Processo do Juízo de Execução de Loures – Juiz 1
Sumário: Não tem sentido invocar, numa execução, a preterição do regime do PERSI, quando estão em causa contratos relativos a bens destinados a uso profissional.
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:
A 19/11/2021, o BCP intentou uma execução ordinária contra AA e BB e a 29/11/2021 cumulou uma outra, para obter deles o pagamento de 28.438,75€ + 8.790,71€, com base em duas livranças (de que juntou cópias como docs.1 e os respectivos originais juntou-os a 16/12/2021) desses valores subscritas por eles, emitidas em, respectivamente, 23/04/2008 e 07/10/2004 e, com vencimento, respectivamente, em 19/12/2018 e 11/01/2019, dizendo que elas titulam o montante de dois contratos de locação financeira celebrados com eles, um a 23/04/2008 com a referência 450007574 e outro a 07/10/2004 com a referência 450001054; nos dias 29/10/2018 e 19/11/2018, respectivamente, interpelou-os, através de cartas registadas com aviso de recepção, para a regularização dos montantes em dívida – cf. cartas de interpelação e respectivos talão de aviso de recepção que se juntam e cujos conteúdos se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais – docs.2; apesar da referida interpelação, os executados não regularizaram o incumprimentos que se verificavam, motivo pelo qual o exequente, através de cartas registadas com aviso de recepção, datadas de dia 11/12/2018 e de 03/01/2019, respectivamente, promoveu pela resolução dos contratos – cf. cartas e respectivo talão de aviso de recepção que se juntam e cujos conteúdos se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais – docs.3. Apresentadas a pagamento nas datas dos seus vencimentos, as livranças não foram pagas então, nem posteriormente até hoje. Para além do capital em dívida acrescem os juros de mora, desde a data do vencimento das livranças até ao seu integral pagamento.
A executada foi citada antes de 24/01/2022.
Deduziu embargos de executada a 03/02/2022 que se encontram ainda pendentes; na contestação aos mesmos, a exequente juntou os contratos de locação financeira invocados no requerimento executivo, bem como aditamentos aos mesmos e os acordos de preenchimento das livranças.
Na execução nunca foram penhorados quaisquer bens.
A 09/12/2024, por requerimento, a executada veio, na própria execução, arguir a nulidade da penhora [sic], invocando a preterição do regime do PERSI (do DL 227/2012, de 25/10) e, por isso, requerendo a extinção da execução, a absolvição da instância e do pedido e a revogação imediata da penhora sobre as remunerações incluindo do subsídio de férias e de Natal bem como de devolução do IRS, saldos bancários.
A exequente respondeu ao requerimento dizendo que as livranças dizem respeito a contratos celebrados com os executados relativos a imóveis locados para a restauração e apoio à restauração, ou seja, que os executados não são consumidores para efeitos do regime do PERSI e que, por isso, este não se aplica no caso dos autos.
Por despacho de 14/01/2025, o tribunal indeferiu a pretensão dos executados, dizendo, em síntese, que o procedimento regulado pelo DL 227/2012 apenas é aplicável aos contratos elencados no artigo 2 daquele regime celebrados com clientes enquadráveis no conceito legal de consumidor para efeitos da lei do consumo; dispõe o artigo 2 da Lei de Defesa do Consumidor que é consumidor “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”. Ora, o objecto da locação (relação subjacente) era um imóvel destinado a comércio (nomeadamente, afecto à restauração), ou seja, a uso profissional. Daqui se extrai que a executada não interveio, na acepção legal, como consumidora, pelo que a exequente não estava obrigada a encetar o procedimento do PERSI.
A executada recorre deste despacho para que se declare a preterição do PERSI com consequente absolvição da instância e o cancelamento da penhora e para que se declare o direito de propriedade das duas lojas a favor da executada e do seu ex-marido; diz que o PERSI devia ter sido aplicado ao caso, fala em perdão de juros, na interpelação do fiador, na falta de prova desta, em entregue as chaves, em cessão de créditos, em reclamação de créditos hipotecários e em períodos de carência de 4 anos com pagamento apenas da parte relativa aos juros.
A exequente contra-alegou, dizendo entre o mais que nos presentes autos não se encontram penhorados quaisquer bens, nem está a ser discutida a propriedade de qualquer loja, recorde-se que se trata de uma execução; acresce que na conclusão 10 é referido que o “executado já deveria ter entregue as chaves”, sendo que se desconhece que chaves a recorrente se refere, visto que nos autos não se encontra penhorado qualquer bem; no corpo das alegações, a recorrente alega a “inexigibilidade dos juros remuneratórios relativos e prestações vincendas”, sendo que tal não foi objecto de despacho nem teria qualquer relevância nesta sede; a recorrente alega igualmente que “reclamou e arguiu a nulidade da penhora, entenda-se da apreensão pela AI e da venda à CGD”; ainda alega que “quanto a dúvidas sobre o realojamento as mesmas foram colocadas de forma expressa tendo sido arroladas testemunhas destinadas a fazer prova da impossibilidade de realojamento, desconhecendo-se as razões da recusa de inquirição (art. 861/6 do CPC). Acontece que, conforme supra alegado e decorre dos presentes autos, não foi penhorado qualquer bem, e consequentemente também não existiu qualquer apreensão por parte da AI e venda à CGD, nem existe qualquer insolvência, nem qualquer realojamento, nem foram arroladas testemunhas por parte da recorrente. A recorrente também invoca, por diversas vezes, a circunstância da quantia exequenda encontrar-se garantida por hipoteca e o exequente ser um credor hipotecário, o que também não corresponde à verdade, conforme decorre do teor do requerimento executivo. A recorrente ainda alega a existência de uma cessão de créditos e a apresentação de uma reclamação de créditos, o que também não tem qualquer adesão à realidade dos presentes autos. E termina dizendo: em nenhum momento, a recorrente alega que o objecto de cada uma das locações financeiras (relação subjacente) não era um imóvel destinado a comércio. Ou que tal circunstância obrigaria na mesma o exequente a encetar o procedimento do PERSI.
