Sumário:

              Quem tem a seu favor uma decisão de divórcio transitada, num processo intentado depois de 01/08/2022, proferida num Estado-membro da UE, não tem interesse em pedir a revisão da mesma, pois que as decisões proferidas num Estado-Membro são reconhecidas nos outros Estados-Membros, sem necessidade de qualquer formalidade específica e, em particular, não é necessária qualquer formalidade específica para a actualização dos registos do estado civil de um Estado-Membro com base numa decisão de divórcio, separação ou anulação do casamento, proferida noutro Estado-Membro e da qual já não caiba recurso, segundo o direito desse Estado-Membro (art. 30/2 do Regulamento da UE n.º 1111/2019, de 25/06 ≈ art. 21 do Regulamento CE 2201/2003, do Conselho, de 27/11/2003, este aplicável desde 01/03/2005).

              A e B vieram requerer a 21/06/2024, a revisão e confirmação de uma sentença proferida em 18/07/2023, pelo Tribunal de Roterdão, dos Países Baixos, que decretou o divórcio entre os requerentes, sentença essa já transitada em julgado. Na decisão em causa consta que o requerimento de divórcio, por ambas as partes, deu entrada em 28/06/2023.

            A Sr.ª Procuradora Geral Adjunta [lembra] que falta o pressuposto processual do interesse em agir, visto [que] nos termos do art. 21 do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27/11, as decisões proferidas num Estado-Membro são reconhecidas nos outros Estados-Membros, sem quaisquer formalidades. O que é válido para a sentença de divórcio invocada pelos requerentes por força dos artigos 64 e 72 do mesmo Regulamento, por ser uma sentença de 18/07/2023.   

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              O art. 978/1 do CPC, excepciona da necessidade de revisão, os casos em que tal esteja previsto em tratados, convenções, regulamentos da EU e leis especiais.

            O Regulamento (UE) n.º 1111/2019, de 25/06, relativo às decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental (aplicável às acções intentadas depois de 01/08/2022 – art. 100/1 do Regulamento), prevê no seu artigo 30/1 que “As decisões proferidas num Estado-Membro são reconhecidas nos outros Estados-Membros, sem necessidade de qualquer formalidade específica”.

         E o artigo 30/2 acrescenta: Em particular, e sem prejuízo do n.º 3, não é necessária qualquer formalidade específica para a actualização dos registos do estado civil de um Estado-Membro com base numa decisão de divórcio, separação ou anulação do casamento, proferida noutro Estado-Membro e da qual já não caiba recurso, segundo o direito desse Estado-Membro.”

            O que é explicado no considerando (54) do Regulamento: “A confiança mútua na administração da justiça na União justifica o princípio de que as decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental proferidas num Estado-Membro deverão ser reconhecidas em todos os Estados-Membros sem necessidade de quaisquer procedimentos de reconhecimento. Em especial, quando confrontadas sobre uma decisão proferida noutro Estado-Membro que decrete o divórcio, a separação ou a anulação do casamento que já não possa ser impugnada no Estado-Membro de origem, as autoridades competentes do Estado-Membro requerido deverão reconhecer essa decisão por força da lei, sem necessidade de qualquer formalidade específica, e actualizar o respectivo registo civil em conformidade.”

            E já assim era no art. 21 do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27/11/2003 (Jornal Oficial nº L 338 de 23/12/2003 p. 0001 – 0029), relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental (tendo em conta as revisões operadas pelo Rect. JO L 174/2006, de 28/06, e pelo Regulamento(CE) n.º 2116/2004, de 02/12, conforme informação constante do sítio da PGD de Lisboa), embora então se desse (no art. 30/3 [rectificação: quis-se escrever: 21/03] do Regulamento) ainda a possibilidade de requerer o reconhecimento da decisão que nesse caso cabia, em Portugal, ao «Tribunal de comarca» ou ao «Tribunal de Família e Menores» (primeira actualização das informações relativas aos tribunais e às vias de recurso comunicadas nos termos do artigo 68 do Regulamento (publicada no JOUE de 26 de Março de 2013, ainda segundo informação do sítio da PGDL; ver também JOUE de 17.2.2005, C 40/2): Lista 1 […])

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            Decorre do conjunto destas normas que a decisão dos Países Baixos que se pretende rever e confirmar foi proferida por um estado membro da UE, em matéria abrangida por aquele Regulamento, está transitada em julgado, pelo que será reconhecida em qualquer em Portugal (Estado-Membro) sem necessidade de qualquer formalidade específica, e, em particular, não é necessária qualquer formalidade específica para a actualização dos registos do estado civil.

              Assim sendo, a pretensão de revisão e confirmação por um tribunal (no caso, da Relação) é uma pretensão inútil para a qual os requerentes não podem ter qualquer interesse.

              Pelo que, e sem necessidade de outros actos, de modo a não se perder mais tempo, em benefício dos requerentes, considera-se verificada a excepção dilatória inominada da falta de interesse em agir e em consequência não se conhece do mérito dessa pretensão (artigos 278/1-e, 576/2 e 578 e 3/3 do CPC).

              Os requerentes perdem a taxa de justiça paga pelo impulso do processo.

              Lisboa, 01/07/2024

              Pedro Martins