Processo do Juízo Central Cível de Lisboa

              Sumário:

              I – Tendo a requerente do arresto invocado a desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade comercial como um dos fundamentos para requerer o arresto de bens pessoais dos requeridos, descrevendo a situação que estava a invocar de modo  a falar de outras duas sociedades nas mesmas condições, também elas requeridas no arresto, é de considerar que a desconsideração dizia respeito às três sociedades, o que lhe permitia requerer o reforço do arresto com bens daquela outras duas sociedades, depois de se apurar que os requeridos não tinham imóveis em seu nome, e que, ao fazê-lo, ela não incorreu em litigância de má fé.

              II – A suficiência de bens prevista no art. 393/2 do CPC, não resulta da diferença entre o valor de mercado dos bens arrestados e o valor do crédito, mas sim, grosso modo, da diferença entre (i) o valor de mercado dos bens à data da previsível venda executiva do bem, diminuído do valor dos créditos garantidos com tais bens, e (ii) o valor do crédito que o arresto pretende garantir, acrescido do valor dos juros vincendos e do das despesas da execução.

              III – O indicar para efeitos de arresto o valor patrimonial tributário dos bens e o requerer o arresto de vários bens dos requeridos, sem que possa dizer que a requerente tinha conhecimento dos dados para calcular a diferença referida em II, não equivale a litigância de má fé.

 

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

              Em 04/07/2023, a A intentou um procedimento cautelar contra: (1) R-LDA; (2) R1-LDA; (3) RS, e (4) RS1, pedindo:

              (a) quanto à R-LDA, o arresto da fracção autónoma designada pela letra E do edifício sito na Rua P, 32-34, em Lisboa;

              (b) quanto à R1-LDA: o arresto da fracção autónoma I do mesmo edifício;

              (c) quanto aos requeridos RS e RS1: (1) o arresto dos saldos de quaisquer contas bancárias pelos mesmos tituladas; (2) o arresto de bens imóveis de que os mesmos sejam titulares e registados junto da Conservatória do Registo Predial; (3) o arresto das quotas dos requeridos na M-LDA, R-LDA e R1-LDA; (4) o arresto dos veículos automóveis registados em seu nome junto da C. R. Automóvel e a sua apreensão pela competente autoridade policial e (5) o arresto dos créditos de que sejam titulares sobre terceiros, devendo essas entidades serem notificadas de que os mesmos ficam arrestados à ordem destes autos.

              A A alegou para tanto, em síntese, que celebrou com a M-LDA um contrato por força do qual se obrigou a angariar clientes para a compra de 8 das fracções autónomas do edifício já referido, em construção/promoção pela M-LDA, a adquirir as fracções que não tivessem sido prometidas vender ou vendidas e/ou cujos eventuais contratos promessa de compra e venda tivessem sido, entretanto, rescindidos/resolvidos pelos promitentes compradores e/ou pela M-LDA e, ainda, ter-se ela, A, obrigado a fazer adiantamentos do valor total do preço das referidas fracções autónomas enquanto a M-LDA, por sua vez, se obrigava a prometer vender e a vender aos clientes angariados pela A as mesmas fracções autónomas, por preço parcial e global, e a reembolsar à A os valores adiantados por esta e a pagar-lhe uma comissão e prémios dependentes de uma taxa de sucesso; efectuou alguns adiantamentos e a M-LDA encerrou a conta para a qual os adiantamentos e valores a pagar pelos promitentes compradores deviam ser feitos; e angariou clientes que celebraram contratos promessa de compra e venda com a M-LDA; não obstante o seu direito ao reembolso dos adiantamentos por si levados a cabo e às comissões/prémios, num total de 636.654,50€, a M-LDA não procedeu ao seu pagamento, apesar de tal lhe ter sido pedido, e os valores pagos pelos clientes angariados pela A não foram depositados em tal conta, como acordado; antes deste, foi requerido e decretado um outro arresto contra a M-LDA e esta, depois do arresto, deu em pagamento às R-LDA e R1-LDA as fracções autónomas E e I, o que fez para obviar ao seu arresto; os sócios gerentes da M-LDA e das R-LDA e R1-LDA são os requeridos RS e RS1, também beneficiários efectivos de todas elas; o único património conhecido à M-LDA era o edifício em que se situam as indicadas fracções autónomas; a M-LDA encontra-se em situação económica difícil, não pretendendo efectuar os pagamentos devidos à A e esta tem receio de perder a garantia do seu crédito, pretendendo instaurar uma acção de impugnação pauliana contra as R-LDA e R1-LDA e a M-LDA, relativamente às aludidas dações em pagamento/cumprimento e responsabilizar os sócios da mesma por tais actos; o arresto também se justifica “com a desconsideração da personalidade jurídica da M-LDA, para que sejam arrestados os bens da titularidade dos seus sócios-gerentes, os requeridos RS ou RS1, uma vez que o arresto das fracções E e I não será suficiente para a satisfação do crédito da A” (a parte relativa à desconsideração da personalidade jurídica consta dos artigos 19 e 244 do requerimento inicial = RI).

              A 19/07/2023 (complementado a 20/07/2023) foi proferida sentença a decretar o arresto dos seguintes bens dos requeridos:

              (a) quanto à R-LDA, o arresto da fracção autónoma E;

              (b) quanto à R1-LDA, o arresto da fracção autónoma I;

              (c) quanto a cada um requeridos RS e RS1: (1) o arresto dos saldos das contas bancárias por cada um deles tituladas em instituições bancárias sediadas em Portugal, até ao montante de 636.654,50€, solicitando-se o arresto através do Banco de Portugal; (2) o arresto das quotas dos requeridos nas R-LDA, R1-LDA e M-LDA; e (3) o arresto dos bens imóveis em seu nome inscritos na C. R. Predial, solicitando-se, para o efeito, à Autoridade Tributária a sua identificação prévia e com arresto dos que se entenda dever arrestar após tal identificação, com vista à garantia do crédito de 636.654,50€.

              A fundamentação jurídica para tal foi, em síntese, a seguinte:

         Quanto ao requisito da aparência de existência de um direito de crédito da A há que referir que em sede do anterior arresto, o tribunal considerou improcedente o arresto no que à A respeita por, à data, se ter entendido que pendendo sobre a A, por força da resolução de dois contratos promessa de compra e venda outorgados entre a M-LDA e dois clientes angariados pela A, a obrigação de aquisição das correspondentes fracções autónomas – face ao teor da cláusula 10ª do contrato entre requerente e tal sociedade celebrado -, a probabilidade da existência do seu invocado crédito não se verificava, pois que tais contratos promessa tinham sido resolvidos pelos clientes angariados pela A. A verdade, porém, é que, neste momento, as aludidas fracções autónomas foram, uma, vendida pela M-LDA a terceiro e, a outra – juntamente com a fracção autónoma designada pela letra I -, dada, em alegado pagamento de uma dívida, às requeridas R-LDA e R1-LDA destes autos. Consequentemente e a esta data, a probabilidade da existência do crédito da A sobre a M-LDA, no valor de 636.654,50€, é, em termos indiciários, evidente. Na realidade e ainda que a M-LDA possa, ulteriormente, invocar o eventual incumprimento parcial ou mora da A das suas próprias obrigações contratuais (por não ter efectuado os adiantamentos contratualmente previstos) e a eventual existência de um prejuízo sofrido pela M-LDA nessa sequência, certo é que, tal eventual prejuízo apenas poderá, em princípio, consistir nos juros decorrentes da eventual necessidade de constituir alguma outra hipoteca sobre o imóvel e/ou suas fracções, juros a pagar à competente entidade bancária financiadora a que, por tal alegada mora, se tenha visto obrigada a recorrer, mediante uma eventual outorga de um contrato de mútuo.

         Por outro lado, sendo certo que o património do devedor constitui a garantia geral das suas obrigações, de acordo com o art. 601 do Código Civil e apenas conhecendo a A à M-LDA, como bens, o edifício em causa nos autos e suas fracções autónomas, mostrando-se as mesmas já parcialmente vendidas ou prometidas vender e/ou dadas em alegado pagamento às requeridas R-LDA e R1-LDA, crê-se claro o receio da A de perda da garantia patrimonial do seu crédito. Efectivamente, considerando que no arresto anterior (pendente) apenas se logrou arrestar cerca de 17.000€ para garantia dos créditos de terceiros, patenteia-se a existência do alegado receio da A de ver frustrado o pagamento do seu crédito pela M-LDA, até por a mesma, entretanto, ter dado em alegado pagamento às requeridas R-LDA e R1-LDA, de que os sócios e gerentes da M-LDA, são os beneficiários efectivos, duas das fracções autónomas do indicado edifício, dação em pagamento susceptível de impugnação pauliana por o crédito da A aparentar já existir à data em que a M-LDA as deu em pagamento, tudo nos termos dos artigos 601, 605, 610 e seguintes e 619 do Código Civil, conjugado com o art. 392/2 do Código de Processo Civil.

         Ou seja, demonstrada a aparência do crédito da A sobre a M-LDA, o seu receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito e o facto de os sócios e gerentes das requeridas R-LDA e R1-LDA coincidirem com os sócios da M-LDA, pode a A requerer e lograr obter o arresto de bens adquiridos por terceiros à M-LDA, sem necessidade de demonstrar que esses terceiros não têm mais bens ou que pretendam dissipar os imóveis às mesmas dados em pagamento. Veja-se, aliás, que as requeridas R-LDA e R1-LDA têm por objecto, além do mais, a compra e venda de imóveis, daí existindo, consequentemente, o risco de venderem as fracções autónomas cujo arresto é peticionado. Por outro lado, a A tem ainda o direito, nos termos dos artigos 78 e 79 do Código das Sociedades Comerciais, de requerer o arresto de bens dos sócios gerentes da M-LDA sem necessidade de prova, neste procedimento cautelar, dos requisitos da desconsideração da personalidade colectiva, a provar em sede de acção principal, sendo que tal direito ou possibilidade decorre do facto de não ser previsível que o arresto de tais fracções seja suficiente para garantir o seu crédito, dado o valor contratualmente indicado como sendo o de venda das fracções cujo arresto é peticionado [facto 36, valor da fracção E: 287.400€; a fracção I não tinha sido vendida… – parenteses deste TRL] face ao valor do mesmo crédito.

              Nesse mesmo dia iniciaram-se diligências para efectivação dos arrestos, inclusive por uma Agente de Execução indicada pelo A, com consultas à Autoridade Tributária e ao registo predial, das quais resultou que os requeridos RS e RS1 não tinham quaisquer imóveis registados em seu nome, mas que as requeridas R-LDA e R1-LDA tinham. No e-mail do Banco junto aos autos a 07/08/2023 consta a seguinte menção: “conta valores mobiliários n.º…: todos os títulos mobiliários em carteira do cliente na referida conta valores com o saldo à data de 02/08/2023 de 93.108,58€ foram bloqueados, mas, informamos que o cliente tem títulos na moeda EUR e em USD, ou seja, sujeito à volatilidade do produto em mercado e cambial.”

              A 21/08/2023, a A veio pedir o reforço do arresto, nos termos do disposto no artigo 751/5, por remissão do artigo 391/2 do CPC, o que fez nos termos e com os fundamentos seguintes, que se transcrevem na parte útil e com simplificações (mas mantendo-se a numeração e alineação):

         (2) Dos referidos bens [cujo arresto tinha sido decretado], foram arrestados os seguintes:

         (a) Fracção autónoma E, cujo valor patrimonial é de 71.370€, conforme caderneta predial emitida pela AT, que se junta como doc.1;

         (b) Fracção autónoma I, cujo valor patrimonial é de 32.930€, conforme caderneta predial emitida pela AT, que se junta como doc.2;

         (c) Saldos das contas bancárias tituladas pelo requerido RS, junto do […], a saber: (i) saldo da conta de depósito […] no montante de 10.756,35€; e (ii) saldo da conta em moeda estrangeira […], no montante de USD 40,23 (37,05€);

         (d) Saldo das contas bancárias tituladas pelo requerido RS1, junto do […] a saber: (i) saldo da conta de depósito […], no montante de 17.534,90€; (ii) saldo da conta em moeda estrangeira […], no montante de USD 70,72 (65,13€); e (iii) saldo da conta de valores mobiliários […], no montante de 93.108,58€;

         (3) Os bens apreendidos, por força do arresto decretado, perfazem um valor total de 225.802,01€.

         (4) Considerando que o valor do crédito a garantir pelo arresto corresponde a 636.654,50€, o valor dos bens arrestados é insuficiente para a satisfação do crédito da A.

