Processo do Juízo de Execução de Oeiras – Juiz 2

 

                Sumário:

              É manifesta a improcedência de um recurso contra um indeferimento liminar de um recurso de revisão, fundado no art. 696/-b do CPC, quando a recorrente não tinha apontado falsidade de nenhum documento, nem a falsidade de qualquer acto judicial, e nenhuma delas está minimamente indiciada, antes pelo contrário, nem existe qualquer falsidade na tramitação processual seguida, e omitia uma série de outros actos dos quais resulta que aquilo que pretendia era discutir no “recurso” de revisão o que já tinha sido objecto de um recurso de apelação.

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados

              H, dando-se como embargante na execução acima identificada (requerida em 12/05/2011 – com o valor actual de 12.539,03€), onde é exequente Condomínio X, interpôs a 25/04/2024, nos termos do art. 696/-b do CPC, no tribunal de 1.ª instância, recurso de revisão do despacho sentença [sic] que lhe negou a admissão desses embargos, apenso A (intentados a 29/10/2021 – 10 anos e meio depois de requerida a execução).

              Alegou para tanto o que se transcreve a seguir, com um mínimo de simplificações e na parte útil:

         1\ Os embargos que originaram o apenso A aqui em questão, foram remetidos a juízo acompanhados de DUC e comprovativo do respectivo pagamento, emitido a 25 e pago a 29/10/2021.

         2\ Contudo, como por lapso do staff do escritório do mandatário da embargante esse pagamento não foi referenciado no campo próprio para o efeito determinado no art. 144/10 do CPC, a Secretaria, em 02/11/2021, notificou a embargante, para, em 10 dias, observar o nº 10 do mencionado artigo.

         3\ Ante a notificação que precede, o staff do escritório do mandatário da embargante logo cumpriu com o notificado a 03/11/2021 conforme requerimento remetido a juízo de acordo com o comprovativo da entrega desta mesma data.

         4\ Não obstante o que precede, o mandatário da embargante foi posteriormente notificado em nome desta para, por alegado incumprimento do pagamento da referida taxa, proceder ao seu pagamento com multa, o que se presumiu estar a ser feito por erro da Secretaria, e daí que se tenha procedido à sua devolução a fim de ser corrigido.

         5\ Sucedeu que, ao contrário da correcção que se esperava, e que seria de justiça, o mandatário foi notificado do despacho do Sr. Magistrado a quo, para cumprir o art. 570/5 do CPC;

         6\ O que ocorreu… conforme se atesta com o documento refª 140528403.

         7\ A embargante recorreu de tal despacho,

         8\ bem como da sentença que lhe foi notificada.

         9\ Que lhe motivaram o recurso/alegações integrante da certidão instrutória desta revisão.

         10\ Resultando de todo este errático, emaranhado e confuso conjunto de requerimentos, despachos e decisões, o arquivamento dos embargos do apenso A aqui em questão; o que, a manter-se, se traduziria num erro […].

                   A 29/04/2024, foi proferido o seguinte despacho: “notifique a recorrente para, querendo e em 10 dias, esclarecer qual a “falsidade de documento ou acto judicial” que fundamente o recurso, e se pretende dirigir o recurso ao Tribunal da Relação de Lisboa (CPC 697º/1).”

              Por requerimento de 03/05/2024, a embargante escreveu que i\ – A falsidade do acto judicial invocada consistiu na decisão/sentença de penalizar a embargante por alegada omissão de pagamento da taxa de justiça devida à promoção dos mesmos, processados como apenso A e ao seu arquivamento com base nessa falsa e gravosa decisão; obviando, desse modo, a que até agora se haja procedido ao seu julgamento, como ali é sua pretensão […]; ii\ Importando salientar que a razão de ser da revisão está no acto inquinado que determinou a decisão que conduziu ao ilegal arquivamento dos embargos em questão; o que está fora da previsão da Relação; aliás, será ao Tribunal da Revisão [sic] que compete apreciar o nexo de causalidade e a sentença a rever [sic]; sendo certo que, para além do mais, a recorrente goza sempre da presunção “tantum júris” daí resultante [sic]. E daí que, salvo mais esclarecido entendimento, lhe sobrevenha em matéria de facto, esse Tribunal e Juízo [sic] é o competente, onde a revisão deve ser apresentada, e tramitada para subir ao STJ, onde deve ser apreciada e julgada conforme o que nela é peticionado.

A 06/05/2024, foi proferido o seguinte despacho:

         Uma vez que não se verifica qualquer dos fundamentos previstos no artigo 696 do CPC (não existindo a invocada “falsidade”), indefere-se o requerido recurso de revisão (CPC 699º/1). Custas pela recorrente.

          A 11/05/2024, a recorrente apresenta uma reclamação da não admissão do recurso de revisão, dirigida aos Senhores Conselheiros.

