A 2.ª fase terá início a 01/11/2016 e será concluída nos termos do Anexo V a 15/02/2017.

             No final desta fase vão estar executados os seguintes trabalhos:

             – Impermeabilizações, isolamentos e coberturas:

             – Revestimento de tectos;

             – Estrutura de betão armado;

             – Pavimento térreo;

             – Cantarias.

c) A 3.ª fase terá início a 16/02/2017 e será entregue concluída nos termos do Anexo V a 15/04/2017.

3. O EMPREITEIRO é responsável pelo cumprimento do planeamento da sua actividade, nos termos do Anexo 1 (Plano de Trabalhos).

4. No caso de incumprimento por parte do EMPREITEIRO de cada um dos prazos estipulados para a conclusão das fases I, II, III, ser-lhe-á aplicada uma multa de acordo com a seguinte fórmula.

a) 1‰ (um por mil) do Preço Contratual, relativo a cada uma das fases a que se refere o incumprimento, por cada dia de atraso, no primeiro período correspondente a um décimo do referido prazo;

b) Em cada período subsequente de igual duração a multa sofrerá um aumento de 0,5‰ (zero virgula cinco por mil) até atingir o máximo de 5‰ (cinco por mil) sem, contudo na sua globalidade poder vir a exceder 20% (vinte por cento) do valor do Preço Contratual.

5. O DONO DE OBRA notifica o EMPREITEIRO, do Auto de Multa, no entanto, se o EMPREITEIRO implementar medidas com vista à recuperação dos atrasos e consequentemente obtiver o efectivo cumprimento dos prazos contratuais previstos, a multa a aplicar no fim da obra com o acerto da conta final será anulada, dado que, o EMPREITEIRO implementou medidas de reforço de meios em obra e inverteu tal cenário de incumprimento. Caso o EMPREITEIRO não implemente medidas com vista à recuperação dos atrasos, será ao longo da execução dos trabalhos notificado através dos Autos de Multa, mas o DONO DE OBRA somente aplica a competente multa no acerto da conta final de obra.

6. Nenhuma das partes poderá ser responsabilizada pelo não cumprimento de prazos directamente decorrentes de eventuais atrasos na obtenção de Licença Camarária.

             3.ª – Preços

1. O presente contrato é celebrado no regime de Série de Preços, entendendo-se por este regime que a remuneração resulta da aplicação dos preços unitários previstos para cada espécie de trabalho às quantidades desses trabalhos efectivamente executados, conforme articulado do Anexo I (Mapa de Quantidades e Lista de Preços Unitários) do presente contrato.

2. O preço aplicado a cada artigo será o correspondente à proposta base ou à proposta alternativa do articulado do Anexo 1 (Mapa de Quantidades e Lista de Preços Unitários).

3. O valor total estimado dos trabalhos objecto da empreitada é de 254.524,66€.

4. O pagamento será realizado por medição dos trabalhos realizados, de acordo com autos de medição mensais elaborados com base no preço unitário acordado e em obediência ao estabelecido nas Condições Gerais e de acordo com os demais anexos.

5. A medição dos trabalhos realizados, bem como a entrega de cada uma das fases I, II, III, será fiscalizada pelo Arquitecto D, com domicílio profissional em X, adiante designado como FISCAL ou por outra entidade que o DONO DE OBRA venha a designar, podendo ainda estar presente o DONO DE OBRA ou um seu representante.

             Cláusula 4.ª – condições de pagamento

1\ O primeiro pagamento, em euros, no montante de 10% do valor global da empreitada, deverá ocorrer no acto da adjudicação da empreitada, ficando desde já salvaguardado que o EMPREITEIRO só iniciará a empreitada após a recepção do montante em causa;

2\ Os restantes pagamentos, em euros, serão efectuados a quinze dias pós a recepção da respectiva factura. O não pagamento conforme supra estipulado confere ao empreiteiro o direito de debitar juros de mora de acordo com a legislação em vigor

3\ Caso o dono de obra se atrase no pagamento por mais de 7  dias o empreiteiro tem direito a suspender os trabalhos mediante aviso prévio e com a consequente suspensão do prazo.

             Cláusula 5.ª – Acompanhamento e Execução da Obra

1. A obra será acompanhada pelo DONO DE OBRA ou pelos seus representantes. e pelo FISCAL.

2.Todas as semanas, terá lugar uma reunião de obra durante a qual serão debatidos os aspectos técnicos, problemáticos inerentes á obra, calendarização e organização geral da obra.

3. O EMPREITEIRO ou representante (s) têm obrigação de assistir a essas sessões, assim como todos os chefes, responsáveis de obra, conforme especialidades presentes na obra (carpinteiro, pintor, ladrilhador, electricista, aplicador de gesso cartonado, preparador, etc.).

4. Dessas reuniões, será redigido uma acta de reunião de obra numerada e datada, com o andamento dos trabalhos (apontamentos dos eventuais atrasos), decisões, aspectos técnicos por resolver (tanto do lado do EMPREITEIRO como do DONO DE OBRA e/ou MEDIADOR), confirmações de materiais (tipo, cores, etc.,) e objectivos para atingir até á reunião seguinte. A acta da reunião será redigida pelo MEDIADOR e enviada por correio electrónico ao EMPREITEIRO no dia seguinte. As diferentes actas de reunião do processo da obra são elementos contratuais. O DONO DE OBRA ou EMPREITEIRO têm 48 horas apôs recepção da acta de reunião, via correio electrónico, para contestar contrariar ou adicionar elementos à acta. Após esse prazo, a acta de reunião é considerada como aceite pelas partes.

5. Em qualquer momento, o MEDIADOR e/ou DONO DE OBRA pode convocar os representantes do EMPREITEIRO para prestarem quaisquer informações ou esclarecimentos que se mostrem necessários. No caso de alguma dúvida, contratempo ou incompatibilidade verificada pelo EMPREITEIRO em obra esta tem de ser comunicada obrigatoriamente ao FISCAL

6. O DONO DE OBRA E o FISCAL vão acompanhar e controlar que o trabalho tenha sido executado segundo os desenhos entregues, os materiais aplicados são os que estavam previamente acordados e que os acabamentos cumprem o grau de satisfação (de acordo com as melhores regras de arte), em caso contrário a equipa de projectistas pode pedir que os trabalhos sejam refeitos dentro do que tinha sido estabelecido previamente.

7. O EMPREITEIRO fornecerá ao MEDIADOR e ao FISCAL designado todas as informações e justificações que considerem necessárias para assegurar o controlo e fiscalização da obra.

             Cláusula 7.ª – Garantia

1\ O prazo de garantia da globalidade dos trabalhos objecto do presente Contrato será de cinco anos a contar da data da respectiva Recepção Provisória, sendo tal garantia extensiva por mais cinco anos relativamente à impermeabilização da cobertura (piscina e zona técnica).

2\ Durante o prazo de garantia dos cinco anos iniciais o EMPREITEIRO obrigar-se a reparar qualquer defeito ou imperfeição nos trabalhos objecto do presente Contrato e a substituir toda e qualquer peça ou equipamento defeituoso devido a má concepção, defeito ou qualidade inadequada de matérias-primas utilizadas, defeito de fabricação ou erro de montagem.

3\ Sem prejuízo do disposto no n.º 1 da presente cláusula, o prazo de garantia dos materiais e dos equipamentos a empregar em obra de harmonia com os projectos serão os que forem fixados pelos respectivos fabricantes, obrigando-se o EMPREITEIRO a entregar ao DONO DE OBRA os respectivos documentos de homologação e de garantia, iniciando-se o prazo de garantia após a instalação em obra.

4\ O empreiteiro constituirá garantia bancária irrevogável, autónoma e independente, à primeira interpelação, pelo montante correspondente a 10% do valor total estimado dos trabalhos, conforme Anexo VII ao presente contrato, sem o que o Dono de Obra poderá reter o montante proporcional correspondente em cada termo de pagamento.

5\ Previamente ao accionamento da garantia, o dono de obra obriga-se a: a. interpelar o empreiteiro da existência de defeitos na obra, no prazo legalmente fixado para o efeito; b. o empreiteiro tem o prazo de 15 dias para identificar as patologias e informar o dono de obra se aceita a denúncia dos defeitos que lhe foi apresentada e, nesse caso, apresentar uma solução; c. o prazo para execução das reparações a que haja lugar é de 30 dias após comunicação que lhe seja dirigida pelo dono de obra; d. se as anomalias recaírem sobre equipamentos que exijam um prazo de execução mais dilatado, o prazo para execução dos trabalhos de reparação serão acordados entre as partes, na ausência de acordo esse prazo não ultrapassará os 60 dias.

[…]

             Condições gerais

            9. Multas

a) Se o EMPREITEIRO não iniciar ou não concluir os trabalhos no prazo acordado, ser-lhe-á aplicada, até ao fim dos trabalhos ou até à resolução do Contrato, o regime de multas contratuais diário pelo atraso na prestação de acordo com o previsto nas Condições Particulares.

b) O montante das multas será deduzido pelo DONO DE OBRA nos pagamentos a efectuar ao EMPREITEIRO e/ou por accionamento da garantia bancária por este prestada.

            10. Execução Defeituosa

1. No caso de execução defeituosa dos trabalhos, o DONO DE OBRA obriga-se a notificar, por escrito, o EMPREITEIRO para efectuar as devidas reparações e caso o EMPREITEIRO não proceda á reparação dos defeitos dentro do prazo de 15 dias que lhe seja fixado pelo DONO DE OBRA, poderá o DONO DE OBRA reparar ou mandar reparar por terceiros os defeitos detectados e deduzir o valor correspondente às reparações nos pagamentos a efectuar ao EMPREITEIRO ou, na falta ou insuficiência destes, recorrer ás quantias retidas ou ao accionamento da(s) garantia(s) bancária(s) prestada(s).

[não tem nº 2]

      1. Relações dono da obra/empreiteiro

1 – Todos os assuntos emergentes do presente contrato só poderão ser considerados quando tratados por escrito pelas partes contratantes.

[…]

      1. Rescisão

[…]

10 – O empreiteiro terá o direito de rescindir o presente contrato, sem qualquer aviso prévio, caso o dono de obra se atrase nos pagamentos até 30 dias.

[…]

      1. Omissões

Nos casos omissos aplicar-se-ão as disposições do Código Civil e demais legislação vigente sobre a matéria, nomeadamente as regras exaradas no Capítulo XII do Título II do Código Civil (artigos 1207° a 1230°, ambos inclusive).

             (visto que o contrato foi dado por reproduzido, este acórdão transcreveu as cláusulas contratuais invocadas pela sentença recorrida ou pelas partes ou que tinham interesse nas soluções das questões a resolver e tinham sido implicitamente referidas)

         2\ Os trabalhos tinham um prazo previsto de 240 dias, com início em 08/08/2016 e termo em 15/04/2017.

         3\ A obra teve início em 21/11/2016.

         4\ A obra, em Setembro de 2018, estava por terminar.