         (5) Por essa razão, requer-se que seja decretado o reforço do arresto até perfazer o valor do crédito da A, a incidir sobre os bens da titularidade dos requeridos, os quais a seguir se discriminam, sendo que se desconhecem outros bens da titularidade dos requeridos que possam ser susceptíveis de ser objecto de arresto [a A diz que os prédios estão descritos nas conservatórias sob os artigos matriciais x e x, não indicando o número da descrição predial; este TRL separou, com uma vírgula, a indicação da descrição e do artigo matricial]:         

         (a) Fracção autónoma D, da titularidade da R1-LDA no edifício em causa, cujo valor patrimonial é de 32.585,23€, conforme caderneta predial emitida pela AT, que se junta como doc.3;

         (b\c\d\e) quatro fracções autónomas A, B, C e D, da titularidade da R1-LDA, do prédio urbano sito na Praça em Setúbal, sob o artigo matricial 0, cujo valor patrimonial é de, respectivamente, 121.694,90€, 106.363,10€, 96.135,65€, e 18.351,70€, conforme cadernetas prediais emitidas pela AT, que se juntam como docs.4, 5, 6 e 7;

         (f\g\h\i\j\k) seis fracções, uma de 31/33, fracção do 1.º direito e fracção do 1.º esquerdo, outra de 25/27, fracção do 2.º direito, fracção do 2.º esquerdo, do prédio urbano da titularidade da R1-LDA, sito na Rua em Setúbal […], descrito na CRP, com o artigo matricial 0, cujo valor patrimonial é de, respectivamente, 22.520€, 17.700€, 22.270€, 33.170€, 18.950€ e 30.090€, conforme cadernetas prediais emitidas pela AT, que se juntam como docs.8 e 9;

         (l) Prédio urbano da titularidade da R1-LDA, sito em Sesimbra, descrito na CRP de Setúbal, com o artigo matricial 0, cujo valor patrimonial é de 227.720€, conforme caderneta predial emitida pela AT, que se junta como doc.9;

         (m) Veículo automóvel, da marca L, com a matrícula 0, da titularidade do requerido RS, conforme certidão de registo automóvel, que se junta como doc.10, e que se desconhece o respectivo valor patrimonial.

         (6) O que perfaz o valor de 747.549,58€.

         (7) Face ao valor em dívida de 636.654,50€, o reforço do arresto dos bens indicados nas alíneas (a) a (g) do parágrafo (3) acima revelar-se-ia, em princípio, suficiente para a satisfação do crédito da A.

         Nestes termos e nos demais de Direito […] que o tribunal suprirá, requer-se, assim, o reforço do arresto dos bens dos requeridos, nos termos acima identificados.

              A 22/08/2023, foi proferido o seguinte despacho:

         Em conformidade com o teor da decisão que decretou o arresto e ao abrigo do disposto no artigo 751/5-b, ex vi artigo 391/2, ambos do CPC, defiro o reforço do arresto, o qual deverá abranger os bens imóveis identificados e descritos no ponto (5) do requerimento que antecede – fracções autónomas e prédio urbano na titularidade da R1-LDA, bem como veículo automóvel na titularidade do requerido RS – cujos valores se revelarão suficientes para garantia do crédito indiciariamente apurado da A.

         Comunique à Srª. S.E. nomeada.

              Por requerimento de 19/09/2023, a A rectificou o requerimento anterior: dizendo que as seis fracções identificadas em f\g\h\i\j\k, pertencem afinal a um edifício ainda não constituído em propriedade horizontal, pede que sejam corrigidas para só uma alínea, a f\, referente a esse edifício, com o valor patrimonial de 144.700€.

              A 22/09/2023, foi proferido o seguinte despacho:  

         Requerimentos da A de 21/08/2023 e de 19/09/2023 e despacho de 22/08/2023 –

         A A tem perfeito conhecimento de que a alegada sua devedora é a M-LDA e não a R1-LDA, aqui arrestada por ter adquirido um imóvel à M-LDA, objecto [do arresto] decretado por este tribunal na decisão de 19/07/2023 […]

         Com efeito, o arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora em tudo o que não contrariar o preceituado na secção V do Capítulo II do CPC.

         Ora, apenas excepcionalmente podem ser arrestados bens de terceiro – que não o devedor indiciário – e, tendo-o sido, como sucedeu in casu quanto à R1-LDA, a possibilidade do reforço do arresto apenas poderia ocorrer relativamente a bens adquiridos pela mesma à devedora, a M-LDA.

         Efectivamente, apenas o património do devedor responde pelas suas dívidas – artigos 601, 619 e 817 e 818 do CC -, só sendo possível o arresto de bens de terceiro em casos de desconsideração da personalidade jurídica e ou de bens adquiridos por terceiro ao devedor, quando o credor pretenda pôr em crise o negócio da sua transmissão pelo primeiro ao segundo.

         Pese embora o exposto, veio a A, a 21/08/2023, requerer o reforço do arresto de um elevado número de bens da R1-LDA – que não é a entidade que é a sua devedora e cujo património integral não responde, por isso, pelas dívidas da devedora M-LDA -, sendo que, no caso, a A nem veio, com o requerimento de reforço do arresto, comprovar que tais bens tenham sido transmitidos à R1-LDA pela M-LDA…

         A possibilidade de reforço do arresto, por os bens não serem suficientes para garantia do seu crédito, apenas poderia, pelo supra-referido, incidir sobre a efectiva alegada devedora se a mesma fosse parte nestes autos, o que não sucede ou quanto a bens das sociedades requeridas que tivessem sido por estas adquiridos à devedora.

         Diga-se, aliás, que a A veio alegar, em suporte do pedido de reforço, o valor patrimonial dos bens quando, como é do conhecimento público, o seu valor comercial – sendo imóveis – é, por regra superior e, às vezes, tal superioridade é manifesta e substancial…

         Considerando o exposto e o teor dos artigos 372/1 (quanto à eventual redução do procedimento), 374, 393/2 e 542 a 545 do CPC, decide-se ordenar a notificação da A para:

         a) esclarecer o por si requerido em 21/08/2023 e, por força de tal requerimento, o teor do requerimento de 19/09/2023 e

       b) se pronunciar, querendo, sobre a sua eventual litigância de má fé e eventual redução do arresto, reforçado, em consequência do aludido e/ou desistência de tal reforço do arresto, sob pena da sua eventual responsabilização por tal arresto, uma vez que, de forma manifesta, requereu o reforço de bens a arrestar contra pessoa diversa da devedora e o fez sem sequer comprovar que os mesmos tenham sido vendidos à R1-LDA pela M-LDA (e, por isso, não abrangidos por eventual acção de impugnação pauliana a propor contra a devedora e a ou as adquirentes), o que sucede, de forma clara, quanto a todos os bens cujo reforço de arresto requereu, exceptuado o da al. (a) do requerimento de 21/08/2023, em face do que consta dos autos.

              A 09/10/2023, a A veio dizer o mesmo que consta, de forma mais desenvolvida, das alegações e contra-alegações dos recursos que se referirão mais à frente, para onde se remete de modo a evitar repetições.

              Por despacho de 12/10/2023, foi ordenada a realização de avaliação dos imóveis arrestados, quer em sede da decisão inicial quer em sede do pedido de reforço, repetindo-se, com mais desenvolvimento, aquilo que já tinha sido dito no despacho de 22/09/2023 e aquilo que vai ser dito a seguir no despacho recorrido transcrito mais à frente (em síntese: o arresto de bens das requeridas só tinha o fundamento no art. 392/2 do CPC / bens comprados à devedora; o reforço foi pedido sobre bens das requeridas que não tinham sido adquiridos à devedora – à excepção de um – e sem se alegar nada quanto a qualquer pretensa possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica das requeridas; requerimento que, não obstante, mereceu deferimento pela colega então de turno, certamente sem atentar nos termos do arresto decretado; indicação do valor patrimonial dos imóveis em vez do valor de mercado, substancialmente e necessariamente superior, pelo que não bastava alegar ignorar o valor de mercado, para além de que o valor patrimonial pode ser inferior ao da venda executiva, principalmente nas grandes áreas metropolitanas e nos tempos actuais de oferta inferior à procura; o reforço só podia ter a mesma causa de pedir do pedido inicial de arresto, pelo que só poderia recair sobre bens das requeridas que tivessem sido adquiridos à devedora;  em sede do pedido de reforço do arresto, a A nem sequer alegou qualquer factualidade com vista à desconsideração da personalidade jurídica das sociedades, não o podendo alegar agora; as fracções arrestadas inicialmente não estavam oneradas).

              Após a concretização da totalidade dos arrestos, foi ordenada a citação dos requeridos e a sua notificação para se pronunciarem sobre o teor dos despachos de 22/09 e de 12/10/2023 (bem como de posteriores relativos à efectivação da avaliação) e do requerimento da A de 09/10/2023.

              A 27/12/2023, os requeridos, que consideram que a A não tem o crédito que diz ter, ou, pelo menos, que ele é muito inferior ao alegado, devido à necessária compensação com um crédito da M-LDA contra a A por, entre o mais, incumprimento contratual da A, pronunciaram-se, seguindo a argumentação do despacho de 22/09/2023 para pedir a condenação da A como litigante de má fé em multa e em indemnização aos requeridos e o levantamento do arresto de todos os bens objecto do ampliação do arresto, bem como dos saldos bancários dos requeridos pessoas singulares, “mantendo-se apenas o arresto que recai sobre as fracções E e I” ou “caso se venha a apurar que o valor daquelas fracções é inferior, deverá manter-se apenas o arresto das fracções B e C do imóvel sito na Praça em Setúbal.” [juntaram um relatório com a avaliação das fracções desse imóvel]. A argumentação coincide ainda com aquilo que vão dizer a seguir, nas alegações e contra-alegações dos recursos que se vão referir mais à frente, para onde se remete. Num outro requerimento, posterior, de 04/03/2024, os requeridos pedem a redução imediata do arresto, à excepção dos arrestos que recaíram sobre as fracções autónomas A e B do prédio urbano sito na Praça, uma vez que o valor de mercado atribuído aos mesmos é suficiente para acautelar o valor alegadamente em dívida.

              A 06/02/2024, os quatro requeridos deduziram oposição ao arresto.

            A 25/03/2024, não se decidindo a oposição – dizendo-se, quanto às excepções dilatórias arguidas pelos requeridos, que “se decidirá em sede da decisão da mesma oposição” – foi decidido julgar manifestamente excessivo o âmbito do arresto efectuado à ordem dos autos e, por via disso, manter o arresto apenas dos seguintes bens:

         – a fracção autónoma E do prédio urbano sito na Rua P, 32-34, em Lisboa, descrito na C. R. Predial de Lisboa sob o nº 0, cuja propriedade se mostra inscrita a favor da requerida R-LDA – por dação em cumprimento efectuada a seu favor pela M-LDA -, fracção autónoma com o valor patrimonial de 71.370€ e avaliada em 283.000€, conforme avaliação entrada em juízo em 16/02/2024. Sobre a fracção aludida não existe registo de quaisquer ónus, além do referente ao presente arresto.

         – a fracção autónoma I do mesmo edifício, cuja propriedade se encontra registada a favor da R1-LDA através da ap. 3163, de 16/06/2023, por dação em cumprimento efectuada a seu favor pela M-LDA, fracção com o valor patrimonial de 32.930€ e avaliada, à ordem dos autos, em 139.000€. Sobre a fracção aludida não existe registo de quaisquer ónus, além do referente ao presente arresto.

         – o prédio urbano sito em […] Sesimbra, composto por parcela de terreno para construção, cuja propriedade se encontra registada a favor da R1-LDA, por compra a K-Lda, através da ap. 6400, de 30/09/2022, imóvel com o valor patrimonial 227.720€ e avaliado, à ordem destes autos, em 599.000€. Sobre o prédio em causa não se mostra registado qualquer ónus (cf. caderneta predial junta com o requerimento da A de 21/08/2023, o documento constante de fl. 534 a 535 dos autos e relatório pericial entrado em juízo em 29/11/2023).

         – os títulos mobiliários do requerido RS1, com um saldo, à data de 02/08/2023, de 93.108,58€;

         – as quotas dos requeridos RS [e RS1 – por lapso evidente omitiu-se o nome deste; repare-se no plural inicial – TRL] nas sociedades R-LDA e R1-LDA e na M-LDA.

           Para além disso, condenou-se a A como litigante de má fé, na multa de 15 UC e na indemnização aos requeridos a liquidar a final e que os mesmos poderão liquidar, nestes autos, até à decisão final a proferir sobre a oposição ao arresto.