          A 03/06/2024, foi proferido o seguinte despacho: notifique a recorrente para, em 10 dias, esclarecer se pretende recorrer do despacho de indeferimento do recurso de revisão (CPC 699/1).

              A 18/06/2024, a recorrente apresenta recurso contra o despacho de indeferimento do recurso de revisão (dando ao mesmo o valor de 1122€), terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

         – A taxa de justiça paga referente ao aqui questionado apenso A, deve ser considerada atempadamente paga, e bem processada pela embargante, como efectivamente ficou demonstrado.

         – Devendo considerar-se nulas e de nenhum efeito as notificações e despachos feitos, posteriormente, ao abrigo do invocado artigo 570, n.ºs 3, 4 e 5 do CPC por não se consubstanciarem na verdade; e constituírem erros e falsidades judiciais graves, lesivos dos direitos da embargante.

         – Bem como todo o restante processamento que se lhe seguiria devido à grave falsidade e desvirtuamento desses inquinados actos judiciais.

         – Com repristinação dos embargos do apenso A para que se proceda ao seu julgamento em conformidade com a lei.

              A recorrente notificou este recurso ao exequente.

              O exequente não apresentou contra-alegações.

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              Questão a decidir: se o recurso de revisão não devia ter sido indeferido.

                                                                 *

              Os factos:

              Ao alegado pela recorrente, há que acrescentar/precisar o seguinte:

         A petição que deu origem ao apenso A não era uma petição de embargos, como a recorrente diz, mas sim de “embargos de executados e oposição às penhoras.”

         Como tal, depois da embargante ter corrigido o seu primeiro erro – para o qual tinha sido notificada pela Secretaria a 02/11/2021: dar cumprimento ao disposto no art. 144/10, alíneas a e b do CPC em vigor desde16/9/2019, pela apresentação da peça processual constante do sistema informático de suporte à actividade dos Tribunais, a referência que consta do documento único de cobrança (DUC) por forma a validar o pagamento efectuado – foi notificada por carta de 18/11/2021, com uma guia, para, “no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento da taxa de justiça devida acrescida de uma multa de igual montante, uma vez que se mostra apresentado articulado com Embargos de Executado e Oposição à Penhora e demonstrado apenas o pagamento de uma taxa.” A guia tinha o valor de 612€ = 306€ de taxa de justiça e 306€ de multa.

         A embargante, em vez de pagar o valor da guia ou reclamar para o juiz, devolve a guia em questão a fim de ser anulada por não haver lugar a essa tributação, como admite em 4.

         Por isso, a 25/10/222 foi proferido despacho a determinar a notificação da embargante para, querendo e em 10 dias, efectuar os pagamentos previstos no artigo 570/5 do CPC, para o que foi notificada com a carta elaborada a 25/10/2022, o que é por ela narrado nos pontos 5 e 6 do recurso de revisão. Da guia agora a pagar, o valor que consta, em obediência ao art. 570/5 do CPC, é o de 1122€ e tinha de ser paga até ao dia 14/11/2022.

         A 06/11/2022, a embargante apresentou um recurso contra dois despachos.

         Por despacho de 18/11/2022, foi determinada a notificação da embargante para, em 10 dias, esclarecer de que despachos pretende recorrer (uma vez que apenas foi proferido um despacho no presente apenso, em 26/10/2022 [escreve-se 26 mas é 25]).

         A 02/12/2022, a embargante vem dizer que está a recorrer, ao mesmo tempo, de um despacho do apenso A e de outro do apenso B.

         A 07/12/2022, foi determinada a notificação da embargante para escolher de que despacho pretende recorrer.

         A 17/12/2022, a embargante insiste que recorre dos dois despachos.

         A 23/01/2023, foi proferido o seguinte despacho: Uma vez que no presente apenso não foi proferido qualquer despacho de rejeição dos embargos, não se admite o recurso interposto em 06/11/2022. Notifique – sendo a embargante (novamente) para esclarecer se pretende recorrer do despacho proferido no apenso B.

         A 02/02/2023, a embargante pronuncia-se sobre o despacho anterior.

         A 03/03/2023, foi proferido o seguinte despacho:

          Uma vez que o recurso interposto não pode ter como objecto o único despacho proferido no presente apenso (que mandou dar cumprimento ao disposto no artigo 570º/5 do CPC), junte cópia das alegações ao apenso B.

          Uma vez que o embargante não efectuou o pagamento da taxa de justiça e multa devidas, determina-se o desentranhamento da petição inicial (CPC 570º/6) – e, em consequência, declara-se extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide. Custas pelo embargante

         A 24/03/2023, a embargante interpõe recurso deste despacho.

         O recurso foi admitido a 04/03/2023 e foi julgado improcedente por acórdão de 07/06/2023 da 8.ª secção deste TRL.

         O apenso A tem visto em correição desde 20/10/2023.

                                                                 *

              Apreciação:

              É manifesto que a recorrente não tem razão.

              Antes de mais, lembre-se que o recurso de revisão tem, “de um ponto de vista prático”, a natureza de uma acção e o requerimento do mesmo “equivale à petição inicial de uma acção” (assim, por exemplo, Lebre de Freitas /Ribeiro Mendes / Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 3., 3.ª edição, Almedina, Março de 2022, páginas 323n2, 302-303n4, 320n2).

              Logo, o despacho de não admissão da acção/recurso de revisão corresponde a um indeferimento liminar da acção, pelo que está sujeito ao regime deste.

              Pelo que, correndo o processo em primeira instância, a reacção perante o despacho de indeferimento da revisão, é um recurso do despacho de um indeferimento liminar, tal como foi sugerido pelo tribunal de 1.ª instância e acabou por ser acatado pela recorrente.

              (se o processo corresse no tribunal da relação, o despacho do relator teria primeiro de ser objecto de uma reclamação para a conferência e seria do acórdão proferido pela conferência que o recorrente teria de recorrer)

              Sendo um recurso de um despacho de indeferimento liminar, ter-se-ia de seguir a tramitação prevista nos artigos 629/3-c e 641/7 do CPC.

              Mas, dada a manifesta improcedência do recurso, o facto de a exequente ter sido notificada das alegações e nada ter dito e o princípio da prevalência das decisões de mérito que se pode retirar do art. 278/3 do CPC, quando, como no caso, a tramitação em causa se destine a tutelar o interesse de uma das partes e nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da questão, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte, não se vai levantar a questão.

              Por outro lado, como é evidente, tendo a decisão de extinção dos embargos do apenso A sido confirmada pelo acórdão do TRL, que assim cobriu a decisão da 1.ª instância, o tribunal competente para a tramitação do “recurso” de revisão seria o TRL e não o tribunal recorrido (obra citada, páginas 320-321) e o tribunal recorrido até lembrou isso à recorrente. Mas a questão não é de incompetência material do tribunal da 1.ª instância, pelo que não é de conhecimento oficioso e não foi levantada pelo que não tem interesse. A competência para o conhecimento do recurso, de apelação, que se está a conhecer, é deste TRL. A incompetência que se referiu era para a apreciação do “recurso” de revisão.

              Posto isto,

              O art. 696/-b do CPC dispõe que a decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando: se verifique a falsidade de documento ou acto judicial […], que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objecto de discussão no processo em que foi proferida; […]”

              Ora, a recorrente não aponta a falsidade de qualquer documento e não há qualquer documento falso, no sentido do artigo 372/2 do CPC – “O documento é falso, quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi.”

              A recorrente também não aponta a falsidade de qualquer acto judicial, nem ela existe, no sentido pressuposto no art. 451 do CPC, isto é, de qualquer acto judicial em que se ateste qualquer factos que na realidade não se passou ou como tendo sido praticado pelo juiz ou por funcionários judiciais qualquer acto que na realizada não praticaram ou de ter sido alterado o conteúdo de qualquer peça processual (veja-se Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, vol. 2.º do CPC anotado, 3.ª edição, Almedina, 2017, pág. 278).

              Nem existe qualquer falsidade da tramitação processual seguida no apenso A. É a recorrente que omite parte de actos que praticou (diz que embargou mas esquece-se que também deduziu oposição à penhora),  omite parte do conteúdo de notificações judiciais (a notificação feita por carta de 18/11/2021 é nítida ao fazer referência à dedução de embargos e de oposição à penhora e ser esse o fundamento da notificação) e actos judiciais praticados, como, por exemplo, a existência de um acórdão do TRL a decidir a questão da extinção dos embargos.

              Com isto tudo, torna-se claro, por outro lado que o que a recorrente quer é discutir de novo o que já foi objecto de discussão e decisão no acórdão que decidiu o recurso que interpôs no apenso A, o que acaba por ser o preenchimento de um outro pressuposto, negativo, previsto na parte final do já citado art. 696/-b do CPC para a não admissão do “recurso” de revisão.

              Pelo exposto e voltando ao início, é manifesta a improcedência deste recurso, já que não se verificam os pressupostos positivos do recurso de revisão, como decidido no despacho de 06/05/2024 ao indeferir, bem, o recurso de revisão, e verifica-se o pressuposto negativo que também levaria ao indeferimento do “recurso” de revisão.

                                                                 *

              O valor do recurso é o valor dos embargos que a recorrente pretendia repristinar e o valor deles é o valor da execução no momento em que a recorrente intentou os embargos e oposição à penhora do apenso A (= 12.539,03€, como aliás resulta do acórdão de 06/07/2023, proferido no apenso B), e não, obviamente, o valor da guia de 1122€, sendo que, por força do art. 570/7 do CPC, a multa nem sequer subsistia.

                                                                 *

              Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.

              Custas, na vertente de custas de parte (não existem outras) pela recorrente.

              Lisboa, 24/10/2024

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto