Revisão de sentença estrangeira 3181/25.7YRLSB
Sumário:
I – O processo de revisão de uma escritura brasileira de adopção (não internacional), revisão que se destina apenas a determinar o averbamento da adopção no registo civil português pode ser intentado apenas pelo adoptado, sem ter de estar acompanhado dos adoptantes, e não tem de ser intentado contra estes ou contra os seus eventuais herdeiros.
II – Os outros participantes na escritura de adopção que não sejam requerentes da revisão, não podem ter interesse legítimo que lhes permitisse pôr em causa uma decisão tomada por eles próprios (estando assim vinculados por ela sob pena de abuso de direito por agirem contra facto próprio: art. 334 do CC; tal como o estão os seus sucessores enquanto tais).
III – A revisão da decisão brasileira de adopção com vista ao averbamento da adopção no assento de nascimento no registo civil, imposta pela parte final do art. 7/1 do CRC, basta-se com intervenção do MP para garantia da não contraditoriedade aos princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado (art. 982/1 e 985/2 do CPC) e com o controlo oficioso pelo tribunal da verificação dos requisitos exigidos pelo art. 980 do CPC, previsto no art. 984 do CPC.
IV – A mulher do adoptado não tem interesse na procedência da revisão, pelo que não é parte activa legítima.
AA, portuguesa, e marido, BB, brasileiro, intentaram a presente acção especial, pedindo que seja revista e confirmada a escritura pública de 00/00/1976, lavrada num Cartório de Notas da Cidade e Estado de São Paulo, República Federativa do Brasil, outorgada por CC e mulher DD, e por BB, representado por sua mãe EE, dizendo os 1.ºs outorgantes terem a vontade de adoptar, como por força da escritura adoptado têm, para todos os efeitos, o outorgado BB, o qual passará a usar o nome de BB, e pelo 2.º, na forma como vem representado, foi dito que aceita a presente em todos os seus expressos termos, autorizando a averbação necessária junto do registo civil (juntaram a respectiva escritura apostilada).
Facultado o processo à Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta para alegações, a mesma veio dizer, em síntese, que:
Nas acções de revisão de sentenças estrangeiras devem constar como partes aqueles que cumulativamente preencham os seguintes requisitos: que figuraram na sentença a rever; e possam ser afectadas pela eficácia de tal decisão em território nacional (ac. do TRL de 18/04/2024, proc. 315/24.2YRLSB-8; ac. do TRG de 08/11/2018, proc. 84/18.5YRGMR; ac. do TRC de 13/11/2012, proc. 89/12.0YRCBR; e ac. do STJ de 25/03/2025, proc. 3260/24.8YRLSB); pelo que não pode ser parte quem não figure como tal na decisão objecto de revisão (ac. do TRL de 09/12/2015, proc. 347/15.1YRLSB.L1-7). Assim, a requerente não é parte legítima nesta acção.
Por outro lado, os pais adoptivos do requerente BB, preenchem os requisitos acima enunciados, pelo que deveriam ser partes nesta acção em conjunto com tal requerente. Estamos, pois, perante uma situação de litisconsórcio necessário, que exige a intervenção no processo de todos os titulares da relação material em questão – adoptado e adoptantes – sendo a falta de algum deles motivo de ilegitimidade, nos termos dos art. 30 e 33/1 do CPC. Pelo que, ao abrigo do disposto no art. 6/4 do CPC, requer que o requerente seja notificado a suprir as questões de ilegitimidade aqui suscitadas, apresentando uma nova petição, onde constem, do lado activo ou do lado activo e passivo, as partes legitimas desta acção, e apenas essas (conforme a jurisprudência tem vindo a defender, neste tipo de acções é indiferente que as partes figurem todas no lado activo, sem existência de requeridos, por haver coincidência de interesses, ou que figurem umas no lado activo e outras no lado passivo, o importante é que todos os afectados estejam na acção). Ou, em alternativa, chamando ao processo os seus pais adoptivos que estão em falta, nos termos do art.° 316. ° n.º 1 do CPC.