              Isto com o seguinte fundamento, em síntese e com algumas simplificações):

         Mostram-se juntos aos autos os relatórios periciais de avaliação dos imóveis arrestados nos autos […]

         Analisados os autos constata-se encontrarem-se arrestados, à ordem destes autos, para garantia do indiciário crédito da A, no valor de 636.654,50€, os seguintes bens [transcrevem-se a seguir apenas os bens cujo arresto foi levantado, já que os bens cujo arresto foi mantido já estão transcritos acima]:

         (c) a fracção autónoma designada pela letra D do prédio sito na Rua P, 36-42 [e Travessa P – aditado por este TRL para pôr o facto de acordo como que consta do documento], em Lisboa, descrito sob o nº 1, cuja propriedade se encontra registada a favor da requerida R1-LDA através da Ap. 5445, de 04/05/2022, por compra à M-LDA, fracção autónoma com o valor patrimonial de 32.585,23€ e avaliada, à ordem destes autos, em 1.060.000€.

          Sobre a fracção autónoma aludida mostra-se registada uma hipoteca voluntária a favor do B-SA, para garantia do montante máximo assegurado de 858.000€, através da Ap. 5446, de 04/05/2022 e de uma consignação de rendimentos a favor do mesmo Banco, para garantia de 600.000€, através da Ap. 5447, de 04/05/2022.

          Ver caderneta predial junta com o requerimento da requerente de 21/08/023, o documento constante de fls. 537 a 540 e relatório pericial entrado em juízo em 16/02/2024, a fl. 25 do mesmo – fls. 943 e 967 dos autos.

         (e) a fracção autónoma designada pela letra A do prédio sito na Praça em Setúbal, descrito na CR Predial de Setúbal sob o 0, registada a favor da R1-LDA através da Ap. 3460, de 29/10/2021, por compra a F-Lda, e G-Lda, com o valor patrimonial de 121.694,90€ e avaliada, à ordem destes autos, em 344.570€ [é erro, o valor é de 314.800€ – TRL]

          Sobre esta fracção mostram-se registados os seguintes ónus, com data anterior ao do registo do presente arresto:

          – uma hipoteca voluntária a favor do B para garantia do montante máximo assegurado da quantia de 1.001.000€, através da Ap. 3460, de 29/10/2021;

          – uma consignação de rendimentos a favor do mesmo Banco, para garantia do pagamento da quantia de 700.000€, através da Ap. 3462, de 29/10/2021.

          Ver – caderneta predial junta com o requerimento da A de 21/08/2023, o documento constante de fls. 578v a 579 e carta precatória expedida para a comarca de Setúbal.

         (f) a fracção autónoma designada pela letra B mesmo prédio referido em (e), registada a favor R1-LDA através da Ap. 3461, de 29/10/2021, por compra a F e G, com o valor patrimonial de 106.363,10€ e avaliada, à ordem destes autos, em 344.570€. [é erro, o valor é de 337.860€ – TRL]

          Sobre esta fracção autónoma mostram-se registados os mesmos ónus referidos sobre a fracção A, alínea (e)

          Cf. caderneta predial junta com o requerimento da requerente de 21/08/2023, o documento constante de fl. 580 a 581 e carta precatória expedida a Setúbal).

         (g) a fracção autónoma designada pela letra C do prédio referido em (e), registada a favor da R1-LDA através da Ap. 3460, de 29/10/2021, por compra a F e G, com o valor patrimonial de 96.135,65€ e avaliada, à ordem destes autos, em 419.460€.

          Sobre esta fracção autónoma mostram-se registados os mesmos ónus referidos sobre a fracção A, alínea (e)

          Cf. caderneta predial junta com o requerimento da requerente de 21/08/2023, o documento constante de fl. 581v a 582 dos autos e carta precatória expedida a Setúbal, para avaliação.

         (h) a fracção autónoma designada pela letra D do prédio referido em (e), cuja propriedade se mostra registada a favor da R1-LDA, através da Ap. 3460, de 29/10/2021, por compra a F e G com o valor patrimonial de 18.351,70€ e avaliada, à ordem destes autos, em 40.000€.

          Sobre esta fracção autónoma mostram-se registados os mesmos ónus referidos sobre a fracção A, alínea (e)

          Cf. caderneta predial junta com o requerimento da requerente de 21/08/2023, o documento constante de fls. 583 a 584 dos autos e carta precatória expedida a Setúbal, para avaliação.

         (i) o prédio urbano em propriedade total sito na Rua em Setúbal, descrito sob o 1, cuja propriedade se encontra registada a favor da R1-LDA, através da Ap. 2164, de 15/04/2020, por compra a J-Lda, com o valor patrimonial total de 144.700€ e avaliado, à ordem destes autos, no valor total de 1.016.000€.

          Sobre o prédio ora em causa mostram-se registados os seguintes ónus, com data anterior ao do registo do presente arresto:

          – uma hipoteca voluntária a favor do B para garantia do montante máximo assegurado de 670.670€, através da Ap. 2165, de 15/04/2020;

          – uma hipoteca voluntária a favor do B, para garantia do montante máximo assegurado da quantia de 1.001.000€, através da Ap. 3461, de 29/10/2021.

          Cf. caderneta predial junta com o requerimento da requerente de 21/08/2023, o documento constante de fl. 658 a 661 dos autos e carta precatória expedida a Setúbal, para avaliação);

         (j) os saldos bancários do requerido RS, no valor de 10.756,35€ e 40,23 USD;

         (l) os saldos bancários do requerido RS1 no valor de 17.534,90€, de 159,31€, de 70,72 USD […];

         Ora, somado o valor dos bens arrestados (face ao pedido da requerente, deferido por despacho de 22/08/2023), constata-se que o valor dos bens imóveis arrestados se cifra em 4.245.600€ e, acrescido do valor apenas dos saldos bancários e valores mobiliários arrestados (desconsiderando os valores em USD), o valor total dos bens arrestados é de 4.367.159,69€.

         Patenteia-se, assim e sem mais, o manifesto excesso do arresto face ao valor do indiciário crédito da A (de 636.654,50€), como aliás necessariamente se anteviu em sede do despacho de 22/09/2023 e que a A não podia, de forma óbvia, deixar de […] conhecer por se não poder ater ao valor patrimonial dos imóveis cujo arresto requerera, por o mesmo ser sempre desconforme ao valor de mercado dos mesmos imóveis, até tendo em consideração a valorização – que tem sido crescente, no país – do mercado imobiliário.

         E nem se diga que o aludido excesso não existiria por, alegadamente, o valor dos mesmos em sede executiva/judicial não coincidir com o valor do mercado, sendo normalmente mais baixo pois, pese embora se admita que o produto da venda, em tais situações, possa ser ligeiramente mais baixo do que o do seu valor de mercado, não ser, nunca, coincidente com o seu valor patrimonial…

         Do exposto decorre, atento o teor do art. 393/2 do CPC, impor-se a redução do arresto por forma a que o mesmo incida apenas sobre bens suficientes, previsivelmente, à garantia do seu crédito e eventuais juros e, assim, reduzir o arresto aos bens […]

         Na verdade, constatou-se supra que dos demais imóveis arrestados na sequência do requerimento de ampliação do arresto, apenas o prédio sito em Sesimbra se mostra desonerado, razão pela qual nunca poderia ser de deferir a pretensão dos requeridos de se manter apenas, quanto à ampliação do pedido, o arresto das fracções A e B do edifício sito na Praça em Setúbal, face à insuficiência daqueles cujo arresto se mantem.

         […N]o que à suficiência ou excesso do arresto se refere, há que ter em conta que a A nem sequer veio requerer, em sede do requerimento de ampliação do pedido, a desconsideração da personalidade colectiva das sociedades requeridas e, em concreto, da R1-LDA, sendo que, precisamente por isso e se não tratar de imóveis adquiridos à devedora M-LDA (com excepção da fracção D do prédio sito na Rua P), não podia a A ter pedido o arresto de tais imóveis, o que aliás a A até mostra intuir (cf. página 11 do seu requerimento de 09/10/2023).

         Porém, considerando a posição vertida nos requerimentos dos requeridos de 27/12/2023 e de 04/03/2024, a insuficiência dos bens supra referidos como sendo aqueles sobre os quais se deverá manter o arresto e os ónus incidentes sobre a maioria dos imóveis, não se vê qualquer obstáculo à manutenção do arresto sobre o imóvel de Sesimbra, ou seja, não se descortina, por se mostrar já arrestado, fundamento para não manter o arresto sobre o imóvel sito em Sesimbra, único desonerado, como se disse já, a par da manutenção do arresto das fracções E e I, dos valores mobiliários e das quotas dos requeridos, o que se decidirá a final.

         […]

         Da eventual litigância de má fé da requerente

         A questão ora a apreciar decorre do facto de, em sede do despacho de 22/09/2023, face à extensão do requerimento de ampliação do arresto e a propriedade dos bens dele objecto não ter sido adquirida pelas requeridas mediante aquisição da devedora e por ter tido em conta o valor patrimonial dos bens (não coincidente com o valor de mercado), se ter desde [logo] ordenado a notificação da A para se pronunciar sobre a sua eventual litigância de má fé, tendo os requeridos, a posteriori, vindo também requerer tal condenação da A.

         Defende-se a A referindo que desconhecia o valor de mercado dos imóveis e ser patente o aproveitamento da sociedade devedora das sociedades requeridas e/ou da sua personalidade jurídica.

         Poder-se-á dizer, porém, que assim é?

         O princípio da boa-fé traduz-se, em termos processuais e na actualidade, no teor dos actuais artigos 8 e 542 do CPC.

         […]

         A questão cifra-se, assim, em saber se a A, à data do requerimento de ampliação do pedido, sabia estar a requerer o arresto de bens das sociedades requeridas que não haviam sido adquiridos à devedora e a requerer tal ampliação sem ter em conta o previsível valor de mercado dos imóveis cujo arresto veio solicitar.

         Ora, não se consegue lograr compreender, desde logo, que a A, para garantia de um crédito com o valor de 636.654,50€, tenha peticionado, em sede de pedido de ampliação, o mencionado arresto do elevado número de imóveis que vieram a ser arrestados, por ser patente, face à valorização do património imobiliário em Portugal e, em particular, nas zonas metropolitanas de Lisboa e Porto, que o valor de tais bens não era o respectivo valor patrimonial (que não o é, por regra) e, por outro lado, ser incompreensível o pedido de ampliação do arresto ter incidido, no essencial, sobre bens pelas requeridas sociedades não adquiridos à alegada devedora.

         Efectivamente, se é um facto que A poderia não saber o concreto valor dos bens relativamente aos quais veio requerer a ampliação do arresto e dos inicialmente arrestados, em sede de valor de mercado, não era previsível que os seus valores fossem os meros valores patrimoniais dos imóveis, daí decorrendo o manifesto excesso – objectivo e subjectivo – da requerida ampliação do procedimento cautelar, quer por ter formulado pedido cuja falta de fundamento não deveria desconhecer quer por ter, de forma claramente negligente, usado os meios processuais por forma a atingir todo o património dos requeridos.

         Impõe-se, assim e sem mais, condenar a A, como litigante de má fé, em multa e em indemnização aos requeridos, proporcional aos danos pelos mesmos sofridos em consequência da extensão do arresto pedido e deferido, face a tal pedido de ampliação do arresto, sendo que se afigura suficiente/adequada a sua condenação na multa de 15 UC, em tal qualidade, e relegar para a decisão final a fixação da indemnização aos requeridos, por falta de elementos para a sua decisão no presente momento.

              Os requeridos interpõem recurso deste despacho – para que seja revogado na parte em que manteve o arresto que incide sobre o prédio urbano sito em Sesimbra, substituindo-o por outro que ordene o seu imediato levantamento -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

         […]

         H\ […O] despacho recorrido assentou num pressuposto errado.

         I\ Apesar de a R1-LDA se ter disponibilizado para que permanecessem arrestadas as fracções A e B do prédio sito na Praça em Setúbal (as quais são propriedade daquela e não foram adquiridas à alegada devedora), na medida em que aquelas fracções salvaguardavam o valor alegadamente em dívida (pois que totalizavam o valor de 652.660€), levantando-se, contudo, os arrestos que incidiam sobre os restantes bens, o tribunal a quo, indeferiu, através do despacho recorrido, o peticionado, por se encontrarem tais fracções oneradas.

         J\ Se por um lado, se compreende absolutamente a justificação apresentada pelo tribunal a quo, concernente ao facto de tais fracções [não] puderem substituir-se aos restantes bens por se encontrarem oneradas, já não podem os requeridos concordar com a afirmação de que apenas “o prédio de Sesimbra se mostra desonerado” – e aqui reside o cerne da questão.

         K\ Pois que, é precisamente pelo facto de o tribunal ter considerado que tal imóvel não se encontrava onerado que ordenou a manutenção do arresto que incide sobre aquele bem.

         L\ Sucede, porém, que tal imóvel, encontra-se também ele onerado, encontrando-se registado o seguinte ónus, com data anterior ao do registo do arresto, pois que, como resulta da certidão predial com o código PP -, tal ónus foi registado no dia 24/08/2023 e o arresto foi registado no dia 31/10/2023.

         M\ Assim, o tribunal a quo, tomou a sua decisão com base numa certidão oferecida pela A em 21/08/2023, a qual se encontra absolutamente desactualizada, assentando o despacho num pressuposto desajustado à realidade.

         N\ Assim, entendem os requeridos que, face à informação resultante da certidão predial actualizada e, bem assim, da documentação junta aos autos, não pode, manter-se o arresto que incide sobre o prédio de Sesimbra, uma vez que, à semelhança dos restantes bens cujo levantamento foi ordenado, o mesmo não foi adquirido à M-LDA (nunca tendo integrado o seu património), por um lado, e também se encontra onerado, por outro.

         O\ Assim, e sufragando o entendimento do tribunal a quo, utilizado para sustentar o devido e ordenado levantamento dos restantes bens objecto do requerimento de ampliação do arresto, urge o levantamento do arresto que incide sobre o prédio de Sesimbra.

         P\ Por outro lado, e se é certo que, através do despacho recorrido, o tribunal a quo reduziu substancialmente o arresto, também não deixa de ser verdade que a soma dos valores dos bens cuja manutenção do arresto foi determinada (e mesmo retirando-se do plano o imóvel sito em Sesimbra), excede, ainda assim, em larga medida o valor da alegada dívida.

         Q\ Pois que, novamente, a manutenção dos restantes bens, assentou em pressupostos errados, conferidos pela A, nomeadamente, e em detalhe, no que respeita às quotas que os requeridos detêm nas sociedades requeridas e ainda na M-LDA, pois, segundo se alcança, o tribunal a quo, terá tido em consideração o seu valor nominal, o qual é substancialmente inferior ao seu real valor, o qual, tendo por base o valor actual de mercado dos activos existentes na empresa (vários bens imóveis) e também considerando a capacidade de a empresa gerar resultados no futuro, ascende a cerca de 2.100.000€.

         R\ Assim, para efeitos de acautelamento do valor alegadamente em dívida, não se exigia a manutenção do arresto do imóvel sito em Sesimbra, não só por não preencher os requisitos para efeitos de arresto, como, por revelar manifesta desproporcionalidade, e considerando ainda que o valor dos bens que se encontram arrestados excedem, por si só (desconsiderando, inclusivamente, o aludido imóvel), o montante alegadamente em dívida.

              A A contra-alegou, com a seguinte síntese das respectivas alegações feita pela própria:

         (3) Quanto ao primeiro dos fundamentos para o levantamento do arresto, isto é, o de o prédio de Sesimbra não ter sido adquirido à devedora M-LDA, nunca tendo integrado o seu património, é de referir que desta premissa não decorre que o referido património não possa ser objecto de arresto.

         (4) O arresto foi apresentado contra as sociedades R-LDA e R1-LDA por estas serem os sujeitos passivos de dação em cumprimento das fracções E e I realizada pela devedora M-LDA – e coincidentemente apenas uns dias após o tribunal ter ordenado o arresto da conta bancária da devedora M-LDA no âmbito do anterior arresto.

         (5) O arresto foi também apresentado contra as requeridas R-LDA e R1-LDA, bem como contra os requeridos pessoas singulares RS e RS1 na medida em que estes são sócios-gerentes da devedora M-LDA, bem como das sociedades requeridas e são os beneficiários efectivos (beneficiários últimos) destas três sociedades.

         (6) Nas situações, como a dos presentes autos, em que os sócios e beneficiários efectivos das sociedades em causa sejam os mesmos, e devam, em última instância, responder pelos seus actos, quando utilizam essas sociedades como instrumentais, confundem patrimónios, para se furtarem ao cumprimento das respectivas obrigações e causando prejuízos a terceiros credores, deve ser admissível o arresto de bens de terceiro.

         (7) No presente caso, justifica-se que sejam arrestados bens das sociedades requeridas, pois se os requeridos RS e RS1 decidirem dissipar o património das requeridas, o arresto sobre as quotas (que correspondem, na realidade, ao valor do património social das requeridas na presente data), de nada valerá, frustrando-se a satisfação do crédito da A.

         (8) Além do mais, o reforço do arresto de bens de terceiro pode ainda resultar da desconsideração da personalidade colectiva da devedora originária (conforme referido no requerimento de providência cautelar), bem como, pela mesma ordem de razão, da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade titular dos bens a arrestar que, tal como aquela, servia os interesses das mesmas pessoas individuais e foi inclusivamente usada para a satisfação desses interesses.

         (9) A situação factual em causa preenche os referidos pressupostos para a intervenção da desconsideração ou levantamento da personalidade jurídica da devedora M-LDA, bem como das sociedades requeridas por forma, em última instância, responsabilizar os seus sócios e beneficiários efectivos, que agiram e agirão por detrás destas.

         (10) Quanto ao segundo dos fundamentos, isto é, o facto de o prédio de Sesimbra também se encontrar onerado (sendo que um dos motivos invocados pelo tribunal a quo, para manter o arresto do prédio de Sesimbra, foi o facto de este não se encontrar onerado), é de referir que não era esta a realidade à data do decretamento do arresto e do seu reforço pelo tribunal a quo.

         (11) Vinte e dois dias depois de o tribunal a quo ter ordenado o arresto dos bens dos requeridos (ou seja, em 11/08/2023), foi constituída a sociedade W-Lda, cujo objecto é realizar investimentos imobiliários, comprar, vender, revender e arrendar imóveis, gerir condomínios, construir e remodelar imóveis, fornecer consultoria empresarial e serviços administrativos de apoio a empresas. Os seus sócios são duas sociedades sediadas em I (país de origem dos requeridos RS e RS1), a W e uma pessoa singular, M.

         (12) No mesmo dia 11/08/2023, a R1-LDA e a W celebraram ainda um contrato de mútuo, cujo cumprimento foi garantido por hipoteca constituída sobre o prédio de Sesimbra a favor da W pela R1-LDA.

         (13) A hipoteca foi constituída por escritura pública outorgada em 24/08/2023, isto é, no dia seguinte ao da notificação do despacho de reforço de arresto.

         (14) A cláusula 1.ª do contrato de mútuo estipula o seguinte “1. Pelo presente contrato a Parceira Investidora, ao abrigo de um contrato de parceria celebrado nesta mesma data com a parceira proprietária, mútua a esta, que o aceita, 1.500.000€. 2. O pagamento deverá ser feito por transferência bancária para a conta da parceira proprietária junto do Banco, até ao final do ano de 2023”.

         (15) A doutrina e jurisprudência maioritárias atribuem ao mútuo comercial, a natureza jurídica de contrato real quoad constitutionem, o que significa que a sua formação e completude pressupõe a entrega – ou acto equivalente – da coisa ao respectivo beneficiário, o que não ocorreu no presente caso, pelo que o contrato de mútuo é nulo e, consequentemente, a hipoteca.

         (16) Desta feita, o que os requeridos estão a pedir é que, por força de uma hipoteca constituída a favor de uma sociedade (que parece ter sido constituída para o efeito) e cujo contrato de mútuo celebrado padece de nulidade, deva ser levantado o arresto do prédio de Sesimbra, por que este afinal se encontra onerado (ou melhor, porque este foi onerado pelos requeridos, quando já havia sido decretado o arresto sobre o mesmo), o que se tem por inadmissível e visa esvaziar o objecto do próprio arresto.

         (17) Quanto ao terceiro e último fundamento, isto é, da pretensa suficiência das quotas da devedora M-LDA e das sociedades requeridas arrestadas para perfazer o montante do crédito da A, e que por aqueles terão sido avaliadas em 2.100.000€, não assiste igualmente razão aos requeridos.

         (18) Essa avaliação – a revelar-se necessária – terá de ser ordenada por, pelo menos, um perito independente nomeado pelo tribunal, e só depois se poderá aferir se e em que medida o valor do património das sociedades requeridas apurado será suficiente para garantia do crédito da A.

         (19) No presente caso, não é, todavia, de descurar que o valor real (legal) das participações sociais corresponde ao valor de liquidação, que é muitas vezes próximo do valor contabilístico ou valor do património social líquido, que deve ser aferido com base no estado da sociedade e, nomeadamente, do seu património.

         (20) Para além de as sociedades requeridas apresentarem resultados negativos, a maioria do património imobiliário das sociedades requeridas encontra-se onerado (com excepção das fracções autónomas designadas pelas letras E e I, do prédio urbano 5 em Lisboa, da titularidade das R-LDA e R1-LDA, respectivamente, que se encontram arrestadas à ordem do tribunal, e cujo valor patrimonial é de 283.000€ e 139.000€, respectivamente), não sendo conhecido outro património.

         (21) Logo o seu património líquido não é certamente de 2.100.000€.

         (22) Além do mais, se uma sociedade decidir dissipar ou onerar seu património e não tiver outros activos, as quotas (ainda que arrestadas) de nada valerão, pelo que não é verdade que o arresto das quotas das sociedades requeridas seria suficiente para perfazer o montante da dívida, no valor de 636.654,50€, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos.

              A A também recorreu de tal despacho – para que seja revogado na parte em que a condenou em multa e indemnização como litigante de má-fé -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

         […]

         (4) Em primeiro lugar, quanto à extensão subjectiva do pedido de reforço de arresto, é de referir que o objecto da providência não é o direito acautelado, mas a garantia desse direito, ou seja, a regulação provisória da situação ou a antecipação da tutela requerida. E foi com vista à garantia do seu direito que a A pediu o decretamento da presente providência cautelar de arresto contra terceiros, máxime contra as sociedades requeridas e os requeridos RS e RS1.

          (5) O arresto (e, posteriormente, o pedido de reforço de arresto) foi apresentado contra as R-LDA e R1-LDA por estas serem os sujeitos passivos de dação em cumprimento das fracções E e I realizada pela devedora M-LDA – e coincidentemente apenas uns dias depois de o tribunal ter ordenado o arresto da conta bancária da devedora M-LDA no âmbito do anterior arresto, onde também foi requerido o arresto daquelas fracções.

         (6) Mas não só! A providência cautelar de arresto foi apresentada contra as R-LDA e R1-LDA porque os sócios-gerentes da sociedade devedora – RS e RS1 – são sócios-gerentes daquelas duas sociedades. E razão também pela qual RS E RS1 são também requeridos na presente providência cautelar.

         (7) Dito isto, a A tem perfeito conhecimento de que a sua devedora é a M-LDA. Contudo é, igualmente, inegável que os requeridos RS e RS1 são sócios-gerentes da devedora M-LDA, bem como das sociedades requeridas e são os beneficiários efectivos (beneficiários últimos) destas três sociedades, cujo objecto social é parcialmente coincidente, bem como a morada da sua sede social já foi ou é a mesma.

         (8) Verifica-se, assim, um inegável contexto de confusão entre objectos sociais, actividades desenvolvidas, local de desenvolvimento dessas actividades, sede social, gerência da sociedade devedora e das sociedades requeridas.

         (9) Com efeito, é admissível o arresto de bens de terceiro, nomeadamente, naquelas situações em que os sócios e beneficiários efectivos das sociedades em causa sejam os mesmos, e devam, em última instância, responder pelos seus actos, quando utilizam essas sociedades como instrumentais, confundem patrimónios, para se furtarem ao cumprimento das respectivas obrigações e causando prejuízos a terceiros credores.

         (10) Situação, essa, que corresponde à situação dos autos e que deve ser valorada pelo tribunal ad quem, para afastar a litigância de má-fé da A.

         (11) No presente caso, obstar a que a A possa perseguir esses bens, ainda que inscritos ou registados em nome de terceiros, é ser conivente com uma (descarada) fraude à lei e negar os objectivos prosseguidos pelo arresto, quando esses terceiros são sociedades cujos sócios e beneficiários efectivos são os mesmos da sociedade devedora e que não se coíbem de utilizar as sociedades requeridas como meios instrumentais para a satisfação de pretensões próprias, dissipando o respectivo património, sob a capa de ser património de uma sociedade comercial, para se furtarem ao pagamento das suas dívidas.

         (12) Foi apenas em função da justeza da situação que a A considerou o caminho para o arresto de bens não pertencentes à sociedade dela devedora e, por conseguinte, para o pedido de reforço de arresto, formulado por requerimento de 21/08/2023.

         (13) Por outro lado, em termos processuais, aplicando-se as disposições da penhora ao arresto, este não poderá incidir sobre bens ou direitos de alguém que não seja demandado (como acontece na acção executiva), pois, como dispõe o artigo 735/2 do CPC, podem ser penhorados bens de terceiro, desde que a execução tenha sido movida contra ele.

         (14) E este princípio – o de que não podem penhorar-se bens de sujeitos que não são demandados na execução – não comporta excepções […].

         (15) Logo, pelas razões expostas, é processualmente admissível pedir o reforço do arresto nos moldes em que foi pedido pela A, que não actuou em litigância de má-fé, bem como é processualmente admissível decretar o reforço do arresto contra os requeridos, conforme inicialmente deferido pelo tribunal.

         (16) Além do mais, no entender da A, o reforço do arresto de bens de terceiro pode ainda resultar da desconsideração da personalidade colectiva da devedora originária (conforme referido no requerimento de providência cautelar), bem como, pela mesma ordem de razão, da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade titular dos bens a arrestar que, tal como aquela, servia os interesses das mesmas pessoas individuais e foi inclusivamente usada para a satisfação desses interesses.

         (17) E que continuará a sê-lo se nada for feito, nomeadamente, dissipando ou até mesmo esvaziando o património da R1-LDA.

         (18) O princípio da atribuição da personalidade jurídica às sociedades e da separação de patrimónios, ficção jurídica que é, não pode ser encarado, em si, como um valor absoluto e, quando estejam em causa práticas ilícitas – contrárias à ordem jurídica –, censuráveis e com prejuízo de terceiros, a personalidade colectiva não pode ter uma finalidade redutora, não pode ter a natureza de um manto ou véu de protecção dessas mesmas práticas.

         […]

          (22) Posto isto, afigura-se-nos que a situação factual em causa preenche os referidos pressupostos para a intervenção da desconsideração ou levantamento da personalidade jurídica da sociedade devedora, bem como das sociedades requeridas por forma, em última instância, a responsabilizar os seus sócios e beneficiários efectivos, que agiram e agirão por detrás destas.

         (23) Em termos processuais, como dispõe o artigo 376/3 do CPC, “O tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida, sendo aplicável à cumulação de providências cautelares a que caibam formas de procedimento diversas o preceituado nos n.ºs 2 e 3 do artigo 37.º”.

         (24) De acordo com o disposto no artigo 37/2 do CPC “Quando aos pedidos correspondam formas de processo que, embora diversas, não sigam uma tramitação manifestamente incompatível, pode o juiz autorizar a cumulação, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio”.

         (25) Estabelece ainda o art. 37/3 do CPC que “Incumbe ao juiz, na situação prevista no número anterior, adaptar o processado à cumulação autorizada”.

         (26) Com efeito, pode o juiz autorizar a cumulação dos pedidos de arresto (pedido inicial e pedido de reforço), tendo por acção principal subjacente a acção de impugnação pauliana, bem como de desconsideração da personalidade jurídica das sociedades requeridas.

         (27) Pelas razões expostas, é de afastar a litigância de má-fé da A quanto à extensão subjectiva do pedido de reforço de arresto, admitindo-se o pedido de reforço de arresto dos bens dos requeridos, em particular da R1-LDA (a única que tem património), que mais não são do que bens de que dispõem os seus beneficiários efectivos – os requeridos RS e RS1 –, sob pena de se frustrar o fim último do arresto.

         (28) Em segundo lugar, quanto à extensão objectiva do pedido de reforço de arresto, na vertente dos bens (da totalidade dos bens), objecto do arresto, é de referir que, no seu requerimento de reforço de arresto, a A requereu “(…) que fosse decretado o reforço do arresto até perfazer o valor do crédito da A.”

         (29) A A mais referiu que “[f]ace ao valor em dívida de 636.654,50€, o reforço do arresto dos bens indicados nas alíneas (a) a (g) do parágrafo (3) acima revelar-se-ia, em princípio, suficiente para a satisfação do crédito da A.”

         (30) Do que resulta, sem margem para dúvidas, que a A não pediu, ao contrário do referido pelo tribunal, o arresto de todos os bens conhecidos da titularidade dos requeridos.

         (31) Por despacho de 23/08/2023, que se transcreve, o tribunal (o Juiz de turno) deferiu o pedido de reforço: […]

          (32) Embora a A possa entender que o Juiz titular do processo tenha discordado da decisão tomada pelo Juiz de turno, a A não pode vir a ser condenada em litigância de má-fé, por uma decisão que foi tomada pelo próprio tribunal, independentemente do Juiz que a tenha adoptado, e que extravasou o pedido da própria A.

         (33) Com efeito, não se vê como poderá a A ser condenada, em litigância de má-fé, pelo seu pedido de reforço de arresto, o qual, para mais, foi deferido pelo tribunal.

         (34) Por último, quanto à extensão objectiva do pedido de reforço de arresto, na vertente do valor (valor patrimonial tributário ou valor de mercado) a ter em conta para efeitos de decretamento do arresto, segundo o tribunal (com apoio na tese dos requeridos), a A não poderia ter requerido o reforço do arresto tendo por base o valor patrimonial tributário dos bens imóveis, antes deveria ter sido considerado o seu valor de mercado, pelo que, ao tê-lo feito, actuou de má-fé, sabendo que o valor de mercado dos bens imóveis seria superior ao valor patrimonial tributário indicado pela Autoridade Tributária.

         (35) À data do pedido de reforço do arresto, o valor patrimonial dos imóveis constantes da respectiva caderneta predial era o único valor objectivo conhecido à data. Só posteriormente ao decretamento do reforço do arresto, foi ordenada a constituição de perícia pelo tribunal para apurar o seu valor de mercado dos imóveis, objecto do arresto.

         (36) Ou seja, só mais tarde, após a realização da perícia ordenada pelo tribunal, foi possível apurar que os bens arrestados tinham um valor de mercado, no total, de 4.367.159,69€ e, em particular, que os bens não onerados tinham um valor de mercado de 1.021.000€ (se se contar com o prédio sito em Sesimbra, e que, ao que parece foi, posteriormente onerado).

         (37) De qualquer forma, não cabia à A indicar qualquer valor de mercado, que, para além de desconhecer, não tinha forma de, à partida, apurar por si própria, sob pena, inclusivamente, de a avaliação não ser objectiva ou de vir a ser impugnada pelos requeridos.

         (38) A A poderia apenas ter cooperado com o tribunal, nos termos em que o fez. Tendo-lhe transmitido a informação que estava disponível, sendo que o valor patrimonial dos imóveis constantes da respectiva caderneta predial era o único valor objectivo, à data do pedido de reforço do arresto e respectivo decretamento pelo tribunal. Assim como, poderia ter pagado os respectivos encargos da perícia, conforme solicitado pelo tribunal, como fez.

         (39) Mas será que se deveria realmente desconsiderar, logo, à partida, o valor patrimonial tributário dos imóveis, como pretende fazer crer o tribunal, e considerar, para efeitos de apuramento do valor dos bens imóveis a arrestar, a simples suposição de que o valor de mercado dos bens imóveis é superior ao valor patrimonial tributário indicado pela Autoridade Tributária?

         (40) A resposta não pode deixar de ser negativa.

         (41) A acrescer aos fundamentos já indicados, pelos quais a A enumerou os bens conhecidos da titularidade dos requeridos, requereu o reforço do arresto quanto aos bens necessários para perfazer o montante do seu crédito e indicou o único valor objectivo – o valor patrimonial tributário – que por si era conhecido à data (e não ignorando que sobre a maioria dos bens incidiam ónus ou encargos), não é de ignorar a situação “paralela” aplicável ao arresto de bens para garantia de dívidas tributárias ao abrigo do disposto no Código de Procedimento e Processo Tributário.

         (42) No caso do processo tributário, o valor atendível com vista ao arresto de bens imóveis é o valor patrimonial tributário dos mesmos e não o seu valor de mercado, não sendo, por isso, estranho ou contrário à boa-fé que, no âmbito dos presentes autos, a A tivesse tido em conta o referido valor patrimonial tributário.

         (43) À semelhança do que acontece no processo de execução fiscal, não pode deixar de ser considerada a relação indissociável entre o valor do imóvel para efeitos de apreciar a sua suficiência como garantia da dívida e a execução da mesma, o que é distinto de considerar apenas e de forma quase cega o valor de mercado do imóvel, que é relevante para efeitos da venda do imóvel, mas não já necessariamente para aferir da idoneidade e suficiência dos bens para fins de garantia.

         (44) Para a partir daqui se considerar que um imóvel com determinado valor comercial (valor de mercado) é suficiente para garantia da dívida e a sua execução, o que, como dita a experiência, não é verdade. Nada pode garantir que, numa eventual venda executiva, a ocorrer, o imóvel penhorado venha a ser vendido pelo seu valor de mercado. O que acontece, aliás, em regra, é o que os imóveis não sejam vendidos, em sede de venda executiva, pelo seu valor de mercado, mas por um valor inferior a este.

         (45) Sem prejuízo do referido acima, é ainda de salientar que, com a reforma do património, operada através do DL 287/2003, de 12/11, as eventuais discrepâncias entre o valor patrimonial tributável e o valor de mercado dos bens imóveis são tendencialmente menores às que se verificavam no passado, pois, tal como resulta do preâmbulo do Código de Imposto Municipal de Imóveis, visou-se criar um sistema de determinação do valor patrimonial dos imóveis, actualizando os seus valores e repartindo de forma mais justa a tributação da propriedade imobiliária.

         (46) Com efeito, não merece censura (ou não deveria merecer censura) afirmar que o valor patrimonial tributário (e não o valor de mercado) terá de ser o elemento de referência na ponderação da suficiência da garantia da dívida, que permite aferir da idoneidade e suficiência dos bens para fins de garantia.

         (47) Elemento este que não pode deixar de ser conjugado com outros, como por exemplo a consideração de ónus e encargos que sobre os imóveis impendam.

         (48) No caso sub judice, considerando que o património imobiliário arrestado tem o valor patrimonial tributário global de 747.549,58€, que sobre o mesmo impendem ónus ou encargos de 3.829.000€ (aproximadamente) e que a dívida se cifra em 636.654,50€, a que acrescem juros e demais encargos, fácil é concluir que o pedido de reforço de arresto não se revelou excessivo, não se traduzindo em qualquer violação do princípio da proporcionalidade.

         (49) Não parece, assim, ao contrário do decidido pelo tribunal, que tal critério se afigure violador do princípio da proporcionalidade, consagrado nos artigos 17/2 e 266/2 da CRP, nas vertentes da necessidade e do equilíbrio ou da proibição do excesso, sob pena de a dívida não poder ser garantida e não se cumprir a função da providência cautelar de arresto.

         (50) Termos em que, improcede a condenação da A em litigância de má-fé, não se encontrando preenchidos os pressupostos de aplicação do artigo 542 do CPC.

          (51) Desta formulação legal, distinguem-se, claramente, a má-fé substancial – que se verifica quando a actuação da parte se reconduz às práticas aludidas nas alíneas (a) e (b) do número 2 do artigo 542 do CPC – e a má-fé instrumental – alíneas (c) e (d) da mesma disposição.

         (52) Em qualquer uma dessas situações, tem de existir uma intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da actuação dolosa, justificaria um elevado grau de reprovação e idêntica reacção punitiva, o que não é o caso.

         (53) No caso concreto, ainda que se considerasse que a interpretação dos preceitos normativos nos quais a A fundou a sua pretensão de reforço de arresto não permitissem tal reforço, na vertente da extensão subjectiva, daí nunca se poderia concluir ter sido deduzida pretensão cuja falta de fundamento a parte não devia ignorar e muito menos ainda ter havido uma actuação dolosa ou gravemente negligente da A, que estava (e está) legitimamente convicta dos fundamentos legais que entendeu serem aplicáveis ao caso, como explicado acima.

         (54) Por outro lado, quanto à vertente da extensão objectiva do pedido de reforço de arresto, saliente-se que, mesmo considerando a totalidade do valor de mercado do património imobiliário arrestado de 4.367.159,69€, atenta a sua (ainda) insuficiência, uma vez que o valor de mercado não permite aferir da idoneidade e suficiência dos bens para fins de garantia, antes tendo de ser considerado o seu valor patrimonial tributário, em conjugação com outros elementos, como por exemplo a consideração de ónus e encargos que sobre os imóveis impendam.

         (55) E tanto assim é que o tribunal, embora reduzindo o arresto aos bens imobiliários sobre os quais não impedem ónus ou encargos, mantém a necessidade do arresto na parte em que o mesmo incidiu sobre os valores mobiliários do requerido RS1 e ainda as quotas dos requeridos nas sociedades requeridas e na sociedade devedora M-LDA, por o arresto dos bens imobiliários se revelar insuficiente para a garantia da dívida da A, e isto, independentemente, de já ter sido apurado o seu valor de mercado, por perícia.

              Os requeridos contra-alegaram, defendendo, em síntese, que:

         A A requereu a ampliação do arresto por forma a lograr obtê-lo sobre 11 alegadas fracções autónomas de três prédios urbanos e de um outro prédio das sociedades requeridas (prédios sitos em Lisboa, Setúbal e Sesimbra) e ainda sobre um veículo automóvel do requerido RS.

         Sendo que o fez, por um lado, num momento em que os requeridos, não haviam ainda sido citados, desconhecendo, por esse motivo, a sua existência (o que, bem sabia a A, impediria, por parte dos requeridos, o exercício do contraditório) e, por outro, em período de férias judicias por bem saber que o despacho que recairia sobre o requerimento seria proferido pelo Sr. Juiz de Turno e não pela Srª Juiz titular do processo. Escolhendo assim a A, habilidosa e propositadamente, apresentar o requerimento em momento processual específico, para seu exclusivo benefício (ainda que de forma ilegal).

         Por seu turno, a A indicou o valor patrimonial dos imóveis, quando, como é do conhecimento público, o seu valor comercial, tratando-se de imóveis, é manifesta e substancialmente superior, o que aliás, acrescente-se inserindo-se a actividade da A no âmbito do ramo imobiliário (conforme referiu no art. 20 do RI e também resulta do documento ali junto como doc.14), não podia a mesma desconhecer!

         Ademais, e como a A não desconhecia, os bens objecto do pedido de ampliação do arresto não integram, nem nunca integraram o património da alegada devedora originária M-LDA.

         Não obstante, o tribunal a quo, ainda assim, através de despacho datado de 22/09/2023, notificou a A para se pronunciar acerca da sua “eventual litigância de má-fé e eventual redução do arresto, sob pena da sua eventual responsabilização por tal arresto”, dando-lhe, assim, a oportunidade para se retractar, o que a A ignorou, mantendo a sua posição, expressa no requerimento de 09/10/2023. O que, vem confirmar a absoluta consciência da ilicitude do seu comportamento e da intenção de conseguir um objectivo ilegal,

         A alegação da A de que “deve ser admissível o arresto de bens de terceiro, nomeadamente, naquelas situações em que os sócios e beneficiários efectivos das sociedades em causa sejam os mesmos, e devam, em última instância, responder pelos seus actos, quando utilizam essas sociedades como instrumentais, confundem patrimónios, para se furtarem ao cumprimento das respectivas obrigações e causando prejuízos a terceiros credores” reduz-se, a uma alegação ou uma consideração absolutamente despida de sustentação jurídica. A providência cautelar de arresto foi instaurada como preliminar da acção de impugnação pauliana, pelo que ter-se-á de ter sempre por verificada a instrumentalidade, entre uma e outra. Ou seja, os bens a arrestar, e como a própria A admite, cingem-se aos bens transmitidos pela alegada devedora aos requeridos, e não a todo e qualquer bem que integre o património daqueles – o que a A não desconhecia, como resulta de, no requerimento inicial, no que concerne às requeridas sociedades, só ter requerido o arresto dos bens imóveis objecto das transmissões.

         A A teria de requerer, cumulativamente à alegação da transmissão dos bens pela M-LDA à R1-LDA, a desconsideração da personalidade jurídica, o que não fez. A própria A, no requerimento apresentado em 09/10/2023 e bem, assim, no recurso confessa não ter requerido a desconsideração da personalidade jurídica dos requeridos. Pelo que é até risível que, venha agora a A, em manifesto desespero, erigir uma tese, criando uma excepção não prevista na lei – os casos em que os sócios beneficiários efectivos das sociedades em causa sejam os mesmos.

         A A não alegou sequer, em sede de requerimento apresentado em 21/08/2023, qualquer facto superveniente, muito menos, que justificasse o pedido de ampliação do arresto.

         Sendo o valor das quotas é aferido com base no estado da sociedade e, nomeadamente, do seu património, encontrando-se as quotas arrestadas por sentença de 19/07/2023, também por aqui, não faria sentido o requerimento de ampliação do arresto na medida em que o valor daquela, como a própria A reconhece, se afere com base no seu património e não no seu valor nominal.

         Os requeridos já tiveram oportunidade de demonstrar através da oposição que as dações em cumprimento estão justificadas, e não representaram qualquer dissipação do património. Na verdade, tais transmissões consubstanciaram não mais do que uma consequência da conduta inadimplente da própria A, o que implicou que a M-LDA tivesse de recorrer a empréstimos, contraindo dívidas, não só, mas também, junto das requeridas para poder dar cumprimento ao contrato celebrado com a A; a transmissão dos imóveis teve em vista o pagamento das dívidas. Ademais, aquando das transmissões (Junho de 2023), os requeridos desconheciam a existência do anterior arresto, sendo que os mesmo só vieram dela a ser citados em Setembro de 2023.

         O imóvel de Sesimbra não foi onerado, ao contrário do que alega a A, um dia depois de o tribunal ter ordenado o reforço do arresto. Como resulta do documento junto a 10/04/2024, o contrato de mútuo foi celebrado em 11/08/2023 (data anterior ao requerimento de reforço) e a escritura de hipoteca, para garantia, é que foi celebrada em 24/08/2023, e registada nesse dia. De todo o modo, refira-se, naquela data, os requeridos, desconheciam a existência dos presentes autos.

         É certo que o art. 391/2 do CPC estipula que “O arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora”. Porém, olvida, propositadamente a A a última parte da referida norma, à luz da qual se estipula que “em tudo o que não contrariar o preceituado nesta secção.” Ora, o arresto de bens de terceiro (artigo 392/2 do CPC), quando intentado previamente à acção de impugnação pauliana, pressupõe a cumulação do pedido da procedência da impugnação da transmissão com o pedido de arresto.

         Não deixa de ser curioso que a A, no âmbito do requerimento de reforço do arresto tenha tido em consideração, no que concerne aos imóveis transmitidos pela devedora M-LDA, o seu valor patrimonial, e, no âmbito da RI que apresentou tenha atribuído, a tais bens, o valor pelos quais os mesmos foram dados em cumprimento. Ou seja, a A, adopta diferentes posições, consoante a sua pretensão, o que não poderia deixar de ser relevado pelo tribunal.

         A A em momento algum requereu que o tribunal nomeasse perito para efeitos de elaboração de relatório, o que indicia, novamente a patente conduta como litigante de má-fé, tendo, propositadamente, indicado os valores patrimoniais dos imóveis, por saber que, assim, e tendo em conta o momento em que apresentou o seu requerimento (férias judiciais e em momento anterior à citação dos requeridos), lograria o arresto ilegal de todo o património dos requeridos.

         Assim, e devido à conduta adoptada pela A, além dos bens arrestados através da sentença de 19/07/2023, foram arrestados bens imóveis no valor de 4.245.600€, quando o montante da alegada dívida é de 636.654,50€…

         Ora tal arresto, impulsionado pela A provocou diversos prejuízos aos requeridos, cuja actividade também se insere no ramo imobiliário, os quais, naturalmente terão de ser ressarcidos. O que a A pretendeu, na verdade, foi paralisar toda a actividade dos recorridos empresas, colocando-se ela própria, consequentemente, numa posição negocial avantajada e, os requeridos, ao invés, numa situação particularmente difícil, o que não podia deixar de ser analisado à luz do artigo 542 do CPC, como fez o tribunal a quo.

              Os requeridos, com base na mesma argumentação da primeira parte do seu recurso, requereram ao tribunal a rectificação do despacho, no que se refere à manutenção do arresto do prédio de Sesimbra, tendo o tribunal recorrido indeferido tal pedido, no despacho em que admitiu o recurso, dizendo, para o efeito, o seguinte, em síntese:

         A questão será a decidir em sede da oportuna decisão da oposição deduzida pelos requeridos ao arresto […], sempre se dizendo, desde já, o seguinte: 1 – imóveis ocupados (como é o caso do imóvel sito em Setúbal) não têm, na prática e em caso de oportuna e eventual conversão do arresto em penhora e de venda executiva dos mesmos, o valor que têm imóveis não ocupados, quer por se encontrarem dados em arrendamento ou em uso por terceiros em sede de qualquer outro tipo de utilização; 2 – não deixa de ser estranho que a escritura de constituição da hipoteca (a favor de sociedade representada por um nacional da mesma nacionalidade dos requeridos pessoas singulares), quanto ao imóvel de Sesimbra, tenha sido celebrada após o decretamento do arresto nestes autos (e do efectuado no anterior arresto) e 3 – o crédito da requerente se não cingirá, provavelmente, ao valor dos referidos 633.654€ e sim e também aos juros vencidos e vincendos sobre tal montante.

                                          *

              Questões a decidir: se não devia ter sido mantido o arresto do prédio de Sesimbra; se a A não devia ter sido condenada como litigante de má fé.

                                                                 *

              Apreciação

              Antes de mais, note-se o momento em que estes dois recursos foram interpostos, sem haver ainda qualquer decisão sobre a oposição deduzida pelos requeridos e, por isso, sem ter havido pronúncia do tribunal recorrido sobre os factos alegados pelos requeridos.

              Dada esta fase em que o processo se encontra, o que foi dito pelos requeridos, na oposição, ou pela A no recurso, ou pelo tribunal recorrido no despacho de indeferimento do pedido de rectificação, sem base no que consta no despacho inicial de arresto ou no despacho recorrido, ou com base em documentos que não podiam ser considerados à data do despacho, não pode, para já, ser tido em conta.

              Isto é, os dois recursos têm que ser decididos com base nos pressupostos com que o despacho foi proferido, ou seja, no essencial, indícios da existência de um crédito de 636.645,50€ da A sobre a M-LDA e do justificado receio da perda de garantia patrimonial desse crédito, crédito esse que, no entanto, poderá vir a ser parcialmente compensado com um eventual crédito da M-LDA sobre a A.

              Sendo assim, os factos que importam para a decisão das duas questões que os recursos colocam, são aqueles pressupostos e a descrição dos bens que se mantém arrestados e dos bens cujo arresto foi levantada por força da redução e outros que resultam dos autos e que irão sendo assinalados à frente (um deles por força do alegado pelos requeridos).

              Posto isto,

              A desconsideração da personalidade jurídica das sociedades comerciais não é uma construção que tenha como seus requisitos também os da impugnação pauliana, ou pelo menos um destes, como pretendem os requeridos. A figura basta-se por si. Normalmente, num dos tipos de casos, a situação apresenta-se assim: uma sociedade tem bens; os sócios transferem esses bens para outra sociedade, deixando a primeira sem bens de modo a prejudicar os credores dessa sociedade; a solução é a de desconsiderar a personalidade jurídica dessa sociedade para fazer responder os sócios pelas dívidas dela. Mas se os sócios não têm bens, porque os colocam noutras sociedades para se aproveitarem da distinta personalidade jurídica dessas outras sociedades – de que são beneficiários efectivos – e desse modo não poderem ser responsabilizados, também a personalidade jurídica destas outras sociedades deve poder ser desconsiderada, de modo a que os bens dos sócios não escapem a essa responsabilização. Nesta situação, os bens que estão formalmente numa das outras sociedades não têm de ter sido transmitidos pela primeira sociedade às outras. O que importa, na acção posterior, é que se aleguem os factos necessários para prova de tal situação e, no arresto, que a situação esteja suficientemente indiciada.

              De resto, não foi aquela a tese do despacho recorrido. O que este diz é que a A, ao requerer o arresto, não requereu que fosse desconsiderada a personalidade jurídica das sociedades requeridas (R-LDA e R1-LDA), mas apenas a da M-LDA e, portanto, só os bens que elas tivessem adquirido da M-LDA é que poderiam ser arrestados.

              Mas o despacho recorrido também não tem razão.

              Ao pretender que fosse desconsiderada a personalidade jurídica da M-LDA, a A o que disse foi que os requeridos RS e RS1 eram os beneficiários efectivos e os sócios gerentes destas três sociedades (a M-LDA, a R-LDA e a R1-LDA) – e estes factos foram dados como provados na decisão inicial de arresto sob os n.ºs 103, 105 a 107 excepto quanto aos beneficiários efectivos da M-LDA, nada tendo sido dito quanto a esta nessa parte – e pretendia aquela desconsideração para que pudessem atingir os bens dos verdadeiros beneficiários daquelas sociedades que eram aqueles sócios/gerentes/ /beneficiários efectivos delas, que as estavam a usar para afastarem os bens respectivos do alcance da IPC, sua credora. Não importa que a A não tenha dito especificamente que também queria o levantamento da personalidade jurídica das duas sociedades requeridas. A afirmação, no contexto das restantes alegações, incluindo a alegação de transmissão de bens da M-LDA para as duas sociedades requeridas com o mesmo fim – as fracções E e I (factos provados na decisão inicial de arresto sob os n.ºs 92 e 94) -, de que os beneficiários efectivos das três sociedades eram os requeridos RS e RS1, não podia ter outro sentido de que aquelas duas sociedades estavam a servir para que os requeridos RS e RS1 afastassem os bens existentes do alcance dos credores, entre eles, a A, não havendo razão para estar a distinguir umas e outras.

              A desconsideração da personalidade jurídica não é um pedido feito no arresto, nem é sequer um facto constitutivo da causa de pedir, mas sim uma ilação tirada de vários factos que fazem crer na existência da utilização pelos requeridos RS e RS1 da personalidade das três sociedades para tirar do alcance dos credores os seus bens.

              É certo que em relação às transmissões concretas da M-LDA para a R-LDA e a R1-LDA que foram invocadas no RI de arresto, a A alegou os requisitos da impugnação pauliana. Ora, pode-se dizer, como o fazem os requeridos, que, se a A estivesse a pôr em causa a personalidade também das sociedades requeridas, não precisava de ter alegado os requisitos da impugnação pauliana em relação a essas transmissões. Mas, a circunstância de as partes não estarem conscientes de terem alegado todos os factos constitutivos de um direito não impede que, provados eles, o direito se possa considerar existente com base neles; e, menos ainda, que numa providência cautelar, estando indiciados todos eles, o juiz possa criar a convicção de uma situação que deve merecer a qualificação de abuso da personalidade jurídica, independentemente de a requerente não a ter visto como um dos fundamentos possíveis de todas as suas pretensões, isto é, de apenas a ter assinalado como fundamento para parte delas.

              Assim, nada impedia que, depois de, feitas as necessárias diligências para o arresto de imóveis dos requeridos, se ter descoberto que eles não tinham quaisquer imóveis em seu nome (facto provado pelas informações da autoridade tributária de 31/07/2023), a A viesse requerer o arresto de imóveis em nome da R1-LDA que, entretanto, tinham sido descobertos.

              E estando dado como indiciados factos que permitiam presumir a existência de uma situação de abuso da personalidade jurídica das três sociedades de que os requeridos eram sócios/gerentes/beneficiários efectivos, não havendo nada que distinguisse a situação da M-LDA da situação da R-LDA e da R1-LDA, era possível requerer o arresto de bens da R1-LDA, tal como tinha sido possível requerer e deferir o arresto de bens dos requeridos RS e RS1, sócios das três e beneficiários efectivos pelo menos das duas últimas, sempre com base na desconsideração da personalidade jurídica usada para fins diversos daqueles para que ela é concedida.

            (para a desconsideração da personalidade jurídica, utilizou-se especificamente, no caso, Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de direito comercial, vol. II, 2011, 4.ª edição, Almedina, páginas 176 a 187; do mesmo autor, Diálogos com a jurisprudência, II – Responsabilidade dos administradores para com credores sociais e desconsideração da personalidade jurídica, Direito das sociedades em revista, ano 2, vol. 3, Março de 2010, páginas 49 a 64; e António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, II vol., 2001, Almedina, páginas 180 a 202)

              Pode/deve ter sido este, aliás, o raciocínio seguido pelo Sr. Juiz de turno ao deferir o reforço do arresto, e não uma presumida falta de atenção do Sr. Juiz de turno aos fundamentos do arresto tal como entendidos pelo Sr. Juiz titular do processo.

                                                                 *

              Apesar de o despacho recorrido não concordar com o que antecede, e de, por isso, não ter sido essa a via seguida pelo despacho recorrido, ele veio a manter o arresto de um imóvel (o prédio de Sesimbra) da R1-LDA que não tinha sido adquirida da M-LDA.

              Os requeridos dizem que esta fundamentação do despacho recorrido está em contradição com aquela outra fundamentação do despacho recorrido, de considerar que não é possível o arresto de bens da R1-LDA com base na desconsideração da personalidade jurídica.

              O despacho recorrido justifica a manutenção do arresto de bens da R1-LDA não adquiridos à M-LDA, com a circunstância de os requeridos terem admitido (nas suas peças de 27/12/2023 e de 04/03/2024) a manutenção do arresto de duas fracções autónomas também pertencentes à R1-LDA e também não adquiridas à M-LDA.

              Os requeridos contrapõem que condicionaram essa concessão ao levantamento do arresto das duas fracções arrestadas inicialmente, mas, se se lerem aquelas peças processuais, transcritas acima (na parte final da peça de 27/12/2023), vê-se que nelas não foi colocado tal condição, nem em 27/12/2023 nem em 04/03/2024. 

              Assim, a razão invocada (argumento por igualdade de razão: os requeridos aceitam que prédios da R1-LDA não adquiridos à M-LDA permaneçam arrestados para o caso de o valor dos arrestados ser insuficiente; o prédio de Sesimbra está nas mesmas condições e o valor das verbas arrestados é insuficiente face ao valor do crédito indiciado; logo é aceitável que ele permaneça arrestado) pelo tribunal recorrido também justificaria a manutenção do arresto do prédio de Sesimbra (em reforço desta argumentação, diga-se os requeridos podiam requerer a substituição do bem arrestado por um outro prédio dado de caução – artigos 368/3 e 376/1, do CPC -, e esse prédio podia ser de qualquer deles, pelo que o argumento do tribunal recorrido é aceitável).

              De qualquer modo, segundo os requeridos, continuaria a haver contradição, porque o tribunal não tinha escolhido as duas fracções da Praça em Setúbal porque elas estavam oneradas; ora, o prédio de Sesimbra também estava onerado [na informação total junta a 17/11/2023 consta o registo de uma hipoteca voluntária a 24/08/2023, para assegurar o montante máximo de 1.500.000€ da W, para garantia de um crédito concedido à R1-LDA por contrato celebrado a 11/08/2023 – facto que se dá como provado com base neste documento ou na certidão invocada pelos requeridos, o que dá no mesmo]. Mas não há contradição, o que existe é um erro do tribunal recorrido: de facto, o prédio de Sesimbra também estava onerado (como se vê da certidão predial junta a 30/08/2023 ref. 3685985) e o tribunal recorrido descreveu-o como não onerado (o despacho recorrido é de 25/03/2024, pelo que a certidão predial já constava dos autos).

              Mas daqui não se segue que os requeridos tenham razão para, assim, alterar o despacho recorrido, antes pelo contrário: se quer as fracções sitas na Praça em Setúbal quer o prédio de Sesimbra estavam onerados e eles admitiam que as fracções sitas na Praça em Setúbal permanecessem arrestadas, então não havia razão para não escolher o prédio sito em Sesimbra (e compreende-se a escolha do despacho recorrido, com base no erro assinalado, ou seja, por, segundo ele, ser o único prédio não onerado). E mais, ou por isso mesmo: se também o prédio de Sesimbra está onerado, então quem tem razão para se queixar da escolha é a parte contrária, a A, que agora, para garantia do seu crédito tem um prédio onerado com garantias de dívidas anteriores ao registo do arresto que podem tirar todo o valor a esse arresto. Assim, o erro do tribunal, correu em prejuízo da A e não dos requeridos.

              Seja como for, como se vê do que antecede, nem sequer se tem de aproveitar – embora pudesse ser aproveitada – esta fundamentação do tribunal recorrido para aceitar a manutenção do arresto do prédio de Sesimbra, pois que, como se disse, a desconsideração da personalidade jurídica permitia o arresto de bens da R1-LDA, mesmo daqueles que não tivessem sido adquiridos à M-LDA.

                                                                 *

              O outro fundamento do recurso dos requeridos é o de que a soma dos outros bens arrestados excede em larga medida o valor da alegada dívida.

              Mas os bens que permanecem arrestados são apenas as fracções E (avaliada em 283.000€) e I (avaliada em 139.000€), as quotas dos requeridos nas três sociedades (no despacho recorrido não se refere o valor) e os valores mobiliários do requerido RS1 (com o valor de 93.108,58€).

              Quanto ao valor de mercado das fracções, a experiência das execuções em qualquer tribunal diz que não corresponde, nem de perto, ao valor pelos quais os bens são normalmente vendidos, devido a imensos factores, entre eles, a previsibilidade das complicações inerentes à compra de quaisquer bens em processos litigiosos, o longo tempo que pode decorrer até à venda (principalmente no caso, em que, para já, se trata de um arresto, a que se terá de seguir uma acção declarativa), as crises cíclicas com bolhas imobiliárias, com flutuações de grande amplitude dos valores dos imóveis, as potencialidades especulativas inerentes ao sistema. Pelo que o valor das duas fracções, actual, de 422.000€, pode corresponder a um valor de venda executiva, dentro de alguns anos, de muito menos de metade.

              Quanto aos valores mobiliários, o próprio banco onde eles se encontram avisou: “informamos que o cliente tem títulos na moeda EUR e em USD, ou seja, sujeito à volatilidade do produto em mercado e cambial.” (conforme se transcreveu no relatório deste acórdão, no fim do § anterior ao requerimento de 21/08/2023).

              Quanto ao valor das quotas dos requeridos nas sociedades, para mais estando em causa a possibilidade de se estar perante um abuso de personalidade jurídica dessas sociedades, pode equivaler a praticamente nada. Como diz a A – e a primeira parte do argumento é aceite pelos requeridos, que o tentam usar em defesa da sua posição – “o valor real (legal) das participações sociais corresponde ao valor de liquidação, que é muitas vezes próximo do valor contabilístico ou valor do património social líquido, que deve ser aferido com base no estado da sociedade e, nomeadamente, do seu património”, “pelo que se os requeridos RS e RS1 decidirem dissipar o património das requeridas, o arresto sobre as quotas de nada valerá”. Por outro lado, todos os imóveis da R1-LDA arrestados depois do arresto inicial estão onerados com garantias, pelo que o valor real deles no respectivo património pode ser muito diminuto. Assim, como aliás o revela o facto de o despacho recorrido não lhes ter atribuído valor, as quotas não têm valor relevante.

              Sobre tudo isto, veja-se Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, 2017, pág. 154, em anotação ao art. 393 do CPC (apenas os sublinhados que se seguem foram colocados por este acórdão, não os “cheios”):

         “[…] Pode acontecer que, considerado o valor do crédito e o dos bens, este se revele excessivo em face daquele e, neste caso, o juiz deve circunscrever o objecto do arresto aos bens que sejam suficientes para que, em condições normais, a execução forçada fique garantida. No cálculo a fazer, o juiz não pode ter apenas em conta o valor de mercado do bem nem o valor actual do crédito; terá de ter também em conta o tempo previsível até que se possa conseguir, na acção executiva, a venda do bem, a desvalorização previsível que o bem arrestado possa sofrer, o aumento que o crédito possa vir a ter (designadamente por via de juros vincendos), o facto de, na venda forçada, normalmente não se atingir o valor de mercado do bem vendido, as custas da acção, os encargos que possam existir sobre o bem (designadamente por via de privilégio creditório) e qualquer outra circunstância que razoavelmente seja de ter em conta. Deve, assim, normalmente, haver uma margem de excesso de valor que não ultrapasse o justo limite a que se refere o n.°2, atenta a finalidade da segurança normal do direito de crédito. Só em casos de manifesto e exagerado excesso de valor do bem (são penhoradas, por exemplo, várias fracções dum prédio em regime de propriedade horizontal para garantir um crédito inferior a 1/3 do valor de uma delas) é que o tribunal deve usar o poder (vinculado) que lhe é conferido pelo n.º 2, deixando, aliás, a solução de qualquer dúvida sobre a sua aplicação para depois da oposição do arrestado.

              No mesmo CPC, vol. 3.º, Almedina, 3.ª edição, 2022, páginas 494-495, os autores acrescentam ([esta parte está desenvolvida n’A acção executiva, de Lebre de Freitas, 8.ª edição, Gestlegal, 2024, páginas 288-289]):

         […] O valor da dívida exequenda a considerar tem de se reportar ao momento previsível da sua satisfação (incluindo, nomeadamente, os juros que, entretanto, vençam: ac. do TRL de 12/05/2016, ONDINA CARMO ALVES, proc. 20516/10). Também o apuramento do valor dos bens é feito segundo semelhante juízo de prognose, não se devendo, nomeadamente, atender ao valor da sua aquisição pelo executado, mas ao valor de mercado na data previsível da venda, prognosticado na base do seu valor actual (ac. do TRG de 16/03/2017, JOSÉ AMARAL, proc. 202120/14), e à consideração “do carácter ruinoso da venda executiva”, na qual normalmente se obtém “um preço muito aquém do valor real do bem (acs. do TRC de 16/04/2013, HENRIOUE ANTUNES, proc. 3234/09, e do TRE de 31/01/2019, MANUEL BARGADO, Proc. 2246/15), cabendo ao executado o ónus da respectiva prova.

         Poderá estranhar-se que a adequação seja estabelecida entre o valor do bem penhorado e o da obrigação exequenda, e não antes entre o primeiro e o valor da obrigação exequenda e dos créditos reclamados. Mas, só podendo reclamar na execução os credores com garantia real sobre os bens penhorados (art. 788-1), o valor destes, enquanto realizável no processo executivo, já se apresenta diminuído do valor das garantias existentes. Tratando-se de créditos conhecidos, o princípio da adequação leva a que, na altura da penhora, se tenha em conta, na estimativa do produto da venda dos bens, aqueles que devam ser satisfeitos antes do do exequente. Aparecendo, após a penhora, a reclamar credores desconhecidos que prefiram ao exequente, o princípio da adequação implica que, verificando-se insuficientes os bens penhorados (por o seu valor de realização se mostrar, afinal, inferior ao estimado), a penhora possa ser reforçada (art. 751-5-b). A relação de adequação que o art. 751-l exprime reporta-se ao momento inicial da penhora (“a penhora começa“) e, não sendo rígida, vai se adaptando em função das vicissitudes da execução; o momento do art. 759 é já posterior à reclamação de créditos.

         Para a verificação da adequação da penhora, há que contar também com as despesas previsíveis da execução, que para o efeito se presume serem dos montantes percentuais à que o n.º 3 indica.

              De tudo isto resulta que afinal, o valor da venda executiva dos outros bens que permanecem arrestados poderá não chegar sequer a metade do valor do crédito (com juros e acréscimos executivos) que foi dado como indiciado (e como não está sequer indiciado, nesta fase, qual o valor do eventual contra crédito da M-LDA sobre a A, ele não pode ser considerado para o efeito de diminuir o valor do crédito).

              E o próprio prédio de Sesimbra, de cujo arresto os requeridos pretendem o levantamento, está onerado com uma hipoteca e pode acabar por não valer nada para os restantes credores, entre eles a A.

              Assim, ao contrário do que os requeridos defendem, não se pode dizer que o valor dos restantes bens arrestados excede, em muito, o montante alegadamente em dívida. Veja-se que no exemplo acima de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, a desproporção, para ser manifesta, foi de 1 para 9 [várias fracções são mais de duas, pelo que são pelo menos três; suponha-se que cada fracção tem o valor de 300.000; o crédito referido seria de um terço do valor de uma delas, ou seja, 100.000; 100.000 é igual a 1/9 de 900.000 que é o valor de três].

                                                                 *

              Quanto ao recurso da decisão de condenação da A como litigante de má-fé:

              O facto de a A ter requerido o reforço do arresto com bens da requerida R1-LDA não adquiridos à devedora M-LDA, já foi visto acima, está na lógica, invocada no requerimento inicial, da desconsideração da personalidade jurídica de tais sociedades e de nada permitir distinguir, dentro do conjunto de sociedades dos requeridos, umas das outras, isto é, as que seriam usadas para o objectivo de tirar do alcance dos credores os seus bens e as que não o seriam. O requerimento de ampliação terá sido lido com esse sentido pelo Sr. Juiz de turno e foi lido com este sentido por este TRL. Por isso, mesmo que o tribunal recorrido tivesse (ou tenha) razão – o que se admite em benefício da discussão – em considerar que o requerimento inicial não incluía na necessidade da desconsideração da personalidade jurídica, as duas sociedades requeridas, não se aceita que a interpretação contrária da A possa ser considerada como litigância de má fé. E muito menos que o facto de tal requerimento ter sido feito em férias possa ser invocado nesse sentido. Se o arresto foi decretado em férias e foi em férias que se apurou que afinal os requeridos não tinham imóveis em nome próprio, era então, em férias, que tinha de ser feito o requerimento de reforço.

              O facto a A ter tido em conta, no requerimento de reforço do arresto, o valor patrimonial de outros bens a arrestar não lhe pode ser censurado, visto que o valor de mercado dos bens – calculado nos termos referidos acima – não é um valor que se possa dizer que ela podia ter acesso no momento da indicação dos bens.

              Lembre-se aliás o que consta quanto à fracção D de um prédio de Lisboa: na matriz (caderneta predial) é dado como sendo um armazém com 104 m2 e que tinha um valor de 32.585,23€ (ou seja, grosso modo, 313,32€ por m2), avaliado nas finanças em 2019 (facto que está provado com base no que consta da troca de emails juntos a 12 e 17/01/2024 e do relatório de 15/02/2024 – a que aqueles e-mail deram origem -, bem como na caderneta predial e certidão predial, documentos utilizados pelo despacho recorrido). Nos autos não há o mínimo de elementos que permitam dizer que a A devia saber que tal imóvel, era afinal um edifício com dois apartamentos, com uma área muito superior, ou seja, 76,56m2 x 2 = 153,12m2 (facto que resulta dos documentos acabados de referir e que se acrescenta como facto provado), cada um deles avaliado em cerca de 530.000€ (ou seja, não há quaisquer indícios que permitam afirmar que a A devia saber que um imóvel descrito como um armazém com 104m2, afinal tinha o valor impensável de 6.922,68€ por m2 para um armazém). Repare-se que a ainda hoje a situação matricial se mantém nos termos descritos. Logo por aqui, já havia que retirar mais de 1.000.000€ ao valor a que o despacho recorrido chegou (note-se que esta fracção D do prédio com o número de registo predial 3-D não é uma das que a A tinha estado encarregue de vender, que eram do prédio com o número predial 5, designadamente a fracção 5-D).

              Mas, mais, a A não fez o requerimento de arresto de todos esses bens. Ela começou por indicar expressamente que o reforço do arresto dos bens (a) a (g) do §3 seria suficiente. Embora expressando-se de forma imperfeita – as alíneas não eram do §3 nem se tratava do reforço do arresto ‘desses’ bens mas ‘com esses’ bens – era perceptível que ela só estava a pedir o reforço com o arresto dos bens das alíneas (a) a (g) do § 5.º, já que este era o único § que tinha tais alíneas.

              Pelo que o requerimento de arresto não pode ser censurado por ter pedido o arresto de todos os bens do arrestado.

              É certo que alguma censura se pode fazer à A quando faz o resumo dos bens arrestados e indica o valor patrimonial tributário das duas fracções arrestadas, quando ela sabe – por ter participado na venda de uma delas – que o valor da venda, feito pouco tempo antes, era superior. Aqui ela tinha conhecimento de um valor aproximado de mercado, embora actual e não o previsível à data das vendas executivas.

              Mas, dado que esses dados também constavam do processo e podiam ser tidos em conta oficiosamente, e dado que, como se disse, ela não requereu o arresto de todos os outros bens de forma indiscriminada, é uma censura menor, que não basta de modo algum para se afirmar a litigância de má fé, tanto mais que, como se viu, o valor de todos os bens arrestados, diminuído do valor dos créditos garantidos, pode ser praticamente nulo.

              No próprio relatório da perícia aos prédios de Setúbal se consignou a seguinte nota: “Os presumíveis valores da avaliação dos imóveis reportam-se à data do relatório, considerando-se os prédios no estado actual e livre de ónus ou encargos, sendo de presumir a sua desactualização no prazo de 6 meses, dependendo da evolução do mercado imobiliário e sem que ocorram quaisquer sinistros.” (facto que se dá como provado com base em tais documentos, ou seja, fl.60 do relatório junto a 02/02/2024). Ou seja, o próprio relatório lembra que não calculou o valor de mercado dos bens na data de uma imprevisível venda futura e que não o diminuiu dos eventuais créditos garantidos. Os outros relatórios de avaliação têm o mesmo tipo de reservas, embora não tão claros.

            Quanto ao valor final global a que o tribunal recorrido chega, de 4.367.159,69€ – que se pode já diminuir dos 1.000.000€ referidos acima -, para depois o comparar com o valor do crédito, já decorre de tudo o que foi dito acima, que o despacho recorrido não tinha bases suficientes para o efeito: não são dados valores de todos os bens, o valor de mercado dos bens é o actual, não o previsível à data da eventual venda executiva, e o valor dos bens não é diminuído das garantias que os oneram; quanto ao valor com o qual é comparado, faltaria ainda acrescentar o valor de juros e o valor das despesas da execução (que já é avultado e todo posto a cargo da A, sem se atentar que os encargos das perícias ordenadas oficiosamente pelos tribunais correm, em princípio, por conta do IGEFJ e não pelas partes – neste sentido, a decisão singular do TRL de 14/12/2022, proc. 3552/20.5T8LRS.L1-2 (do relator deste acórdão):  I – No caso de uma iniciativa oficiosa do juiz que implique despesas, essa iniciativa tem de incluir a determinação do pagamento pelo IGFEJ, porque não tem sentido impor aos interessados, que não a requereram, o pagamento antecipado sob a cominação da não realização da diligência.)

              Tudo isto é suficiente para se concluir que o tribunal recorrido não podia ter chegado ao resultado a que chegou, qual seja, o de considerar o valor dos bens arrestados como manifestamente excessivo.

              Estando todos os bens arrestados na sequência do requerimento da ampliação onerados com garantias de dívidas e não se sabendo o valor previsível deles, diminuído dessas garantias, na data da eventual e longínqua venda executiva, o tribunal devia ter esperado que fossem os requeridos a levantar a questão do excesso por ocasião da sua oposição e na decisão da questão levar na devida conta que era a eles, requeridos, que cabia o ónus da prova do que afirmassem a propósito de tal excesso (sendo que eventuais perícias requeridas por eles, para esse efeito, deviam ser por eles suportadas e não pela A – sendo assim também afastado o contra-argumento dos requeridos de que a A devia ter requerido a avaliação dos bens).

              Tendo tudo isto em conta, vê-se agora que nada teve de estranho a actuação do juiz de turno que determinou o arresto, sem estar a fazer restrições. Relembre-se que estando todas as verbas arrestadas oneradas com garantias de créditos de valores superiores aos imóveis (os dois apartamentos da “fracção autónoma” designada pela letra D do prédio 3 têm o valor global de 1.060.000€ e os créditos garantidos são de 858.000€ + 600.000€; as 4 fracções do edifício sito na Praça em Setúbal têm o valor global de 1.112.120€ [= 314.800€ + 337.860€ + 419.460€ + 40.000€] e os créditos garantidos são de 1.001.000€ + 700.000€; o prédio urbano na Rua em Setúbal tem o valor de 1.016.000€ e os créditos garantidos são de 670.670€ + 1.001.000€), eles podem chegar ao fim sem nenhum valor, pelo que não se pode dizer, nestes autos, que alguma vez se tenha chegado a uma situação de manifesto excesso; antes pelo contrário, pois, como demonstrado acima, o valor actual dos bens arrestados é já inferior ao valor do crédito que o arresto pretendia garantir (tendo em conta que o prédio de Sesimbra também está onerado com uma hipoteca que garante um crédito de valor superior).

              Perante tudo isto, falecem todos os argumentos que se invocaram no despacho recorrido para censurar a A como litigante de má fé.

                                                                 *

              Pelo exposto, julga-se:

              – Improcedente o recurso dos requeridos, mantendo-se o arresto do prédio de Sesimbra.

              Custas deste recurso, na vertente de custas de parte, pelos requeridos. 

              – Procedente o recurso da A, revogando-se a condenação dela como litigante de má fé em multa e indemnização a favor dos requeridos.

              Custas deste recurso, na vertente de custas de parte, pelos requeridos.

              Lisboa, 06/06/2024

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto