[…]

              A autora pretende que seja revista e confirmada uma sentença inglesa (do tribunal de família de Bradford – em Inglaterra) proferida em 27/12/2018, que anulou o casamento entre ela e o seu ex-marido.

              O art. 978/1 do CPC, excepciona da necessidade de revisão, os casos em que tal esteja previsto em tratados, convenções, regulamentos da EU e leis especiais.

         O Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27/11/2003 (Jornal Oficial nº L 338 de 23/12/2003 p. 0001 – 0029), relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental (tendo em conta as revisões operadas pelo Rect. JO L 174/2006, de 28/06, e pelo Regulamento(CE) n.º 2116/2004, de 02/12, conforme informação constante do sítio da PGD de Lisboa), prevê no seu artigo 21/1 que “As decisões proferidas num Estado-Membro são reconhecidas nos outros Estados-Membros, sem quaisquer formalidades.”

              E o artigo 21/2 acrescenta: Em particular, e sem prejuízo do disposto no n.º 3, não é exigível nenhuma formalidade para a actualização dos registos do estado civil de um Estado-Membro com base numa decisão de divórcio, separação ou anulação do casamento, proferida noutro Estado-Membro e da qual já não caiba recurso, segundo a legislação desse Estado-Membro.

       Como resulta desta norma e decorre do art. 1/1 do Regulamento, este é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas: a) Ao divórcio, à separação e à anulação do casamento. O facto de ele não “abranger questões como as causas do divórcio, os efeitos patrimoniais do casamento ou outras eventuais medidas acessórias.” (considerando 8 do Regulamento), não impede que seja certo o que está para trás, já que as causas do divórcio não têm nada a ver com a anulação do casamento, por serem matéria distintas, como resulta claro da previsão das normas citadas: divórcio e anulação.

              Entretanto, é certo que o artigo 21/3 do Regulamento dava a qualquer parte interessada a possibilidade de requerer, nos termos dos procedimentos previstos na secção 2 do presente capítulo, o reconhecimento ou o não-reconhecimento da decisão. Mas para esse reconhecimento, opcional, não seria competente um tribunal da relação, mas sim ao «Tribunal de comarca» ou ao «Tribunal de Família e Menores» (primeira actualização das informações relativas aos tribunais e às vias de recurso comunicadas nos termos do artigo 68 do Regulamento (publicada no JOUE de 26 de Março de 2013, ainda segundo informação do sítio da PGDL; ver também JOUE de 17.2.2005, C 40/2): Lista 1 […]).

              A sentença foi proferida antes do Brexit (que ocorreu em 01/02/2020), pelo que o Regulamento em causa ainda se aplica.

              Aliás […] o Regulamento ainda se aplicaria mesmo que a sentença inglesa tivesse sido proferida muito depois do período de transição (que só terminou a 31/12/2020), desde que o tivesse sido num processo intentado antes de 31/12/2020, pelo que, por maioria de razão, se continua a aplicar em relação a sentenças proferidas antes do Brexit.

              Como é esclarecido pelo Comissão Europeia, Direcção-Geral da Justiça e dos Consumidores, Bruxelas, de 27/08/2020, rev 2 – no seu aviso às partes interessadas – saída do Reino Unido e normas da UE nos domínios da justiça civil e do direito internacional privado, páginas 6 e 7: “O Regulamento (CE) n.º 2201/2003 (Bruxelas IIa) será aplicável ao reconhecimento e à execução de decisões proferidas em acções judiciais intentadas antes do termo do período de transição, bem como de actos  autênticos formalmente exarados ou registados e de acordos entre as partes celebrados antes do termo do período de transição. Por exemplo: qualquer sentença de divórcio proferida no Reino Unido num processo intentado antes do termo do período de transição será reconhecida na UE, nos termos do artigo 21.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, mesmo que proferida após essa data.”

              Em suma: a pretensão de revisão e confirmação de uma sentença inglesa de anulação de casamento pelo Tribunal da Relação é uma pretensão inútil para a qual a requerentes não pode ter qualquer interesse.

              Pelo que, considera-se verificada a excepção dilatória inominada da falta de interesse em agir e em consequência indefere-se liminarmente a petição inicial (artigos 278/1-e, 576/2 e 578 e 590/1 do CPC).

              A autora perde a taxa de justiça paga pelo impulso do processo.

              Lisboa, 10/07/2024

              Pedro Martins   

             Nota de 10/07/2024 às 16h28: Isto nos termos do art. 67/1 do Acordo sobre a saída do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica, JO L 29 de 31.1.2020, p. 7 («Acordo de Saída»).