         5\ Por carta de 21/08/2017, o mandatário do autor remeteu carta ao mandatário da ré relativa à aplicação de penalidades contratuais, no montante de 27.997,70€, informando ainda que se encontrava disponível para proceder à revisão dos montantes das multas aplicadas caso se obtivesse acordo relevante entre as partes, nomeadamente no que se refere aos preços a aplicar sobre trabalhos resultantes de imprevistos da empreitada [este TRL transcreve, do doc.2, que é a carta referida, não impugnada, a parte da carta referente às penalidades, para se saber o que é que o autor dizia sobre a questão:

             “[…] Nos termos do contrato celebrado entre as partes, nomeadamente, do disposto na sua cláusula 2.ª das condições particulares e no parágrafo 9 das condições gerais, o m/constituinte comunica que aplica à as seguintes penalidades:

             1.ª FASE

             Os trabalhos correspondentes à fase decorreram entre os dias 21/11/2016 e 13/03/2017, num total de 112 dias, contra os 84 dias previstos contratualmente. Deste atraso, o autor aceita perdoar o correspondente ao período de 25 dias. Nestes termos o autor decide aplicar a correspondente multa de 763,56 € (setecentos e sessenta e três cucos e cinquenta e seis cêntimos) pelo atraso de 3 dias na execução dos trabalhos previstos para esta fase.

             2.ª FASE

             Os trabalhos correspondentes à 2.° fase decorrem ainda, tendo-se iniciado no dia 14/03/2017. Tendo esta fase a duração prevista de 106 dias e dado o decurso de 160 dias, o autor decide aplicar a correspondente multa de pelo atraso de 54 dias, correspondente ao montante de 27.234,14€.

             Total de multas aplicadas: 27.997,70€.

             […]”

         6\ Nessa sequência, o autor dirigiu-se ainda à ré, manifestando a disponibilidade para não exigir a esta o pagamento das penalidades caso os trabalhos decorressem sem mais incidentes e se a habitação viesse a ser construída de acordo com o projecto, e sem que a ré invocasse custos suplementares por elementos de construção já previstos nesse projecto.

         7\ A estas comunicações, a ré respondeu, através do seu mandatário, por carta datada de 31/08/2017, solicitando clarificação das comunicações por parte do autor.

         8\ Carta que teve sequência na mensagem de correio electrónico, remetida pelo autor à ré, datada de 22/09/2017, pela qual este esclarece que reitera a aplicação das penalidades e que pondera revogar a aplicação das mesmas caso os trabalhos decorressem de futuro sem incidentes e sem trabalhos a mais com custos excessivos.

         9\ Comunicação esta que foi também reiterada por carta remetida pelo mandatário do autor ao mandatário da ré, datada de 26/09/2017.          

         10\ O autor remeteu à ré, através dos respectivos mandatários, carta datada de 23/11/2017, pela qual chama a atenção do facto de se reunirem condições para aplicação do montante máximo das penalidades previstas, de 50.904,93€ e propondo, no entanto, a revogação das penalidades anteriormente aplicadas caso a obra viesse a ser concluída em 31/01/2018 e uma penalidade de 6.000€, a partir daquela data de 31/01/2018, a calcular proporcionalmente para períodos inferiores a um mês, caso a obra fosse concluída até ao fim do mês de Março de 2018.

         11\ Concluindo essa comunicação, declarando que, caso esta proposta não fosse aceite, se manteria a anteriormente comunicada aplicação das penalidades, sendo, subsequentemente, aplicadas as restantes penalidades contratualmente admissíveis.

         12\ Proposta esta que não foi aceite pela ré.

         13\ A ré veio, por carta datada de 24/09/2018, “rescindir o contrato de empreitada”, com fundamento na falta de pagamento da factura n.º 581, emitida pela ré, alegando terem decorrido mais de 30 dias sobre a sua data de vencimento.

         14 \ Em 27/09/2018, o autor comunicou à ré a aplicação de penalidades no montante de 50.904,93€, bem como a compensação deste crédito com eventuais créditos da ré sobre o autor [este TRL transcreve, do doc.10, que é a comunicação referida, não impugnada, a parte referente às penalidades, para se saber o que é que o autor dizia sobre a questão:

             […]

             2.ª FASE

             Os trabalhos correspondentes à 2.ª fase decorreram entre os dias 14/03/2017 e 15/02/2018, num total de 232 dias, contra os 106 previstos contratualmente. Nestes termos, o autor decide aplicar a correspondente multa de 244.852,72€, pelo atraso de 232 dias na execução dos trabalhos previstos para esta fase, nos termos da cláusula 2.ª/2-b das condições particulares.

             3ª FASE

             Os trabalhos correspondentes à 3.ª fase decorreram entre os dias 16/02/2018, encontrando-se ainda por concluir, pelo que ultrapassam, na presente data o prazo contratual de 58 dias, em 165 dias.

             Nestes termos, o autor decide aplicar a correspondente multa de 159.586,96€, pelo atraso de 165 dias na execução dos trabalhos previstos para esta fase, nos termos da cláusula 2.ª/2-c das condições particulares do mencionado contrato.

             O montante total das multas presentemente aplicadas é de 405.203,26€.

             Em face do disposto na cláusula 2.ª/4-b do contrato de empreitada, sendo o limite máximo de multas aplicáveis correspondente a 20% do preço contratual, de 254.524,66€, considera-se o montante dessas multas reduzido, por força dessa disposição, a 50.904,93€.

             O autor comunica que, nos termos do parágrafo 9/-b das condições gerais do contrato de empreitada, deduz e compensa o montante das multas aplicadas aos pagamentos que sejam eventualmente devidos ao empreiteiro, sem prejuízo das facturas que não foram, justificadamente, aceites pelo autor”

             […]”

         15\ Pela mesma carta, o autor notificou a ré de diversos defeitos da obra, conferindo-lhe um prazo de 30 dias para a sua reparação.

         16\ Defeitos descritos nessa carta como:

A) Acabamento das paredes com enchimento das tijes;

B) Acabamento do chão do 1.º piso, de acordo com as amostras aprovadas;

C) Colocação das prateleiras de mármore nos quartos;

D) Substituição do balcão da cozinha;

E) Substituição dos tubos de aço inox por outros de dimensões correspondentes às do projecto;

F) Correcção dos negativos na laje, no tecto do piso 1, para encaixe das calhas das cortinas;

G) Afinação das portas de correr no piso 2;

H) Correcção da falta de estanquidade nas portas dos pisos 1 e 2;

I) Reparação do motor de abertura do alçapão de acesso ao terraço;

J) Protecção dos sistemas da área técnica da piscina;

K) Correcção do isolamento da cobertura, de acordo com o projecto;

L) Correcção da saída dos tubos de ventilação na cobertura;

M) Remate da ligação da abertura da chaminé com a parede;

N) Reparação da fuga de água verificada na piscina;

O) Acabamento das instalações de abastecimento de água, gás e electricidade;

P) Obtenção e entrega das licenças de utilização, exploração e outras que possam ser exigidas por lei;

Q) Entrega de todos os documentos e elementos relativos à obra, incluindo o livro de obra.

        17\ E interpelou a ré para proceder à entrega de todas as licenças e de todos os elementos e documentos relativos à obra, incluindo o livro de obra.

         18\ Subsequentemente, o autor comunicou à ré, por carta datada de 08/10/2018, que considerava a rescisão do contrato comunicada por aquela destituída de fundamento e, por conseguinte, inválida, por o auto de medição que serviu de base à factura não ter sido objecto de aprovação, expressa ou tácita, pelo autor.

         19\ A ré respondeu por carta datada de 10/10/2018, cuja cópia se encontra aos autos a fls. 49 a 51 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido [disse, designadamente – transcrição feita por este TRL:

             […] 2. Acabamento do chão do 1.º piso, de acordo com as amostras aprovadas: O trabalho que se encontra realizado no chão do 1.° piso equivale às amostras apresentadas, designadamente no que diz respeito à amostra de polimento. […] 14. Reparação da fuga de água verificada na piscina: Remetemos nota técnica com parecer que permite identificar o problema de projecto, tendo apresentado uma solução para o mesmo. A fiscalização, até ao momento, nada disse.”]

         20\ Subsequentemente e em paralelo com contactos efectuados entre representantes das partes, o autor propôs à ré pagar o montante reclamado pela ré, correspondente às facturas destas com os n.ºs 581, 605 e 625, emitidas, respectivamente, em 11/08/2018, 05/09/2018 e 03/10/2018, nos montantes de 7.013,58€, 2.495,23€ e 3.844,98€, mediante a garantia de que:

a) A ré finalizaria alguns dos trabalhos por terminar, concretamente e entre outras pequenas tarefas, a afinação do alçapão da piscina e a substituição de uma válvula no recuperador de calor.

b) não seriam facturados ao autor outros trabalhos a mais;

c) efectuado o pagamento em apreço, a ré entregaria ao autor os seguintes documentos subscritos por esta:

             – Livro de obra preenchido com toda a factualidade relativa à mesma, referente a todo o período em que a ré assumiu a execução dos trabalhos, e devidamente assinado;

             – Termo de responsabilidade pela execução da obra;

             – Ficha de elementos estatísticos;

             – Telas finais;

             – Ficha n.º 2 do Regulamento de Desempenho Energético;

             – Ficha técnica de habitação subscrita pelo empreiteiro;

         21\ Propôs ainda o autor que o montante em dívida fosse depositado à ordem dos mandatários do autor e da ré, os quais teriam instruções para o entregar à ré depois de concluídos os trabalhos e entregues os documentos mencionados.

         22\ Em 20/02/2019, o autor pagou à ré o montante acordado de 13.353,59€.

         23\ E a ré efectuou os trabalhos com que se havia comprometido.

                                               *

         24\ Quanto ao acabamento das paredes com enchimento das tijes, encontra-se previsto no projecto a execução das paredes em betão armado à vista, sendo que o sistema para o concretizar não se encontrava detalhadamente descrito no contrato e na fase da obra, foi a ré a definir o sistema que considerou ser o mais adequado.

         25\ Desde o início do processo, foi transmitido pela equipa de projecto que as tijes deveriam cumprir uma métrica, a qual foi alvo de diversos ajuste e discussões ao longo do processo e conjuntamente com esta métrica foi informado que a intenção seria que as mesmas fossem tapadas.

         26\ No dia 28/03/2017 foi enviado à ré uma foto de acabamento pretendida pela equipa de projecto.

         60\ Inexistindo instruções acerca do modo de execução das paredes em betão armado à vista, a ré solicitou ao autor esclarecimentos no dia 29/08/2016.

         61\ Aquando da conclusão do trabalho, o autor entendeu que fosse de proceder ao tapamento de todos aqueles buracos, pelo que solicitou amostra, as quais foram apresentadas.

         62\ A acompanhar a amostra foi remetido preço.

         63\ O autor não aceitou a amostra, como também não aceitou o preço e não solicitou mais alterações.

         27\ Em algumas zonas, verifica-se que a tampa de plástico não foi retirada.

         64\ As tampas plásticas à vista são facilmente removidas, sem necessidade de qualquer instrumento.

                                               *

         28\ Relativamente ao acabamento do chão do 1.º piso, o projecto contratual previa a execução de lajes em betão à vista assim como a execução de polimento das lajes de betão à cor natural até 2mm de espessura, permitindo ver os inertes naturais, incluindo posterior selagem, remates e todos os trabalhos e materiais necessários a um perfeito acabamento.

         72\ Existem várias manchas no pavimento dos pisos principalmente no piso 0 e piso 2.

         29\ O autor aceitou que não seria possível garantir a homogeneidade completa em todo o pavimento, assumindo alguma disparidade estética no acabamento do pavimento.

                                               *

         30\ Um colaborador da ré, ao instalar uma conduta de ventilação, utilizou o tampo da bancada da cozinha como meio de elevação para realizar o trabalho, originando a quebra do mesmo.

                                               *

         31\ Relativamente à substituição dos tubos de aço inox por outros de dimensões correspondentes às do projecto, encontrava-se previsto no mapa de trabalhos e quantidades de contrato de fornecimento e montagem de tubagens em aço inox para envolver as cablagens das instalações eléctricas, de acordo com os pormenores-tipo definidos no projecto de execução de instalações eléctricas.

         32\ No decurso da obra, a ré informou que não iria conseguir cumprir com o diâmetro das tubagens previstas em projecto, DN25, uma vez que a quantidade/diâmetro dos cabos a passar nestas tubagens não o permitiria.

         33\ As calhas para os cortinados não se encontravam inicialmente previstas no projecto de contrato, pelo que esta alteração foi alvo de um trabalho a mais no decorrer da empreitada.

         34\ O fornecimento da cortina incumbia ao autor e a execução do negativo durante a betonagem e colocação da calha incumbia à ré.

         35\ Foi dado ordem de se colocar o molde antes da betonagem e a ré avançou com a execução da laje sem ter deixado o molde.

         36\ O autor e a ré aceitaram a execução do rasgo posteriormente.

         37\ A calha não trabalha de forma contínua.

                                               *

         38\ No projecto encontra-se previsto o fornecimento e montagem de portas de correr no piso 01 e no piso 02 e a solução prevista apenas possui calha superior.

         65\ A ré recomendou ao autor um reforço interior nas portas de correr no piso 2 e o autor aceitou, desde que não existissem maiores custos associados.

                                               *

         39\ Relativamente à saída dos tubos de ventilação na cobertura, encontrava-se previsto a execução do murete de 45 cm de altura para as diversas saídas de ventilação onde se encontrava previsto ainda a impermeabilização da courette bem como todos os acabamentos necessários e encontrava-se previsto o fornecimento e colocação de granulado de cortiça no interior da courette.

         40\ Este artigo não foi pago.

         41\ É necessário a execução de uma peça em inox colocada como capacete em toda a área abrangida pela entrada de infra-estruturas na courette, devidamente selada e impermeabilizada.

         66\ A execução de uma peça em inox colocada como capacete em toda a área abrangida pela entrada de infra-estruturas na courette, devidamente selada e impermeabilizada é um trabalho que não estava previsto no projecto.

                                               *

         42\ Relativamente ao Remate da ligação da abertura da chaminé com a parede, encontrava-se previsto o fornecimento e assentamento do recuperador de calor.          

         67\ O remate da ligação da abertura da chaminé com a parede não estava previsto no projecto.

         68\ O autor remeteu o desenho para a peça durante a execução da empreitada.

                                               *

         43\ Relativamente à piscina, encontra-se previsto no projecto de execução de contrato a aplicação de tela asfáltica sobre a laje a executar em betão armado, com uma posterior camada de betão projectado com uma espessura de 7 cm, argamassa de assentamento e o acabamento em azulejo.

         73\ A ré recusou realizar os trabalhos de impermeabilização da piscina, tal como constavam do projecto, não obstante os ter orçamentado.

         46\ O autor solicitou à ré que propusesse uma alternativa ao método de impermeabilização previsto inicialmente, com a condição de que não implicasse um aumento dos respectivos encargos.

         47\ A ré solicitou que fosse o autor a apresentar o novo método de impermeabilização.

         44\ Foi apresentada uma variante pelo autor, que passaria por aplicação de uma impermeabilização através de uma base cimentícia SIKATOP 209 ES armada com fibras de vidro.

         48\ Foi apresentada uma nova solução ao autor e à ré com a ressalva de que esta poderia contrapropor a execução da mesma com recurso a materiais de outros fornecedores.

         49\ O autor aprovou esta alteração ao projecto.

         45\ Tendo sido este o trabalho executado.

         50\ A ré apresentou, para esse efeito, a nota de trabalho adicional n.º 13, no montante de 5.789,44€.

         74\75\ Quanto à impermeabilização da piscina, na reunião de obra de 31/07/2017 foi transmitido pela ré que existiu um erro no valor do orçamento apresentado no trabalho a mais n.º 13 [doc. 19]. A ré informou que o valor em causa andará na ordem dos 650€, valor esse que seria confirmado pela ré até ao final do dia de hoje (31/07/2017). O autor informou que a manterem-se os valores agora transmitidos, este trabalho a mais estará aprovado.

         76\77\ Na reunião de obra de 31/08/2017, quanto à piscina, foi questionada pela ré a possibilidade de utilizar a argamassa SIKACERAM 252 (adequada para piscinas), ao invés da SIKACERAM 235 transmitida anteriormente na solução de impermeabilização proposta pela ARQ / Fiscalização. A S foi de parecer que a argamassa proposta poderá ser utilizada.

         78\ Na reunião de obra de 16/10/2017, consta: 2. Planeamento. 2.39.01. Trabalhos realizados […] – Início impermeabilização piscina. – chegada à obra do friso em mármore branco para a fachada. 2.39.02. Trabalhos em realização: […] – conclusão dos trabalhos impermeabilização da […] piscina […]; 2.39.03. Balizamento […] trabalhos de impermeabilização; em execução na […] piscina. […]

         79\ E a emitir a factura n.º FTMN1V1/321, datada de 23/11/2017, a qual foi paga pelo autor.

         69\ A solução indicada pelas partes para a impermeabilização da piscina não é a indicada.

         70\71\ Existe uma fuga de água da piscina para a estrutura de betão armado, que já se verificava durante o decorrer da obra.

                                               *

         51\ Relativamente ao Acabamento das instalações de abastecimento de água, gás e electricidade, encontrava-se previsto em projecto a execução das diversas infra-estruturas assim como as respectivas ligações/ /contadores no exterior do edifício.

         52\ Após a conclusão das diversas infra-estruturas surgiram em cada uma das infra-estruturas diversos problemas, cuja resolução foi assumida pelo autor.

                                               *

         53\ Nos termos do contrato de empreitada celebrado entre o autor e a ré, a ré constituiu garantia bancária do bom cumprimento das suas obrigações, em benefício do autor, pelo montante correspondente a 10% do valor estimado dos trabalhos, concretamente, de 25.452,47€.

         54\ Através dessa garanta bancária, a B-SA constituiu-se fiadora e principal pagadora, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, de forma solidária com a ré.

         55\ O autor reclamou por escrito o pagamento do mencionado montante.

                                          *

         56\ O começo tardio na obra deveu-se à demora na obtenção da licença de ocupação da via pública (OVP).

         57\ O autor demorava bastante tempo a decidir a opção a adoptar para ultrapassar os problemas.

         58\ O que motivava atrasos na obra.

         59\ Em meados de 2018, durante a vistoria para que se procedesse à entrega da obra, todos os colaboradores da ré foram expulsos da obra pelo autor.

                                                                 *

Da impugnação da decisão da matéria de facto

              Nesta parte o autor diz que:

B) A sentença da primeira instância incorre em erro de julgamento ao dar por não provados os factos sob as alíneas C/n; E; T; U; V; W; X; Y; Z; e AA.

C) Devem, em consequência, ser aditados aos provados os seguintes factos:

70. Assim, na presente data [da PI], dos defeitos invocados pelo autor, encontra-se por corrigir a fuga de água verificada na piscina; [corresponde ao facto não provado C/n – os parenteses são deste TRL]

71. Existe uma passagem de água da piscina para a estrutura de betão armado, que já se verificava durante o decorrer da obra [corresponde ao facto não provado AA]

              Na fundamentação da decisão da matéria de facto da sentença recorrida consta:

         O relatório pericial foca os pontos que foram solicitados pelo tribunal e desse relatório resulta que […]

         […]

         […] quanto à piscina, não há dúvidas que existe passagem,  de água da piscina para a estrutura de betão e refere que de acordo com o fornecido pelas partes para a impermeabilização da piscina não é a indicada – facto provado em 69 e facto não provado em bb.

         Quanto às testemunhas inquiridas, o Tribunal teve em consideração alguns depoimentos em detrimento de outros.

         […]

         A testemunha M, engenheiro da empresa de fiscalização contratada pelo autor, teve um depoimento demasiado semelhante com as testemunhas anteriores, pelo que não teve grande relevo para a apreciação dos factos. […]

         Com o seu depoimento, não se alcança qual foi o problema que originou a passagem de água na piscina, tendo referido até que houve uma troca de azulejo por pedra, tendo a ré apresentado um sobrecusto.

         […]

         A testemunha N teve um depoimento muito mais concreto e explicativo relativamente às testemunhas apresentadas pelo autor, pelo que para o Tribunal o seu depoimento foi muito mais credível. […] Quanto à piscina, tal como a testemunha anterior, referiu que seria com aplicação de azulejos, mas que depois o autor decidiu que fosse revestido a pedra e que tal teria de ser encomendado. […] Relativamente à piscina, a testemunha explicou de forma clara e isenta o problema que surgiu. O seu depoimento demonstra sinceridade, com muita explicação pormenorizada e por isso mereceu toda a credibilidade por parte deste tribunal […]

         […]

         O Tribunal não teve em consideração o depoimento da testemunha T, engenheira civil da empresa S e que elaborou o parecer técnico junto aos autos a fls. 59 e seguintes. […] quanto à piscina refere que a mesma tem de ser refeita, mas desconhece qual o projecto a executar. […]

         […]

         Na fundamentação de direito da sentença, consta o seguinte:

         Quanto à fuga de água verificada na piscina, resultou a seguinte matéria de facto provada: [a sentença transcreve os factos 43 a 50 e 69 e depois continua:] Ora, dessa matéria de facto apurada, não se consegue concluir pela responsabilidade da ré por cumprimento defeituoso / incumprimento, pois a ré executou os trabalhos inicialmente previstos e acordados (bem como a variante apresentada pelo autor). Resulta que o autor aprovou uma alteração ao projecto e que a ré apresentou um valor a pagar. No entanto, a solução não é a indicada. Não existem assim nos autos factos suficientes para se concluir pela responsabilidade da ré quanto à piscina.

              No relatório da verificação não judicial qualificada – não se tratou de uma perícia – consta o seguinte:

         “VIII. Reparação da fuga de água verificada na piscina

         23. Existe passagem de água da piscina para a estrutura de betão armado?

         Resposta: Confirma-se que existe passagem de água da piscina para a estrutura de betão.

       24. Estamos diante um erro de execução ou diante um erro de projecto: qual a causa da passagem de água da piscina para a estrutura de betão armado?

        Resposta: De acordo com os elementos do projecto que foram facultados pelas partes, a causa da passagem de água da piscina para a estrutura de betão armado está relacionada com a deficiente ligação entre a camada impermeabilizante que reveste e impermeabiliza a parede da piscina e a camada de roofmate existente no enchimento do fundo da piscina. Esta ligação não assegura as deformações do roofmate, abrindo e deixando passar a água.

