Processo do Juízo Local Cível de Loures
Sumário:
I – Havendo garantia do bom funcionamento da viatura por 2 anos (art. 921 do CC) e tendo sido substituído um motor a coberto da garantia, o prazo de 2 anos da garantia conta-se, em relação ao motor, da data da entrega do novo motor e não da data da entrega da viatura.
II – Não se pode concluir pela negligência da autora com base em conhecimento de factos, se esse conhecimento não consta dos factos dados como provados.
III – Os pressupostos da garantia contratual do art. 921 do CC são (i) a existência da obrigação de garantir o bom funcionamento da coisa e (ii) o mau funcionamento da coisa, que estão verificados; para o garante evitar a procedência do pedido teria que alegar e demonstrar que a causa do mau funcionamento da coisa é posterior ao momento da sua entrega e que é imputável ao comprador, a terceiro ou devida a caso fortuito, o que não fez.
IV – Há prazos para a garantia, prazos para a denúncia e prazos para a acção; para a acção, o prazo do art. 921/4 do CC é de 6 meses, contado da data da denúncia, prazo que no caso não foi observado, pelo que entretanto caducou.
V – “O n.º 2 do artigo 916 do CC [para o direito à reparação por defeitos] prevê dois prazos para a denúncia, que funcionam em paralelo: por um lado, a denúncia deve ter lugar no prazo de 30 dias depois de conhecido o defeito; por outro, estabelece-se como limite temporal de relevância do acto de denúncia, o prazo de 6 meses depois a entrega da coisa.”
VI – No caso, o novo motor foi entregue a 27/11/2019 e até 27/05/2020 não houve qualquer denúncia de defeitos, pelo que o prazo para a denúncia já tinha caducado em 26/04/2022 quando a acção foi intentada; ora, como “o cumprimento do ónus de denúncia, em termos antecipados, claros e adequados” “constitui pressuposto jurídico necessário do exercício dos meios de tutela jurídica reconhecidos ao comprador da coisa defeituosa”, esta acção, para o exercício de tal direito, já não podia ser intentada.
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:
A 26/04/2022, a T-Lda., propôs uma acção comum contra (1) S-Lda., e (2) Automóveis C-SA, entretanto incorporada na S-S.A., pedindo que seja (i) declarada a anulação do negócio a que se refere, ou, subsidiariamente, (ii) condenada a ré [sic] a proceder à entrega da viatura à autora livre de anomalias e encargos; (iii) sejam as rés condenadas solidariamente a ressarcir a autora dos prejuízos resultantes da inibição de utilização da viatura desde o dia 01/10/2021, nomeadamente [sic] 2.888,40€, acrescida de juros.
Alega para tanto, em síntese, que encomendou à 1.ª ré uma viatura e esta forneceu-lha, com garantia contra qualquer defeito de fabrico por 2 anos prestada pela 2.ª ré; recebeu a viatura a 23/01/2019; passado pouco tempo a viatura começou a revelar diversas deficiências; a 08/10/2019 foi feita a substituição do motor da viatura a coberto da garantia, contudo a viatura continuou a apresentar problemas; a viatura encontra-se nas oficinas da [1.ª] ré desde o dia 01/10/2021, dia em que parou e para ali foi rebocada; foi dito à autora, sem mais justificação, que a garantia já não poderia cobrir mais nenhuma reparação da viatura, apesar das insistências da autora; a imobilização da viatura está a causar grandes prejuízos à autora, nomeadamente pela privação de uso da viatura para a sua actividade comercial.
A 1.ª ré contestou, impugnando parte dos factos alegados, designadamente a existência de defeitos da viatura; disse que a viatura teve, sim, avarias, que reparou; e agora está por reparar porque a autora não deu a ordem de reparação, querendo que ela seja feita ao abrigo da garantia contratual prestada pela 2.ª ré, o que esta recusa, do que a autora foi informada logo em Outubro de 2021; e diz que a autora não lhe pode exigir a reparação ou a substituição da coisa, pois essa obrigação só existe se o vendedor conhecia, com culpa, o vício ou a falta de qualidade da coisa – artigo 914 do Código Civil – e a autora não alega esse conhecimento; e excepcionando a caducidade dos direitos da autora, quanto à garantia legal, por falta de cumprimento dos prazos dos artigos 916 e 917 do CC; e ainda deduz reconvenção contra a autora, pedindo a condenação dela a pagar-lhe a guarda da viatura na ré, à razão diária de 7,50€, desde 01/10/2021, e o custo do diagnóstico efectuado à viatura, 254,09€; conclui no sentido da procedência da excepção, da improcedência da acção e da procedência da reconvenção, no valor de 2.091,59€, acrescidos do montante correspondente aos dias em que a viatura ainda ficar à guarda da ré e de juros legais moratórios a partir da citação da reconvenção até efectivo pagamento.
A 2.ª ré contestou, impugnando, por os desconhecer ou por os considerar falsos, a maior parte dos factos alegados pela autora e os respectivos documentos; diz que não se aplica o DL 67/2003, de 08/04 – a norma que a faria responder como representante do produtor -, porque a autora não é consumidora e a viatura não tem defeitos de fabrico (arts. 6 e 2/1 daquele DL); incluiu esta matéria na defesa por excepção, a vários títulos, como se vê de seguida; e excepciona: a sua ilegitimidade passiva quanto ao pedido principal, por não ser a vendedora, isto é, parte no contrato que a autora quer anular; a ineptidão da petição inicial (por falta de causa de pedir quanto à 2.ª ré, embora refira que a autora alegou a existência da garantia contratual concedida pela 2.ª ré); a caducidade, porque a autora não teria denunciado junto da 2.ª ré qualquer defeito e também não alega tê-lo feito, o que devia ter feito, nos termos do art. 916 do CC, no prazo de 30 dias após o conhecimento do defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa; à data em que intentou a acção, já tinha decorrido o prazo de 6 meses e também já tinha decorrido o prazo de 2 anos da garantia contratual; a excepção de cumprimento de obrigações: volta a dizer que a viatura não tinha defeitos e que procedeu às reparações devidas; o abuso de direito: invoca a falta de cumprimento, com conhecimento, pela autora, do plano de manutenções C e do que consta de um livro de manutenção da C, o que era uma condição necessária para a autora poder beneficiar da garantia que é concedida à viatura no momento da entrega; a necessidade da substituição do motor decorreu do incumprimento do plano de manutenções, devido à não substituição atempada dos lubrificantes; a alegada “excepção” de não verificação dos pressupostos da responsabilidade civil: as reparações não se deveram a qualquer defeito de fabrico; a viatura encontra-se imobilizada por vontade própria da autora que não pretende assumir o custo da reparação da mesma; parece incluir também numa excepção, dita dos alegados danos (e antes de uma outra parte dita de ‘impugnação’) a impugnação dos pressupostos dos alegados danos; e volta à matéria da impugnação, de novo para invocar o incumprimento, pela autora, do livro e do plano de manutenções, que diz ter sido entregue à autora; a data altura diz que “pelo simples facto de não se puder garantir que a autora tivesse conhecimento do plano de manutenções específico aos casos de perfil severo, suportou-se a [1.ª] substituição do motor.”; e diz que a viatura é reparável e só não o foi por vontade da autora; conclui no sentido da improcedência da acção, por falta de prova (mas quer ser absolvida da instância), ou pela procedência das várias excepções deduzidas, umas vezes com a consequência da absolvição da instância, outras do pedido.
A autora replicou contra a reconvenção da 1.ª ré impugnando parte dos factos base dela e as consequências que a 1.ª ré tira deles, e conclui pela improcedência da reconvenção. Depois, a convite do tribunal para responder às excepções deduzidas, a autora, diz, sob a epígrafe de bom funcionamento do produto, que reclamou tempestivamente junto da sua contraparte [é só isto que diz quanto às caducidades] e que não faltam fundamentos; quanto à ilegitimidade passiva, invoca a garantia contratual; depois abre uma epígrafe C-ineptidão da PI, mas não escreve nada sobre ela; segue-se uma epígrafe E (saltou a D) sobre a excepção de cumprimento, onde diz que alegou matéria suficiente para fundamentar o pedido e que a falta de qualidade da viatura é patente; segue-se uma epígrafe D–caducidade, onde volta a dizer que reclamou oportunamente as deficiências e até obteve retorno da ré vendedora; depois tem um epígrafe F–abuso de direito, em que impugna os factos alegados pela 2.ª ré relativos ao abuso de direito e diz que sempre cumpriu o plano de manutenção e revisões que lhe era anunciado pelo computador da viatura, sem que nunca a 1.ª ré lhe tenha feito alguma observação ou reclamação; em G também impugna os factos alegados pela 2.ª ré quanto à “excepção” de não verificação dos pressupostos.
No despacho saneador, julgou-se improcedente a excepção da ineptidão da PI (a autora alegou que a 2.ª ré fabricou a viatura que adquiriu à 1.ª ré, a existência de defeitos de fabrico da viatura e ainda a existência de uma garantia da 2.ª ré relativa aos veículos por si produzidos); e da ilegitimidade passiva da 2.ª ré; e relegou-se para final o conhecimento da demais matéria de excepção invocada pelas rés.
Depois de realizada a audiência final, foi proferida sentença julgando a acção improcedente, em consequência absolvendo as rés do pedido, e a reconvenção procedente, condenando a autora a pagar à 1.ª ré a quantia que se vier liquidar.
A autora recorre desta sentença, querendo que ela seja revogada e substituída por outra que julgue procedente o pedido subsidiário formulado na PI e improcedente por não provado o pedido reconvencional.
Só contra-alegou a 1.ª ré; fê-lo defendendo a improcedência do recurso, para além de deduzir a questão prévia da falta de cumprimento, pela autora, dos ónus impostos pelo art. 640 do CPC.
*
Questões que importa decidir: da questão prévia; se o pedido subsidiário devia ter sido julgado procedente; se a reconvenção devia ter sido julgada improcedente.
*
A questão prévia
Diz a 1.ª ré:
A autora apresentou alegações absolutamente genéricas, sem delimitar o objecto do recurso, sem indicar os fundamentos de facto ou de direito, sem especificar qualquer norma jurídica que entenda ter sido violada, nem identificar os erros que imputa à decisão recorrida.
A estrutura das alegações apresentadas não permite sequer aferir se está em causa a impugnação da matéria de facto provada ou não provada, erro na apreciação da matéria de facto ou na aplicação do Direito, ou ambos.
Na verdade, a autora limita-se a, vagamente, discordar da decisão do tribunal a quo, porém: (a) não delimita com clareza o objecto do recurso, não se percebendo quais os concretos segmentos da sentença que pretende ver revogados; (b) Não identifica os erros de julgamento de Direito que imputa à decisão recorrida; (c) Não invoca qualquer norma jurídica concreta que entenda ter sido mal aplicada pelo tribunal a quo, nem fundamenta juridicamente uma solução alternativa; (d) Não apresenta uma linha argumentativa coerente e estruturada, limitando-se a manifestar discordância em face da decisão perfilhada pelo tribunal a quo.
Recorde-se que o tribunal ad quem não tem o dever de reconstruir o raciocínio da parte recorrente, nem de adivinhar os fundamentos do recurso: é à parte que recorre que incumbe estruturar adequadamente as suas alegações, apontar os vícios da decisão recorrida e indicar a solução jurídica que considera correcta em face da lei e da prova produzida.
A jurisprudência tem sido constante no sentido de que a falta de fundamentação adequada, em violação do ónus que impende sobre a parte recorrente por força do artigo 639/1-2 e 640, ambos do CPC, nomeadamente a omissão de indicação dos erros de Direito e das normas violadas, impede o conhecimento do recurso.
Em face do exposto, não tendo sido cumprido o ónus que impende sobre a parte recorrente ao abrigo do disposto no artigo 640/1 do CPC, deverá ser rejeitado o recurso.
Apreciação:
A 1.ª ré tem, em grande parte, razão. As alegações de um recurso devem conter conclusões e estas devem ser indicação, sintética, dos fundamentos pelos quais o recorrente pede a alteração ou anulação da decisão (art. 639/1 do CPC).
Ora, diga-se desde já, as conclusões do recurso da autora são uma outra versão, muito diferente, do corpo das alegações, não uma versão sintética dos fundamentos que aquele corpo contém. A verdade, no entanto, é que, de qualquer forma, se consegue perceber quais são esses fundamentos, sendo que eles foram também entendidos pela 1.ª ré que deles se soube defender, e esses fundamentos constam quer do corpo das alegações quer das conclusões.
Por outro lado, ao contrário do que é dito pela 1.ª ré, as conclusões do recurso da autora indicam as normas jurídicas violadas e o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, fazendo-o de forma sintética, como lhe era imposto pela lei. Para além de que tal não seria fundamento de rejeição.
Por fim, das conclusões não consta qualquer impugnação da decisão da matéria de facto (aliás, a 1.ª ré cita, bem, a conclusão 36 do recurso em que a autora diz: “Face ao exposto vem a autora apelar à revogação da sentença que tão bem fixou a matéria de facto, mas errou nas consequências”). Não a havendo, não se pode dizer que não foram cumpridos os ónus impostos pelo art. 640 do CPC, pois que eles, por isso, não se aplicam ao caso.
*
Foram dados como provados os seguintes factos:
1\ A autora é uma empresa cujo objecto social consiste no transporte regular de passageiros em veículos com condutor.
2\ Para o exercício da sua actividade, a autora encomendou a 1.ª ré (concessionária) uma viatura nova da marca C, em 07/12/2018.
3\ A 1.ª ré aceitou vender a viatura pelo preço base de 15.394,88€, sendo o preço final de 15.156,00€; valor esse que foi pago pela autora.
4\ A viatura foi entregue à autora no dia 23/01/2019, tendo sido atribuída a matrícula 00-00-00.
5\ A 1.ª ré entregou à autora com a ordem de encomenda da viatura um documento com a epigrafe condições gerais de venda e de garantia, onde consta que os veículos novos de marca C são garantidos contratualmente pela 2.ª ré, na qualidade de fabricante.
6\ Resulta dessas condições gerais de venda e de garantia que a garantia é contra qualquer defeito de fabrico, durante 2 anos, sem limitação de quilometragem, a partir do dia de entrega da viatura novo ao primeiro cliente ou representante do mesmo.
7\ Após a recepção da viatura, esta começou a produzir barulhos vindos do motor, o que motivou a autora a apresentar, em 24/06/2019, a viatura na oficina da 1.ª ré.
8\ A viatura contava 58.593 km.
9\ Como o referido barulho vindo do motor não desapareceu, a viatura volta a dar entrada na oficina da ré em 30/09/2019.
10\ No dia 08/10/2019 a viatura não ligava, nem dava qualquer sinal.
11\ Foi chamado o reboque e a mesma volta a dar entrada na oficina da 1.ª ré.
12\ Considerando os estragos que a viatura apresentava, optou-se por proceder à substituição do motor da viatura, o que ocorreu em 27/11/2019.
13\ Já com novo motor em 11/08/2020 a viatura voltou à oficina da ré com ruídos vindos novamente do motor.
14\ Todas estas reparações e revisões sempre foram cobertas pela garantia dada à viatura.
15\ No dia 01/10/2021, a viatura voltou a parar, tendo sido rebocada para as instalações da 1.ª ré.
16\ A viatura encontra-se imobilizada nas instalações da 1.ª ré desde essa data.
17\ Os estragos presentes na viatura têm origem provável em falha por fadiga da árvore de cames.
18\ Por sua vez, o funcionamento com folga excessiva da corrente de comando da árvore de cames, determina o desgaste prematuro da árvore de cames dado que aumenta o esforço de funcionamento daquele componente.
19\ Após ter recebido a viatura nas suas instalações no dia 01/10/2021, a 1.ª ré colocou à consideração da 2.ª ré a substituição do motor ao abrigo da garantia.
20\ A 2.ª ré responde logo no mesmo dia recusando essa solicitação.
21\ Após a resposta da C a ora ré informou de imediato a autora, na pessoa do seu legal represente e foram-lhe explicados os motivos porque a Marca recusava a reparação no âmbito da garantia – incumprimento do plano de manutenção.
22\ Depois, a autora enviou à ora ré as facturas respeitantes às manutenções que estavam em falta e solicitou a reanálise da recusa da garantia.
23\ Em 18/10/2021 a Marca volta a confirmar manter a recusa, decisão que foi comunicada à autora.
24\ A autora não deu ordem de reparação à 1.ª ré porque pretendia que essa reparação ficasse sujeita à garantia da Marca.
25\ Até ao dia 03/06/2022 (data da dedução da reconvenção), decorreram 245 dias em que a viatura se encontra à guarda da ré.
26\ A 1.ª ré cobra uma tarifa diária da recolha de veículos automóveis.
27\ A 1.ª ré depois da entrada da viatura nas suas oficinas em 01/10/2021, procedeu à elaboração de um diagnóstico de avarias.
28\ Na página 14 do livro de manutenção e de garantias, intitulada manutenção periódica C, refere especificamente que, “Se as condições com que circula com o seu veículo corresponderem a uma ou várias das seguintes condições severas de utilização, será necessária uma manutenção específica: (…) utilização urbana (tipo táxi, ambulância, velocidade média inferior a 20 km/h, escola de condução) (…)”.
29\ Mais consta que “O respeito do programa de manutenção C é obrigatório durante o período de garantia do seu veículo e para todos os veículos com Contratos de Serviço.”
30\ Resulta do plano de manutenções que as revisões – operações sistemáticas, tinham de ser realizadas dentro de um dos dois períodos: 30.000 km ou 1 ano.
31\ Em casos de utilização severa da viatura, a C sugere que o intervalo para as manutenções seja reduzido de 30.000 km para 20.000 km.
32\ Aquando da primeira manutenção, a viatura já tinha percorrido 28.149 km, ou seja, já haviam sido ultrapassados 8.149 km do limite fixado.
33\ Quando a viatura foi às instalações da 1.ª ré, no dia 24/06/2019, tinha já percorrido 58.593 km.
34\ Àquela data não tinha ainda sido feita a segunda manutenção, a qual, deveria ter ocorrido aos 40.000 km, tendo assim ultrapassado mais de 18.000 km.
35\ A terceira manutenção deveria ter ocorrido aos 60.000km e foi efectuada aos 92.806km, tendo assim ultrapassado mais de 14.000km.
36\ A não substituição atempada dos lubrificantes é apta a provocar o desgaste prematuro dos componentes móveis do motor, pelo facto de existir uma degradação da qualidade do óleo que está a ser utilizado pela viatura.
37\ Um dos sintomas do desgaste é o surgimento de ruídos produzidos pelo motor.
38\ Após a substituição do motor em 08/10/2019, as manutenções subsequentes tiveram lugar nas seguintes datas e com a seguinte quilometragem:
a\ 03/01/2020 – 143.187km (+16.867km).
b\ 12/03/2020 – 177.504km (+ 14.317 km)
c\ 19/06/2020 – 208.544km (+ 9.040 km)
d\ 20/08/2020 – 231.967km (+5.423 km)
e\ 26/10/2020 – 264.104km (+12.137 km)
f\ 25/01/2021 – 295.930km (+11.826 km)
g\ 12/05/2021 – 332.901km (+16.971 km)
h\ 21/07/2021 – 363.297 km (+ 10.396 km)
i\ 27/09/2021 – 394.820km (+11.523km)
j\ 01/10/2021 – 398.815km
39\ As últimas duas intervenções na viatura (nos dias 21/07 e 27/09/2019) ocorreram fora da rede da ora ré;
40\ Em 19/11/2021, a autora remeteu, através de mandatário, uma carta nos termos da qual se descreve as imperfeições que considera existem na viatura em causa na presente acção, mais solicitando informação sobre o motivo pelo qual “a garantia não cobre este serviço, considerando que a viatura desde cedo que tem dado problemas, ficando imobilizada diversas vezes, em serviço, causando prejuízo à empresa.”
41\ Posteriormente em 25/01/2022, a autora remeteu, através de mandatário, uma carta nos termos da qual se afirma, entre outras menções, que “venho solicitar o favor de me informarem se existem condições que permitam ultrapassar o problema gerado com as deficiências verificadas, a coberto da garantia inerente ao contrato de compra e venda de viatura em estado novo.”
42\ Entre a Antral e a APS foi celebrado um acordo destinado a regular o valor a indemnizar pelos períodos de paralisação;
*
A fundamentação de direito da sentença é a seguinte:
[…]
Atendendo à configuração da causa de pedir da autora, a questão jurídica resume-se em aferir se a reparação do motor do automóvel com a matrícula 00-00-00 se encontra abrangido pela garantia convencional de bom funcionamento prestada pela ré. E, eventualmente, se estamos perante a venda de bem defeituoso.
[…]
Face à factualidade provada e às declarações negociais aí descritas (cf. factos 3 a 5), é incontroverso que a autora, com vista a aquisição de um veículo automóvel, celebrou com a 1.ª ré um contrato de compra e venda relativo à viatura com a matrícula 00-00-00.
Neste contexto, aquando da aquisição da viatura junto da concessionária, ficou convencionado uma garantia de bom funcionamento, por um período de 2 anos.
Ora, de acordo com o clausulado das condições gerais de vendas e garantia, a ré garantiu o bom funcionamento da viatura, «contra qualquer defeito de fabrico, durante 2 anos, sem limitação de quilometragem, a partir do dia de entrega da viatura novo ao primeiro cliente ou representante do mesmo».
A referida garantia não ficou condicionada à «realização de operações de manutenção e/ou reparação na rede oficial C», ficando, porém, estabelecido que «No caso das operações de manutenção e/ou reparação serem realizadas fora da rede oficial C, o cliente deve comprovar através de factura e/ou outros documentos de suporte (tais como plano de manutenção de serviços e garantia C) que foram respeitadas todas as preconizações do Fabricante.»
Ora, não se coloca qualquer problema de validade dessa garantia convencional, à luz do DL 446/85, de 25/10 (Regime jurídico das cláusulas contratuais gerais), nem é aplicável a tutela do consumidor, uma vez que está em causa um bem destinado a uso profissional.
Assim, o que está em causa nos presentes autos é a disciplina prevista no artigo 921 do CC.
De acordo com o disposto no art. 921/1 do CC, «Se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador».
A este propósito, afirma o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08/03/2019, proc. 584/17.4T8FLG.P1, que «(…) ao comprador basta provar o mau funcionamento da coisa no período de duração da garantia; para o vendedor fica a prova mais difícil, ou seja, demonstrar que a causa concreta do mau funcionamento é posterior à entrega da coisa. (…) a responsabilidade só será afastada se o garante demonstrar e provar que o mau funcionamento ou a existência dos defeitos denunciados se ficaram a dever ao mau uso feito da coisa vendida por acção dolosa ou negligente do comprador sobre a coisa que a desvirtua ou incapacita para as suas funções»
Assim, com a concessão da garantia, o vendedor/fabricante assegura, pelo período da sua duração – no caso, 2 anos – o bom funciona-mento da coisa, assumindo a responsabilidade pela reparação das avarias ou deficiências de funcionamento, na normal utilização do bem. Trata-se, portanto, de uma garantia de resultado.
Como tal, ao comprador bastará alegar e provar o mau funcionamento durante o período de garantia sem necessidade de identifi-car a respectiva causa, cabendo à contraparte alegar e provar que o mau funcionamento é posterior à entrega da coisa, isto é, deve-se a uma má utilização ou utilização negligente por parte daquele.
Vertendo ao caso em apreço, é incontestável que a avaria – registada em 01/10/2022 (facto 15) – não ocorreu dentro do período de 2 anos de garantia de bom funcionamento prestada pela ré – até Fevereiro de 2021 (entrega em 23/01/2019 – facto 4), pelo que sempre gravitaríamos fora do âmbito da garantia contratual.
Em todo o caso, no contexto em causa nos autos consideramos que, ainda assim, o evento não é subsumível à garantia contratual.
Como se menciona no elenco dos factos provados/fundamentação, durante o período da garantia é essencial que a viatura cumpre de forma escrupulosa os planos de manutenção. Ou seja, existe um equilíbrio entre a prestação a que o vendedor se compromete (garantia de 2 anos) e o dever do cliente em cumprir com as recomendações da marca.
No caso em apreço, temos dois elementos que colocam em causa o equilíbrio dos deveres acimas descritos: durante os cerca de 300.000 km percorridos nunca a autora cumpriu com os prazos estabelecidos para as revisões; a viatura estava sujeita a desgaste severo. Tratam-se de dados objectivos e de que a autora tinha pleno conhecimento, em função da indústria que explora.
Não se trata de constatar que em uma ou outra ocasião não se respeitou os prazos. Como retiramos dos factos provados, nunca se cumpriu com o plano estabelecido (e falamos do plano regular, correspondente a 30.000 km).
Por outro lado, resulta assente que, pelo menos desde a data da primeira reparação que a autora tinha conhecimento da necessidade de efectuar um plano de manutenção em conformidade com a utilização (severa) da viatura.
Assim, tomando como ponto de partida essa data, verifica-se que nas revisões posteriores, a autora excedeu, em muito, a quilometragem recomendada para efectuar a manutenção preconizada pela marca, incumprindo, deste modo, o plano mencionado plano de manutenções.
Ora, o conceito de negligência remete-nos para a violação de um dever objectivo de cuidado, sendo que, no domínio civilista, a negligencia aparece referenciada ao lado da culpa (cf. artigos 487 e 494 do CC), estabelecendo-se uma graduação de três estádios: a negligência grosseira, em que a conduta do agente, por totalmente gratuita, se configura como altamente reprovável, a negligência leve, aferida segundo um padrão de uma pessoa normalmente diligente – a bitola do bonus pater famílias -, e a negligência levíssima, quando a omissão do agente apenas não teria sido observada por uma pessoa excepcionalmente diligente (neste sentido, vide o ac. do STJ de 24/02/2010, proc. 747/04.2 TTCBR.C1.S1).
No caso vertente, a autora podia e devia ter assumido outro comportamento, nomeadamente, efectuar as manutenções periódicas no prazo estipulado para o efeito tendo em consideração a utilização que fazia veículo.
Ao assumir a conduta omissiva supramencionada, avaliada segundo o padrão de diligência de um “bom pai de família”, a autora adoptou um comportamento negligente, evitável por uma pessoa média, com os conhecimentos da autora e colocada na mesma situação.
Com efeito, à autora exigia-se um comportamento diferente e preventivo: efectuando as manutenções periódicas no prazo.
Deste modo, verificando-se uma utilização imprudente da viatura automóvel pela autora, restaria concluir pela ocorrência da causa de exclusão prevista na garantia de bom funcionamento objecto dos presentes autos.
Como tal, deve improceder o pedido indemnizatório formulado pela autora.
*
Poderia colocar-se a questão de se tratar da venda de bem defeituoso, mormente pela aplicação de um componente não apto a garantir a longevidade do motor.
Verifica-se a venda de coisa defeituosa quando esta sofra de vício que a desvalorize; não possua as qualidades asseguradas pelo vendedor; não possua as qualidades necessárias para a realização do fim a que é destinada ou sofra de vício que a impeça da realização desse fim – cf. art. 913 do CC.
Estamos perante coisa defeituosa sempre que esta sofra de falhas intrínsecas, inerentes ao seu estado material, que desvalorizem ou impeçam a realização do fim para o qual foi adquirida, ou em desconformidade com o contratado.
Caso se verifiquem os pressupostos previstos no artigo 913 do CC, é reconhecido ao comprador os direitos à reparação ou substituição da coisa – art. 914 do CC -, à indemnização em caso de simples erro – art. 915 do CC -, ao cumprimento coercivo ou à indemnização respectiva – art. 918 do CC – e à garantia de bom funcionamento – art. 921 do CC.
Da venda de coisa defeituosa distingue-se o instituto do cumprimento defeituoso da obrigação. Como explicou o Prof. Antunes Varela, Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda (a excepção do contrato não cumprido, parecer publicado na CJ, 1987, T. 4, pg. 30): “Há venda de coisa defeituosa sempre que no contrato de compra e venda, tendo por objecto a transmissão da propriedade de uma coisa, a coisa vendida sofrer dos vícios ou carecer das qualidades abrangida no art. 913 do CC, quer a coisa entregue corresponda, quer não, à prestação a que o vendedor se encontra vinculado. O cumprimento defeituoso da obrigação verifica-se não apenas em relação à obrigação da entrega da coisa proveniente da compra e venda, mas quanto a toda e qualquer outra obrigação, proveniente de contrato ou qualquer outra fonte. E apenas se dá quando a prestação realizada pelo devedor não corresponde, pela falta de qualidades ou requisitos dela, ao objecto da obrigação a que ele estava adstrito”.
De notar, todavia, que no caso dos autos não está em causa um bem de consumo fornecido a um consumidor, tal como definido nas alíneas a) e b) do artigo 1.º-B do DL 67/2003, de 08/04.
Neste contexto, o ónus de prova de que existe um defeito da coisa vendida cabe ao comprador, conforme dispõe o art. 342/1 do CC. Feita essa prova, estabelece o art. 799 do CC, a presunção de culpa do vendedor, cabendo a este ilidir essa presunção, provando a ausência de culpa.
Ora, na sequência daquilo que acima se assinalou, entendemos que não existe qualquer elemento objectivo para considerar que o motor da viatura contém componentes que impedem o seu regular funcionamento.
Suportando-nos nos esclarecimentos dos peritos, é possível afirmar que a actual legislação e controlo da União Europeia sobre a construção de viaturas automóveis, impõe um conjunto de obrigações destinadas a garantir não apenas o correcto funcionamento das viaturas, bem como a eficiência e racionalidade ambiental. Tal como esclareceram os peritos, o número de quilómetros que a viatura percorreu está dentro dos padrões de durabilidade definidos.
Temos uma viatura que efectivamente regista uma avaria, mas que percorreu cerca de 400.000 km. Esteve sujeita a uma utilização severa. Não respeitou os planos de manutenção.
Todos estes motivos impedem que se formule um juízo positivo sobre a existência de um bem defeituoso.
Note-se, ainda, a título complementar, que não se encontravam respeitados os prazos previstos nos artigos 916 e 917 do CC, que regulam os prazos de denuncia/propositura da acção [Pedro Romano Martinez, “Cumprimento Defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada”, págs. 366 e seguintes: “Apesar do art. 917 ser omisso, tendo em conta a unidade do sistema jurídico no que respeita ao contrato de compra e venda, por analogia com o disposto no art. 1224, dever-se-á entender que o prazo de seis meses é válido, não só para interpor o pedido judicial de anulação do contrato como também para intentar qualquer outra pretensão baseada no cumprimento defeituoso. De facto, não se compreenderia que o legislador só tivesse estabelecido um prazo para a anulação do contrato, deixando os outros pedidos sujeitos à prescrição geral de vinte anos (art. 309)…; por último, se o art. 917 não fosse aplicável, por interpretação extensiva, a todos os pedidos derivados do defeito da prestação, estava criado um caminho para iludir os prazos curtos.”].
*
Poderia ainda a acção ser analisada na perspectiva da responsabilidade do produtor, consagrada no DL 383/89, de 06/11. Este diploma estabelece uma responsabilidade objectiva, já que o mesmo é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação.
Para este efeito, o momento para se aferir da existência ou inexistência de defeito é o da entrada do produto em circulação e não propriamente o da entrega do bem.
Todavia, este diploma será aplicável apenas aos consumidores: pressupõe um fim privado, pessoal, familiar ou doméstico; o que não é o caso.
*
Do pedido reconvencional;
Tal como decorre da matéria de facto provada, a 1.ª ré prestou dois serviços à autora: realização de um relatório de diagnóstico; parqueamento da viatura nas suas instalações.
Como é sabido, os factos constitutivos do direito alegado numa acção de responsabilidade obrigacional, são (1) a inexecução da obrigação, (2) a culpa, (3) os prejuízos e a (4) causalidade.
Caberá, deste modo, ao credor demonstrar a existência da obrigação, isto é, que esta se constituiu (e que era ele o seu sujeito activo).
Todavia, nos termos do artigo 799 do CC, o incumprimento contratual presume-se culposo, pelo que incumbirá ao réu comprovar que o incumprimento não se deve a facto que lhe é imputável.
Por outro lado, cumpre salientar que, cabendo ao autor o ónus de comprovar que a obrigação se constituiu, incumbe ao réu, o devedor, comprovar que cumpriu a sua obrigação, ou seja, comprovar o facto extintivo do direito invocado.
Explicitada que está a repartição do ónus da prova, reportemo-nos ao caso dos autos.
Analisados os factos provados, e tal como já assinalado, constatamos que a ré reconvinte prestou dois serviços à autora, os quais tinham carácter oneroso.
Mais se constata que a autora não comprovou ter liquidado os montantes devidos.
Todavia, não se apurou, em concreto, o valor desses serviços.
Nessa medida, relego para liquidação de sentença o apuramento dessas quantias [artigo 358 do CPC].
*
A sentença tem dois fundamentos para a improcedência da pretensão da autora:
(i) A avaria – registada em 01/10/2022 (facto 15) – não ocorreu dentro do período de 2 anos de garantia de bom funcionamento prestada pela ré – até Fevereiro de 2021 (entrega em 23/01/2019 – facto 4).
(ii) Durante os cerca de 300.000 km percorridos nunca a autora cumpriu com os prazos estabelecidos para as revisões (e falamos do plano regular, correspondente a 30.000 km) e a viatura estava sujeita a desgaste severo. Tratam-se de dados objectivos e de que a autora tinha pleno conhecimento, em função da indústria que explora. Por outro lado, resulta assente que, pelo menos desde a data da 1.ª reparação que a autora tinha conhecimento da necessidade de efectuar um plano de manutenção em conformidade com a utilização (severa) da viatura.
Contra isto diz a autora:
Quanto a (i) A avaria ocorreu em 01/10/2021 (facto 15) e não em 01/10/2022 como certamente por lapso consta da sentença, isto é, foi dentro dos 2 anos após a instalação do motor que foi instalado em 27/11/2019.
Quanto a (ii) O documento junto a contestação da 2.ª ré para sustentar o alegado nos artigos 77 e seguintes desse articulado, designado livro de manutenção e de garantias, foi alegado, mas não foi produzida qualquer prova, nem sequer foi ventilado, que ele tivesse sido oposto, proposto, sugerido, ou levado ao conhecimento da autora, não sendo dela conhecido nem tendo sequer sido alegada a sua cognoscibilidade, como, aliás, decorre de toda a matéria assente. E assim, a autora não pode conformar-se logo com a primeira conclusão que foi retirada desse livro: que a autora deixou de ficar vinculada ao plano normal de manutenção fornecido pela marca e pelos avisos electrónicos fornecidos pela viatura, para passar a estar sujeita a esse livro.
Apreciação:
Quanto a (i)
Quanto ao erro de datas – que consta da fundamentação de direito, não dos factos provados – ele é evidente: uma outra avaria ocorreu a 01/10/2021 (facto 15) e não a 01/10/2022.
Quanto ao pressuposto, assumido pela fundamentação de direito da sentença, de que o prazo de garantia se conta da entrega da viatura (23/01/2019), a autora contrapõe a data da instalação do novo motor (27/11/2019).
Ora, se o motor foi substituído (facto 12), a coberto da garantia (facto 14), o que conta, em relação a novo problema no motor, é a data da entrega do novo motor (que ocorre com a instalação do novo motor), não a data da entrega do anterior (assim, por exemplo, Ana Filipa Morais Antunes / Rodrigo Moreira, anotação 6-III-a ao artigo 916 do CC, no Comentário ao CC, Direito das Obrigações, Contratos em especial, UCP/FD Editora, 2023, pág. 176; com o mesmo sentido, Nuno Manuel Pinto de Oliveira, Contrato de compra e venda, venda de coisas defeituosas, vol. IV, Gestlegal, 2025, página 825 e 801-824).
É esta a solução do problema e não a proposta pela autora da extensão da garantia para além dos dois 2 anos “da garantia até a estabilização da situação que motivou as reclamações da autora.”
Portanto, tendo ocorrido a substituição em 27/11/2019 e a avaria em 01/10/2021, esta caiu dentro do prazo de 2 anos da garantia.
*
Quanto a (ii)
Nos factos provados consta a referência ao livro de manutenção e garantias (factos 28 a 31). Mas já não consta o conhecimento desse livro, e seu conteúdo, pela autora. Pelo que não consta dos factos provados que a autora tivesse conhecimento de um plano de manutenção aos 30.000 km, nem de uma sugestão (facto 31) de um plano de manutenção em conformidade com a utilização severa da viatura, nem aliás da qualificação como severa da utilização da viatura ou dos pressupostos dessa qualificação.
A sentença tenta chegar a esse conhecimento aparentemente por três vias diferentes:
(a) os cerca de 300.000 km percorridos e a sujeição da viatura a desgaste severo seriam dados objectivos.
Ora, aceitando-se que ‘os cerca de 300.000 km’ é um dado objectivo [ou melhor, é um facto provado e são 340.000 km (factos 8, 12 e 38), já o estar a viatura sujeita a um desgaste severo não é um dado objectivo na parte que possa ser vista como indo para além do saber que a viatura percorreu, em cerca de dois anos, os 340.000km. Ora, o simples facto de uma viatura percorrer 340.000 km não implica qualquer conhecimento, pelo autora, do que consta de um livro de manutenção da ré.
(b) a autora tinha pleno conhecimento, em função da indústria que explora.
A sentença está-se a referir o conhecimento aos dados objectivos, não ao que constava do livro de manutenção.
(c) desde a data da 1.ª reparação que a autora tinha conhecimento da necessidade de efectuar um plano de manutenção em conformidade com a utilização (severa) da viatura.
Trata-se de uma simples afirmação, sem qualquer suporte nos factos provados: a sentença não diz qual é o facto provado que lhe permite tal conclusão.
Assim, não constando provado que a autora tivesse conhecimento do que constava do livro de manutenção da ré – note-se que não consta dos factos provados que esse livro tenha sido entregue à autora – não se pode dizer que ela tivesse conhecimento dos pressupostos da qualificação como severa da utilização da viatura, de uma manutenção específica nesse caso, da necessidade do respeito do programa de manutenção C, e qual ele fosse, de um qualquer plano de manutenções e da sugestão de um intervalo diferente para as manutenções no caso de utilização severa.
*
No facto 38 dá-se como provado que as revisões eram feitas fora do prazo e indica-se, inclusive, os precisos km a mais. Antes de mais note-se que os precisos km a mais estão errados seja qual for a perspectiva que se assuma, ou seja, da revisão a cada 30 ou a cada 20.000 km. Basta ver que se fosse a cada 30.000 km, então devia ter sido feita uma revisão aos 120.000 km e a 1.ª diferença indicada seria 23.187 km e não 16.867 km. Mas se fosse a cada 20.000 km então a revisão devia ter sido feita aos 140.000 km e a diferença seria de 3.187 km. Para além disso, não se sabe a que km ocorreu a substituição do motor e, por isso, desde quando contar os 20 ou 30.000 km.
Por outro lado, a sentença, na fundamentação de direito, diz que está a falar na revisão a cada 30.000 km (diz expressamente: “e falamos do plano regular, correspondente a 30.000 km”), mas nos factos 32, 34 e 38 está a fazer as contas com base na revisão a cada 20.000 km. Ora, se fizesse as contas a cada 30.000 km então não poderia dizer, no facto 32, que já estavam ultrapassados 8.149 km, porque ainda faltavam 1.851 km para os 30.000 km, no facto 34 não podia dizer que já estavam ultrapassados 18.000 km, porque ainda faltavam 1.407 km para os 60.000 km, e no facto 35 não podia dizer que a revisão devia ter sido feita aos 60.000 km e que por isso já ultrapassava os 14.000 km, pois que, sendo aos 30.000 km, a 3.ª revisão devia ter ocorrido aos 90.000 km e só estavam ultrapassados 2.806 km.
Seja como for, do facto de não ter sido respeitado o plano da revisão não decorre a prova de que esses atrasos na manutenção fossem a causa do mau funcionamento, porque, no facto 36, apenas se diz que a não substituição atempada dos lubrificantes é apta a provocar o desgaste prematuro dos componentes móveis do motor; ora, o facto de ser apto a provocar um desgaste prematuro não é prova de que o tenha causado de facto.
Por outro lado, muito mais relevo, em sentido contrário (à culpa da autora e da manutenção da conclusão do mau funcionamento), teriam os factos 17 e 18 pois que aí se diz que os estragos presentes na viatura têm origem provável em falha por fadiga da árvore de cames – note-se: é esta a origem provável, não a falta de atempada substituição dos lubrificantes – e o funcionamento com folga excessiva da corrente de comando da árvore de cames, determina – aqui, determina, ali, apenas: é apta a – o desgaste prematuro da árvore de cames dado que aumenta o esforço de funcionamento daquele componente.
*
A 1.ª ré diz que a autora sabia da existência e do teor do livro de manutenções e invoca para prova de tal o que foi dito nas declarações de parte da autora.
Mas a 1.ª ré não impugnou a decisão da matéria de facto, como o podia ter feito ao abrigo do art. 636/2 do CPC (“Pode ainda o recorrido, na respectiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.)
Tanto mais que esta é matéria de excepção, cujo ónus da prova lhe competia (art. 342/2 do CC).
O que antecede vale para vária outra matéria de facto que a ré discute em sede de contra-alegação (com invocação de vários elementos de prova, pericial e pessoal e transcrição de passagens de depoimentos), sem ter impugnado a decisão da matéria de facto, apesar de o poder ter feito querendo, pelo que é irrelevante.
Portanto também fica afastado este fundamento da sentença para a improcedência do pedido.
*
O artigo 921/1 do CC, sobre Garantia de bom funcionamento, dispõe que “Se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador.”
Os pressupostos do direito à reparação, neste caso, são, apenas a existência da obrigação de garantir o bom funcionamento da coisa – que no caso resulta da garantia contratual (factos 5 e 6) – e o mau funcionamento da coisa – que no caso resulta do facto 15 (neste sentido, por exemplo, a obra já citada, pág. 192: “o comprador fica dispensado da prova da existência de vícios à data da celebração do contrato, bastando-lhe demonstrar o não funcionamento da coisa, de acordo com os parâmetros contratados […]”.)
Para a 2.ª ré evitar a procedência do pedido teria que provar “que o mau funcionamento” se ficou “a dever ao mau uso feito da coisa vendida por acção dolosa ou negligente do comprador sobre a coisa que a desvirtua ou incapacita para as suas funções”, como refere o ac. do TRP citado pela sentença recorrida, ou nos termos da obra citada, ao vendedor reconhece-se a possibilidade de se exonerar da responsabilidade pelo não cumprimento, no caso de alegar e demonstrar que a causa do mau funcionamento da coisa é posterior ao momento da sua entrega e que é imputável ao comprador, a terceiro ou devida a caso fortuito (cf. neste sentido, ac. do TRL de 12/04/2011 (391/09).
Ora, como se viu, a 2.ª ré não fez esta prova.
Em suma: estão preenchidos os pressupostos para a aplicação da garantia contratual.
*
Mas a 2.ª ré invocava a caducidade dos prazos para a denúncia, para a propositura da acção e para a garantia.
Como dizem os autores citados acima, na obra também citada, agora na página 193, os prazos previstos no art. 921 do CC têm natureza supletiva e são prazos de caducidade. E, por outro lado, são prazos para a garantia, para a denúncia do defeito e para a propositura da acção no âmbito da qual se peticiona a reparação ou substituição da coisa, em cumprimento da garantia do bom funcionamento (com o mesmo sentido, Nuno Manuel Pinto de Oliveira, Contrato de compra e venda, venda de coisas defeituosas, vol. IV, Gestlegal, 2025, páginas 801-802).
O prazo de garantia foi tratado logo no início da fundamentação deste acórdão. Agora estão em causa os prazos para a denúncia e o prazo para a propositura da acção.
Os prazos para a denúncia estão previstos no art. 921/3 do CC: “O defeito de funcionamento deve ser denunciado ao vendedor dentro do prazo da garantia e, salvo estipulação em contrário, até trinta dias depois de conhecido.”
Isto é, segundo os autores citados, “30 dias depois de conhecido o defeito, desde que dentro do prazo de garantia, ou seja, salvo estipulação em contrário, nos seis meses após a entrega.”
Dando de barato que os ruídos vindos novamente do motor (facto 13) são irrelevantes e terão sido reparados (facto 14), o defeito – no 2.º motor – foi conhecido no dia 01/10/2021 (facto 15) e a denúncia foi feita nesse mesmo dia com a entrega da viatura à 1.ª ré (factos 19 e 20) – sendo que a 1.ª ré funciona, na lógica dos factos alegados (pois que funcionou como tal noutras ocasiões, desde logo no que respeita à 1.ª substituição do motor), para tal efeito, como representante da 2.ª ré (se a 1.ª ré, como concessionária da 2.ª ré, pôde celebrar com a autora um contrato em que figurava uma garantia prestada pela 2.ª ré, só o pode ter feito como representante desta, pelo que, para os efeitos de accionamento da garantia, denúncia de defeitos, servia como seu representante; tal resultaria ainda da aplicação analógica dos arts. 255, 256 e 259 do Código Comercial e art. 23 do DL 178/1986, de 03/07; veja-se também o 2.º § da anotação 5III dos autores citados no Comentário ao CC, citado, pág. 175).
E como o novo motor foi entregue em 27/11/2019 tal denúncia ocorreu dentro do prazo de 2 anos da garantia contratual (como já foi visto para outro efeito).
Quanto ao prazo para a acção dispõe o art. 921/4 do CC: “A acção caduca logo que finde o tempo para a denúncia sem o comprador a ter feito, ou passados seis meses sobre a data em que a denúncia foi efectuada.”
Ou seja, nos termos daqueles autores, a acção deve ser proposta no prazo de 6 meses, contado da data da denúncia.
Ora, a denúncia, já se viu, ocorreu a 01/10/2021 e a acção só foi intentada a 26/04/2022, mais de 6 meses contados da data de denúncia.
Pelo que, o prazo para propor a acção já tinha caducado quando ela foi proposta.
Pelo que o direito de propor a acção na qual peticiona a reparação ou substituição da coisa, em cumprimento da garantia do bom funcionamento, caducou.
*
Não se pode colocar, no caso, qualquer questão da suspensão ou interrupção dos prazos: a autora fez a denúncia da situação em 01/10/2021; nada a impedia de intentar logo a acção; a 1.ª ré, logo no mesmo dia, disse à autora qual era, segundo ela, o problema e que a 2.ª ré recusava ser ela a pagar a substituição do motor (factos 19 a 21; mesmo que se possa ver alguma indefinição quanto ao ‘mesmo dia’, ele já se tinha verificado muito antes de 18/10/2021 – como resulta dos factos 19 a 23). Não se está perante uma situação em que as rés estivessem a tentar reparar o motor sem o conseguirem.
Os factos 17 e 18 sugerem que o problema da viatura não era um problema do motor, mas um outro descoberto no decurso da acção (pelos peritos). Não foi isto, no entanto, que levou a autora a não intentar a acção no tempo devido: não é um problema de ultrapassagem do prazo de garantia que está em causa na caducidade reconhecida, mas sim a ultrapassagem do prazo de caducidade para a propositura da acção.
*
Esta excepção foi deduzida pela 2.ª ré. O tribunal não se pronunciou especificamente sobre ela. Só se pronunciou sobre o prazo de garantia, não sobre o prazo para a propositura da acção.
A excepção é um meio de defesa que é uma questão a resolver pelo tribunal. O tribunal não resolveu esta excepção, porque considerou que estava ultrapassado o prazo de garantia e porque considerou que o mau funcionamento se ficou a dever à autora.
Afastados estas duas razões para a improcedência da acção que prejudicaram o conhecimento desta excepção deduzida pela 2.ª ré, cabe agora conhecer dela (art. 665/2 do CPC). O que se acabou de fazer, considerando-se procedente a excepção.
A autora propugnava o afastamento daquelas razões para a improcedência do pedido, pelo que tinha que ter discutido a excepção deduzida pela 2.ª ré para o caso de lhe (à autora) ser dada razão quanto às razões dadas pela sentença para a improcedência da acção. Assim, não há que ouvir a autora sobre o conhecimento desta excepção (art. 665/2 do CPC) porque a autora já teve a oportunidade de se pronunciar sobre ela e já se devia ter pronunciado sobre ela, e, aliás, pronunciou-se genericamente sobre ela, tal como já o tinha feito na resposta à excepção, dizendo agora que o tribunal “errou ao considerar a extemporaneidade das reclamações dos danos que ocorreram pouco meses após a recepção da viatura e que se repetiram ao longo de toda a sua vida.”
Dadas as confusões que se têm visto sobre o assunto, esclareça-se que a 2.ª ré não tinha que requerer a ampliação do âmbito do recurso, porque o preceito do art. 636/1 do CPC “só se aplica quando o tribunal de recurso tenha efectivamente conhecido o fundamento em causa, julgando-o improcedente: a parte vencedora há de ter nele decaído. Se, ao invés, tal fundamento invocado pela parte em 1.ª instância, não tiver chegado a ser apreciado […] o tribunal de recurso não deixará de o conhecer, sem necessidade de requerimento de ampliação, se julgar improcedente o pedido tido como procedente pelo tribunal recorrido.” (Lebre de Freitas / Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 3.º, 3.ª edição, Almedina, 2022, págs. 73-74; apesar de estes autores se referirem, na parte final, a pedido, antes estavam a referir-se, indiferentemente, a fundamentos da acção ou da defesa, que são as excepções).
O que, por outro lado, é uma das razões pelas quais não se deve considerar que as conclusões de um recurso dão todas as questões que o tribunal de recurso tem de conhecer, ou, dito de outro modo, que não se pode ir buscar só às conclusões de um recurso as questões a conhecer pelo tribunal de recurso.
*
O direito à reparação da coisa defeituosa previsto no art. 914 do CC
O art. 914 do CC, dá à autora o direito de exigir a reparação da coisa defeituosa contra o vendedor (ou contra o fabricante / produtor quando se esteja numa relação de consumo, o que não é o caso).
Quanto a este direito (decorrente da garantia legal, não da contratual), também a 1.ª ré deduziu a excepção de caducidade.
O tribunal recorrido pronunciou-se também quanto a este direito e afastou-o com o fundamento de não estar em causa um bem defeituoso, bem como, a título complementar, por não se encontrarem respeitados os prazos previstos nos arts. 916 e 917 do CC.
Ora, antes eventualmente de nos pronunciarmos sobre o 1.º fundamento, veja-se a questão da excepção de caducidade já que, sendo esta procedente, aquele fundamento deixa de interessar.
O art. 916/2 do CC diz que “A denúncia será feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa.”
Os mesmos autores citados acima, na obra citada, agora na pág. 175, dizem que “o n.º 2 do artigo prevê dois prazos para a denúncia, que funcionam em paralelo: por um lado, a denúncia deve ter lugar no prazo de 30 dias depois de conhecido o defeito; por outro, estabelece-se como limite temporal de relevância do acto de denúncia, o prazo de 6 meses depois a entrega da coisa.” (com o mesmo sentido, Nuno Manuel Pinto de Oliveira, Contrato de compra e venda, venda de coisas defeituosas, vol. IV, Gestlegal, 2025, págs. 707-708).
Ora, a coisa – no que importa ao caso, como explicado, o que interessa é o 2.º motor – foi entregue a 27/11/2019 (facto 12). E, quando muito terá havido uma denúncia no dia 11/08/2020 (factos 13 e 14). Ora, nessa data já tinham decorrido, há muito, os 6 meses (ocorreram a 27/05/2020):
Pelo que o acto de denúncia é irrelevante para afastar a caducidade do direito de denúncia durante o período de garantia legal.
Caducado o direito de denúncia, a acção já não pode ser intentada, já que “o cumprimento do ónus de denúncia, em termos antecipados, claros e adequados” “constitui pressuposto jurídico necessário do exercício dos meios de tutela jurídica reconhecidos ao comprador da coisa defeituosa” (autores e obra citados, pág. 174).
Também aqui não interessa que o problema da viatura possa ser o que consta dos factos 17 e 18, porque o que interessa é que, fosse qual fosse o problema, ele não surgiu durante o prazo de garantia legal. E, de novo, não interessam para o caso, questões de suspensão ou interrupção de prazos, pois que, depois da substituição do motor em 27/11/2019 e até pelo menos 11/08/2020 (factos 12 e 13) nada estava a ser feito pelas rés para solução de qualquer problema, pois que não havia notícia de qualquer problema.
Os factos que interessam à solução das questões são os factos discriminados como provados (art. 607/3 do CPC), não os factos de que as partes vão falando no decurso das alegações do recurso.
*
Reconheceu-se acima, o direito da autora à reparação do mau funcionamento da viatura até à caducidade do prazo para a propositura da acção.
Isto tem de ter inevitáveis reflexos na reconvenção.
Até 01/04/2022 a autora estava legitimamente a exercer o direito à reparação da viatura por mau funcionamento desta, com base numa garantia contratual que vinculava as duas rés. Assim, o período de permanência da viatura nas oficinas da 1.ª ré, até àquela data (01/04/2022), não pode ser posto a cargo da autora.
Deste modo, a condenação da autora, na reconvenção, tem que ser restringida.
Note-se que no recurso não há qualquer conclusão relativa à reconvenção excepto a 40, que se limita a dizer que “a sentença errou ao considerar procedente o pedido reconvencional, quando a viatura se encontra desmontada na oficina à espera de ver, afinal, substituída a deficiente corrente da distribuição pela nova corrente sem folgas.”
Ora, quanto à última parte de tal conclusão, a viatura não se encontrava à espera daquela substituição, mas sim da substituição por um novo motor, discutindo a autora se essa substituição devia ser paga por ela ou pela 2.ª ré.
Quanto à outra parte da conclusão apenas permite o reflexo considerado acima e nada mais, não havendo pois, qualquer argumento de direito contra a condenação da autora (no pedido deduzido na reconvenção) que tenha de ser considerado.
*
Esclareça-se que embora a compra e venda contratada entre as partes seja uma compra e venda (subjectivamente) comercial, em que, nos casos dos artigos 469 e 470 do Código Comercial, os prazos para a denúncia seriam mais curtos: 8 dias contados da entrega da coisa apta a funcionar (arts. 2, 13, 99 e 469 a 471 do Código Comercial – para tudo isto, veja-se Nuno Manuel Pinto de Oliveira, Contrato de compra e venda, introdução, formação do contrato, vol. I, Gestlegal, 2021, páginas 87-111, e vol. IV, citado, págs. 690-691 e 707-710), “o disposto no artigo 471.º do CCom é estritamente aplicável à desconformidade entre a mercadoria comprada e a mercadoria entregue e à inconveniência – e não aos defeitos de que a mesma mercadoria possa padecer, a menos que se trate de defeitos tão aparentes que teriam impedido a compra à vista da mesma mercadoria”, cita-se de Maria de Fátima Ribeiro, através do ac. do TRP de 09/09/2024, proc. 402/21.9T8VNG.P1, que invoca vária outra doutrina e jurisprudência mais ou menos no mesmo sentido, com o resultado de que o regime aplicável ao caso da venda de coisa defeituosa, no caso dos autos, é realmente o da venda civil, excepto para aquelas hipóteses.
*
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso da autora, acrescentando-se, à condenação da autora a pagar à 1.ª ré a quantia que se vier a liquidar, a ressalva de que a guarda da viatura só se conta a partir de 02/04/2022.
Custas da acção (incluindo reconvenção) e do recurso, na vertente de custas de parte, pela autora em 93,22% e pela 1.ª ré em 6,78%.
Lisboa, 04/12/2025
Pedro Martins
1.º Adjunto
2.º Adjunto