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Questões que importa decidir: se o regime do PERSI foi preterido indevidamente e se, por isso, o tribunal não devia ter dado seguimento à execução.
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Apreciação:
O meio de defesa normal contra uma execução é a oposição mediante embargos de executado (art. 728 do CPC).
Mas, com base no art. 734/1 do CPC também se admite a oposição por requerimento. Ou seja, admite-se que o executado, através de requerimento, possa sugerir ao juiz que aprecie, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, as questões que oficiosamente poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726 do CPC, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.
E isso, naturalmente, com os elementos que constam do processo, ou deviam constar dele depois de um despacho de aperfeiçoamento (daí que Lebre de Freitas, n’A acção executiva, 8.ª edição, Gestlegal, 2024, pág. 223, diga: “Tratando-se de vícios cuja demonstração não carece de alegação de factos novos nem de prova, o meio da oposição à execução seria demasiado pesado, pelo que basta um requerimento do executado em que este suscite a questão no próprio processo executivo. […]”).
No caso, a execução tem por base duas livranças, que fazem referência a dois contratos de locação financeira que não foram juntos com o requerimento executivo. Ao invocar os contratos de locação financeira, a exequente introduz estes como objecto do processo executivo (assim, autor e obra citada, pág.82), pelo que o executado pode invocar meios de defesa que tenham a ver com tais contratos, isto com os limites já referidos à oposição por requerimento.
Assim, a executada podia invocar a preterição do PERSI se a necessidade da aplicação deste resultasse dos contratos que estivessem ou pudessem estar no processo.
Mas, do facto que serve de base ao decidido no despacho recorrido, relativo aos contratos, não consta nada que permita concluir que a executada seja uma cliente bancária para os efeitos do PERSI, isto é, que, no caso, lhe tivessem sido fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional (arts. 1, 2/1 e 3/-a do DL 272/10 e art. 2/1 da Lei 24/96, na redacção do DL 67/2003). Pelo contrário, os contratos têm a ver com o exercício da restauração.
E a executada não impugnou o facto que serviu de base à decisão recorrida, nem tentou aditar factos à matéria de facto.
Ou seja, como diz a exequente, a executada em nenhum momento alega que o objecto de cada uma das locações financeiras (relação subjacente) não era um imóvel destinado a comércio. Nem, como acrescenta a exequente, que tal circunstância [isto é, o destino para comércio – TRL] obrigaria na mesma o exequente a encetar o procedimento do PERSI.
Dito ainda de outro modo, a executada não tem um argumento que seja a pôr em causa a fundamentação do despacho recorrido, pois que não discute que o PERSI só se aplica a clientes bancários/consumidores e não tenta dizer que os contratos tinham a ver com a locação de imóveis destinados a uso não profissional.
As outras referências que constam das conclusões do recurso da executada, assinaladas acima, ou no corpo das alegações, assinaladas pela exequente, nada têm a ver com o caso dos autos, sendo argumentos que se vêem utilizados no recurso de outros casos: não está em causa, nos autos, qualquer perdão de juros, fiadores, interpelação de fiadores, falta de prova de interpelações, entrega de chaves, cessão de créditos, reclamação de créditos hipotecários, períodos de carência, bens penhorados, discussões da propriedade, inexigibilidade dos juros remuneratórios relativos a prestações vincendas, nulidades da penhora, apreensão de bens pela AI, vendas, realojamentos, prova da impossibilidade de realojamento, recusa de inquirição de testemunhas, insolvências ou hipotecas.
Como exemplo de que estes argumentos são utilizados no recurso de outros casos, veja-se que as conclusões 1 a 18 do recurso (e o recurso só tem 22 conclusões) são iguais às conclusões 1 a 10 e 15 a 22 que foram transcritas no ac. do TRL de 26/09/2024, proc. 16828/10.0T2SNT-B.L1-2, esse sim relativo a uma execução hipotecária e em que tinha havido penhora da fracção hipotecada.
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
Sem custas porque a executada beneficia de apoio judiciário na modalidade dispensa de pagamento de custas.
Lisboa, 18/12/2025
Pedro Martins
1.º Adjunto
2.º Adjunto