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Apreciação:
O MP tem razão quanto à falta de legitimidade da requerente para ser parte, activa, nesta acção. A requerente não foi parte na escritura a rever e não tem interesse directo em procedência da revisão (art. 30/1 do CPC). É assim parte ilegítima, o que será declarado a final.
É certo que a requerente, sendo portuguesa e estando casada com o requerente há mais de 5 anos, terá interesse em que o requerente consiga a revisão da escritura de acordo com a sua vontade. Mas trata-se de um interesse moral, não um interesse jurídico directo na procedência da acção de revisão.
E pode ser que a requerente esteja convencida que a sua participação é a melhor forma de provar o interesse do requerente na transcrição do seu assento de nascimento e do averbamento nele da adopção (para efeitos do art. 6/4 do CRC: Se os actos respeitarem a estrangeiros, o seu ingresso no registo apenas é permitido quando o requerente mostre legítimo interesse na transcrição). Mas também isto não é fonte do interesse directo da requerente nesta acção de revisão.
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Quanto ao resto:
Antes de mais, tenha-se em conta que esta acção existe apenas por força do art. 7/1 do Código do Registo Civil: As decisões dos tribunais estrangeiros relativas ao estado ou à capacidade civil dos Portugueses, depois de revistas e confirmadas, são directamente registadas por meio de averbamento aos assentos a que respeitam.
Note-se que o ac. do STJ de 13/02/2025, proc. 255/24.5YRPRT.S1, já esclareceu que a expressão “decisões dos tribunais estrangeiros” deve ser interpretada no sentido de incluir, também, “[a] escritura pública de adopção outorgada no Brasil em cartório notarial”, ou seja, que também esta escritura “é susceptível de revisão, nos termos e para os efeitos da acção especial regulada pelos artigos 978.º e seguintes do CPC.”
E, tendo em conta o teor do art. 6/1 do CRC -: Os actos de registo lavrados no estrangeiro pelas entidades estrangeiras competentes podem ingressar no registo civil nacional, em face dos documentos que os comprovem, de acordo com a respectiva lei e mediante a prova de que não contrariam os princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado Português – e dos artigos 980 e 982, 984 e 985 do PC, vê-se o porquê da exigência do processo de revisão: o Estado português tem interesse no respeito pelos princípios fundamentais da sua ordem pública internacional e na verificação dos requisitos da revisão e daí que imponha o processo de revisão, onde o MP e o juiz vai intervir para controlar em conjunto a verificação dos requisitos do art. 980 do CPC e a não violação daqueles princípios fundamentais.
Aquele art. 7/1 do CPC não exige, por isso, a intervenção de nenhum réu neste processo, nem exige litisconsórcio entre todos os participantes de uma decisão a rever ou como réus ou como autores. A eventual intervenção de algum réu ou de outra pessoa como autor para além do requerente, só poderá decorrer da exigência de outras normas.
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Quanto à necessidade da existência de um réu:
Réu na acção de revisão de sentença estrangeira “é a pessoa contra a qual se pretende fazer valer a sentença a rever e confirmar, e que é, naturalmente, a parte contra quem foi proferida a sentença (ou a pessoa que lhe sucedeu).” (Alberto dos Reis, Processos especiais, vol. II, Coimbra Editora, 1982, pág. 197).
Mas, se nem sempre a sentença é proferida contra alguém – assim, por exemplo, num processo sem réus, como o processo de divórcio por mútuo consentimento (em Portugal, artigos 994 a 999 do CPC) – não tem de haver sempre um réu num processo de revisão de sentença estrangeira.
É esta, de há muito, a posição consensual da jurisprudência das relações, depois de se ter estabilizada a posição defendida no ac. do TRP de 12/06/1984, com sumário publicado no BMJ 338, pág. 471, Recurso n.º 18710 (com 2 votos de vencido em 5): I – A lei não prevê a hipótese de a confirmação da sentença estrangeira ser pedida por todos os interessados na decisão a rever, mas também a não proíbe. II – O tribunal limita-se a fiscalizar o preenchimento dos requisitos legais necessários à confirmação, não importando que as partes estejam de acordo ou em desacordo quanto a essa confirmação. III – Assim, não obsta à confirmação de sentença estrangeira de divórcio, o facto de a mesma ter sido requerida por ambos os cônjuges.
