Exec. Comum (AE) 31002/12.3T2SNT – Juízo de Execução de Sintra

              Sumário:

              I – Extinta uma execução, extinguem-se com ela as penhoras pendentes (excepto no caso e pelo período previsto no art. 809/1 do CPC).

              II – As penhoras extintas devem ser levantadas e canceladas no registo predial, mas o facto de o AE não as levantar nem cancelar não impede a extinção delas, já que tais actos são posteriores à extinção.

              III – A lei não prevê o renascimento de penhoras extintas.

              IV – A renovação da execução (art. 850 do CPC) tem pressupostos que não se verificam no caso.

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

              1\ A 19/12/2012, o B requereu uma execução contra a S-Lda, JC e VC para obter o pagamento de 293.308,56€ e juros de mora vencidos e vincendos.

              2\ No âmbito da execução foi penhorado, a 17/12/2015, o prédio urbano […] descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Amadora […], registada pela AP. 3353 de 17/12/2015. O auto de penhora só foi junto pelo AE aos autos a 04/02/2016. O registo da penhora só foi junto pelo AE aos autos a 05/02/2016.

              3\ Decorre desse registo que o imóvel tem a sua compra pela sociedade executada registada com data de 23/04/2008 e também uma hipoteca registada (pelo montante máximo assegurado de 1.428.325€) a favor da CGD da mesma data (ambas convertidas em definitivas em 16/05/2008). Bem como um procedimento cautelar com um pedido de arresto registado provisoriamente com a apresentação de 09/06/2011, em nome de P (e que ainda em 11/11/2021 não estava cancelado – conforme certidão junta na reclamação de créditos do apenso B). E uma penhora a favor da Fazenda Nacional realizada a 07/10/2011 no processo de execução fiscal 3131… e apensos, que corre termos no Serviço de Finanças de Amadora 1, registada com a apresentação de 16/11/2011. Ficou então com a penhora realizada nestes autos a 17/12/2015 registada no próprio dia (a favor do B).

              4\ A 03-04/02/2016, o AE diz que da análise do registo do bem, verifica-se a existência de uma penhora anterior, pelo que decide a sustação dos presentes autos quanto àquele bem, nos termos do artigo 794 do Código Processo Civil (esta decisão foi notificada aos executados e dada a conhecer ao tribunal a 03-04-05/02/2016; o exequente não foi notificado mas interveio no processo por várias vezes depois disso, designadamente acompanhando a venda de um outro imóvel e a 27/07/2020 com um requerimento para prossecução da execução depois da venda de um outro imóvel e com um requerimento para penhora de contas bancárias feito a 15/09/2020).

              5\ A 03/02/2022, depois da venda de outro imóvel (título elaborado a 18/10/2019), o AE nomeado nos autos declara, nos termos do disposto no artigo 849/2 do CPC, a instância extinta ao abrigo do art. 849/1-c do CPC (: a execução extingue-se nas seguintes situações: nos casos referidos nos artigos 748/3, 750/2, 799/6 e 855/4, por inutilidade superveniente da lide) e notifica essa decisão ao exequente, aos executados e ao tribunal e insere os executados na lista pública de execuções.

              6\ Apesar da extinção da execução e da consequente extinção das penhoras pendentes, o AE não as levanta.

              7\ A 11/08/2022, a advogada da execução hipotecária escreve o seguinte e-mail ao AE (assunto: FW: GPESE/SISAAE – Diligência efectuada no processo 31002/12.3T2SNT [SISAAE é a plataforma informática desenvolvida para tramitação dos processos judiciais pelos AE de execução interagindo de forma automática com o sistema informático dos tribunais e outros. Foi criada em 2003 com a designação Gestão Processual de Escritório de Agente de Execução (GPESE)]

         Perante a informação da extinção da execução em epigrafe por inutilidade superveniente da lide, prestada no e-mail infra, uma vez que ainda subsiste a penhora efectuada sobre a descrição predial […] da 1ª CRP da Amadora, […], pela AP. 3353 de 2015/12/17, questionamos se poderá ser emitida certidão para efeitos de cancelamento da referida penhora.

              8\ A 11/11/2022 A, pelo AE De, envia para o AE nestes autos, sobre o Assunto: N/Processo 10086/21.9T8SNT – […] – V/Processo 31002/12.3T2SNT) o seguinte e-mail:

         Venho pelo presente, no âmbito do V/processo 31002/12.3T2SNT, solicitar a V/Exa o envio da certidão de cancelamento da penhora registada sobre o prédio urbano […] uma vez que tivemos informação do Tribunal que o mesmo se encontra extinto.

              9\ A 28/11/2022, a Sr.ª Juíza na execução sumária  10086/21.9T8SNT, pede informação “no sentido de saber qual a razão pela qual não se mostra levantada a penhora realizada sobre o prédio […], tendo em conta que o mesmo [o processo 31002/12] se encontra arquivado.”

              10\ Com o pedido de informação, vêm requerimentos e documentos dos quais decorre o seguinte:

         11\ Sobre o prédio penhorado nestes autos [31002/12] foram entretanto registadas várias outras penhoras a favor da Fazenda Nacional, foi também registada, pela apresentação de 31/01/2020, a transmissão do crédito hipotecário da CGD à favor da X-SARL, e foi ainda registada pela apresentação de 08/09/2021 a penhora a favor desta última X no âmbito da execução 10086/21 de onde partiu o pedido de informação, que é uma execução hipotecária requerida pela X contra os executados singulares sendo eles os únicos sócios da sociedade executada entretanto dissolvida que era a titular inscrita do imóvel.

         12\ Ora, também essa execução hipotecária, 10086/21.9T8SNT, depois de nela ter sido penhorado o imóvel em causa, foi suspensa, por força da penhora fiscal anterior […]: art. 794 do CPC.

         13\ A 02/03/2022, por, segundo a X, a execução fiscal estar pendente há mais de 10 anos, a X requereu ao juiz na execução 10086/21 que a sustação fosse levantada, o que foi indeferido por despacho de 10/05/2022, em virtude do Serviço de Finanças de Amadora 1 ainda não ter tomado nenhuma decisão sobre o imóvel penhorado.

         14\ A X – que já tinha o seu crédito, cedido pelo CGD, reclamado por esta desde 2012 no processo de execução fiscal – foi então requerer, junto do SFA1, despacho sobre o prosseguimento da venda no âmbito da execução fiscal, ou a suspensão da mesma ao abrigo do disposto no art. 244/7 do CPPT, o que veio a ocorrer por despacho de 16/07/2022.

         15\ Nesse despacho (transcrito mais à frente de forma mais completa), os SFA1 decidem suspender a venda do imóvel, nos termos do art. 244/7 do CPPT.

         16\ Em poder dessa decisão, a X voltou a pedir o levantamento da sustação da execução hipotecária [lembrando que a execução 31002/12.3T2SNT, com penhora registada pela AP. 3353 de 2015/12/17 – cf. doc.1 – já se encontra extinta, cf. apurou junto do respectivo AE, pelo que, está igualmente impedida de reclamar os seus créditos nessa execução e de aí ver promovida a venda do imóvel], o que foi deferido em 08/11/2022 pela Srª juíza dessa execução, entendendo que a sustação não se justificava perante a suspensão da venda no processo fiscal, sob pena de bloqueio dos direitos da X. Decidiu-se em consequência citar-se a Fazenda Nacional para, querendo, reclamar nestes autos os respectivos créditos, prosseguindo os mesmos os seus ulteriores termos.

         17\ A X requereu então que a Srª juíza da execução hipotecaria determinasse a citação dos demais credores, nomeadamente do exequente do processo 31002/12.3T2SNT, para, querendo, reclamar nos autos os respectivos créditos, nos moldes em que tal tinha sido feito junto da AT, permitindo assegurar, nos autos, os mesmos direitos que teria exercido na execução fiscal suspensa.

         18\ A Srª Juiz da execução hipotecária apercebeu-se então da existência da penhora anterior nestes autos e daí o pedido de informação que dirigiu a estes autos.

              19\ O AE destes autos (31002/12), depois de notificado daquele pedido de informação veio dizer ao tribunal/juiz, a 05/12/2022, que:

         1 – No âmbito dos presentes autos foi registada a penhora do imóvel […];

         2 – Atenta a existência de penhora registada prioritariamente, foi proferida decisão de sustação, nos termos do art. 794 do CPC;

         3 – A decisão de sustação possibilita ao exequente apresentar a competente reclamação de créditos no processo onde a penhora foi registada prioritariamente;

         4- A execução prosseguiu com outras diligências de penhora, as quais se mostraram infrutíferas;

         5 – Deste modo, em 03/02/2022, a presente execução foi declarada extinta, nos termos do artigo 849/-1c do CPC;

         6 – A penhora não foi cancelada, tendo em consideração os termos da extinção e continua a acautelar/garantir o crédito exequendo (ainda não satisfeito) no âmbito do processo onde a penhora foi realizada prioritariamente;

         7 – Contudo, desconhece o estado da reclamação de créditos presumivelmente apresentada pelo exequente, bem como se mantém o interesse na penhora realizada e/ou renovação da presente execução, de modo a que a execução possa prosseguir com as diligências de venda.

         Face ao exposto, requer a V/Ex.ª que ordene o que tiver por conveniente.

              20\ Perante isto, o exequente/B, a 06/12/2012, vem informar o tribunal e o AE que:

         Mantinha interesse na penhora do imóvel e, tendo em consideração a decisão de suspensão da venda do imóvel proferida pelo SFA1 no âmbito da execução fiscal […], requer a renovação da execução, de modo a que os autos possam prosseguir com as diligências de venda do imóvel.

              21\ A 15/12/2022, o AE:

         “na sequência do requerimento apresentado pela exequente, tendo em vista a renovação da execução extinta, nos termos do disposto no artigo 850/4 do CPC, toma a decisão de proceder em conformidade, por se mostrarem reunidos os pressupostos para o efeito. Neste sentido, a execução prossegue com a realização das seguintes diligências de penhora [sic]: Diligências de venda do imóvel penhorado. Nos termos do artigo 723/1-c do CPC desta decisão cabe reclamação para o juiz no prazo de 10 dias.”

              22\ A 15/02/2023, o AE na execução hipotecária 10086/21 dá conhecimento a esse processo que, “nos termos do disposto no art. 794/1 do CPC, susto a execução quanto ao bem infra identificado, uma vez que sobre o mesmo bem subsiste penhora registada à ordem do processo 31002/12.3T2SNT […].”

              23\ E na mesma data (15/02/2023), o mesmo AE notifica, na execução hipotecária, a X dessa decisão de sustação, nos termos do disposto no artigo 794/1 do CPC. E ainda de que:1. Caso ainda não tenha sido citado para reclamar o seu crédito no processo em que subsiste a penhora anterior, dispõe do prazo de 15 dias a contar da presente notificação para proceder a tal reclamação; 2. Pode ainda na presente execução vir desistir da penhora e indicar outros bens em sua substituição.

              24\ A 24/02/2023, o AE expôs/requereu ao Sr. Juiz o seguinte:

         1- No âmbito do presente processo [31002/21], foi registada a penhora do imóvel;

         2- Sob o referido bem, incide uma penhora prioritária, registada pela Autoridade Tributária, tendo o signatário proferido decisão de sustação, nos termos do art. 794 do CPC;

         3- Conforme consta da certidão da AT junta aos autos, foi determinada a suspensão da venda do imóvel, nos termos do art. 244/7 do CPPT;

         4- Ou seja, a AT não irá prosseguir com a venda do imóvel e, por força do art. 794 do CPC, os presentes autos continuam impossibilitado de prosseguir com as diligências de venda do bem;

         5- Tal situação prejudica não só os credores (que não vêem os seus créditos ressarcidos), como também os executados, que suportarão o acréscimo do valor em dívida, face à inércia de ambas execuções.

         Face ao exposto e na esteira do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/09/2017, processo 1420/16.4T8VIS-B.C1, vem o signatário requerer a V/Ex.ª que se digne determinar o levantamento da sustação e autorizar o prosseguimento da execução, com as diligências de venda do referido bem, sendo certo que, o Estado poderá fazer valer as garantias inerentes aos seus créditos, aquando do cumprimento do disposto no art. 786 do CPC.

         Por não se dispor de modelo próprio para o pedido que se pretende, se utiliza o presente requerimento.

              25\ A 28/02/2023, a X veio reclamar o seu crédito [2.489.248,38€] decorrente de um mútuo garantido com hipoteca (de 2008) e penhora (de 2021).

                 A 01/03/2023 foi proferido o seguinte despacho sobre o requerimento do AE :

         Os argumentos aduzidos pelo AE seriam pertinentes, apenas caso a execução fiscal na qual o imóvel foi penhorado em primeiro lugar não prosseguisse com a sua venda face ao previsto no n.º 2 do artigo 244 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

         Todavia, da informação prestada pela AT, relativa à execução fiscal […] e apensos, datada de 16/07/2022, extrai-se a seguinte informação, que aí mereceu despacho de concordância:

             “(…) verifica-se que o processo em causa, foi alvo de inúmeras diligências, tendo inclusivamente sido marcada venda do imóvel identificado no requerimento. Aliás foi nesse âmbito notificada a CGD, na qualidade de credora e tendo esta apresentado a respectiva reclamação de créditos.

             No entanto, relativamente ao imóvel em causa […] identificado como terreno para construção e já após diligências de marcação e publicitação de venda, verificaram-se uma série de constrangimentos que impediram a efectiva realização da mesma, nomeadamente a existência de uma construção com 5 pisos, composta por 10 fracções, com a existência de vários contratos de promessa de compra e venda, existindo inclusivamente já residentes no local, sem que tivessem sido emitidas licenças de utilização por parte da Câmara Municipal da Amadora ou constituída a Propriedade Horizontal do imóvel.

             Esse “novo” imóvel encontra-se inscrito na matriz sob o artigo […], por se encontrar omisso.

             Face a estes constrangimentos não se procedeu à venda do referido imóvel.

             […]

             Verifica-se que o registo da hipoteca em causa e actualmente detida pela X é anterior às penhoras registadas, pelo que gozaria de privilégio sobre os créditos da Fazenda Nacional.

             De referir ainda que apenas com a introdução do nº 7 do art. 244 do CPPT, pela Lei 7/2021, de 26/02, é possível a suspensão da venda ‘[…] sempre que for do interesse da execução, nomeadamente quando o valor dos créditos reclamados pelos credores referidos nos artigos 240 e 242 for manifestamente superior ao da dívida exequenda e acrescido (…)”.

             O valor em dívida nos PEF associados às penhoras identificadas corresponde, à presente data, a 128.709,37€.

             Assim, face ao exposto, tendo em conta os constrangimentos existentes relativamente ao imóvel e o facto de o crédito reclamado ser manifestamente superior aos valores em dívida nos autos, julgo ser de se proceder à suspensão da venda do imóvel, nos termos do art. 244/7 do CPPT, do imóvel […], nos termos do art. 244/7 do CPPT.

         Daqui resulta que na execução fiscal se determinou a suspensão da venda do imóvel com fundamento no disposto no artigo 244/7 do CPPT, pelo que não está aqui em causa a aplicação de qualquer impedimento legal à realização da venda de imóvel no âmbito da execução fiscal, por força da restrição introduzida pela Lei 13/2016 de 23/05.

         Assim sendo, no caso concreto, não se está perante a aplicação, na execução fiscal, do disposto no artigo 244/2 do CPPT, sendo que a mera delonga processual que eventualmente se verifica em tal processo, não constitui fundamento bastante para determinar o levantamento da sustação da presente execução quanto a tal bem.

         Pelo exposto, indefere-se o requerido levantamento da sustação e prosseguimento da execução.

         Notifique e comunique ao AE.

              A X recorre deste despacho – para que seja revogado e substituído por outro que determine o levantamento da sustação da execução, que deverá prosseguir os seus termos para a venda do imóvel, com citação da Fazenda Nacional e demais credores para reclamarem os seus créditos nestes autos – terminando as suas alegações com as seguintes conclusões [que se transcrevem na parte útil, sem algumas das muitas repetições]:

         I\ Por decisão de 15/12/2022, o AE decidiu pelo prosseguimento da execução, com as diligências de venda.

         II\ A referida decisão não foi objecto de reclamação pelo que se estabilizou definitivamente nos presentes autos, não podendo mais ser modificada, aplicando-se o disposto no art. 613 do CPC, tendo efeito semelhante ao do trânsito em julgado das decisões judiciais.

         III\ Não se compreende, por isso, porque razão veio tal questão a ser novamente suscitada pelo AE, nos presentes autos, sobre a mesma matéria.

         IV\ A decisão de levantamento da sustação da execução trata-se, ademais, de uma decisão da competência do AE, a qual, não tendo sido objecto de reclamação, não carece de apreciação judicial.

         V\ Decorre do exposto que não podia o tribunal a quo vir agora pronunciar-se e, muito menos, alterar o sentido de tal decisão, já estabilizada anteriormente nos autos.

         VI\ Pelo que enferma da nulidade prevista no art. 615/1-d, segunda parte, e 723/1 a contrario, ambos do CPC.

         VII\ Sem prejuízo, o despacho recorrido assenta no errado pressuposto de que apenas se justificaria o levantamento da sustação se estivéssemos perante a aplicação do disposto no art. 244/2 do CPPT e que o art. 244/7 do CPPT equivale a uma “mera delonga processual” que não constitui fundamento bastante para determinar o levantamento da sustação.”

         VIII\ O X não aceita ter os seus créditos reclamados na execução fiscal desde 24/05/2012, de estar, há mais de 10 anos a aguardar por uma venda que nunca mais ocorre e o impede de se fazer pagar pelo produto da venda do imóvel dado em hipoteca, e que tal seja qualificado como uma “mera delonga processual”.

         IX\ O art. 244/7 do CPPT foi introduzido pela Lei 7/2021, de 26/02, lei que, segundo o seu preâmbulo, visa o reforço das garantias dos contribuintes e a simplificação processual.

         X\ Em concreto, tal disposição permitiu que a AT passasse a declarar a suspensão da venda, sem qualquer limite temporal, em situações de penhoras efectivadas, mas em que não há interesse em promover a venda fiscal dos bens.

         XI\ Ora, se o escopo desta alteração legislativa é o reforço das garantias dos contribuintes, podemos concluir que o legislador não pretendeu impedir que os demais intervenientes no processo (contribuintes/credores), munidos dessa declaração de vontade da AT, pudessem assegurar o exercício dos seus direitos sobre os bens penhorados, noutra sede, que não a execução fiscal.

         XII\ Sobretudo, há-que ter em conta que na execução fiscal o credor reclamante não tem ao seu dispor um mecanismo processual que lhe permita determinar o prosseguimento da execução fiscal, ao contrário do que ocorre no art. 850/2 do CPC.

         XIII\ Perante esta nova prerrogativa do órgão de execução fiscal, de poder declarar a suspensão da venda de bens imóveis quando este órgão não vislumbre obter pagamento pelo produto da respectiva venda, o credor reclamante que viu a sua execução sustada por força da penhora anterior da AT, não pode ficar prejudicado na cobrança do seu crédito, sob pena de se lhe estar a denegar a justiça e o acesso ao direito, nomeadamente, o direito a ver satisfeito o seu crédito [artigos 18 e 62/1 da Constituição da República Portuguesa] pelo produto da respectiva venda, num prazo razoável, tal como previsto nos artigos 2/1 do CPC e 20/1 da CRP.

         XIV\ Não se mostra razoável impedir o credor hipotecário, limitado que está às regras dos artigos 752/1 do CPC e 639/1 do CC, de obter a satisfação do seu crédito em tempo razoável.

         XV\ Se a execução estiver suspensa ou interrompida, o credor com penhora posterior não está sujeito ao ónus do artigo 794/2. De outro modo, violar-se-ia a garantia constitucional do artigo 20/1 da CRP, porquanto o credor que tivesse o ónus de se apresentar numa execução já de si parada, tanto veria sustada a sua acção actual, como a já pendente. E isso configuraria uma “situação de bloqueio” inadmissível e atentatória do acesso ao direito e da defesa do património.

         XVI\ Para haver lugar à intervenção na primeira acção, é preciso ainda que as execuções onde foram efectuadas essas penhoras estejam numa “situação dinâmica”, seguindo o seu curso processual normal; o que claramente não se passa com a execução fiscal onde a AT já declarou a suspensão da venda, nos termos do 244/7 do CPPT.

         XVII\ Existe, neste caso, um claro prejuízo não só para o credor, mas também para os devedores/executados que vêm aumentar os valores em dívida, atento o vencimento diário dos juros até efectivo e integral pagamento.

         Por cautela de patrocínio, vem desde já requerer a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do disposto nos artigos 6/7, 14/9, 29 e 30/3-a todos do RCP, inteiramente justificada pela manifesta simplicidade do recurso e da questão controvertida.

              Não foram apresentadas contra-alegações.

         Questões que importa decidir: se a decisão recorrida incorreu em nulidade por excesso de pronúncia; se a execução devia ter sido renovada prosseguindo com o imóvel pressupostamente penhorado; se o remanescente da taxa de justiça deve ser dispensado.

                                                                 *

              Os factos que interessam à decisão destas questões são os que constam do relatório supra.

                                                                 *

              Apreciação:

              Segundo o art. 719/1 do CPC, cabe ao agente de execução efectuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos.

              Trata-se da promoção de diligências executivas, de actos eminentemente executivos (as expressões são retiradas de Lebre de Freitas, A acção executiva, 7.ª edição, Gestlegal, 2017, páginas 34-35, que está a falar daquilo que antes era da competência do juiz e que actualmente é da competência do agente da execução). Em nota, 55-A, aquele autor esclarece que “[a] expressão ‘efectuar (…) diligências’ situa-nos no campo da realização prática dos actos executivos […]” e, na nota 56, fala em actos de natureza executiva.

              Castro Mendes / Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, vol. II, AAFDL Editora / CIDP, 2022, página 462, dizem que o AE actua e executa enquanto o juiz de execução controla e decide; “o AE pratica actos de carácter executivo sem natureza jurisdicional; o juiz realiza actos de natureza jurisdicional sem carácter executivo.”

              A enumeração exemplificativa feita pela lei, dá nota desta natureza executiva das diligências que cabe ao AE efectuar. 

              Ora, não é claramente de natureza executiva, a decisão da questão da renovação de uma execução extinta em situação não prevista na lei e com renascimento de uma penhora também extinta, renascimento que também não está previsto na lei. Era disto, com efeito que se tratava, e não do levantamento da suspensão da execução como pretende a X. 

              É o artigo 850 do CPC que prevê a possibilidade da renovação da execução extinta, sendo que em nenhuma das suas normas está prevista a possibilidade de renovação de uma execução extinta com penhoras suspensas e depois extintas para que a execução prossiga com a renovação também da penhora extinta (a demonstração de que a penhora estava extinta far-se-á a seguir). O máximo que a lei prevê é a renovação de uma execução com penhora que até aí estava suspensa mas se o respectivo requerimento for feito no prazo de 10 dias contados da notificação da extinção (artigos 850/2 e 809/1 do CPC), portanto ainda não tornada definitiva.

              Não havendo a possibilidade legal da renovação da execução com renovação de penhora extinta, é evidente que não está na competência do AE determiná-la.

              Ora, as decisões do AE, não reclamadas oportunamente, só se tornam definitivas se tomadas dentro da esfera da sua competência (assim, Lebre de Freitas / Ribeiro Mendes / Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 3.º, 3.ª edição, Almedina, 2022, pág. 420). Assim, ao contrário do pretendido pela X, não havia uma decisão (de 15/12/2022) definitiva no processo perante a qual o AE não pudesse voltar atrás e suscitar a questão ao juiz a 24/02/2023 (artigo 723/1-d do CPC).

              Mais ainda: antes da decisão do AE de 15/12/2022, o AE já tinha colocado a questão ao juiz com o seu requerimento de 05/12/2022, reconhecendo implicitamente que ele, AE, não tinha competência decisória para a questão. Pelo que o AE nem sequer podia ter proferido decisão sem esperar pela decisão do juiz quanto ao seu requerimento anterior.

              Pelo que não se verifica qualquer caso estabilizado (do AE), nem nulidade processual na decisão recorrida.

                                                                 *

              O AE e o exequente requereram a renovação de uma execução extinta.     Quer o AE quer o exequente, e agora a X no recurso, pressupõem a existência de uma penhora pendente nesta execução, para além do AE (no último requerimento) e da X ainda considerarem que a execução estava também suspensa.

              Quanto à suspensão da execução já resulta do que antecede que é evidente o erro. O que há é uma extinção da execução.

              Quanto à penhora feita nestes autos sobre o prédio […] é verdade que, como diz o AE, ela não foi cancelada mas, ao contrário do que é por ele defendido, não se pode dizer que a penhora continue a acautelar/garantir o crédito exequendo.

              Com efeito, a extinção da execução implica, necessariamente, a extinção das penhoras que ainda não tinham sido levantadas por qualquer outro motivo (decorrido, quando for caso disso, o prazo de 10 dias para o requerimento do credor reclamante – artigos 850/2 e 809/1, ambos do CPC). E tendo sido extintas, deviam ter sido levantadas e depois canceladas no registo predial (art. 101/2-g do Código do Registo Predial – neste sentido, Lebre de Freitas, A acção executiva, citada, págs. 298-299; no mesmo sentido, Castro Mendes / Teixeira de Sousa, Manual citado, pág. 710; Lebre de Freitas / Ribeiro Mendes / Isabel Alexandre, CPC citado, pág. 487 em nota ao art. 734: “verificada uma das situações previstas no art. 726/2 do CPC […] o juiz profere despacho de extinção da instância executiva e ordena o levantamento da penhora que entretanto haja sido efectuada.”; Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 2013, págs. 682-683).

              É certo, entretanto, que sustada a execução pela existência de uma penhora efectuada (ou registada) anteriormente noutro processo, e reclamado nesse outro processo o crédito garantido por ela, este crédito continua garantido, mas isso porque o direito real de garantia constituído pela penhora (Lebre de Freitas, A acção executiva, citado, pág. 309-311) não desaparece retroactivamente com a extinção da penhora. Mas a penhora, como tal, não subsiste (dai que, ao que se crê, Lebre de Freitas e outros, CPC citado, pág. 718, digam que ‘os efeitos da penhora’ se extinguem com a venda executiva que se realize na primeira execução, e não que a ‘penhora’ se extingue). Para além disso, no caso, não há prova de que o crédito exequendo nestes autos tenha sido reclamado na execução fiscal anterior, pois que o AE nem sequer deu conhecimento da sustação da execução quanto ao imóvel […] ao exequente que, por isso, não o pode ter reclamado (e este nunca arguiu a nulidade da falta de notificação apesar de ter intervindo no processo por várias vezes depois disso, pelo que já não estaria em tempo para isso: artigos 199 e 149 do CPC).

              Assim, as penhoras não subsistem às execuções. Se isto não fosse assim, e se pudesse ser como quer o AE – a subsistência das penhoras não canceladas para garantia dos créditos exequendos apesar da extinção da execução, sem mais – a lei não precisava de criar o regime especial dos artigos 806 a 810 do CPC: havendo acordo de pagamento da dívida exequenda em prestações, se o exequente declarar que não prescinde da penhora já feita na execução, aquela converte-se automaticamente em hipoteca ou penhor, beneficiando estas garantias da prioridade que a penhora tenha, sem prejuízo do disposto no artigo 809, e o AE comunica à conservatória competente a conversão da penhora em hipoteca, bem como a extinção desta após o cumprimento do acordo; sendo necessário renovar a execução, terá de ser feita nova penhora sobre os bens sobre os quais tenha sido constituída hipoteca ou penhora, o que quer dizer que não se aproveita a penhora anterior (sobre tudo isto, veja-se Lebre de Freitas e outros, CPC citado, páginas 747 a 758).

              Tudo isto é assim mesmo que a penhora extinta (no caso depois do despacho de 03/02/2022) não tenha sido levantada nem cancelado o seu registo, porque o AE não cumpriu a obrigação legal de o fazer. A penhora extingue-se com a extinção da execução, sendo o levantamento e o cancelamento actos posteriores a essa extinção.

              Ora, extinta a penhora, não há norma nenhuma que preveja o seu renascimento (nos casos dos artigos 850/2 e 809/1 do CPC a penhora ainda não se tinha extinguido porque ainda estava a decorrer o prazo respectivo; no caso do art. 808/2 a penhora foi convertida em hipoteca, já não existe e tem de haver nova penhora).

              Mas, para além de estar extinta a penhora, estava extinta a execução e não se verifica nenhuma das hipóteses previstas no art. 850 do CPC que permitem a renovação da execução.

              O n.º1 do art. 850 do CPC prevê a hipótese de uma execução respeitante a um título de trato sucessivo em que há prestações que se vencem posteriormente à extinção, que não tem nada a ver com o caso.

              Os n.ºs 2 a 4 do art. 850 do CPC prevêem o requerimento de um credor reclamante feito no prazo de 10 dias contados da notificação da extinção da execução, sendo que o requerimento de renovação no caso dos autos não foi feito pelo credor reclamante, nem no prazo de 10 dias a contar da extinção da execução.

              O n.º 5 do art. 850 do CPC prevê a renovação de uma execução extinta nos termos das alíneas (c), (d) e (e) do n.º 1 do artigo 849 do CPC, tudo situações em que logicamente terá de haver indicação de novos bens a penhorar, como decorre da parte final da norma: “quando indique os concretos bens a penhorar.”

              Em suma: por um lado, a situação chegou ao estado actual devido ao facto de não terem sido cumpridas as regras legais respectivas: se a penhora extinta (e não é só esta, sobre o imóvel […]; existem várias outras, nos autos, ainda não levantadas nem canceladas) tivesse sido levantada e cancelada no registo predial, como devia ter acontecido, a questão não se colocaria (como dizem a propósito de um caso paralelo ao caso pressuposto pela X, Lebre de Freitas e outros, CPC citado, pág. 720: “Sendo que a extinção da execução implica o levantamento das penhoras nela efectuadas, não se põem perante ela estes problemas que a suspensão suscita.”). Agora, se se fizesse de conta que a penhora não estava extinta, fazendo-a renascer com efeitos retroactivos, estava-se a prejudicar credores com penhoras posteriores, mas ainda subsistentes; se se fizesse renascer a penhora sem efeitos retroactivos, estava-se a fazer seguir uma execução em que a penhora passava a ser posterior em detrimento de uma execução em que a penhora passava a ser anterior, contra o disposto no art. 794 do CPC; por outro lado, a renovação da execução só podia ocorrer, no caso, com a indicação, pelo exequente de novos bens a penhorar, o que não ocorre. 

              Em termos práticos isto em nada prejudica o credor reclamante com garantia prioritária, que, cumprido o que já tinha de ter sido feito há muito nestes autos, ou seja, o levantamento e cancelamento da penhora já extinta, poderá requerer o prosseguimento da execução hipotecária. E não prejudica o exequente, porque um eventual prejuízo vem de trás, da extinção da execução e concomitante extinção da penhora, sem que o AE o tenha antes notificado nos termos do art. 794 do CPC, e da falta de reacção deste (durante mais de 7 anos).

                                                                 *

              Remanescente da taxa de justiça:

              A taxa de justiça remanescente é de, tendo em conta a tabela I-B e a sua parte final do RCP: 

              2.489.248,38€ – 275.000€ = 2 214 248,38 : 25.000€ = 88,57 => 89 x 1,5 UC = 133,5 UC x 102€ = 13.617€.   

              O art. 6/7 do Regulamento das custas processuais diz: Nas causas de valor superior a 275.000€, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

              O requerimento sumário feito pela recorrente de dispensa do remanescente da taxa de justiça só encontra como especificidade da situação a manifesta simplicidade do recurso e da questão controvertida.       

              Este fundamento é improcedente: a questão posta no recurso não é simples, tanto que a decisão recorrida decidiu num sentido, a recorrente quer que seja decidido no sentido contrário e este acórdão decide no primeiro mas com outra fundamentação. Trata-se de uma questão que surge do não cumprimento de normas legais e que, por isso, deu lugar a uma situação que não tem solução legal linear.

              Considerando outros factos nem sequer aflorados pela recorrente, diga-se que o facto de não ter havido contra-alegações não simplificou a questão, pois que apesar disso não foi a posição seguida pela recorrente que foi a adoptada.

              Por outro lado, a análise da questão levou à necessidade de estudo de todo o processo executivo, muito para além daquilo que indiciava a simplificação feita da matéria de facto pela recorrente.

              Nada disto aponta para a especificidade da situação justificar a dispensa do remanescente da taxa de justiça, pelo contrário.

              Apesar disso, tendo em conta (i) que neste recurso não está propriamente em causa a obtenção da vantagem económica correspondente ao crédito reclamado, mas apenas a possibilidade de o fazer nestes autos e não noutros e isso nem sequer pela vontade da recorrente; (ii) o facto de a questão ter surgido por falta de cumprimento das regras legais relativas ao levantamento e cancelamento dos registos por razões com as quais a recorrente nada teve a ver; (iii) e o facto de a complexidade da situação material, para a qual a recorrente também não contribuiu, estar a implicar a necessidade de uma multiplicação de diligências processuais por parte da recorrente, como se vê do relatório deste acórdão, entende-se que se deve dispensar o pagamento de 2/3 do remanescente da taxa de justiça.

                                                                 *

              Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, embora com fundamentos diferentes dos da decisão recorrida.

              A X, que perde o recurso, perde, por isso, as suas custas de parte (não há outras, visto que não há contra-alegações): aquelas que já pagou e o 1/3 da taxa de justiça remanescente que ainda tem de pagar. Vai dispensada dos 2/3 restantes.

              Lisboa, 14/09/2023

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto