Processo: 11352/22.1T8LSB-A Juízo de Execução de Almada – Juiz 3
Sumário:
I – Não há razão para se falar nos pressupostos da resolução do contrato quando está em causa a verificação de uma condição suspensiva.
II – No caso, para além de o executado não ter provado, como lhe incumbia, a verificação da condição suspensiva, o tribunal até demonstrou que esta não se verificou.
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:
Em 02/05/2022, a S-Lda, requereu contra A uma execução para pagamento de 21 rendas em atraso, no valor de 127.411,20€, relativas a um contrato de arrendamento.
Alegou para tanto, em síntese, que era parte naquele contrato como senhoria por ter adquirido o prédio arrendado depois de ter sido celebrado o contrato com a P-Lda, tendo o executado como fiador do mesmo, com renúncia ao benefício da excussão prévia.
O executado foi citado a 24/10/2022 e veio embargar a execução, alegando, em síntese, que a senhoria se tinha esquecido de referir o acordo celebrado entre as partes a 13/05/2022 de cessação de contrato de arrendamento, onde a senhoria acordou perdoar à arrendatária a divida de rendas referida nos presentes autos, na condição do contrato de arrendamento cessar imediatamente e da entrega das chaves e da posse à senhoria no prazo de 2 meses a contar da data de assinatura; a entrega do locado foi acordada para 13/07/2022; nos dias 12 e 13/07/2022, ele, fiador, fez vários contactos telefónicos com um sócio e com o escritório da mandatária da senhoria com vista a verificar a possibilidade de proceder à entrega do locado no dia 13 ao final do dia, sem resultado; mesmo assim permaneceu no locado durante todo o dia até por volta das 22h não tendo aparecido ninguém para receber as chaves conforme acordado; retirou todos os bens do locado, apenas permanecendo pequenas ferramentas e televisões que levaria consigo na última viagem, após entrega da chave; o que não sucedeu pois ninguém apareceu para receber as mesmas e, apesar dos esforços, o executado não conseguiu contactar telefonicamente ninguém responsável pelas mesmas; neste sentido, e devido às dificuldades de comunicação entre as partes, as chaves não foram entregues no prazo estabelecido no acordo; mas isso em nada é imputado [sic] ao executado por lhe ser completamente alheio esses factos [sic]; e por ter realizado todos os esforços para que a entrega fosse feita no dia acordado; pelo exposto o contrato extinguiu a obrigação [sic].
A senhoria contestou os embargos dizendo desde logo que não se esqueceu de referir o acordo, já que este é posterior ao requerimento de execução; no mais, impugna, com pormenor, o essencial de todos os factos alegados pelo executado, a interpretação que este faz do acordo e os efeitos de direito que tira desses factos e interpretação; em síntese da própria: nem o executado nem a empresa inquilina cumpriram as condições que lhes permitiam ter as rendas vencidas perdoadas, não se verificando nenhuma justificação para esse incumprimento, que apenas a eles é imputável, pelo que deve a oposição ser julgada improcedente por não provada e em consequência confirmar-se ser devido o pagamento do montante exequendo, prosseguindo a execução seus termos normais.
Depois de realizada a audiência final, foi proferida a sentença julgando os embargos à execução improcedentes.
O embargante recorre desta sentença, impugnando parte da decisão da matéria de facto e a improcedência dos embargos.
A exequente contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.
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Questões que importa decidir: a impugnação da decisão da matéria de facto e a extinção da dívida exequenda.
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Estão dados como provados os seguintes factos:
1\ No dia 02/05/2022, a senhoria propôs contra o fiador a acção executiva apensa para cobrança de 127.411,20€, a título de rendas em dívida emergentes do contrato de arrendamento do prédio sito na Av. 24 de Julho, […], em Lisboa (prédio adquirido pela exequente a 22/08/2016), celebrado em 02/03/2015 entre o F, na qualidade de senhoria, a P-Lda., na qualidade de arrendatária, e o embargante na qualidade de fiador “renunciando ao benefício da excussão prévia”.
2\ No dia 13/05/2022, foi celebrado o seguinte ACORDO DE CESSAÇÃO DE CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ENTRE:
I. S-LDA, […], neste acto representada por C, advogada […], na qualidade de procuradora com poderes para o acto, doravante designada por Senhoria;
II. P-Lda, […], neste acto representada por A, […], na qualidade de gerente com poderes para o acto, doravante designada por Arrendatária, e também na qualidade de fiador;
CONSIDERANDO QUE:
I A Senhoria é possuidora e legítima proprietária do prédio [arrendado]
II. Entre as partes foi acordado um contrato de arrendamento para fins não habitacionais em 02/03/2015 relativo [àquele prédio] [… em] que o prazo actualmente vigente termina no dia 28/12/2025 […];
III. […] na presente data está em dívida com as restantes 21 rendas vencidas, num total de 127.411,20€.
IV. A Senhoria está na disposição de perdoar à Inquilina a dívida de rendas referida no número anterior, na condição de o contrato de arrendamento cessar imediatamente e de a Inquilina devolver as chaves e a posse à Senhoria do locado no prazo máximo de 2 meses a contar da presente data, caso em que se dispõe adicionalmente a pagar à Inquilina uma compensação no valor de 70.000€;
Entre as Partes é livremente celebrado e reciprocamente aceite cessar o contrato de arrendamento identificado nos considerandos supra nos seguintes termos:
1.1 O contrato de arrendamento é cessado por acordo das partes, com efeitos na presente data, devolvendo-se a posse plena do locado à Senhoria, que dele passa a poder dispor com total liberdade e com apenas o limite referido no número seguinte.
1.2 A Arrendatária terá a obrigação de desimpedir o locado e de devolver as chaves do locado à Senhoria, totalmente livre de pessoas e bens, no prazo máximo de 2 meses a contar da presente data, considerando-se a detenção do locado por parte da Arrendatária durante esse período, já cessado que está o Arrendamento, a título de mero comodato.
1.3 A Senhoria compromete-se a pagar à Arrendatária uma compensação de valor único bruto de 70.000€, sendo 30% pago na data de assinatura do presente acordo e os restantes 70% na data e mediante a entrega das chaves e a efectiva desocupação do espaço.
1.4 A Inquilina desde já declara que a Senhoria pode tomar posse do locado no termo do referido prazo de 2 meses, se a entrega das chaves e a desocupação não ocorrer antes disso, autorizando a Senhoria a arrombar a porta do locado, se necessário for, e a fazer seus os bens que porventura tenham sido deixados no locado, renunciando desde já a qualquer indemnização por estes factos.
1.5 A compensação prevista no n° 1.3 não será devida caso a Arrendatária não entregue as chaves e desocupe o locado até final do referido prazo de comodato de 2 meses, mesmo que a Senhoria recupere a posse por qualquer via, incluindo por arrombamento da porta.
1.6 Apenas com a entrega das chaves e a devolução do locado livre e desocupado dentro do prazo de 2 meses supra previsto serão perdoadas as rendas vencidas e em dívida referidas supra no Considerando III.
1.7 O processo de Execução para cobrança dos valores em dívida referidos no Considerando III supra que foi intentado contra o fiador […], bem como o processo de despejo intentado contra a Inquilina no Balcão Nacional de Arrendamento, serão terminados e extintos por desistência da Senhoria com a entrega das chaves e a devolução do locado livre e desocupado dentro do prazo de 2 meses supra previsto, nada mais sendo devido à Senhoria por parte da Arrendatária nem do Fiador.
1.8 Se as obras de construção civil previstas para o imóvel forem efectuadas pela Senhoria, esta compromete-se a deslocar do locado para fora a máquina de reciclar ar pertencente à Inquilina, de modo a que a Arrendatária a possa levar. Se as obras forem feitas por outra pessoa ou entidade, designadamente por o imóvel ser entretanto vendido, a Senhoria compromete-se a solicitar que essoutra pessoa ou entidade faça essa diligência e a fazer os seus melhores esforços para que esse pedido seja aceite.
[para melhor compreensão do acordo, este TRL transcreveu-o quase na íntegra, com algumas simplificações, mas o acordo já estava dado como reproduzido na sentença recorrida]
3. No dia 13/07/2022, o embargante deslocou-se ao imóvel.
4. Nesse dia, iniciaram obras na Avenida 24 de Julho que atrasaram o trânsito dos veículos automóveis.
5. Nesse dia, o embargante contactou David, sócio da embargada, para entregar as chaves do imóvel, ao que este informou encontrar-se no estrangeiro e estar impossibilitado de as receber.
6. O embargante não retirou do interior do imóvel, até às 24h do dia 13/07/2022, vários objectos aí existentes, como mobília, equipamentos, ferramentas, documentados no documento 3 junto à contestação.
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Da impugnação da decisão da matéria de facto:
Das conclusões do recurso é possível retirar que o executado entende estarem provados, para além dos que a sentença deu como tal, os seguintes factos:
2\ A entrega do locado foi acordada para o dia 13/07/2022.
3\ No dia 12/07/2022, o executado contactou telefonicamente o Sr. D, sócio da S-Lda, com quem havia discutido todos os pontos do acordo, com vista a verificar a possibilidade de proceder à entrega do locado no dia 13/07/2022 ao final do dia, na medida em que estavam a ser realizadas obras na Av. 24 de Julho, tendo sido impostas limitações e restrições na circulação do transito.
4\ Dificultando o trabalho dos veículos de transporte do material que estava no imóvel […]
5\ Diante da ausência de qualquer resposta, o executado reuniu todos os esforços para a entrega do locado no final do dia.
6\ No dia 13/07/2022 voltou a contactar o Sr. D para entregar as chaves do locado, mas o mesmo informou que se encontrava no estrangeiro e que não teria nada a ver com esse assunto. Posto isto o ora executado contactou telefonicamente a Drª. C para o número 210000000, por diversas vezes, não tendo a chamada sido atendida e, quando finalmente atenderam, informaram que a Drª não estava no escritório.
7\ Mesmo assim o executado permaneceu no locado, durante todo o dia até por volta das 22h não tendo aparecido ninguém para receber as chaves conforme acordado.
8\ O executado retirou todos os bens do locado tendo gasto inclusive cerca de 6.000€ em desmontagem e transporte dos moveis e electrodomésticos. Apenas permanecendo no local pequenas objectos que iriam ser transportados no veículo do próprio executado aquando da entrega da chave.
[…].”
No corpo das alegações consta a fundamentação destas pretensões / impugnações do recorrente que se passam a analisar:
Quanto a 2\ [que é diferente do que resulta do contrato] e a 5\, o recorrente não especifica os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, em violação do ónus imposto pelo art. 640/1-b do CPC, pelo que a impugnação é rejeitada.
O mesmo vale quanto ao telefonema invocado em 3\.
Quanto às questões de trânsito referidas em 3\ e 4\ o recorrente diz que “a testemunha N confirmou mesmo e passamos a citar que ‘o trânsito não estava difícil, estava mesmo parado’ e que apenas chegou lá porque ‘atravessou de barco’ (01:10:00).”
Ora, é certo que esta testemunha disse isto, durante o minuto 1:10:00 mas antes, de 01:08:23 a 01:08:31, tinha dito: “aquilo [o trânsito] estava um bocado complicado, na Av. 24 de Julho”, que não permite ir para além do que já consta como provado no facto 4.
O recorrente invoca ainda “notícias dos meios de comunicação daquele dia, também estas juntas aos autos em sede própria” e o depoimento da “testemunha F […] de uma imobiliária sedeada próxima do imóvel, que o confirmou de forma segura e que não tem interesse na causa.”
Quanto às notícias elas não estão identificadas em concreto, mas, visto que o processo é pequeno, foram-se procurar as mesmas e o recorrente está a referir-se a três links que colocou na petição de embargos para páginas de jornais, que não são, ao contrário do que ele diz, do próprio dia, mas do dia 11/07, anunciando condicionamentos que iriam ocorrer, não podendo obviamente confirmar que eles tinham ocorrido, nem com que efeitos. Quanto ao depoimento da testemunha F não foi observado o ónus previsto no art. 640/2-a do CPC – Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes – pelo que não pode ser considerado.
Em suma, o único elemento probatório indicado em concreto não permite ir para além do que já consta como provado do facto 4, pelo que a impugnação improcede.
Apesar do que diz em 5\, no corpo das alegações o recorrente refere uma resposta que lhe foi dada nesse telefonema, mas sem cumprir o ónus do art. 640/2-a do CPC, pelo que nem sequer pode ser considerado. Ou seja, a pretensão de dar como provado o que consta de 5\ improcede.
Quanto aos dois telefonemas invocados em 6\ o recorrente não cumpre o ónus do art. 640/1-b do CPC, embora indique provas para um acidente que não está aqui em causa, pelo que é rejeitada, sem prejuízo de parte da respectiva matéria ter sido dada como provada no facto 5.
Quanto a 7\, o recorrente invoca depoimentos mas não cumpre o ónus probatório do art. 640/2-a do CPC, pelo que é rejeitada.
Quanto a 8\, diz que retirou todos os bens do locado tendo gastado inclusive cerca de 6.000€ em desmontagem e transporte dos moveis e electrodomésticos durante 3 dias, conforme foi confirmado pelas testemunhas Ca (39:29) e Ma (55:00). Apenas permanecendo no local pequenas objectos que iriam ser transportados na última carga e outros no veículo pessoal do embargante aquando da entrega da chave conforme descrito em prova testemunhal de Ca (33:37), sendo que a maioria dos bens que ali se encontravam nem sequer eram da propriedade do embargante. Mais ficou provado em sede de prova testemunhal por N (1:11,30) que não foi possível retirar a UPS pois não tinha o equipamento necessário, não sendo por isso imputado ao embargante.
Ora, logo destas alegações do recorrente decorre que ele não retirou tudo deixando lá coisas (o que põe em causa a 1.ª parte de 8\), incluindo uma coisa para cuja retirada era necessário equipamento que ele não tinha, o que põe em causa a parte final da pretensão de 8\, sendo que nada disto põe em causa o que consta do facto provado sob 6, antes pelo contrário o confirma. Quanto ao que o embargante gastou, o facto é irrelevante. Pelo que esta pretensão também improcede.
Em suma, improcedem todas as pretensões da impugnação da decisão da matéria de facto.
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Do recurso sobre matéria de direito
A sentença tem a seguinte fundamentação:
As partes, por via deste acordo [de cessação do contrato], subordinaram o perdão da dívida e desistência da instância executiva destinada à sua cobrança a um acontecimento futuro e incerto: futuro, porque dependente da entrega das chaves do imóvel e da desocupação do mesmo livre de pessoas e bens no prazo de dois meses contado da data da sua assinatura; incerto, porque ainda não era uma certeza que a embargada cumprisse o acordo.
Quer dizer: as partes fizeram depender o perdão da dívida e a desistência da execução pela embargada ao cumprimento de duas condições suspensivas pela embargante: a entrega das chaves e a entrega do imóvel livre de pessoas e bens no prazo (futuro) de dois meses – art. 270 do CC.
O ónus de provar a verificação das referidas condições suspensivas, recaía sobre a parte que dos seus efeitos – máxime, da extinção da obrigação exequenda – se quis e quer prevalecer, ou seja, o embargante – art. 342/2 do CC.
Por isso, a questão a resolver, enunciada, é a seguinte: As condições extintivas da dívida foram cumpridas?
Neste contexto, o embargante havia alegado que:
– quanto à entrega das chaves, acordou com a parte contrária a entrega no dia 13/07/2022, falou com o sócio da embargada no dia 12/07/2022, que disse ir falar com a advogada, e nada mais disse, e que no dia 13/07/2022 ligou várias vezes para o escritório da advogada, tendo sido finalmente avisado que ela não estava, em consequência do que esperou no imóvel até às 22 horas e ninguém apareceu;
– quanto aos bens, os únicos deixados foram pequenas ferramentas e umas televisões, implicitamente querendo significar serem irrelevantes na aferição do cumprimento do acordado.
Porém, o embargante apenas provou que:
– quanto à entrega das chaves, falou no dia 13/07/2022 com o sócio da embargada, que disse estar no estrangeiro, e não também que acordou previamente a entrega ou que encetou múltiplos contactos telefónicos com a advogada;
– quanto aos bens, não provou que foram apenas aqueles no imóvel.
Complementarmente, ficou provado, quanto aos bens deixados no imóvel, que eles são os documentados nas fotografias juntas como documento 3 à contestação, ou seja, um conjunto muito significativo de bens (portanto, não desprezível ou irrelevante), designadamente, almofadas, ferramentas, quadros, baldes, bancos, caixotes, material eléctrico (cabos, focos), frigorífico, copos, garrafas, talheres, forno, máquina de café, moveis com prateleiras, material de som, etc..
À luz dos factos provados, nenhuma das condições foi cumprida:
– quanto à entrega das chaves, a boa fé na execução dos contratos impunha que o embargante demonstrasse ter tomado as diligências necessárias e possíveis para a concretizar, v.g., o envio de carta ou mail prévios a designar data e local da entrega (com prova de envio e recepção) – o embargante, pelo teor do “acordo” sabia do local da sede da embargada e do escritório da advogada, e, pelas cartas juntas ao requerimento executivo, do mail da advogada – e comportamento posterior tendente a cumpri-la, ou, se decidida a entrega no último dia do prazo, dia 13/07, a realização de chamadas telefónicas para a advogada e, mesmo se impossível o contacto, a deslocação ao escritório da advogada e, ainda assim, se impossível, à sede da embargada e tentativa ou concretização da referida entrega, em último caso, através do seu depósito na caixa do correio.
– quanto à devolução do imóvel sem bens, foram muitos os bens deixados no interior do imóvel e a prudência recomendava que o embargante não deixasse a recolhida deles para o último dia do prazo, a que acresce não ter ficado provado, sequer, ter estado interdita a circulação automóvel que a tenha impossibilitado no último dia do prazo.
Não verificadas as referidas condições, necessárias à extinção da dívida exequenda, deve a instância de execução prosseguir os seus normais termos.
Uma última nota se impõe fazer quanto à alegação, produzida pelo mandatário da embargante, de que o incumprimento do acordo pela embargante era meramente temporário, e não definitivo, estando ainda em aberto a possibilidade de vir a ser cumprido.
A leitura do acordo desmente categoricamente tal afirmação:
O estabelecimento do prazo máximo de dois meses para o cumprimento das condições e da faculdade, em caso de incumprimento, de a embargada poder apossar-se do imóvel, arrombando-o (e, sequencialmente, trocando a fechadura), e de poder fazer seus os bens deixados no seu interior, evidencia, de forma inequívoca, que aquele prazo era absoluto e não admitia qualquer prorrogação.
Os embargos improcedem.
Contra isto, o recorrente diz o seguinte:
9\ O direito à resolução do contrato previsto no artigo 432 do CC, direito potestativo com eficácia extintiva, depende do incumprimento definitivo e não da simples mora.
10\ O devedor, segundo o art. 804/2 do CC, considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido. Ora, no caso em apreço, a mora deu-se por causa que não é imputável ao devedor, conforme já resultou provado, o condicionamento da circulação impossibilitou e dificultou os veículos de transporte dos bens que se encontravam no imóvel.
11\ Mas mesmo que assim não se considere, pressupondo que a mora é imputável ao devedor, não passava de isso mesmo, simples mora e nunca incumprimento definitivo.
A exequente contrapõe que:
As condições acordadas entre as partes para operar o perdão das rendas não se verificaram nem podem já verificar-se (não pode já o executado entregar as chaves nem a posse do que já foi objecto de tomada de posse por meio de arrombamento e troca de fechadura, nos termos previstos no acordo), pelo que não procede o argumento da mera mora.
Apreciação:
O que está em questão, como causa de extinção da execução, é a extinção da dívida exequenda por perdão.
Este, nos termos do ponto 1.6 do acordo celebrado entre as partes “Apenas [ocorria] com a entrega das chaves e a devolução do locado livre e desocupado dentro do prazo de 2 meses supra previsto […]”
Ou seja, a dívida extinguia-se por perdão se até ao fim do prazo previsto se verificassem os dois eventos aí previstos.
Está-se, pois, como diz a sentença recorrida, perante uma condição suspensiva: artigo 270 do CC (noção de condição): As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva.”
Estando em causa uma condição, ainda para mais suspensiva, não tem sentido trazer à colação as questões ligadas à resolução invocadas pelo recorrente, mesmo que se tratasse de uma resolução prevista numa cláusula contratual: uma suspensão de eficácia do contrato não se confunde com uma resolução do contrato. As distinções que a doutrina se tem preocupado em fazer são, por isso, apenas entre a condição resolutiva e a cláusula resolutiva (Baptista Machado, Pressupostos da resolução por incumprimento, em Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Teixeira Ribeiro, II, Coimbra, 1979, páginas 402 a 405; Daniela Baptista, Da cláusula resolutiva expressa, em Estudos em homenagem ao Prof. Doutor, Henrich Ewald Hörster, Almedina, 2012, páginas 218 a 223).
Nos termos do art. 343/ 3 do CC, “[s]e o direito invocado pelo autor estiver sujeito a condição suspensiva […], cabe-lhe a prova de que a condição se verificou […]”, prova que o recorrente não fez, como lhe competia (a sentença invocou a perspectiva de condição extintiva da dívida para efeitos de ónus da prova, com o mesmo resultado prático, já que implicou a aplicação da regra do artigo 342/2 do CC). Antes pelo contrário, a sentença recorrida demonstra que a condição não se verificou (nem se podia verificar mais tarde, porque a data já passou).
Ora, quanto a isto, o recorrente discutiu-o a nível de facto, com a pretensão de se darem como provados factos que, já se viu na parte do acórdão relativa à impugnação da matéria de facto, não o estavam minimamente.
E, na parte de Direito, limita-se a, no fim da conclusão 10.ª, a invocar um daqueles factos não provados mas que o recorrente poderia dizer ter suporte parcial no facto provado sob 4; mas este facto (atrasos no trânsito no último dia do prazo) já foi tido em consideração na argumentação do tribunal recorrido que demonstrou que ele não serve para o efeito: no essencial, o recorrente faz de conta que havia uma data fixa para a entrega, quando o que resulta naturalmente do acordo é que havia um período de dois meses para esse entrega.
Não tendo qualquer argumentação minimamente pertinente contra a conclusão linear do tribunal relativamente à não verificação da condição suspensiva – pois que já se viu que invocar as razões ligadas à resolução do contrato não é apresentar argumentação pertinente ao caso -, e tendo sido afastada toda a alteração de factos, não há mais nada a discutir no recurso.
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
Sem custas de parte, visto que o embargante está dispensado delas.
Lisboa, 06/07/2023
Pedro Martins
1.º Adjunto
2.º Adjunto