Assim, veja-se, por exemplo, o ac. do TRC de 03/10/2006, proc. 11/06.2YRCBR; a decisão singular do TRL de 04/10/2011, proc. 529/11.5YRLSB-1, para o tipo de acção que está em causa nos autos: “1\ Na acção de revisão de sentença estrangeira não é imprescindível a existência de demandados. 2\ Os adoptantes e adoptado devem requerer em conjunto, e sem indicação de requerido, a revisão e confirmação da sentença estrangeira de adopção.” Assim, nesta decisão singular, tinham sido demandados os pais biológicos, a decisão singular julgou-os parte ilegítima (ficando sem réu na acção), absolveu-os da instância e facultou o processo ao MP para alegações.; a decisão sumária do TRC de 06/10/2020, proc. 136/20.1YRCBR; o acórdão do TRL de 24/10/2024, proc. 2202/24.5YRLSB-2, com um voto de vencido mas não sobre esta questão; o ac. do TRL de 21/11/2024, proferido no processo 2588/24.1YRLSB-2; o ac. do TRE de 13/03/2025, proc. 3/25.2YREVR; o ac. do TRE de 07/11/2024, proc. 198/24.2YREVR; e o ac. do STJ de 25/03/2025, proc. 3260/24.8YRLSB.S1, que se pronunciou contra a desnecessidade de os pais biológicos serem parte no processo de revisão, num processo em que só eles tinham sido demandados, pelo que, em consequência, o processo também seguiu sem réus.
Isto porque, como se diz na decisão singular de 2011, “nem sempre a atribuição de eficácia à sentença estrangeira visa a possibilidade de a fazer impor a outrem; de a fazer valer contra outrem. Com efeito, situações há em que com atribuição de eficácia à sentença estrangeira apenas se pretende tornar efectivas no território nacional as situações definidas na sentença estrangeira em favor do próprio peticionante, sem que haja qualquer confronto com terceiro. Ora, nesses casos, a acção de revisão não se estabelece numa relação processual antagónica, em termos de autor/réu, requerente/requerido, mas numa simples demanda ao Estado de atribuição de eficácia à sentença estrangeira; ao reconhecimento da situação por ela definida. Pelo que a mesma não terá qualquer sujeito a ocupar o lado passivo da relação processual (abstraindo aqui do papel do MP enquanto defensor da legalidade e dos princípios de ordem pública)”.
Isto é assim apesar da posição de Alberto dos Reis que diz que naqueles casos (de divórcio por mútuo consentimento), apesar de não haver propriamente um vencido nem um vencedor, continuaria a haver um réu, que é a pessoa contra quem a revisão é pedida (mesma obra e local citados acima). Ou seja, este Professor pressupõe que tem de haver sempre um réu, e por isso força a qualificação do réu, que, afinal, deixa de ser aquele contra quem se pretende fazer valer a sentença, para passar a ser aquele contra quem é requerida a revisão, mesmo que a sentença não tenha sido proferida contra ele, mas não demonstra a necessidade de assim ser e, por isso, como se disse, a posição em causa não tem sido considerada obstáculo à tese da desnecessidade de réu (de qualquer modo, a posição deste autor teria sentido para outras situações, pois que na maior parte dos casos de divórcio por mútuo consentimento, para mais no tempo em que a obra em causa foi escrita – 1955 -, a sentença não decreta só o divórcio, decidindo outras questões, em relação às quais se pode facilmente dizer que haverá normalmente interesse em fazer valer tal sentença contra com o outro ex-cônjuge).
Em suma: como as revisões de sentença estrangeira podem dizer respeito a uma variedade de situações em que não há um réu – processos de jurisdição voluntária – nem sequer alguém com um interesse contrário, não pode ser uma posição de princípio a impor a tese de que tem de haver sempre réus.
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Quanto à necessidade dos outros participantes nos procedimentos ou processo também serem autores:
A imposição da presença de alguém como autor/requerente da revisão, só pode decorrer da existência de uma norma, um negócio ou a natureza da relação a impor essa intervenção (art. 33 do CPC).
Tem-se entendido que quem quer que tenha sido parte no processo que deu origem à sentença a rever é necessariamente parte na relação que está em causa no processo que tenha por objecto a revisão dessa sentença e que, por isso, tem de ser parte nesta acção, como requerente, isto com base no raciocínio de que, se assim não for, a sentença de revisão não produz o seu efeito útil normal, ou seja não regula definitivamente a situação daquele que pediu a revisão, porque não vincula os outros interessados nessa relação (ou seja, haveria um litisconsórcio activo necessário natural – art. 33/2-3 do CPC).
Aceitando-se que assim é, na normalidade dos casos, no caso do tipo de decisões que está em causa nos autos, tal entendimento não deve levar à necessidade da intervenção dos outros participantes.
É que esses outros participantes estão vinculados pelo comportamentos que assumiram na decisão a rever e por isso não podem ter interesse legítimo em pôr em causa a pretensão do requerente da revisão da decisão de adopção em a fazer valer noutro país. O interesse que pudessem ter nisso seria ilegítimo e não poderia ser invocado, por abuso de direito (art. 334 do CC). E o mesmo se diga dos sucessores daqueles, já que estes apenas interviriam neste processo nessa qualidade, de sucessores, pelo que não poderiam defender interesses diferentes daqueles a quem sucederam.
Neste sentido, por exemplo, veja-se o ac. do STJ de 29/02/2024, proc. 2985/22.7YRLSB.S1: IV. Age em abuso do direito, na modalidade do venire contra factum proprium, o requerido ao afirmar que estava no seu direito ao ter intentado a acção de divórcio nos tribunais competentes, tendo de seguida requerido o Talaq, pretendendo com isso salvaguardar “as suas convicções religiosas”, e, simultaneamente, deduzindo oposição ao reconhecimento dessa mesma decisão Talaq.; foi confirmado o ac. do TRL de 06/07/2023, proc. 2985/22.7YRLSB-6.
Em suma: aquele que tomou parte activa na decisão a rever ou que foi requerente num processo sem requerido em que foi proferida a decisão a rever, não pode querer que ela se aplique só num dado país ou que não se aplique apenas num certo país. Os pais que adoptaram um filho num dado país estão vinculados pela decisão de adopção e nunca poderiam vir invocar em Portugal que foram preteridos indevidamente da intervenção no processo de revisão porque teriam o direito de se opor à mesma, para que a decisão de adopção não pudesse ter eficácia em Portugal.
Assim, a sentença de revisão, no caso de decisões proferidas num processo sem réu, produz o seu efeito útil normal mesmo sem a intervenção daqueles que participaram no processo que levou à decisão a rever.
Pelo que é desnecessária a participação, como autores, dos outros participantes no processo de revisão. Ou seja, não se verifica qualquer preterição do litisconsórcio necessário.
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Dos 5 acórdãos invocados pelo MP, dois deles – os dos processos 89/12.0YRCBR e 347/15.1YRLSB.L1-7 – dizem respeito a condenações proferidas em processos contenciosos, pelo que nada têm a ver com o caso. Um outro – o do proc. 84/18.5YRGMR – diz respeito a uma decisão que foi proferida num processo em que havia uma requerida, pelo que também não tem a ver com o caso. Os outros dois – os dos proc. 315/24.2YRLSB-8 e 3260/24.8YRLSB – aceitam a desnecessidade da existência de uma parte passiva nas acções de revisão de sentença estrangeira em processos não contenciosos e partem do pressuposto, que no caso não era discutido, de que é necessária a intervenção de todos os participantes na decisão ou no processo que levou à decisão, ao menos como co-autores, sem demonstrarem essa necessidade, designadamente não afastando nenhum dos argumentos utilizados nesta decisão. Pelo que de todos eles não se retira nenhum argumento contra o que acima se defende.