         A solução indicada no pormenor abaixo, de acordo com o fornecido, pelas partes. para a impermeabilização da piscina não é a indicada. [as vírgulas e os pontos são do original; – TRL].

              A fundamentação da pretensão do autor – de dar como provados os factos C/n e AA – é a seguinte:

         O autor alegou na sua PI que, à data da propositura da acção, se verificava uma fuga de água na piscina (cf. PI, artigos 30/N) e 47N).

         A ré, na sua contestação, veio dizer, a este respeito, que 153. Feito o acabamento final, voltaram a encher a piscina com água. 154. Dias depois após tal enchimento, o autor informa a ré da passagem de água. 155. É com tal informação que a ré procede a uma análise mais profunda ao que está instalado e ao que está projectado. 156. Na sequência de tal análise, a ré apercebe-se de um novo erro de projecto: é que a betonilha de protecção das placas térmicas no fundo da piscina encontra-se desligada das paredes da piscina, cf. e-mail datado de 24/08/2018 (doc. 20) e respectiva nota técnica (doc. 21). 157. Como tal, ocorre uma oscilação entre os elementos (paredes e betonilha) o que provoca o rompimento do material em toda a zona periférica da piscina, o que, por sua vez, sucede devido ao aumento do peso no interior da piscina em virtude do seu enchimento. 158. Por esse motivo, não aceita a ré que este defeito seja responsabilidade sua, porquanto resulta de um erro de projecto. 159. Erro de projecto esse que nunca foi devidamente corrigido, porquanto o autor procurou conter custos [alegação esta que a ré não logrou provar – intercala o autor]; 183. Que o autor tenha tido danos, designadamente com a questão da piscina, a ré não contesta.

         Por seu lado, o relatório pericial veio confirmar, em resposta ao quesito 23, “Existe passagem de água da piscina para a estrutura de betão armado?”, que “Confirma-se que existe passagem de água da piscina para a estrutura de betão”;

         Diz ainda a sentença em crise, em sede de fundamentação da matéria de facto, que “Finalmente quanto à piscina, não há dúvidas que existe passagem, de água da piscina para a estrutura de betão e refere que de acordo com o fornecido pelas partes para a impermeabilização da piscina não é a indicada – facto provado em 69 e facto não provado em bb)”;

         Ora, resulta claro que, apesar de contestar a sua responsabilidade por tal defeito, a ré não contesta a existência do defeito que origina a passagem de água da piscina do imóvel para a estrutura de betão; E que confirma que a ocorrência de tal defeito foi suscitada pelo autor dias depois do enchimento da piscina e, portanto, ainda no decurso da obra;

         O relatório pericial expressamente confirma o referido facto;

         E a própria sentença incorre em contradição ao considerar que não existem dúvidas quanto à verificação de tal defeito, o que determina, nos termos do disposto no artigo 615/1-c do CPC, a sua nulidade;

              A ré contrapõe o seguinte:

11. Relativamente a esta questão resulta o seguinte da sentença no que diz respeito à matéria de facto provada: [a ré transcreve os factos 43 a 50 e 69] e depois continua:

12. No que diz respeito à matéria de facto dada como não provada resulta o seguinte [a ré transcreve os factos não provados C/n e AA que são os que o autor quer que se dêem como provados] e depois continua com a transcrição dos seguintes outros dois factos não provados: (bb) A única acção que garante a resolução dos problemas consiste na remoção total dos revestimentos e acabamentos e a sua nova execução. (cc) O custo desta resolução ascende a 15.283,23€, acrescido de IVA, totalizando 18.798,37€.

[…]

16. Como se apreende da sentença do tribunal a quo o que está em causa não é que exista uma fuga de água na piscina, mas sim que tal fuga [em primeiro lugar] consubstancie um defeito e [em segundo lugar] seja um defeito da responsabilidade da ré.

17. É neste concreto ponto que o autor continua a errar no seu entendimento, i. e., insiste que existindo um defeito, tal defeito seja da responsabilidade da ré, quando não o é.

18. Sendo que, acrescente-se, a alteração da matéria de facto propugnada pelo autor – e com a qual não se concorda – também não é apta a conduzir a uma alteração da decisão: o problema não está na existência da fuga, mas sim na irresponsabilidade da ré por aquela fuga.

[…]

20. Motivo pelo qual deve improceder o recurso do autor.

              Apreciação:

              Os artigos da contestação da ré, transcritos pelo autor, consubstanciam uma admissão por acordo, por esta ré (art. 574/2 do CPC), de que existe uma passagem [= fuga] de água da piscina para a estrutura de betão armado. E isto também resulta do relatório da verificação não judicial qualificada. Assim, não existe dúvida da existência daquela fuga de água e que ela não foi eliminada depois de assinalada pelo autor durante o decorrer da obra. E do que é dito na fundamentação da decisão da matéria de facto resulta que as testemunhas invocadas também confirmaram isto. As consequências disto a nível de direito (que é aquilo que é discutido pela ré na contra-alegação) não importam por agora (o que também afasta, por agora, a referência a ‘defeito’). A impugnação procede nessa medida, sendo aditado o seguinte facto: 70-71\ Existe uma fuga de água da piscina para a estrutura de betão armado, que já se verificava durante o decorrer da obra.

                                               *

         72\ O pavimento possui manchas localizadas em diversas zonas, as quais não foram aceites pelo autor [corresponde a parte do facto não provado E].

              A motivação de não dar este facto como provado consta do seguinte:

         Quanto ao chão e o facto alegado de existirem várias manchas, o relatório pericial afirma esse facto, mas explica que essa disparidade está relacionada com a densidade de inertes que estão à vista que varia de piso para piso, concluindo que mesmo que sejam afagadas podem ficar com os inertes mais visíveis, não se conseguindo, neste tipo de acabamento, garantir uma total uniformidade nem uma perfeita semelhança entre pisos. Realça ainda que é impossível conseguir, no caso de betão, um acabamento uniforme nas diferentes camadas (factos não provados em e) e f)).

         […]

         A testemunha P, director de obra e técnico responsável da empreitada […] teve um depoimento isento e objectivo, tendo explicado de forma clara as situações ocorridas, quanto às […], manchas resultantes dos inertes do betão […]

         […]

              No relatório verificação não judicial qualificada,

         Na parte II, acabamento do chão do primeiro piso, responde o seguinte ao quesito 4: Existem várias manchas no pavimento dos pisos principalmente no piso 0 e piso 2. E apresenta 9 fotografias com tais manchas.

         Aquela parte II tem mais 3 quesitos (i) sobre a disparidade geral entre o acabamento da loja do piso 1 relativamente às restantes lajes, (ii) se as lajes carecem de novo afagamento para ganhar uniformidade, (iii) se é possível obter um acabamento uniforme com camadas diferentes de matéria prima, a que o perito vai responder sem constar qualquer outra referência a manchas nessas respostas.

              Quanto a 72 a pretensão do autor tem a seguinte fundamentação:

         Afirma a sentença em crise que “Quanto ao chão e o facto alegado de existirem várias manchas, o relatório pericial afirma esse facto, mas explica que [o autor transcreve o resto das passagens já citadas da sentença recorrida e continua:]

         Ora, a prova produzida, designadamente o relatório pericial, responde a várias questões diferentes:

         Se o pavimento de todos os pisos apresenta manchas em diversas zonas (relatório, II. 4), questão que é respondida dizendo-se que “Existem várias manchas no pavimento dos pisos principalmente no piso 0 e piso 2”;

         Se existe disparidade geral entre o acabamento da laje do piso 1, relativamente às restantes lajes (relatório, II, 5), questão a que o relatório pericial responde, também, afirmativamente;

         Se as lajes carecem de novo afagamento para ganhar uniformidade (relatório, II, 6), a que o relatório pericial responde dizendo que um novo afagamento não deverá garantir uma total uniformidade nem uma perfeita semelhança entre pisos;

         Se é possível obter um acabamento uniforme com camadas diferentes de matéria-prima (relatório, II, 7), a que o relatório responde negativamente.

         Não sendo controversa, a julgar pelo relatório pericial, a existência de manchas, principalmente nos pisos 0 e 2.

              A ré não diz nada quanto a isto (discutindo a questão depois, na parte do Direito).

              Apreciação:

              Baseando-se a sentença no relatório da avaliação já referido e dizendo ele, expressamente, que “Existem várias manchas no pavimento dos pisos principalmente no piso 0 e piso 2”. deve-se dar como provado isto. Quanto ao resto – isto é, que as manchas não tenham sido aceites pelo autor – o relatório, como é natural, nada disse e o autor não invoca outro meio de prova. Assim, procede a pretensão, mas apenas parcialmente: 72\ Existem várias manchas no pavimento dos pisos principalmente no piso 0 e piso 2.

                                                                 *   

      1. A ré recusou realizar os trabalhos de impermeabilização da piscina, tal como constavam do projecto, não obstante os ter aprovado e orçamentado; [corresponde ao facto não provado T].

              Quanto a 73 a pretensão do autor tem a seguinte fundamentação:

         O autor alegou este facto na sua petição inicial (cfr. artigo 93);

         E a ré veio confessar tal facto afirmando que “É verdade que a ré se recusou a realizar os trabalhos de impermeabilização da piscina, tal como constavam do projecto e que os orçamentou” (cfr. artigo 143 da contestação);

         Ora, apesar de a ré vir dizer que não aprovou tais trabalhos (artigo 144 contestação), por não lhe caber fazê-lo, deve entender-se que, tendo-se a ré vinculado pelo contrato de empreitada (cfr. doc. 1 PI), obrigando-se a cumprir o projecto (cfr. cl.ª 1.ª, n.º 1), aceitou executar aquele projecto e, nesse sentido, o “aprovou”;

         Termos em que, em conformidade com o que determina o artigo 574/2 do CPC, deve ser aditado, por ser considerado admitido por acordo.

              A ré contrapõe:

19. […N]ão resulta em momento algum que a ré tenha recusado a realização de quaisquer trabalhos de impermeabilização da piscina tal como constavam do projecto, não obstante os ter aprovado e orçamentado.

              Apreciação:

              A resposta da ré nega a evidência, embora a favor da posição dela se possa dizer que talvez pense que o autor está a localizar este facto noutra ordem que não aquela que este TRL vai considerar. A descrição feita pelo autor do que consta da contestação está certa e dela decorre que a ré admitiu que recusou realizar os trabalhos de impermeabilização da piscina, tal como constavam do projecto, não obstante os ter orçamentado. Já não que os tenha aprovado e aqui a ré tem razão e isso não se retira com o raciocínio pretendido pelo autor. Procede a impugnação, mas apenas do seguinte: 73\ A ré recusou realizar os trabalhos de impermeabilização da piscina, tal como constavam do projecto, não obstante os ter orçamentado.

                                               *

74. Subsequentemente, em reunião de obra ocorrida em 31/07/2017, a ré esclareceu que existia um erro no valor orçamentado para os mencionados trabalhos a mais, devendo o valor final corresponder a cerca de 650€ [corresponde ao facto não provado U].

75. Trabalhos e valor que foram aprovados pelo autor [corresponde ao facto não provado V].

              Quanto a 74 e 75 a pretensão do autor tem a seguinte fundamentação:

         O autor alegou esses factos nos artigos 101 e 102 da sua PI e deles fez prova através dos documentos então juntos com os n.ºs 19 e 20, os quais não foram impugnados pelas rés;

         Resultando do documento n.º 20, que é uma acta de reunião de obra de 31/07/2017, que “Impermeabilização Piscina: é transmitido pela ré que existiu um erro no valor do orçamento apresentado no Trabalho a Mais n.º 13 – Impermeabilização da Piscina [doc. 19]. O Sr. N [pela ré] informa que o valor em causa andará na ordem dos 650€, valor esse que será confirmado pela ré até ao final do dia de hoje (31/07/2017). O Dono de Obra informa que a manterem-se os valores agora transmitidos, este Trabalho a Mais estará aprovado”;

              A ré não disse nada quanto a isto.

              Apreciação:

              O documento 20 é uma acta da reunião da obra, junta com o requerimento de 13/09/2020, não impugnada pela ré e que além disso está também assinada por quem a estava a representar na reunião. Procede a impugnação mas nos termos da redacção daquela acta, aditando-se o seguinte facto: 74\75\: Quanto à impermeabilização da piscina, na reunião de obra de 31/07/2017 foi transmitido pela ré que existiu um erro no valor do orçamento apresentado no trabalho a mais n.º 13 [doc. 19]. A ré informou que o valor em causa andará na ordem dos 650€, valor esse que seria confirmado pela ré até ao final do dia de hoje (31/07/2017). O autor informou que a manterem-se os valores agora transmitidos, este trabalho a mais estará aprovado.

                                          *

76. A ré viria ainda a apresentar alterações aos materiais a aplicar na impermeabilização da piscina [corresponde ao facto não provado W].

77. Alterações estas que foram também aprovadas pelo fiscal S e pelo autor [corresponde ao facto não provado X].

              O autor diz o seguinte como fundamentação da pretensão de aditamento destes factos:

         O autor alegou tal facto nos artigos 103 e 104 da sua PI, juntando para a respectiva prova o documento n.º 21, que consta de uma acta de reunião de obra de 31/08/2017, documento que não foi impugnado pelas rés, e da qual resulta que “Piscina: foi questionada pela ré a possibilidade de utilizar a argamassa SIKACERAM 252  (adequada para piscinas), ao invés da SIKACERAM 235 transmitida anteriormente na solução de impermeabilização proposta pela ARQ / Fiscalização. A S é de parecer que a argamassa proposta poderá ser utilizada”;

              A ré não disse nada quanto a isto.

              Apreciação:

              O documento 21 é uma acta da reunião da obra, junta com o requerimento de 13/09/2020, não impugnada pela ré e que além disso está também assinada por quem a estava a representar na reunião. O autor não estava presente e não consta que tenha dado a aprovação invocada agora. Procede parcialmente a impugnação, mas com a redacção daquela acta, aditando-se os seguintes factos: 76\77\: Na reunião de obra de 31/08/2017, quanto à piscina, foi questionada pela ré a possibilidade de utilizar a argamassa SIKACERAM 252 (adequada para piscinas), ao invés da SIKACERAM 235 transmitida anteriormente na solução de impermeabilização proposta pela ARQ / Fiscalização. A S foi de parecer que a argamassa proposta poderá ser utilizada.”

                                                                 *

78. A ré viria, subsequentemente, a realizar os trabalhos em Outubro de 2017 [corresponde ao facto não provado Y].

              O autor diz o seguinte como fundamentação da pretensão de aditamento deste facto:

         O autor alegou tal facto no artigo 105 da sua PI, tendo juntado, para sua prova, o documento n.º 22, que não foi impugnado pelas rés, que consta de uma acta de reunião de obra de 16/10/2017, na qual se indica, sob a epígrafe “Trabalhos Realizados”, “Início impermeabilização piscina”.

              A ré não disse nada quanto a isto.

              Apreciação:

              O doc. 22 é uma acta da reunião da obra, junta com o requerimento de 13/09/2020, não impugnada pela ré e que além disso está também assinada por quem a estava a representar na reunião. Comprova o que consta da acta e nessa medida a impugnação procede: 78. Na reunião de obra de 16/10/2017, consta: 2. Planeamento. 2.39.01. Trabalhos Realizados […] – Início impermeabilização piscina. – chegada à obra do friso em mármore branco para a fachada. 2.39.02. Trabalhos a realização: […] – conclusão dos trabalhos impermeabilização da […] e piscina […]; 2.39.03. Balizamento […] trabalhos de impermeabilização; em execução na […] e piscina. […]

                                                                 *

79. E a emitir a factura n.º FTMN1V1/321, datada de 23/11/2017, a qual foi atempadamente paga pelo autor [corresponde ao facto não provado Z].

              O autor diz o seguinte como fundamentação da pretensão de aditamento deste facto:

         O autor alegou tal facto no artigo 106 da PI, tendo junto o referido documento com o n.º 23, o qual não foi impugnado pelas rés.

         Sendo que a ré não alega subsistirem quaisquer facturas em dívida por parte do autor.

              A ré não disse nada quanto a isto.

              Apreciação:

         O doc. 23, não foi impugnado pelas rés, serve de prova da alegação emissão da factura e a constatação de que realmente a ré não alega subsistirem quaisquer facturas em dívida por parte do autor, permite dar o facto como provado, pelo que será aditado como facto 79.

                                                                 *

Do recurso sobre matéria de direito

I

Das penalidades aplicadas por atrasos da obra

              A sentença recorrida tem a seguinte fundamentação nesta parte:

         […] Não há dúvidas que foi estipulado entre as partes penalidades pelo não cumprimento pela ré dos prazos estabelecidos para a conclusão de cada uma das 3 fases dos trabalhos (artigo 2.º, n.º 4 das Condições Particulares).

         A previsão da cláusula que comina a penalidade é a de haver “incumprimento por parte do empreiteiro de cada um dos prazos” para a execução dos trabalhos, sendo a penalidade calculada “por cada dia de atraso”.

         Trata-se, portanto, de uma penalidade prevista para a mora na conclusão dos trabalhos, não para o incumprimento definitivo da obrigação de executar os trabalhos.

         No entanto, para desencadear a aplicação da penalidade a mora terá de ser, sempre, imputável à empreiteira (ré) a título de culpa. Conforme resulta do disposto no artigo 804/2 do CC, se o atraso não for imputável ao empreiteiro, nomeadamente se for imputável ao dono da obra, porque este, por exemplo, exigiu trabalhos a mais que tornaram o prazo insuficiente (artigo 1216/2, parte final, do CC), o empreiteiro não pode ser juridicamente responsabilizado pelas consequências da mora. Por isso, excepto se a cláusula do contrato que prevê a penalidade estipulasse coisa diversa, isto é, que a mesma se aplicaria mesmo que o atraso na execução da obra não fosse imputável ao empreiteiro tem de se entender que a aplicação da penalidade pressupõe a culpa da ré pelo atraso verificado (como escreve Pinto Monteiro (Cláusula Penal e Indemnização, páginas 683 e 684: “a pena […] destina-se a prefixar o quantum respondeatur, não a consagrar uma responsabilidade independente de culpa. […]).

         Uma vez que nos encontramos no domínio da responsabilidade pelo incumprimento de obrigações contratuais, é inevitável encarar o disposto no artigo 799 do CC: “incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”. Deparamo-nos aqui, portanto, com uma presunção de culpa do devedor: verificado o incumprimento da obrigação, o devedor responde pelas consequências desse incumprimento a título de culpa, excepto se demonstrar que o incumprimento não se deveu a culpa sua.

         […]

         Ora, no caso concreto, resulta que a ré logrou fazer prova que o início da obra se deveu à demora na obtenção da licença de ocupação da via pública (OVP) – sendo que a ré não pode ser responsabilizada (nem o autor) pelo incumprimento de prazos directamente decorrentes de atrasos na obtenção da OVP (artigo 2.º/6 das Condições Particulares) – e à demora do autor a decidir a opção a adoptar para ultrapassar os problemas.

         É verdade que não foi possível apurar (nem sequer foi alegado) qual o impacto temporal que essas demoras tiveram nos prazos de conclusão de cada uma das fases, mas também é verdade que o próprio autor não indicou as datas de conclusão efectiva da 1.ª e da 2.ª fase.

         Tendo a ré logrado afastar a sua presunção de culpa, impede assim o funcionamento da cláusula penal e o direito do direito do autor ao pagamento do valor peticionado a esse título.

              O autor diz o seguinte contra isto:

D) A ré não logrou provar que o atraso na execução dos trabalhos não procedia de responsabilidade sua;

E) Aliás, a sentença em crise entende justificar o atraso da ré com factos que ocorreram antes do início dos trabalhos da empreitada;

F) Os quais não foram os determinantes para se calcular o atraso efectivamente incorrido;

G) E, justifica ainda tal atraso com a demora do autor em dar resposta às questões suscitadas pela ré;

H) Sem que se quantifique temporalmente o efeito de tal demora e sem que se atenha à desproporção entre a ocorrência dessa demora em dar resposta e o desmesurado atraso na execução dos trabalhos;

I) Pelo que se deve concluir que a ré é responsável pela mora na execução da obra e deve a decisão ser revogada, condenando-se a ré a pagar ao autor os pedidos 50.904,93€, a título de penalidades contratuais pelo atraso na execução da obra.

              A ré contrapõe que:

21. Concluiu o autor que a ré não logrou provar que o atraso na execução dos trabalhos não procedia de responsabilidade sua;

22. Não se concebe como chegou o autor a tal conclusão quando da matéria de facto não provada resulta o seguinte: [a ré transcreve aqui as alíneas ff, hh, ii dos factos não provados, que se referem a alegadas consequências dos atrasos].

23. Menos se percebe quando da matéria de facto provada resulta, por sua vez, o seguinte: [a ré transcreve aqui os factos provados sob 56 a 60].

24. Assim, [em primeiro lugar] é evidente que a ré logrou provar que o atraso na execução dos trabalhos não procedia de responsabilidade sua.

25. Sendo que [em segundo lugar] resulta uma deficiente alegação de facto por parte do autor.

26. Situação correctamente verificada na sentença do tribunal a quo: [a ré transcreve aqui a fundamentação de Direito da sentença recorrida]

27. O autor em momento algum colocou em crise a aplicação do direito ao caso concreto.

28. Sendo que também não colocou em crise os factos dados como provados nem os que não foram dados como não provados, nem sequer indicou – nem o poderia fazer uma vez que não coloca em crise a matéria de facto – de onde resulta o seu entendimento diverso.

29. Assim, é evidente que não padece de qualquer vício a sentença do tribunal a quo e que também neste propósito ajuizou correctamente o caso concreto.

              Apreciação:

              As multas previstas logo na cláusula 2.ª das condições particulares do contrato (facto 1) correspondem a uma cláusula penal moratória com função compulsória. A qualificação dada pelas partes, isto é: de multa, vem da transplantação do regime dos contratos de empreitada de obras públicas (veja-se, por exemplo, a cláusula 9 do contrato de empreitada, anexo 16, do caso tratado no ac. do do Tribunal de Segunda Instância da R.A.E. Macau, de 23/07/2015, processo 560/2013, recurso contencioso), mas não impede a qualificação correcta. A previsão desta cláusula penal tem cabimento ao abrigo da liberdade contratual (art. 405 do CC – no sentido da qualificação e do cabimento legal, por exemplo, Pinto Monteiro, no Colóquio de direito civil de Santo Tirso, Almedina, 2017, especialmente páginas 276 a 283, Brandão Proença, Lições de Cumprimento e não cumprimento das obrigações, 2.ª edição, UCE/P, 2017, páginas 489-500, e, com inúmeras referências, Ana Filipa Morais Antunes, em Comentário ao CC, Direito das Obrigações, UCP/FD/ECE, 2018, páginas 1157-1178; bem como o ac. do STJ de 05/11/1983, RLJ 3771, páginas 173 a 183 = BMJ 331/489 e segs, e a anotação de Antunes Varela, RLJ 3771, páginas 183-192 e 216-224). A obra tinha um prazo de 240 dias para ser levada a cabo (cláusula 2.ª1 das condições particulares, factos 1 e 2) e, tendo-se iniciado a 21/11/2016 (facto 3), ainda não estava terminada em meados de 2018 quando o autor expulsou da obra todos os colaboradores da ré (factos 4 e 59), logo o prazo foi ultrapassado. A previsão da cláusula penal está preenchida, já que a culpa, também elemento de preenchimento necessário, implícito, se presume (art. 799 do CC).   

              A sentença (e a ré segue-a) dá duas razões para afastar a responsabilidade da ré pelo atraso na execução da obra: a demora na obtenção da licença de ocupação da via pública e a demora do autor a decidir a opção a adoptar para ultrapassar os problemas. Mas, quanto à primeira, como o autor já contava – como tinha de ser feito – o prazo do início efectivo (e não da data contratada) da obra, não pode ser considerada. E quanto à segunda, a sentença reconhece que não foi possível apurar qual o impacto temporal que essa demora teve nos prazos de conclusão de cada uma das fases. E também reconhece que a própria ré nem sequer tinha alegado esse impacto temporal (em termos concretos, dizendo quais os efectivos dias de atraso que seriam imputáveis ao autor). Ora, se a culpa se presume e se, por isso, a ré tinha que ilidir a presunção de culpa para evitar a responsabilidade pelo atraso – o que implica alegar e provar os factos correspondentes – , o facto de não se saber qual o impacto temporal que aquela demora do autor teve, tem de jogar contra a ré, senão a dúvida estava a ser decidida contra o autor (art. 414 do CPC, 1.ª regra), quando o ónus da prova da ilisão da presunção da culpa é da ré (para um caso em que a empreiteira ilidiu a presunção de culpa, veja-se o ac. do TRL de 11/07/2019, proc. 13298/16.3T8LSB.L1-2; para um caso de abuso de direito, que não tem quaisquer parecenças com o caso dos autos, veja-se o ac. do TRC de 03/11/2015, proc. 92/14.5TVLSB.C1).

              A sentença (e a ré segue-a) diz que “o autor não indicou as datas de conclusão efectiva da 1.ª e da 2.ª fase” e tal é verdade, mas isto tem a ver com cálculo da multa total, não com a dúvida sobre o impacto temporal da mora da ré.

              Assim, estão erradas as conclusões da sentença e da ré de que de esta logrou afastar a sua presunção de culpa, impedindo assim o funcionamento da cláusula penal.

              Contra isto não tem sentido invocar, como o faz a ré, factos não provados. Primeiro, porque os factos em causa dizem respeito às consequências dos atrasos e não à existência da mora. Segundo, porque os factos não provados não podem servir para construção de soluções positivas, já que equivalem apenas à não alegação de factos e não à prova dos factos contrários. Como dizia Lebre de Freitas, “a resposta puramente negativa equivale à não alegação do facto não provado, fazendo jogar as regras da distribuição do ónus da prova (anotação 4 ao então art. 653 do CPC na redacção anterior à reforma de 2013, pág. 662, CPC anotado, vol. 2.º, 2.ª ed, Coimbra editora, 2008)”.

              Quanto aos factos provados invocados pela ré, 56 a 60, já foram todos considerados e não serviram para afastar a conclusão de que não ilidiu a presunção de culpa, embora tenham servido para concretizar o período relevante: 21/11/2016 a 30/06/2028 (meados de 2018).

              Assim, realmente o autor tem direito à aplicação da cláusula penal moratória.

                                                                 *

              O autor aplicou essa cláusula do seguinte modo, conforme resulta das cartas transcritas nos factos 5 e 14, e é essa a pretensão do autor nestes autos nesta parte:

              – uma multa de 763,56€ por um atraso de 3 dias relativamente à 1.ª fase dos trabalhos [o que dá 254,52€/dia];

              – uma multa de 244.852,72€ por um atraso de 232 dias da 2.ª fase, considerando que esta devia ter a duração de 106 dias – cláusula 2/2b – e em vez disso durou de 14/03/2017 e 15/02/2018, ou seja, 338 dias, embora o autor tenha escrito 232 dias…); e

              – uma multa de 159.586,96€ por um atraso de 165 dias da 3.ª fase, considerando que esta devia ter a duração de 58 dias – cláusula 2.ª/2c – e em vez disso já estava a durar há 223 dias (de 16/02/2018 até 27/09/2018, data da carta).

              Como tudo isto ultrapassa, em muito, o valor de 20% do “preço contratual” de 254.524,66€ – o que aliás é um erro, já que este valor é o valor estimado, não o preço contratual (conforme cláusula 3.ª/3) – a ré reduziu as multas a esses 20%, ou seja a 50.904,93€ (e, como já tinha aplicado a “multa” de 27.997,70€, nestes autos, para além desta, só pede mais a diferença, o que, de resto, se traduz em pedir, como realmente pede, a condenação da ré a pagar-lhe 50.904,93€).

              Ora, quanto a esta aplicação da cláusula, desde logo, é evidente o erro do valor do preço de que o autor se serve como base de cálculo. Como decorre do resultado achado para o atraso da 1.ª fase na carta do facto 5, o autor utiliza o preço da obra de 254.524,66€ (x 1‰ = 254,52€), que é o valor total estimado dos trabalhos objecto da empreitada (cláusula 3.ª/3 das condições particulares). Ora, embora noutros casos jurisprudenciais se tenha visto que é esse o valor que foi convencionado (ac. do STJ de 10/04/2018, proc. 568/11.6TCFUN.L1.S1; ac. do TRC de 08/05/2012, proc. 44092/08.4YIPRT.C1), não é esse o valor que as partes adoptaram no caso dos autos, pois que o que consta da cláusula 2.ª/4 é que o valor a considerar é o “preço contratual, relativo a cada uma das fases a que se refere o incumprimento”. E no caso dos autos não há qualquer facto que diga qual foi o preço contratual relativo a cada uma das fases, sendo que esse preço não é certo, já que, por força da cláusula 3.ª/1 das condições particulares, o contrato foi celebrado no regime de série de preços, ou seja, segundo o acordado entre as partes, “a remuneração resulta da aplicação dos preços unitários previstos para cada espécie de trabalho às quantidades desses trabalhos efectivamente executados, conforme articulado do Anexo I (Mapa de Quantidades e Lista de Preços Unitários) do presente contrato.”

              Ora, dos factos provados não consta nenhum relativamente às quantidades de trabalhos efectivamente executados, pelo que não se sabe qual o preço contratual de cada fase da obra.

              Por outro lado, os atrasos de que o autor parte são apenas dados que o autor lançava nas comunicações que dirigiu à ré, não factos que tenha alegado, nem muito menos provado. Sendo que não cumpria ao tribunal estar a construir, com base na prova documental junta, em substituição do autor, que os não tinha alegado devidamente na petição inicial, uma alegação de factos que permitisse a liquidação da cláusula contratual.

              Quer isto dizer que, para a aplicação da cláusula penal, o tribunal não dispunha dos dados suficientes, como aliás o tribunal recorrido lembra, ao dizer que o autor não tinha alegado “as datas da conclusão efectiva da 1.ª e da 2.ª fase.”

              A ré, na contestação, opunha ainda o obstáculo de que algumas das comunicações efectuadas pelo autor não eram eficazes porque não eram dirigidas à ré, mas ao seu mandatário. A ré está implicitamente a invocar o que consta da cláusula 2.ª/5 das condições particulares. Mas em relação às duas “multas” aplicadas, que é o que importa a esta objecção, elas foram também dirigidas à ré, como resulta dos factos 6, 8 e 14. Sendo que a exigência do auto, no contexto do contrato, não impede que tal comunicação pudesse ser feita por qualquer forma. Note-se que a exigência do auto, no regime das empreitadas de obras públicas, tem o fim de permitir a defesa do empreiteiro, antes da fixação da multa num acto administrativo que tem de ser impugnado num certo prazo sob pena de não poder ser impugnado mais tarde [veja-se, por exemplo, o Comentário ao ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 11/02/2016, Rec. n.º 11777/15Actos de aplicação de Sanções Contratuais: Sua Natureza Jurídica e Regime Processual, de Mário Aroso de Almeida, na Católica Law Review, páginas 91 e segs]. Ora, no contrato dos autos, há este afloramento do regime das empreitadas de obras públicas, mas ele é inconsequente, já que não se estipulam outras normas deste, e por isso não se tiram, no contrato, quaisquer consequências do facto de não haver um auto, nem se prevê o que é que se passa depois dele, quando existe. Daqui que a exigência do auto não é mais, no caso, do que a exigência de comunicação da aplicação da multa e essa foi feita. Aliás, o contrato está cheio de incoerências e imperfeições do mesmo género. Refira-se, apenas a título de exemplo – já que não se transcreveram todas as regras em causa -, que o contrato se refere a uma subempreitada (cláusula 1.ª/2), quando o contrato dos autos foi, obviamente, uma empreitada. A cláusula 4.ª não tem um número 4, embora tenha um número 5. Este tem uma alínea (a), embora não tenha uma alínea (b).

              Por outro lado, da consagração de algumas normas do regime das empreitadas de obras públicas, ou do estabelecimento de algumas regras contratuais para aplicação de “multas” tem-se tirado algumas consequências noutras acções

                   (acórdãos do STJ de 02/05/2012, proc. 3507/06.2TBAVR.C1.S1; do STJ de 10/04/2018, proc. 568/11.6TCFUN.L1.S1; ac. do TRC de 08/05/2012, proc. 44092/08.4YIPRT.C1; e ac. do TRG de 20/04/2017, proc. 2723/12.2TBBRG.G1),

              que não devem ser tiradas no caso

                   (também assim no ac. do TRL de 27/04/2023, proc. 3033/19.0T8CSC.L1-8, com um voto de vencido; outros casos em que se não obstou à aplicação da cláusula penal: ac do TRG de 16/03/0217, proc. 896/09.0TBVVD.G1; do TRG de 25/02/2021, proc. 54843/19.6YIPRT.G1; do TRC de 28/02/2023, proc. 273/22.8YRCBR; do TRP de 07/11/2013, proc. 91046/11.0YIPRT.P1; do TRP de 03/03/2016, proc. 11709/15.4T8PRT.P1; do TRP de 10/12/2019, proc. 43397/18.0YIPRT.P1; do TRP de 09/11/2020, proc. 1059/19.2T8OVR.P1; do TRP de 23/01/2020, proc. 23736/17.2YIPRT.P1; do TRP de 22/01/2007, proc. 0656982; do TRL de 09/11/2011, proc. 980/08.8YXLSB.L1-1; do TRG de 02/03/2023, proc. 4710/20.8T8GMR.G1; do TRG de 08/10/2020, proc. 97647/19.0YIPRT.G1; e do TRE de 13/01/2022, proc. 86566/20.8YIPRT.E1)

              pois que, no contrato dos autos não foram estabelecidas nenhumas regras para a aplicação da “multa” (para além da referência isolada ao “auto”), nem foi estabelecida a aplicação subsidiária daquele regime (antes pelo contrário, teve-se o cuidado de se fazer apenas referência ao Código Civil; aliás, uma remissão repetida, a denotar outra imperfeição do contrato e a indiciar que provavelmente, no modelo adaptado, até estaria prevista a aplicação subsidiária do regime das empreitadas da obras públicas).

              A ré invocava também, na contestação, a cláusula 19.ª das condições gerais do contrato, que diz, lembre-se, “todos os assuntos emergentes do presente contrato só poderão ser considerados quando tratados por escrito pelas partes contratantes.” Ora, esta invocação também não tem efeito útil nesta parte, pois que as “multas” foram, como já se disse, comunicadas por escrito à própria ré e até foram discutidas entre advogados.

              Noutros casos (apenas por exemplo, ac. do TRL de 07/04/2011, proc. 1033/10.4YRLSB.L1-8; e o TRL de 01/06/2023, proc. 123160/18.3YIPRT.L1-2, ainda não publicado: VI) Não tendo a ré procedido até ao momento em que recepcionou provisoriamente a obra, à aplicação da mencionada penalidade contratual, não poderá ver acolhida, sob pena de exercício abusivo de tal direito – cfr. artigo 334.º do CC – a pretensão correspondente, ulteriormente exercida) tem-se salientado que as “multas” só podem ser aplicadas enquanto o contrato durar (veja-se aliás a cláusula 9.ª/a das condições gerais: até ao fim dos trabalhos ou até à resolução do Contrato), mas isto apenas quer dizer que, depois da extinção do contrato já não podem ser aplicadas “multas”, não que fiquem sem efeito “multas” já aplicadas.

              Em suma (**): conclui-se que o autor tem direito ao valor da cláusula penal das condições particulares do contrato, mas não é possível fazer a liquidação da mesma neste acórdão, nem o era na sentença recorrida, pelo que essa liquidação terá de ser feita posteriormente (o que se determinará ao abrigo do art. 609/2 do CPC: Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida), com as seguintes limitações decorrentes do princípio do pedido e dos factos provados na acção, para além naturalmente do que decorre do contrato: (i) o valor global total não poderá ultrapassar os 50.904,93€ pedidos; (ii) da 1.ª fase não poderão ser ultrapassados os 3 dias de atraso considerados pelo autor (porque só aplicou uma “multa” por esses 3 dias); (iii) o atraso não vai além de 30/06/2018 (= meados de 2018), data em que o autor expulsou da obra os colaboradores da ré, sendo que os trabalhos posteriores que as partes acordaram que fossem executados depois disso, inclusive depois da rescisão do contrato pela ré, já não foram sujeitos a qualquer prazo; (iv) para além dos 3 dias do atraso da 1.ª fase, só está em causa o atraso pela 2.ª e 3.ª fases, sendo que em relação à 2.ª o início dela não pode ser anterior a 14/03/2017, já que, na lógica dos 3 dias de atraso da 1.ª fase, esta terminou a 13/03/2017. Ou seja, o período de atraso está limitado entre 14/03/2017 e 30/06/2018 (a que acrescem aqueles três dias) e retirando-se o período previsto para a realização das fases 2 e 3.

                                                                 *

                                                       Dos defeitos

                                               Das manchas no piso

              Diz a sentença:

         Relativamente ao afagamento em todos os pisos, resultou provado (e até alegado pelo próprio autor) que o autor aceitou que não seria possível garantir a homogeneidade completa em todo o pavimento, assumindo alguma disparidade estética no acabamento do pavimento. Assim, também nesta parte, não se pode concluir que tenha havido vício, defeito ou irregularidade na execução da obra.

         Tal como ficou dito quanto à parede de betão, existindo heterogeneidade do pavimento, essa falta de homogeneidade não põe em causa a utilização comum ou ordinária da moradia, nem se evidencia (nem sequer foi alegado) que a mesma importe uma qualquer diminuição do valor de mercado do edifício em apreço. Deste modo, não pode ela ser juridicamente qualificada como um defeito (vício ou desconformidade) juridicamente relevante.

              O autor diz o seguinte contra isto:

J) A sentença em crise desconsidera a existência de defeitos de execução da empreitada, relativos ao bom acabamento do piso;

K) Nomeadamente, a existência de manchas;

L) As quais trata sem as distinguir da questão diferente, da homogeneidade do acabamento;

M) Defeitos estes que, constituindo cumprimento defeituoso da empreitada, devem ser corrigidos pela ré;

N) Sendo esta condenada a efectuar o afagamento em todos os pisos de forma a eliminar as manchas que se provou existirem;

              A ré contrapõe que:

30. Vem o autor referir que [a ré transcreve as conclusões J e K].

31. Sucede que tal afirmação não corresponde à verdade.

32. Atente-se [nas] passagens [citadas acima da] sentença [quanto a esta matéria].

33. […] ver ainda a matéria de facto não provada [..…]: (e) O pavimento possui manchas localizadas em diversas zonas, as quais não foram aceites pelo Dono da Obra visto que advêm de problemas durante a fase de betonagem quer da laje ou do polimento e existe ainda uma disparidade geral do acabamento do piso 01 relativamente ao acabamento das restantes lajes, tendo existido um problema durante a sua execução; (f) Para garantir um acabamento global uniforme é necessário um novo afagamento em todos os pisos.

34. A referida matéria não foi colocada em crise pelo autor, sendo que uma vez mais não foi indicado de onde poderia resultar de maneira diferente, nem de onde constaria um entendimento diverso.

35. Acrescente-se que o próprio relatório pericial, quanto a esta mesma questão, também é muito claro: As lajes se forem de novo afagadas podem ficar com os inertes mais visíveis. No entanto, neste tipo de acabamento, não se consegue garantir uma total uniformidade nem uma perfeita semelhança entre pisos.

36. É evidente que também neste sentido falece razão ao autor e que nada há a apontar à sentença do tribunal a quo.

              Apreciação:

              Antes de mais, quanto ao que diz a ré em 33 e 34: quanto a 33 já se disse que os factos não provados equivalem apenas a não terem sido alegados; e quanto a 34 não é verdade que o autor não pôs aqueles factos em causa, tanto que a primeira parte do facto não provado (e) – a existência de manchas – foi impugnada e procedentemente.

              Posto isto,

              A argumentação do autor é eminentemente formal: embora realmente se possa distinguir o que foi dito quanto a manchas e quanto à homogeneidade do acabamento, e a falta desta e a aceitação desta falta pelo autor não impliquem a inexistência de manchas, a verdade é que dos factos provados (28, 72 e 29) não é possível concluir que as próprias manchas não sejam uma das heterogeneidades com que o autor se tem de conformar por força da natureza das coisas. Daí que o autor esteja a exigir que elas sejam eliminadas precisamente através da mesma actividade que, segundo ele, levaria ao desaparecimento das heterogeneidades do piso, embora aparentemente se conforme com a sentença na parte em que julgou improcedente o pedido Bb (ao menos no fim que ele visava). Pelo que fica a dúvida se elas serão um defeito, sendo que era ao autor que cabia a prova dos factos que permitissem a conclusão de que se trata de um defeito, como vício ou desconformidade (arts. 1208 e 1218/1 do CC).

              De outra perspectiva, quer isto dizer que para as manchas serem vistas como desconformidade o autor teria que ter alegado e demonstrado que os materiais que encomendou para a obra não tinham as manchas em causa. Como vício o autor teria que ter alegado e provado que elas reduziam o valor da obra. Ora, nada disto está provado.

                                                                 *

                                          Da fuga de água da piscina

              Diz a sentença:

         Quanto à fuga de água verificada na piscina, resultaram provado os seguintes factos [por esta ordem]: 43 a 50 e 69.  

         Ora, destes factos não se consegue concluir pela responsabilidade da ré por cumprimento defeituoso / incumprimento, pois a ré executou os trabalhos inicialmente previstos e acordados (bem como a variante apresentada pelo autor). Resulta que o autor aprovou uma alteração ao projecto e que a ré apresentou um valor a pagar. No entanto, a solução não é a indicada. Não existem assim nos autos factos suficientes para se concluir pela responsabilidade da ré quanto à piscina.

              O autor diz o seguinte contra isto:

O) A sentença em crise considerou, erradamente, que não é possível concluir pela responsabilidade da ré por cumprimento defeituoso ou incumprimento, tendo esta executado os trabalhos inicialmente previstos e acordados, bem como a variante apresentada pelo autor;

P) Entendimento que se considera errado porquanto, estando a ré obrigada, legal e contratualmente, a garantir a boa execução dos trabalhos, e tendo-os realizado sem manifestar reservas relativamente a essa garantia, é responsável pela sua boa execução;

Q) Pelo que deve ser condenada a efectuar a remoção total dos revestimentos e acabamentos da piscina, executando-os novamente, de forma a eliminar as infiltrações de água para as restantes áreas do imóvel;

              A ré contrapõe que:

37. Vem o autor concluir que deve [a ré] ser condenada a efectuar a remoção total dos revestimentos e acabamentos da piscina, executando-os novamente, de forma a eliminar as infiltrações de água para as restantes áreas do imóvel;

38. Sucede que tal afirmação não faz qualquer sentido.

39. Resulta evidente – e tal facto não é colocado em crise pelo autor que – a solução de projecto (a inicialmente prevista e a que veio a ser revista) não são as mais adequadas para a implementação.

40. O autor, tendo sido alertado para o efeito, não forneceu nenhuma solução alternativa e exequível.

41. Pelo que, naturalmente, não pode a 1.ª ré ser condenada a remover totalmente os revestimentos e acabamentos da piscina – que foram executados tal como constava do projecto – e a executá-los novamente – quando se sabe que tal execução será conducente à manutenção do problema.

42. Condenar a 1.ª ré como pretende o autor é estapafúrdio e desprovido de sentido, uma vez que concluído o intento do autor seríamos reconduzidos a uma nova acção judicial com o mesmo propósito.

              Apreciação:

              Com os factos dados como provados não é possível qualificar a empreitada dos autos como empreitada de consumo, já que não se sabe qual o destino que o autor pretendia dar à obra. Sendo assim não se está perante um tipo de empreitada que estabeleça uma responsabilidade objectiva – como é normalmente assumido para as empreitadas de consumo – em que a ré tivesse que responder pelos defeitos independentemente de culpa.

              Para concluir no sentido da existência de uma obrigação de garantia, o autor, no recurso, invoca a garantia contratual (no corpo das alegações desenvolve e faz referência ao art. 7/1 das condições particulares, embora para o chão, já que para a piscina invoca a cláusula 10.1 das condições gerais, cláusula esta que não tem a ver com a obrigação de garantia, pois que o que esta cláusula faz é dar ao dono da obra a possibilidade de se substituir ao empreiteiro na eliminação dos defeitos em dada situação).

              Nos números 1 e 2, primeira parte, da cláusula 7, qualificada expressamente de garantia, o autor vê, assim, a consagração da responsabilidade objectiva da ré, embora não desenvolva o assunto, apenas o afirme.

              Antes de mais, não tendo o autor invocado a responsabilidade objectiva da ré (na qual se acaba por traduzir uma obrigação de garantia) na petição, não o poderia fazer agora no recurso, pois que estaria a introduzir uma causa de pedir diferente. Uma obrigação de responsabilidade civil, sem mais, pressupondo geralmente a culpa, não é a mesma coisa que a responsabilidade civil decorrente de uma cláusula contratual que estabelecesse a responsabilidade independentemente de culpa. E a simples remessa para o contrato, não pode ser a alegação de todas as causas de pedir que se possam retirar desse contrato, mesmo que não tenham qualquer reflexo na petição inicial.

              De qualquer maneira diga-se que dos três primeiros números da cláusula 7 das condições particulares do contrato – que, repete-se, o autor não tinha invocado antes e por isso a ré não discutiu (nem podia ter discutido por não saber que o autor estava a invocar a interpretação que agora o autor faz dela – não decorre, sem mais, uma responsabilidade objectiva, independente de culpa, isto é, uma obrigação de garantia. Veja-se, por exemplo, o art. 921/1 do CC: “Se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador.” Aqui há uma obrigação de garantia que implica uma responsabilidade objectiva, mas para isso a norma termina com a expressa ressalva: ‘independentemente de culpa’. Ora, na cláusula 7/1-2 das condições particulares, não existe essa ressalva da independência da culpa. Poderia retorquir-se que também no regime das empreitadas de consumo não consta aquela ressalva, mas em substituição existe uma construção doutrinária praticamente consensual de que essa responsabilidade, no caso, é objectiva mesmo sem aquela ressalva (veja-se Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra, 2015, 6.ª edição, Almedina, págs. 250-251, com referência à posição de Calvão da Silva). Poderia, ainda, invocar-se o regime das empreitadas de obras em embarcações, o qual também não faz a ressalva – art. 24 do DL 201/98, de 10/07-, e, no entanto, é também entendimento de Cura Mariano que se consagra um regime de responsabilidade objectiva; note-se no entanto, que já é outro o entendimento de Pedro Romano Martinez (em Comentário ao CC, Dtº das Obrigações, contratos em especial, UCP/FD/Editora, 2023, pág. 817), que entende que neste último regime se consagra o regime de responsabilidade civil normal, dependente de culpa. Por outro lado, Cura Mariano, quando fala na cláusula que estabelece uma obrigação de garantia, parece pressupor que dessa cláusula resulta de modo claro que o empreiteiro assume a obrigação “independentemente dos mesmos [defeitos] lhe poderem ser imputáveis” (pág. 48). Ora, da cláusula em questão não é possível retirar, sem mais nada, que assim se estabelece, por acordo, uma responsabilidade objectiva, independente de culpa. E na dúvida sempre deveria funcionar o disposto no art. 237 do CC: “Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios […] onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.”, isto é, a favor da consagração de uma responsabilidade dependente de culpa. Pelo que esta seria mais uma razão para que o autor fosse obrigado a invocar, logo na PI, a existência de uma cláusula de garantia / responsabilidade objectiva no contrato, dizendo que ela constava da cláusula 7/1-2 das condições particulares, tudo para que a ré pudesse contrariar tal alegação.

              Em suma, não é possível dizer que, no caso, se esteja perante uma responsabilidade objectiva da ré.    

              Portanto, o que se trata agora de discutir é se a ré conseguiu ou não ilidir a presunção de culpa que resulta do art. 799 do CC.

              A sentença não tem razão quando diz “não se conseguir conclu[ir] pela responsabilidade da ré por cumprimento defeituoso”, porque isso não é suficiente para ilidir a presunção de culpa do art. 799/1 do CC, pois que a dúvida implica que a questão seja decidida contra a parte a quem cabe o ónus da prova, como já se viu acima, ou seja, no caso, contra a ré (assim, por exemplo, Lebre de Freitas, O ónus da denúncia do defeito da empreitada no art. 1225 do CC…, parecer publicado na revista O Direito, ano 131, 1999, vol. I-II, especialmente páginas 239-243, João Cura Mariano, obra citada, pág. 71).

              A referência que a sentença faz a seguir ao facto de “a ré ter execut[ado] os trabalhos inicialmente previstos e acordados (bem como a variante apresentada pelo autor)” e ao facto de “a solução não ser a indicada” [ter-se-á querido escrever: adequada], também não excluem só por si a culpa da ré (entretanto note-se que a expressão utilizada no facto 69 foi que a solução “indicada pelas partes” não era a indicada. Ora, nos factos provados não consta qualquer solução indicada pelas partes, mas sim pelo autor ou por terceiro, não também pela ré. Sendo assim, a sentença está a corrigir a imprecisão do que constava dos factos provados. Repare-se, aliás, que no relatório da avaliação já referido, citado acima na discussão da impugnação da decisão da matéria de facto, a expressão correspondente era diferente e que era evidente que o que pretendia dizer era: A solução indicada no pormenor abaixo, de acordo [com os elementos do projecto que foram] fornecido[s] pelas partes, não era a indicada.). 

              É que se tem entendido que quando o defeito tem origem no projecto fornecido pelo dono da obra, “a responsabilidade do empreiteiro só se deverá considerar excluída quando o erro de concepção não for detectável por um profissional de competência suficiente (o bom profissional) na realização daquele tipo de obras.” ( Cura Mariano, obra citada, pág. 73; Romano Martinez, Direito das obrigações, parte especial…, Almedina, pág. 443: “só na hipótese de o empreiteiro, em condições normais, não poder aperceber-se das falhas do projecto, estudo, instruções , etc., é que a sua responsabilidade deverá ser excluída.”; Pedro Albuquerque e Miguel Assis Raimundo, Direito das Obrigações, Contratos em especial, 2012, vol. II, Almedina, pág. 385; Agostinho Cardoso Guedes, A responsabilidade do construtor no contrato de empreitada, em Contratos: actualidade e evolução, Porto, 1997, pág. 322; Rui Sá Gomes, Breves notas sobre o cumprimento defeituoso no contrato de empreitada, em Ab vno ad omnes, Coimbra Editora, 1997, páginas 614-615; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III, contratos em especial, 3.ª edição, Almedina, 2005, pág.; Lebre de Freitas, parecer citado, pág. 241, diz entretanto o seguinte: “Domenico Rubino, idem, pp. 256-259 e 292-293, e Appalto privato, Novissimo Digesto Italiano, I, p. 697, condiciona a irresponsabilização do empreiteiro, no caso de vício do projecto ou de instruções do dono da obra, ao facto de o empreiteiro ter alertado este último para as consequências que da execução poderiam derivar. Nada de semelhante é estabelecido no nosso regime das empreitadas de obras públicas [arts. 38 a 40 do DL 405/93, de 10/12 ≈ arts. 36 a 38 do DL 59/99, de 02/02 – TRL], não se vendo razão para que deva dele diferir, neste ponto, o das empreitadas particulares, pelo menos quando o dono da obra se rodeia dum projectista idóneo e, directamente ou através dele, acompanha minuciosamente a execução da obra.” Todos estes autores já eram referidos por Cura Mariano, obra citada, nota 156).

              Mas, tendo em conta estas posições e face aos factos provados, a decisão adoptada pela sentença acaba por ser a correcta: o projecto foi elaborado por uma equipa de projectistas (factos 25 e 26) os trabalhos eram fiscalizados por um arquitecto (cláusula 3.ª/5 das condições particulares, facto 1), e acompanhados semanalmente pelo autor e fiscal (cláusula 5.ª das condições particulares), o contrato seguiu um modelo de contrato de obras públicas (resulta até das poucas cláusulas que do mesmo foram transcritas), o empreiteiro prestou uma garantia bancária e sujeitou-se unilateralmente à aplicação de “multas”, o projecto previa o modo de execução da piscina (facto 43), a ré recusou realizar os trabalhos de impermeabilização da piscina tal como constavam do projecto (facto 73), logicamente porque os considerava inadequados e por isso é que o autor solicitou à ré que propusesse uma alternativa ao método de impermeabilização da piscina (facto 46), o que a ré logicamente não aceitou porque, na lógica do contrato, quem tinha de apresentar o novo projecto era o autor (decorre dos factos 47 e 44); foi então apresentada uma variante pelo autor (48), ou melhor foi apresentada ao autor e ré (pela arq / fiscalização, empresa S – factos 48, 76 e 77) uma nova solução que foi aprovada pelo autor e depois foi executada pela ré, sendo que as soluções indicadas eram inadequadas.  

              Ou seja, a ré informou o autor da inadequação do método de execução da impermeabilização da piscina, projectado pela equipa utilizada pelo autor e depois executou o novo método de impermeabilização apresentado pelo arq / fiscal da obra (a empresa S) e aprovado pelo autor, método que a ré estava obrigada a cumprir e cuja execução era acompanhada / fiscalizada semanalmente pelo autor e fiscal. Ora, neste contexto pode-se dizer que o erro desta nova solução “não era detectável por um profissional de competência suficiente (o bom profissional) na realização daquele tipo de obras.” Pois que não se está perante um erro de concepção de uma obra apresentada por um leigo na matéria, mas perante uma nova solução apresentada, depois da advertência do erro da anterior, pela arq / fiscalização técnica, que se têm de presumir tão competentes pelo menos como a ré e que, logicamente [pois que, senão, não a tinham indicado], não detectaram também a falta de adequação da solução indicada. Ou seja, pode-se dizer que a ré, nestas condições, não se podia aperceber-se das falhas da nova solução apresentada pelos auxiliares do autor.

                                                                 *

              Por fim, diz o autor:

R) Considerando-se procedente o pedido de condenação da ré a que se refere a conclusão I, relativamente ao pagamento de penalidades contratuais, deve a 2.ª ré, por ter constituído garantia bancária do bom cumprimento das obrigações da ré, ser condenada a efectuar tal pagamento ao autor, solidariamente com a ré, até ao montante de 25.452,47€, correspondente ao valor da garantia bancária.

              Apreciação:

              É evidente a procedência desta pretensão, já que ela é dependência da condenação da ré no pedido A, vista a garantia bancária prestada pela B-SA em benefício do autor pelo montante correspondente a 10% do valor estimado dos trabalhos, concretamente, de 25.452,47€, ficando a B-SA também como principal pagadora de tal valor (e por isso de forma solidária com a ré), com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, e o autor reclamou por escrito o pagamento do mencionado montante (factos 53 a 55).

                                                                 *

              Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, revogando a sentença recorrida na parte em que absolveu a ré do pedido A e, em sua substituição condena-se a ré a pagar ao autor aquilo que se vier a liquidar a título de penalidades contratuais pelo atraso na execução da obra, com os limites constantes do § deste acórdão assinalado com (**) e condena-se a B-SA solidariamente com a ré até ao montante de 25.452,47€.

              Custas, na vertente de custas de parte, quer da acção quer do recurso provisoriamente em partes iguais pelo autor e pelas rés, com a proporção a ser fixada em definitivo conforme o valor que vier a ser liquidado.

              Lisboa, 22/06/2023

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto