A e os seus filhos B, nascido a 29/04/2014, C, nascido a 04/12/2015, e D, nascido a 21/03/2019, representados por A, instauraram a presente acção especial, pedindo que seja revista e confirmada a sentença de 01/12/2023, transitada em julgado em 23/02/2024 – proferida na República Federativa do Brasil, por Juiz de Direito da Vara da Infância e da Juventude, do Foro e Comarca de […], Estado de São Paulo -, que, depois de constatar a existência de sentença a destituir do poder familiar os pais biológicos dos 2.º, 3.º e 4.º requerentes, transitada em julgado, julgou procedente o pedido e decretou a adopção do 2.º, 3.º e 4.º requerentes pela 1.ª requerente, determinando que os últimos 3 se passassem a chamar como consta acima, tendo como avós maternos: W e Z (tudo conforme resulta das certidões juntas com a PI, incluindo certidões do registo de nascimento dos menores com o nome e a avoenga referidos).
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A Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta veio promover “que a 1ª requerente seja notificada, a fim de identificar pessoa idónea que possa desempenhar o cargo de curador especial”, isto com base nas seguintes considerações: “Tendo presente que os 2º, 3º e 4º requerentes são menores, carecem de estar representados em juízo, nos termos do disposto no art. 16 do CPC. Essa representação não pode ser assegurada pelos também requerente A, na medida em que a mesma não está reconhecida na ordem jurídica nacional como adoptante dos menores. Assim, e face ao disposto no art. 17 do CPC impõe-se nomear um curador especial aos menores, que os represente neste processo especial de revisão e confirmação de sentença estrangeira.”
A Sr.ª PGA não tem razão:
Suponha-se que A e B, brasileiros, pais de C, brasileiro, vítima de um acidente de viação, vêm intentar em Portugal, como representantes do filho, uma acção de indemnização contra um réu.
Ninguém pensaria em exigir que fosse nomeado um curador especial a C, por força dos artigos 16 e 17 do CPC.
Os pais são os representantes legais dos filhos (também no Brasil: art. 1.634 do CC brasileiro) e por isso, por força do art. 16, n.ºs 1 e 2, do CPC, os filhos estão em juízo representados pelos pais.
Só se o filho não tiver pais/representantes legais é que se deve requerer a nomeação de um curador especial ao tribunal (art. 17/1 do CPC).
A situação não mudaria se A e B, em vez de pais naturais, fossem pais adoptivos de C. Seriam pais, de qualquer modo (art. 1.596 do CC brasileiro: “Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adopção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”), tal como provaria (pressupõe-se) o registo de nascimento do filho (segundo o art. 1.603 do CC brasileiro, “A filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento registrada no Registro Civil” – no caso dos autos estão juntas as certidões de nascimento dos três menores adoptados).
A situação também não muda se em vez de uma acção de indemnização estiver em causa o reconhecimento de uma sentença de adopção de C por A e B.
Eram A e B que teriam de propor a acção em nome do filho, C, e o registo de nascimento estrangeiro provaria, tal como no caso anterior, a relação de filiação adoptiva e que, por isso, tendo C pais/representantes legais, não precisaria de curador especial.
A sentença de adopção não é chamada ao caso. Só se eles quisessem registar o filho em Portugal como filho deles, por adopção, é que tal sentença estaria em causa, mas apenas para esse efeito.
Em suma, C, como filho (de pais naturais ou adoptivos) seria representado pelos seus pais (relação de filiação que se demonstra com o registo de nascimento brasileiro, não com a sentença estrangeira de adopção: assim sendo, era irrelevante que a sentença de adopção não fosse, ainda, eficaz em Portugal), não por qualquer curador especial e, por isso, não há nenhum suprimento de incapacidade que estivesse em falta.
Diga-se que é isto que o signatário sempre tem feito, podendo invocar de imediato pelo menos 14 sentenças de adopção, brasileiras e suíça, que foram revistas e confirmadas, a pedido dos pais, sem necessidade de nomeação de curador especial e com parecer favorável do MP (só nestes últimos 7 anos e apenas por exemplo: 1572/24, 2644/23, 1633/23, 1248/23, 1157/21, 1411/21, 1363/21, 494/20, 2926/19, 1898/19, 1192/19, 2018/18, 855/18 e 1499/17).
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Posto isto,
Os factos relevantes para a decisão são os acima consignados e estão provados pelos documentos referidos.
A revisão pedida é necessária (art. 978 do CPC).
Este tribunal é o competente para o efeito (art. 979 do CPC).
Não existem dúvidas sobre a autenticidade do documento de que consta o julgamento nem sobre a inteligência da decisão, nem o seu reconhecimento conduz a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português (o que se declara tendo em vista o disposto no art. 980/-a-f do CPC).
Não existem dados que indiciem que, no processo onde foi proferida a sentença, não tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes, ou que a sentença provenha de tribunal cuja competência tenha sido provocada em fraude à lei, ou que esteja pendente ou já tenha sido proferida outra decisão num tribunal português (o que se declara tendo em vista o disposto no art. 980/-b-c-d-e do CPC).
Pelo que, nada obsta à revisão e confirmação da sentença revidenda.
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Pelo exposto, julga-se procedente a pretensão dos requerentes e, em consequência, decide-se rever e confirmar a sentença supra-referida, na qual foi julgada procedente o pedido de adopção dos 3 últimos requerentes pela 1.ª requerente, que assim passará a ter eficácia na ordem jurídica portuguesa.
Valor da causa: 30.000,01€.
Tendo em conta o disposto no art. 14-A/1-c do RCP, não há, no caso, lugar ao pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça. Isto é, tudo o que há a pagar por este processo são 306€ (já pagos).
Lisboa, 19/09/2024
Pedro Martins