Aliás, repare-se que a posição do MP parte de um pressuposto que não está certo. Com efeito, o MP diz: “Estamos, pois, perante uma situação de litisconsórcio necessário, que exige a intervenção no processo de todos os titulares da relação material em questão.” Ora, os participantes na decisão ou no processo que levou à decisão não são parte na relação controvertida que é objecto da acção de revisão de decisão estrangeira.
Como é dito por Castro Mendes, no estudo publicado na Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1965, páginas 133 e segs., especialmente páginas 145-146, citado pelo já referido ac. do STJ de 25/03/2025, proc. 3260/24.8YRLSB.S1:
Não se pode confundir o processo de revisão de sentença estrangeira com o processo onde esta foi proferida. São processos distintos, de índole e natureza diversa; particularmente, com objecto diverso: pedido diferente, diferente causa de pedir.
O objecto ou mérito da causa no processo de revisão não é substantivo; não é um litígio sobre certo bem material, coisa ou pretensão, litígio cuja composição judicial se pede. É um litigio mas sobre um bem de natureza já processual: uma sentença, favorável (um bem) para certa parte, desfavorável a outra, e cuja eficácia se discute. No processo onde foi proferida a sentença revidenda compôs-se um litigio material, mas no processo de revisão não está em causa em vigor a composição do mesmo litigio; e sim, noutro plano (mais totalmente processual, digamos) certa composição do litigio (sentença) a que se chegou, e cuja aplicabilidade em território nacional se discute.
Assim, a causa de pedir na acção onde foi proferida a sentença revidenda é um acto substantivo — mútuo, adultério, ilícito civil, compra e venda, mandato. Mas a causa de pedir na acção de revisão de sentença estrangeira já não é este acto substantivo, mas um acto processual — é a própria sentença. E o facto de existir a favor de alguém uma sentença (de tribunal estrangeiro) que dá a esse alguém a pretensão de a fazer rever e confirmar em Portugal — a sentença apresenta-se assim como a causa de pedir na acção de revisão de sentença estrangeira, nos termos exactos do artigo 498.º, n.º 4 [=> 581/4 na redacção depois da reforma de 2013].
E o pedido do autor na acção de revisão de sentença estrangeira tem índole diversa e objecto diferente do pedido na acção que poderíamos chamar subjacente. Tem índole diversa: este segundo é meramente declarativo, ou condenatório ou constitutivo na ordem material (solicita a autorização duma mudança da ordem substantiva existente). O primeiro é, em nossa opinião, constitutivo na ordem processual (solicita uma mudança na ordem processual existente, onde toma eficácia de caso julgado e título executivo um acto que até aí só tinha forca de meio de prova livre — artigo 1094.º [=> 978/2]). E tem objecto diferente — não uma relação substantiva de propriedade, ou crédito, ou família, mas a eficácia de uma sentença, nos termos do mesmo artigo 1094.º [=> art. 978]
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Assim, neste tipo de processos e casos (em que é feito valer um estado da pessoa resultante de uma decisão proferida num procedimento ou processo sem partes), quem tem de intervir na acção é apenas a pessoa que tiver interesse na revisão da decisão, não qualquer outro participante na relação subjacente para o qual o registo e a eficácia da sentença noutro país não pode pôr em causa qualquer interesse legítimo.
Em suma: nada justifica que se exija a um brasileiro adoptado em 1976 por um casal brasileiro numa escritura pública de adopção, que, quando quer, 50 anos depois, averbar a adopção num assento de nascimento em Portugal, tenha que ir pedir aos pais (ou aos herdeiros destes no caso de eles terem morrido) a sua participação como co-autores ou como réus na acção de revisão da decisão de adopção, como se os pais pudessem ter um interesse legítimo em opor-se a essa revisão (ou seja, como se só tivessem querido ser pais no Brasil, mas não em Portugal) ou pudessem ser “afectados” (está-se a utilizar a expressão do MP) por ela.
Isto quando, relembre-se, a exigência da revisão resulta só do art. 7/1 do CRC, que não prevê que a acção tenha que ter um réu, e que se destina, no essencial, à verificação da não oposição da decisão aos princípios da ordem pública internacional do Estado Português, verificação essa que é assegurado por via da intervenção do MP e do juiz nesse processo.
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Os factos relevantes para a decisão são os acima consignados e estão provados pelos documentos referidos.
A revisão pedida é necessária (art. 978 do CPC) e, parafraseando o decidido no acórdão do TRL de 21/11/1983, BMJ 338/471, bem como o ac. do STJ de 25/06/2013, proc. 623/12.5YRLSB.S1 (entre muitos outros, como por exemplo o ac. do TRE de 26/11/2018, proferido no proc. 149/18.8YREVR), o conteúdo deste artigo tem amplitude suficiente para abranger decisões, ainda que não provindas de tribunal, quando no país estrangeiro seja outra a entidade a quem competem essas decisões (mesmo que essas decisões, acrescenta-se agora, sejam dos próprios particulares, que a tomam na forma de declarações de vontade conjuntas exaradas em escrito, com uma qualquer intervenção de uma autoridade não jurisdicional [neste sentido também o ac. do TRL de 21/11/2019, processo 1429/19.6YRLSB-2; e, ainda, por exemplo, os acórdãos do STJ de 09/03/2021, proc. 241/20.4YRPRT.S1, de 07/06/2022, proc. 1181/21.5YRLSB-A.S1, de 07/07/2022, proc. 2201/21.9YRLSB-A.S1, de 20/09/2023, proc. 3185/22.1YRLSB.S1 e de 12/10/2023, proc. 2810/22.9YRLSB.S1]. Neste sentido ainda, expressamente sobre uma escritura de adopção, veja-se o ac. do STJ citado acima: de 13/02/2025, proc. 255/24.5YRPRT.S1.
(para a qualificação da escritura de adopção ou de divórcio, como adopções ou divórcios privados, lembre-se, para uma situação paralela, aquilo que é dito por Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, Gestlegal, 7.ª edição, 2020, pág. 381, sobre o casamento: “Apesar de a intervenção de um funcionário constituir condição de existência do casamento (cf. art. 1628.°, al. a)), é a declaração de consentimento dos nubentes que tem o papel principal na disciplina do instituto (cf., nomeadamente, arts. 1628.°, als. c) e d), 1631.º, al. b). 1635.°, 1636.º e 1638.º), que não é, portanto, um acto administrativo, mas um acto de Direito Privado. A intervenção do conservador, na celebração do casamento, é similar à do notário, na celebração de uma compra e venda de imóveis: assegura a observância de uma forma especial que a lei prescreve para o acto.”)
Este tribunal é o competente para o efeito (art. 979 do CPC).
Não existem dúvidas sobre a autenticidade do documento de que consta a decisão nem sobre a inteligibilidade desta, nem o seu reconhecimento conduz a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português (o que se declara tendo em vista o disposto no art. 980/-a-f do CPC).
Não existem dados que indiciem que a escritura provenha de órgão cuja competência tenha sido provocada em fraude à lei, ou que esteja pendente ou já tenha sido proferida outra decisão em Portugal sobre a mesma questão (o que se declara tendo em vista o disposto no art. 980/-c-d-e do CPC).
Pelo que, nada obsta à revisão e confirmação da decisão a rever.
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Pelo exposto, indefere-se liminarmente a petição inicial, quanto à requerente, por ser manifesta a sua ilegitimidade processual, e julga-se procedente a pretensão do requerente e, em consequência, decide-se rever e confirmar a decisão de adopção constante da escritura pública identificada no 1.º § desta sentença, adopção que assim passará a ter eficácia na ordem jurídica portuguesa.
Valor da causa: 30.000,01€.
Tendo em conta o disposto no art. 14-A/1c do RCP, não há, no caso, lugar ao pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça.
Não se determina a comunicação desta decisão ao registo civil, visto que o requerente anda não tem o seu nascimento registado em Portugal.
Lisboa, 16/10/2025
Pedro Martins