Proc. – Juízo de Execução de Lisboa
Sumário:
I – O rol de testemunhas [apresentado num requerimento de incidente de instância – artigo 293/1 do CPC] pode ser alterado nas condições definidas no artigo 598/2 do CPC (aplicável ao abrigo do artigo 549/1 do CPC).
II – A norma do art. 511/4 do CPC pode ser aplicada aos incidentes de instância, ao abrigo do art. 549/1 do CPC, já que o limite do art. 294/1 do CPC pode dar origem ao exacto mesmo problema que o mesmo limite da parte final do art. 511/1 do CPC.
III – Se o juiz admite um aditamento de uma 6.ª testemunha sem ter em conta que se trata de uma 6.ª testemunha, nem o limite legal do art. 294/1 do CPC, nem a possibilidade conferida pelo art. 511/4 do CPC, verifica-se uma nulidade processual que tem de ser arguida para poder ser conhecida.
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:
A-SA, exequente numa execução em que é executado C, deduziu, a 24/02/2021, nos termos do disposto no artigo 741/1 do CPC um incidente de comunicabilidade de dívida contra o cônjuge do executado, I. Arrolou prova, entre ela 5 testemunhas.
Depois de ter sido deduzida oposição e de ter sido marcado dia para produção de prova (27/03/2023), a exequente requereu, a 06/03/2023, nos termos do disposto no artigo 598/2 do CPC, que uma testemunha fosse aditada ao seu rol de testemunhas.
A 08/03/2023 foi proferido o seguinte despacho: Admito o aditamento ao rol de testemunhas, nos termos do art. 598/2-3 do CPC.
A requerida recorreu deste despacho, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem na parte que importa e com algumas simplificações):
1. O art. 598 do CPC é inaplicável aos presentes autos.
2. Isto porque, o despacho em crise foi proferido no âmbito de um incidente de comunicabilidade da dívida, deduzido pela exequente, nos termos da 2.ª parte do n.º 1, do artigo 741 do CPC, através de requerimento autónomo, após o início da acção executiva.
3. Ao incidente em causa aplica-se, por força da remissão expressa prevista na parte final do n.º 1, do artigo 741 do CPC, o regime dos incidentes da instância, previsto nos artigos 293 e seguintes do CPC.
4. Ao abrigo do disposto no artigo 293 do CPC, o requerimento probatório tem de ser todo oferecido no requerimento em que se suscita o incidente,
5. E as partes não podem produzir cada uma, mais de cinco testemunhas, conforme dispõe o art. 294/1 do CPC.
6. O pedido apresentado pela exequente é extemporâneo e ainda que não o fosse, teria sempre de ser desconsiderado nos termos do artigo 511/3 do CPC, porque ultrapassou o limite máximo de testemunhas admissível pelo artigo 294 do CPC, uma vez que a exequente tinha já apresentado um rol de cinco testemunhas no seu requerimento inicial.
A exequente contra-alegou no sentido da improcedência do recurso; muito em síntese das extensas “conclusões”: lembra três acórdãos (do TRP de 27/10/2022, proc. 827/20.7T8OAZ-A.P1, do TRG de 04/06/2013, proc. 3418/10.7TBBCL-C.G1, e do TRL de 29/06/2006, proc. 556/2006-2) que apontam nesse sentido, invoca o direito à prova e o princípio da verdade material, e diz que por força dos artigos 598/2 e 551/4 do CPC era admissível o aditamento do rol.
O recurso foi admitido com o modo de subida (em separado) e efeito (devolutivo) devidos.
A 29/05/2023 foi proferido decisão singular neste TRL, julgando o recurso improcedente, com custas, na vertente de custas de parte, pela requerida/recorrente.
A requerida veio, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3, do artigo 652.º, do CPC, requerer que sobre a matéria recaia acórdão, para que a conferência revogue a decisão singular e a substitua por decisão que julgue o recurso procedente e, consequentemente, indefira o pedido da requerente, não admitindo o aditamento da testemunha M ao seu rol de testemunhas.
A requerente respondeu, defendendo a improcedência da reclamação e a confirmação da improcedência do recurso.
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Questão a decidir: se a reclamação deve ser deferida, revogando-se a decisão singular e julgando-se procedente o recurso indeferindo-se o aditamento da testemunha.
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Os factos a considerar são apenas os que antecedem.
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Apreciação:
O incidente de comunicabilidade da dívida segue o regime geral dos incidentes de instância, como aliás resulta dos artigos 741/1 e 292 do CPC.
Por força do art. 549/1 do CPC, os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo o quanto não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum.
Lebre de Freitas e Isabel Alexandre esclarecem: “Embora não constituam processos especiais […], os incidentes e os procedimentos cautelares também levam à aplicação das normas do processo comum nos casos omissos, na medida em que a analogia das situações o impuser.” (CPC anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, 2017, pág. 475).
O art. 293/1 do CPC dispõe: No requerimento em que se suscite o incidente e na oposição que lhe for deduzida, devem as partes oferecer o rol de testemunhas e requerer os outros meios de prova.
O regime dos incidentes de instância não diz mais nada sobre o assunto.
E, no entanto, a necessidade de aditamento do rol de testemunhas pode aparecer nestes incidentes como em qualquer processo comum, onde a prova também deve ser proposta na petição (art. 552/2 do CPC) pelo que logicamente se tem de lhe aplicar as normas dos art. 598 do CPC, o qual diz, no seu n.º 2: O rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias.
Pelo que, sem prejuízo do que se segue, o aditamento, por si, era admissível.
Assim, também Miguel Teixeira de Sousa, no CPC online, versão 2022.12, NP 5 aos artigos 292-361: “(a) Aos incidentes da instância aplicam-se as disposições próprias, bem como as disposições gerais e comuns que constam dos art. 293.º ss. (art. 549.º, n.º 1, ext.). (b) Subsidiariamente, aplica-se aos incidentes da instância o que se acha estabelecido para o processo declarativo comum (art. 549.º, n.º 2, ext.)” [a última referência a 2 é lapso de escrita manifesto – TLR]. E nota 2 ao art. 293: “[…] (b) O rol de testemunhas pode ser alterado nas condições definidas no art. 598.º, n.º 2 (aplicável ex vi do art. 549.º, n.º 1, ext.).”
No mesmo sentido (da aplicação subsidiária das regras do processo comum), também, Salvador da Costa, Os incidentes de instância, 2016, 8.ª edição, Almedina, pág. 14, embora nada diga quanto à aplicação do art. 598/2 do CPC.
No mesmo sentido, da aplicação do art. 598/2 do CPC (ou norma equivalente) para além dos invocados pela exequente, veja-se ainda um outro lembrado pelo ac. do TRP de 27/10/2022, ou seja, o do TRE de 20/10/2011, proc. 245/08.5TBELV-A.E1; e ainda os acórdãos do TRP de 16/01/2014, proc. 228/13.3TMPRT-A.P1, do TRG de 30/03/2023, proc. 215/21.8T8VVD-A.G1 (o qual refere que actualmente a reclamação contra a relação de bens já não constitui um incidente do processo de inventário; mas a questão continua a aplicar-se nos mesmos termos, ou seja os da aplicação subsidiária do regime do processo comum), do TRP de 22/02/2021, proc. 2381/19.3T8VNG-H.P1 (embora a um incidente de um processo de insolvência) e o ac. do TRE de 30/04/2015, proc. 1666/11.1TBEVR-A.E1.
Em sentido contrário, no essencial com base em se afigurar que não deve ser assim e com o apoio de Salvador da Costa, obra e local citados, que se limita a dizer que “para o oferecimento da prova há um limite temporal indirecto, porque é apresentada pelo requerente no requerimento do incidente”, vejam-se os acórdãos do TRP de 25/05/2006, proc. 0632719; do TRP de 24/05/2007, proc. 0732629; do TRC de 19/02/2013, proc. 394/10.0TBSRE-C.C1, e do TRC de 21/02/2018, proc. 2301/10.0TJCBR-A.C1.
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Por sua vez, o art. 294/1 do CPC dispõe: a parte não pode produzir mais de cinco testemunhas.
E também nada mais se acrescenta.
Ora, o artigo 511/1 do CPC, também prevê um limite para o número de testemunhas: “Os autores não podem oferecer mais de 10 testemunhas, para prova dos fundamentos da acção; […]; nas acções de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, o limite do número de testemunhas é reduzido para metade.”
Mas o seu n.º4 prevê que, atendendo à natureza e extensão dos temas da prova, pode o juiz, por decisão irrecorrível, admitir a inquirição de testemunhas para além do limite previsto no n.º 1.
Ora, a natureza e a extensão dos temas da prova também podem levar, nos incidentes de instância, à necessidade de ser produzida mais prova do que as 5 testemunhas admitidas, pelo que a analogia das situações impõe a aplicação do art. 511/4 do CPC aos incidentes de instância.
No mesmo sentido, a exequente invoca o CPC anotado de Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Pires de Sousa vol. I, 2.ª edição, Almedina, 2021, pág. 360, em anotação ao art. 294: “4. A limitação legal quanto ao número de testemunhas não obsta a que, por aplicação do disposto no art. 511.º, n.º 4, o juiz admita a inquirição de testemunhas para além desse limite.”
Salvador da Costa, obra citada e invocada pela requerida, pág. 15, diz ter propensão a considerar que o art. 511/4 do CPC não é aplicável ao caso, mas isto é insuficiente para convencer da não aplicabilidade dada a fundamentação já avançada em sentido contrário.
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Na reclamação, a requerida vem admitir que “É certo que ao longo da pendência da instância pode surgir a necessidade de aditamento ao requerimento probatório”, mas acrescenta que a requerente “não arguiu perante o tribunal a quo a essencialidade desse aditamento, nem arguiu que não pôde aditá-la anteriormente ou indicá-la no seu requerimento inicial.” E, ainda, que: o tribunal a quo não admitiu a inquirição de mais uma testemunha ao abrigo do n.º 4 do artigo 511.º do CPC, isto é, por entender que a natureza e a extensão dos temas da prova o justificavam – até porque nem foram fixados temas da prova nos presentes autos. Por fim, diz: ao contrário do que se diz no despacho reclamando, “não houve uma situação de ausência de fundamentação [do despacho recorrido], cuja nulidade pudesse ser arguida, pois o tribunal a quo fundamentou a sua decisão: admitiu a inquirição de mais uma testemunha, superior ao limite admitido, porque entendeu que lhe seria aplicável o disposto no n.º 2 do 598.º do CPC, isto é, porque no seu entender, estava na livre disponibilidade da parte que a apresentou.”
Ora, também se entende que o juiz só pode deferir o aditamento de uma testemunha que ultrapasse o limite de 5 caso se verifiquem os pressupostos do art. 511/4 do CPC, como se disse no despacho alvo da reclamação, pelo que, tendo o juiz admitido esse aditamento sem sequer se ter posto a questão da consideração dessa exigência, tal despacho consubstancia uma irregularidade que é uma nulidade processual por poder influir no exame da causa (artigo 195/1 do CPC) que teria de ser arguida (na 1.ª instância – arts. 196 e 197 do CPC) para depois ser objecto de recurso.
O que não aconteceu, já que o que a requerida invocou foi o erro de julgamento do despacho, por violação também do disposto no art. 294/1 do CPC. Mas esse erro de julgamento pressupunha que o juiz tivesse apreciado, expressa ou implicitamente, a questão (da aplicação ou não do limite dessa norma); ora, no caso, é manifesto, dada a fundamentação do despacho recorrido, que o juiz não se apercebeu sequer da questão.
Corrige-se, com o que consta dos dois §§ que antecedem – embora o resultado prático seja o mesmo -, a posição assumida na decisão singular reclamanda, de considerar, nesta parte, que tinha havido uma nulidade, não arguida, do despacho recorrido por falta de fundamentação.
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Pelo exposto, julga-se a reclamação improcedente (embora com parcial correcção da fundamentação), mantendo a decisão singular que julgou o recurso improcedente, com custas do mesmo pela requerida.
Custas da reclamação, na vertente de custas de parte, pela requerida/reclamante.
Lisboa, 13/07/2023
Pedro Martins
1.º Adjunto
2.º Adjunto