Arrolamento  – Juízo de Família e Menores de Sintra

              Sumário:

              I – O arrolamento especial previsto no art. 409/1 do CPC só exige a prova do requisito do direito relativo aos bens, não o do justo receio do extravio, ocultação ou dissipação de bens, tal como também não exige que o requerente convença o tribunal da provável procedência da acção proposta ou a propor.

              II – Mas não pode ser usado para ser pedido o arrolamento, como bens comuns de um casal, de bens que estão registados em nome de uma sociedade (de que os membros daquele casal são os únicos sócios).

              III – Pode ser requerido o arrolamento de bens de uma sociedade, como bens comuns de um casal, mas como arrolamento comum, do art. 403 do CPC, isto é, como dependência de uma acção em que o requerente faça algum pedido com o sentido de que a propriedade dos bens deve ser considerada do casal com base numa de várias possíveis causas de pedir (por exemplo, nulidade, anulabilidade, ou ineficácia em relação ao casal, do contrato que transferiu esses bens do casal para a sociedade).

              IV – Pode ser pedido o arrolamento como bens comuns de bens móveis registados em nome de um dos cônjuges – apesar da presunção de que esses bens seriam deste cônjuge – e, devido à presunção de comunicabilidade prevista no art. 1725 do CC, nos arrolamentos que sejam decretados sem audição prévia dos requeridos, não é necessário produzir prova das afirmações que se façam no sentido de permitir a conclusão de que esses bens são comuns, pelo que essas afirmações não têm de constar dos factos provados.

             

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

              Em 01/12/2019, E, casada, intentou contra o seu marido, V, residente na mesma morada, uma providência cautelar de arrolamento, pedindo para além disso que este fosse decretado sem audiência prévia do requerido.

              Alegou para tanto, que, em 15/10/2019, o requerido instaurou acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge que corre termos […] sob o nº15981/19.2T8SNT […]; […] requer que os presentes autos sejam autuados por apenso àqueles de divórcio; e diz: (1) A requerente e o requerido casaram civilmente um com o outro, em 05/08/1993, sem convenção antenupcial […], conforme resulta do assento de casamento nº 5790 do ano de 2013 que se junta […] (2) Na constância do seu casamento, […] o casal adquiriu património comum composto por móveis, imóveis e valores mobiliários. […] (5) Como se disse, na constância do seu matrimónio, requerente e requerido, para além das poupanças, e das diversas viaturas – cujo paradeiro a requerente desconhece, – os seguintes bens móveis e imoveis [sic]: 100% do capital social da B-Lda., […], com o capital social e 30.000€ pertencendo actualmente 75% ao requerido e 25% à requerente; (doc.2); prédios urbanos, fracções autónomas e prédio rústico (documentos 3 a 30) (6) […] em finais de 2014 e a pretexto de um aumento de capital da sociedade, de que ambos eram sócios, detendo cada um uma quota de 50%, o requerido pediu à requerente que aceitasse alterar o pacto social, confrontando-a, no acto da escritura, também com a alteração do valor das quotas de cada um, passando a do requerido a corresponder a 75% do capital social e a da requerente, a 25% ([…] doc.2) (7) Alegou para tanto que, caso houvesse algum problema com a sociedade, ela seria menos prejudicada, convencendo-a contudo de que tal acto não lhe traria qualquer prejuízo, o que a levou a assinar a escritura. (8) Mais tarde, no dia 12/02/2015, e após ter convencido a requerente de que se fosse a sociedade a pagar os encargos de IMI e encargos com os imóveis, fazendo-lhe crer que se tratava apenas de um acto de administração dos bens do casal, convenceu-a a assinar, no Cartório Notarial de […] escritura […] transferindo a quase totalidade do património imobiliário do casal para a sociedade. Em nome do casal continuou, apenas, uma fracção autónoma sita no C porque onerada com um crédito hipotecário e um terreno sito em S, já atrás identificados, conforme resulta de doc.32 que se junta […] (9) O requerido logrou obter a assinatura dos referidos actos, garantindo sempre à requerente que o património continuava comum e mantinha-se na esfera jurídica de ambos, não os prejudicando (10) Daí que, apesar de a senhora notária lhe ter perguntado, mais do que uma vez, se tinha noção do que estava a fazer, a requerente acreditou no marido, não alcançando as consequências legais dessas escrituras. (11) Certo é que naquele dia 12/02/2015, a propriedade dos bens imobiliários de maior valor, pertencentes ao casal e por ambos adquiridos na constância do matrimónio, passou para a sociedade que o requerido igualmente passou a controlar pela alteração do capital de quotas, que com os mesmos fundamentos, logrou obter da requerente. (12) A partir dessa data, a requerente foi questionando e pedindo ao requerido a reversão daquela situação, que o mesmo lhe afiançou ser temporária, mas que agora ia evitando realizar alegando que “ainda não era a altura certa” mas que o fariam, mas que ficasse descansada porque nunca iria ficar prejudicada. (13) Acresce que, em finais de 2018, quando arrumava umas gavetas, a requerente descobriu papelada bancária diversa e impressos de transferências, todos assinados pelo marido, e que correspondiam a ordens de transferência de elevados valores monetários, da conta do casal, para uma conta apenas titulada por ele, documentos datados, alguns já de 2011 – tudo conforme melhor resulta de (doc. 33 a 35). (14) É verdade que, em 2011, o casal era titular de uma conta bancária cujo saldo ascendia a 100.000€ e que era fruto das poupanças advinda do trabalho de ambos na sociedade de construção civil supra identificada e ainda de uma indemnização de 70.000€, atribuída à requerente na sequência de um acidente rodoviário que esta recebeu em 2007 (doc. 36). (15) Posteriormente, a requerente confrontou o requerido com as poucas centenas de euros que as contas passaram a apresentar, e este, omitindo-lhe as transferências que a mesma tinha descoberto, respondeu-lhe que “o dinheiro foi gasto no dia-a-dia em comida e despesas da família.” (16) A requerente percebeu, com o episódio de Agosto do corrente ano e o pedido de divórcio, as reais intenções do requerido e a estratégia gizada ao longo dos anos para prejudicar patrimonialmente os seus direitos, diminuindo-lhe o valor da sua meação dos bens comuns que foram sendo adquiridos pelo casal ao longo dos anos. (17) Em face da conduta do requerido, da interposição da acção de divórcio, tem a requerente fundado receio de perder a garantia patrimonial que preencha o direito à sua meação na partilha dos bens comuns subsequente ao divórcio; (18) A requerente teme ainda que, face à transferência dos imóveis comuns para a esfera jurídica da sociedade identificada, que atendendo à actual distribuição das quotas (75% ele e 25%/ ela), o requerido dissipe aquele património. (19) Confrontada com tais factos, não restou alternativa à requerente, senão lançar mão dos meios judiciais para célere e segura salvaguarda dos seus direitos patrimoniais. (20) Pois, o requerido, nos comportamentos que encetou e que atrás se descreveram, manifestou, claramente, o propósito de dissipar o património comum do casal, prejudicando a requerente, com o correspondente enriquecimento pessoal daquele. (21) E, assim o afirmamos porque, as movimentações patrimoniais efectuadas, não trouxeram, ao património comum, nenhum benefício, tanto mais quanto é certo que, as referidas transferências dos imóveis, porque gratuitas [sic], não tiveram o correspondente pagamento ao casal de qualquer montante. (22) A constatação desta realidade e a situação legal em que ficou a requerente, em face daquelas operações, tornou-se clara para esta com a citação para a tentativa de conciliação no divórcio contra si intentado pelo requerido. [….] conclui que estão reunidos os pressupostos legais de que depende a procedência: a aparência de um direito e o perigo de insatisfação desse mesmo direito, sendo que para a verificação do primeiro basta um juízo de probabilidade ou verosimilhança e, do segundo, é necessário um juízo de certeza ou de realidade (cfr. entre outros, acs. STJ de 25/06/43, de 26/11/43 e de 2/7/46); nos termos dos artigos 403 e 406 do CPC; o artigo 409/3 do CPC neste tipo de arrolamento dispensa da necessidade de alegação e de prova do justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, ou de documentos, que se presumem juris e de jure.

              Os bens de que pede o arrolamento são: as duas quotas na sociedade (verbas 1 e 2); imóveis (verbas 3 a 17 – apenas duas verbas estarão registadas em nome do casal [são as 16 e 17 do artigo 25 do requerimento inicial, como decorre do que se diz a seguir sobre os documentos juntos; deles apenas se comprova o registo da 16 – TRL]; as restantes estão registadas em nome da sociedade); veículos automóveis (matrículas: (verba 18) x1; (verba 19) x2; (verba 20) x3; (verba 21): x4 – nada diz quanto ao registo dos mesmos); saldo de quatro contas bancárias no M que identifica em nome do requerido, conhecidas pela requerente (verba 22); todas as demais contas bancárias existentes em nome da requerente e do requerido, em 5 bancos que identifica; o saldo de todas as contas bancárias e certificados de tesouro ou aforro em nome do requerido nos CTT; veículos automóveis registados em nome da sociedade, cujas matrículas não logrou identificar, requerendo, para tanto, que seja oficiado ao Banco de Portugal e à Conservatória do Registo Automóvel.

              Dos documentos que junta, o doc.1 é o assento de casamento; o doc.2 é uma certidão permanente da sociedade, com a inscrição da constituição em 2000 e da alteração das quotas em 2014; os documentos 3 a 30 são certidões prediais e matriciais, relativos a 14 prédios, só um deles registado a favor do casal, que é o número predial xy em C); nas certidões prediais o registo da aquisição pela sociedade refere-se a uma compra e venda; o doc.31: é uma escritura de compra e venda, de 2007, de um prédio em S, artigo matricial xz, pelo requerido, já no estado de casado, sem que conste algo que exclua o bem comprado da comunhão; o doc.32 é a escritura de compra e venda dos bens à sociedade, venda feita pelo casal, de 13 prédios (11 deles fracções de um edifício); os docs.33 a 35 referem-se a três das 4 contas bancárias no M em nome do requerido; o doc.36 é um cheque de 70.000€ a favor da requerente.

              Por despacho de 04/12/2019, sem audiência do requerido uma vez que se considerou que a sua audição podia pôr em causa e eficácia da diligência (art. 366/1 do CPC) foi determinado o arrolamento dos bens identificados na petição [não foi acrescentado mais nada]; e determinou-se que, após a efectivação do arrolamento, o requerido fosse notificado da decisão nos termos do art. 366/6 do CPC.

              Tudo com a seguinte fundamentação:

         E veio instaurar a presente providência cautelar de arrolamento contra o seu marido V, alegando a pendência de acção de divórcio intentada por este contra aquela, pedindo a procedência da providência e o arrolamento dos bens identificados na petição.

                                               *

         Da análise do processo de divórcio em apenso resulta provado que a requerente e o requerido casaram um com o outro em 05/08/1993, sem convenção antenupcial (assento de casamento no processo de divórcio em apenso).

         Nos termos do art. 1717 do Código Civil (CC), o regime supletivo de bens é o da comunhão de adquiridos, pelo que é este regime que vigora entre o casal.

         Assim, fazem parte da comunhão o produto do trabalho dos cônjuges e os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio que não sejam exceptuados por lei (art. 1724 do CC).

         Por seu turno, o art. 409/1 do Código de Processo Civil (CPC) estabelece que, como preliminar ou incidente da acção de divórcio qualquer dos cônjuges pode requerer o arrolamento de bens comuns ou de bens próprios que estejam sob administração do outro.

         E o art. 409/3 do CPC, contrariando o regime legal das demais providências cautelares, estabelece que não é aplicável aos casos de arrolamento como incidente do processo de divórcio o art. 403/1 do CPC, ou seja, não necessário alegar e provar a existência do justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis ou de documentos. Isto porque a iminência da cessação da unidade conjugal só por si justifica o receio de extravio ou dissipação dos bens – cfr. ac. do TRL de 08/05/1969, JR 14, p. 548 e de 15/10/1973, BMJ, 230, p. 146.

         […]

              A 03/07/2020, depois de se considerar que o arrolamento já estava efectivado, foi enviada carta registada com a/r para citação do requerido, cujo a/r foi assinado pela filha do requerido a 07/07/2020, pelo que foi enviada nova carta registada para o requerido, nos termos do disposto no art. 233 do CPC, notificando-o de que se considerava citado na pessoa e na data da assinatura do a/r de que se junta cópia, conforme recebeu a citação e duplicados legais.      

              A 23/12/2020, o requerido fez um requerimento para ilidir a presunção de recepção da notificação ao requerido do RI e do despacho que decretou a providência cautelar, bem como arguir a nulidade dessa falta de notificação e ainda da falta de citação ou notificação do interveniente acidental, B-Lda, requerendo que fosse ordenada a notificação do requerido e da sociedade.

              Estes requerimentos foram deferidos por despacho de 21/01/2021, notificados por carta elaborada a 25/01/2021.

              A 17/02/2021 o requerido e a sociedade recorreram da decisão que decretou o arrolamento, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões idênticas:

         1\ O decretamento deste arrolamento, incorrectamente, fundou-se, tão-só no facto do requerido e da requerente serem casados, sob regime supletivo de bens da comunhão de adquiridos, pelo que fazem parte da comunhão o produto do trabalho dos cônjuges e os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio (artigos 1724 do CC e 409/1 do CPC);

         2\ Daí ter feito uma incorrecta interpretação dos artigos 406/2 e 409/3 do CPC, pois o âmbito do arrolamento – “descrição dos bens pertencentes ao casal para abreviar ao extravio ou dissipação dos mesmos” verificando uma “aparência de receio” e periculum in mora, o que não se verifica in casu [sic].

         3\ O arrolamento, incorrectamente, incide sobre bens do casal e bens de terceiro, sociedade referida, e sobre bens registados nas competentes conservatórias ou que não suscita qualquer perigo de extravio ou dissipação, a saber:

i) dos 17 bens imóveis arrolados, 2 são propriedade do casal e 15 (verbas 3 e 4 a 16 indicadas no art. 25 do RI [sic]) propriedade de terceiro (sociedade), estão todos inscritos na matriz e registados na competente Conservatória do Registo Predial a favor dos respectivos donos e possuidores (cfr. RI e documentos juntos, e autos de arrolamento e de divórcio);

ii) As 2 quotas da dita sociedade – 25% da requerente e de 75% do recorrente – e viaturas pertença da sociedade estão registados nas competentes Conservatórias;

iii) Os saldos das contas bancárias e os certificados do tesouro e de aforro, que estão registados nas competentes instituições de crédito e sob a supervisão do Banco de Portugal, que já ordenou em conformidade com o determinado pelo tribunal a quo.

         4\ Assim, a decisão carece de falta de fundamentação, e de incorrecta interpretação dos citados artigos. 406/2 e 409/3 ambos do CPC porquanto, em suma:

i) Os referidos 15 imóveis e as viaturas são património de terceiro, a dita sociedade;

ii) A venda ou oneração dos 2 imóveis ou eventuais viaturas, pertença do casal carece de anuência do casal, casados sob o regime de bens da comunhão de adquiridos;

         5\ A dita sociedade tem por objecto: “Construção civil, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Importação, exportação e comércio de veículos automóveis, suas peças e acessórios”, como demonstra respectiva certidão permanente código de acesso: (…);

         6\ Daí que o arrolamento dos referidos bens do património societário estão a obstaculizar e inviabilizar a prossecução do objecto da sociedade.

         7\ Por fim, deverá ser ordenado o levantamento do arrolamento dos imóveis identificados nas verbas 5 a 15 do art. 25 do RI, pois os mesmos estão registados a favor de terceiro, não do casal nem da sociedade, sobre cujo pedido de registo de arrolamento recaiu, e bem, despacho da competente conservatória a fixá-lo “provisório por natureza” (cfr. citius 07/01/2020 – refª 16105371).

         Nestes termos entende deve ser dado provimento integral ao recurso, e, caso assim se não entenda, provimento no tocante aos bens arrolados do património da referida sociedade e de qualquer que mereceram o despacho referido na conclusão 7 [sic].

         Este § é diferente no recurso da sociedade, que termina, na parte que importa, assim: deve ser dado provimento, ordenando-se o levantamento do arrolamento de todos os bens pertencentes à sociedade de qualquer outro terceiro face ao casal, parte nestes autos, designadamente dos bens a que respeita o despacho referido na conclusão 7) consequentemente o cancelamento dos registos efectuados [sic].

              A 08/03/2021, a requerente contra-alegou, dizendo, em síntese, que:

         1/ A decisão recorrida está devida e suficientemente fundamentada;

         2/ Apesar de o casal estar casada sob o regime e comunhão de adquiridos e de alguns imóveis estarem registados a favor da sociedade (para a qual não foram na realidade vendidos e muito menos para esta promover a sua venda, pelo que esta não se pode queixar de não poder exercer a sua actividade por causa do arrolamento), o requerido, como sócio maioritário e único gerente da sociedade e cuja assinatura obriga a sociedade pode vendê-los a terceiro sem o consentimento da requerente sócia minoritária por assim o prever o pacto social, pelo que existe o perigo, negado por eles, de se furtarem os bens ao património do casal e o requerido ficar com a totalidade do dinheiro produto da venda.

         3/ Os recorrentes não podem deixar de saber de que continua a existir esse perigo, tanto que um dos imóveis registados a favor da sociedade não veio a ser arrolado porque entretanto foi alienado pela dita sociedade, representada pelo sócio maioritário/requerido que se locupletou com o valor da venda e que para tal negócio não consultou a sócia/requerente, nem, até ao presente lhe prestou quaisquer contas.

         4/ Assim, não podem os recorrentes afirmar, sem faltarem à verdade e sem agirem de má-fé que os imoveis titulados pela sociedade foram vendidos àquela para servir o seu objecto social, e que para tal negócio jurídico seja sempre necessária a intervenção e anuência dos dois sócios – a requerente e o requerido -, pois que não ignoram que tal não corresponde à realidade, e que já actuaram de modo contrário ao afirmado.

         5/ Acresce que, ao afirmarem expressamente, que os imoveis foram vendidos à sociedade e que o arrolamento decretado impede o desenvolvimento da actividade comercial da sociedade, ao mesmo tempo que sabem que os imóveis não foram vendidos, foram transferidos ao património da sociedade, pelo seu valor patrimonial, com o propósito inverso, exactamente de os conservar, mentem os recorrentes com o propósito de obter ganho de causa, que não lhe é legítimo.

         6/ Daí que ao afirmarem o que afirmam nas suas alegações recursórias, tentando inverter o sentido da decisão cautelar, sabendo que o fazem em desconformidade com a verdade, mentindo e omitindo factos que são relevantes e que, por si só, desmascaram as suas verdadeiras intenções, que é enganarem, mais uma vez, a requerente, retirando do seu património bens que lhe pertencem, é forçoso concluir, porque patente, a má-fé com que litigam – artigo 542/2-a-b-d do CPC, devendo ser por isso ser condenados.

                                                                 *

              Questão que importa decidir: se não devia ter sido ordenado o arrolamento requerido; se os recorrentes devem ser condenados como litigantes de má fé.

                                                                 *

              Decidindo:

              O que consta da conclusão 1\ do recurso, apesar de parecer a arguição de uma nulidade por falta de fundamentação da decisão (mas sem sequer referir o artigo 615 do CPC), é antes, como também decorre da conjugação com a conclusão 2\, a imputação de um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.

              Erro que seria o de considerar que, nos arrolamentos especiais do art. 409/1 do CPC, não seria preciso alegar e provar o justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos bens, quando, a interpretação correcta seria a de que seria necessário provar um receio aparente ou um, ainda que aparente, periculum in mora.

              Mas é a interpretação dos recorrentes que está errada.

              Há muitas dezenas de anos que se entende “que, não se referindo no [então] art. 427 [e antes no art. 1413 do CPC – TRL] o justo receio de extravio ou dissipação dos bens, ele não tinha de ser alegado nem provado no processo, não constituindo requisito desse tipo de arrolamento […e o] n.º 3 [do agora art. 409 do CPC, mas desde a reforma de 1995/96 no art. 427] veio consagrar legalmente essa interpretação.” (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, 2017, pág.198, que referem vários acórdãos no mesmo sentido; ainda a defender o mesmo, e apenas por exemplo: ac. do TRL de 28/06/2018, proc. 21568/17.7T8SNT.L1-8; ac. do TRL de 11/09/2018, proc. 2787/17.2T8LSB-B.L1; e ac. do TRL de 19/12/2013, proc. 7669/12.1TCLRS-C.L1-7).

              Sendo, pois, dois os requisitos dos arrolamentos normais (artigos 403/1, 404/1 e 405/1 do CPC): (i) o direito relativo aos bens [= ou fumus boni juris] e (ii) o justo receio de extravio, ocultação ou dissipação desses bens [ou periculum in mora], e dispensando, o art. 409/3 do CPC, expressamente, o segundo desses requisitos, não tem qualquer base legal, doutrinária ou jurisprudencial, ou mesmo lógica, a construção, pelos recorrentes, de um segundo requisito destes arrolamentos especiais, o qual seria, na tese deles, um receio aparente ou um, ainda que aparente, periculum in mora.

                                                                 *

              Não sendo necessário que o requerente alegue ou prove aquele receio, porque “a situação de conflito que normalmente acompanha o tipo de situação em causa faz assim “presumir”, juris et de jure, o periculum in mora […], poupando, aliás, mais um motivo de discussão entre os cônjuges (autores e obra citada, pág. 198), é descabida toda a argumentação dos recorrentes constante das conclusões 3\ e 4\ do recurso – aliás com vários erros, como, apenas por exemplo, a referência a 17 imóveis (no corpo das alegações também referem 14), quando pela requerente foram identificados 15, apenas 13 da sociedade, em vez dos 15 também referidos pelos recorrentes, noutro dos erros em que incorrem – tentando demonstrar que afinal não existe o perigo, isto é, tentando ilidir uma presunção inilidível (ainda daquela obra, pág. 290), pelo que sobre elas nada mais se dirá na perspectiva do 2º requisito que, repete-se, não é exigido neste tipo de arrolamento especial.

              O mesmo vale para a contra-argumentação da requerente, constante de 2/ e 3/.

                                                                 *

              As conclusões 5\ e 6\ ficam prejudicadas pelo que a seguir se dirá.

                                                                 *

              Quanto à conclusão 7\:

              O arrolamento dos bens do casal, pode abranger bens que estão registados a favor de uma sociedade?

              Os bens de uma sociedade comercial não são bens do casal dos seus sócios, já que a sociedade tem uma personalidade jurídica própria (art. 5 do CSC) que não se confunde com a daqueles, e a personalidade jurídica tem como pressuposto a autonomia patrimonial.

              Pelo que esses bens não podem arrolados como bens comuns de um casal.

              Neste sentido, por exemplo, autores e obra citada, pág. 199: [não é abrangido no caso do arrolamento especial do art. 409] “o arrolamento dos bens da sociedade de que são únicos sócios marido e mulher (ac. do TRC [citado abaixo]), ou um deles, com meação do outro.”

              E, entre outros, os acórdãos:

              – ac. do TRE de 29/01/1987 (CJ.87, tomo I, pág. 287):

            No arrolamento de bens, sob administração do cônjuge requerido, como cautelar da acção de divórcio, não pode decretar-se o arrolamento de bens duma sociedade comercial por quotas de que o requerido é sócio.

              – do TRL de 29/10/1996, 0001631 (só sumário):

              II. Fazendo parte dos bens comuns uma quota de uma sociedade comercial, tal quota é passível dessa providência, mas não os bens da própria sociedade

              – do TRP de 15/04/1997, proc. 9720306 (só sumário):

         Os bens de uma sociedade comercial por quotas, ainda que os respectivos sócios sejam, apenas, marido e mulher, nem são bens comuns nem próprios de qualquer deles, não podendo, por isso, ser objecto do arrolamento previsto no artigo 1413 do CPC (actualmente no artigo 427 [=> 409/1 – TRL]. […];

              – do TRC de 16/04/2002, proc. 1034/02 (só sumário):

         I – O arrolamento previsto no art. 427 [= 409] do CPC, constituindo um incidente ou preliminar da acção de divórcio, está previsto, apenas, para os bens comuns do casal ou bens próprios que estejam sob a administração de um dos cônjuges.

         II – Tendo a requerente intentado providência cautelar de arrolamento de bens e documentos pertencentes a uma sociedade de que ela e o marido são os únicos sócios com fundamento, essencialmente, na ruptura da vida conjugal e na possível dissipação de lucros e alienação do património social por parte do marido, o incidente enquadra-se no âmbito dos arts. 421 e 422 [=> 403 e 404] do CPC, e não do art. 427.

              Isto a não ser que se ponha em causa a propriedade desses bens, o que, naturalmente, tem de ser discutido com essa sociedade e não só entre os cônjuges.

              Assim, um arrolamento de bens de terceiro está na dependência de uma acção em que se discuta a titularidade desses bens com essa sociedade.

              Uma acção de divórcio não tem por objecto a discussão da propriedade de bens que estão registados em nome de terceiro. Pelo que um arrolamento de bens registados em nome de uma sociedade não pode ser dependência de uma acção de divórcio.

              O arrolamento desses bens terá de ser dependência de uma acção em que, sob alguma forma, se diga que esses bens devam ser considerados como bens comuns, tendo por base uma ou mais de várias causas de pedir possíveis e esse terceiro terá de ser parte nesse processo. E no arrolamento ter-se-á que demonstrar a viabilidade dessa acção (art. 405/1, parte final, do CPC).

              Assim, do caso do TRP de 08/03/2021, proc. 342/20.9T8PVZ-A.P1 [I – Constituem requisitos do arrolamento: 1) ser titular de um direito, certo ou eventual, sobre os bens a arrolar; 2) haver justo receio de extravio, ocultação ou dissipação desses bens. II – Não se verifica o primeiro dos requisitos se a requerente pretende o arrolamento de bens titulados por uma sociedade, a pretexto de integram a herança aberta por óbito de seu pai que, conjuntamente com a sua mãe haviam transmitido, muitos anos antes do decesso do inventariado, para aquela sociedade por contrato de compra e venda. III – Em situações como a descrita não se se pode recorrer à figura da desconsideração da personalidade colectiva na variante da confusão de patrimónios, para se concluir que os referidos bens embora formalmente titulados pela sociedade, fazem parte dos bens comuns do casal composto pelo inventariado e mulher] decorre, a contrario, que seria possível o arrolamento, se se alegasse e provasse devidamente uma situação que permitisse a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade (e tal como o arrolamento tinha sido intentado contra a sociedade, também a acção o teria de ser…).

              No caso do ac. do TRE de 12/07/1990, CJ.1990, tomo IV, pág. 284-285, requereu-se uma providência cautelar de arrolamento [naturalmente que o comum] de bens que implicitamente se afirmam ser do casal de pais da requerente, como preliminar de uma acção de simulação da venda de prédios a terceiro e nas duas era parte o terceiro.

              Ou seja, o arrolamento de bens registados em nome de terceiro é possível, mas como dependência de uma acção em que se discuta essa propriedade, pelo que esse arrolamento é o previsto no art. 403 do CPC e não o arrolamento especial previsto no art. 409/1 do CPC.

              Contra, veja-se o ac. do TRP de 14/07/2008, proc. 0822966:

         II- Não obsta ao arrolamento [do então art. 427 do CPC] o registo efectuado a favor de terceiro, desde que o requerente ilida a presunção da titularidade daí decorrente.

              O acórdão do TRP invoca o art. 119 do Código do Registo Predial, partindo do princípio de que este incidente será suficiente para ultrapassar a questão, mas o problema é a necessária dependência do arrolamento de uma acção principal que, no caso do arrolamento do art. 409/1 [antes 427/1] do CPC é uma das aí previstas, entre elas, como no caso, a acção de divórcio, que não têm por objecto a discussão da propriedade dos bens com terceiro.

              E invoca também a aplicação à providência de arrolamento, das normas da penhora, o que está previsto no art. 406/5 do CPC, mas esta norma refere-se à forma de realização do arrolamento, não pretende resolver a questão de saber se o objecto deste arrolamento podem ser bens formalmente em nome de terceiro.

              Repare-se que no arresto também existe uma norma a prever a aplicação das normas relativas à penhora (art. 391/2 do CPC), mas existe uma outra norma para resolver a questão do arresto de bens de terceiro, qual seja, a do art. 392/2 do CPC: sendo o arresto requerido contra o adquirente de bens do devedor, o requerente, se não mostrar ter sido [já] judicialmente impugnada a aquisição, deduz ainda os factos que tornam provável a procedência da impugnação [a intentar subsequentemente].

              Ora, esta norma aponta precisamente em sentido contrário ao daquele acórdão, isto é, no sentido defendido acima, ou seja o arrolamento, quando incide sobre bens de terceiro, está na dependência de uma acção em que se impugne a aquisição do bem por esse terceiro, tendo naturalmente de ser alegados factos que torem provável a procedência da impugnação, numa acção principal já intentada ou a intentar posteriormente.

              Aliás, materialmente não teria qualquer justificação que se permitisse o arrolamento de bens de terceiro, num arrolamento especial em que esse terceiro nem sequer fosse parte e onde nem sequer se exige a alegação e prova do 2º requisito dos arrolamentos normais, nem da viabilidade da acção principal (autores e obra citados, pág. 199).

              Aplicando ao caso dos autos, a requerente, se pretendia arrolar bens de uma sociedade que adquiriu bens que eram do casal, teria de impugnar a aquisição, deduzindo factos que tornassem provável a procedência da impugnação, numa acção principal, onde, grosso modo, pedisse que esses bens fossem tidos como bens comuns do casal, em consequência da impugnação da transmissão (da nulidade da mesma ou da sua anulabilidade, eventualmente mesmo da sua ineficácia), pedido que teria de ser formulado contra a sociedade e cuja viabilidade a requerente teria de demonstrar (art. 405/1 do CPC).

              Assim sendo, como a requerente pediu – sem aliás tentar sequer explicar como é que, dos factos que narra (de forma contraditória intrinsecamente e em confronto com os documentos: por exemplo, diz que a transmissão foi gratuita quando a escritura é de uma compra e venda por um valor certo), pode decorrer que os bens transferidos para a sociedade num contrato de compra e venda em que ela participou podem ser considerados bens comuns do casal – o arrolamento de bens registados em nome da sociedade e para esta transferidos formalmente ao abrigo de um contrato celebrado com o casal, fazendo esse pedido ao abrigo do art. 409/1 do CPC, como dependência de um divórcio, o arrolamento desses bens não podia ter sido deferido.

               Pelo que o arrolamento desses bens tem de ser levantado, como pedido nos recursos do requerido e da sociedade.

                                                                 *

              Posto isto, embora com fundamentação diferente, a questão, mal aflorada na conclusão 7, tem razão de ser. Mal aflorada, porque embora falando em bens de terceiro, não se está a referir à sociedade, mas a terceiro à sociedade, Ou seja, para os recorrentes, nesta conclusão, a sociedade não é um terceiro. Mas já não assim no corpo das alegações (por exemplo na página 6 do recurso) onde a sociedade já é um terceiro: “De modo, que mal andou o tribunal a quo ao decretar o arrolamento […] bens de terceiro, a sociedade […].” E, depois de um § que nada tem a ver com a questão, quando dizem que “sobre esta matéria, contrariamente ao tribunal a quo, bem andou o TRP – proc. 23/2016 – acórdão de 25/02/2016, ao considerar ‘O arrolamento de quota engloba os direitos patrimoniais a ela inerentes, mas não se estende ao património social da sociedade.’”

              O que é mais um conjunto de erros: primeiro porque o acórdão não é do TRP, mas sim do Tribunal da 2.ª instância da Região Administrativa Especial de Macau, de 25/02/2016, proc. 23/2016, e depois porque, directamente, este acórdão não tem a ver com a questão, como se vê do ponto do sumário citado. No caso deste acórdão de Macau estava em causa o âmbito de uma penhora de uma quota social, isto é, saber se a penhora de uma quota social abrangia ou não os bens da sociedade. O que, não é, manifestamente, o que está em causa nos autos

              (indirectamente, no entanto, o acórdão sustenta parte do que este TRL está a dizer sobre o assunto; com efeito, diz o acórdão, num obiter dictum: “É por isso que se diz que os bens da sociedade comercial por quotas, como esta é, ainda que dela seja sócio um dos cônjuges desavindos, não são bens próprios, nem comuns deles, não podendo assim ser objecto de arrolamento ao abrigo do presente art. 368 [do CPC de Macau, que é correspondente ao artigo 409 do nosso CPC: – TRL] (neste sentido, o ac. do TRP, de 15/04/1997, proc. nº 9720306 [já citado acima – TRL]).”

                                                                 *

              Tudo o antecede tem a ver com todos os bens que estavam registados em nome da sociedade, sejam eles imóveis ou automóveis. O recurso resolve-se com relação ao momento em que o arrolamento foi decretado e com os elementos que então constavam do processo.

              Se entretanto, os bens foram registados a favor de outros terceiros, a questão do levantamento do arrolamento é um problema ligado à forma como o arrolamento se fez, depois de ter sido decretado, e que não cabe a este tribunal de recurso decidir.

              Daí que este TRL não possa estar a pronunciar-se sobre a questão que formalmente é colocada na conclusão 7\ do recurso e no § posterior a essa conclusão.

              Para além de que o requerido e a sociedade não têm poderes para estar a defender interesses de terceiros.

                                                                 *

              Quanto aos bens móveis registados em nome de um dos cônjuges

              Quanto aos bens móveis (automóveis, quotas, saldos de contas bancárias) que estavam registados ou em nome do requerido ou da requerente, dir-se-ia que eles se presumem bens próprios (art. 19 do Código do Registo Comercial, art. 29 do regime anexo ao DL 54/75, de 12/02 e 7 do CRP) e que, por isso, não deveriam ser arrolados como bens comuns.

              É que, quanto ao requisito do direito relativo aos bens, como diz Lebre de Freitas, não sendo “a dispensa” da prova “extensível ao fumus boni juris, […] o cônjuge requerente tem de provar que é casado com o requerido e que há a séria probabilidade de os bens a arrolar serem comuns, ou serem seus, mas estarem sob a administração do outro cônjuge.” (obra citada, págs. 198-199).

              Ora, na decisão recorrida não consta nenhum facto que permita tirar a conclusão de que esses bens a arrolar são bens comuns (apesar de a requerente o ter alegado: retira-se do RI que a requerente afirma que o casamento é de 1993, em regime de comunhão de adquiridos; que a constituição da sociedade, de apenas dois sócios, 50% para cada, data de 2000; e que “na constância do casamento, o casal adquiriu património comum composto por móveis, imóveis e valores mobiliários”).

              No entanto, prevendo o art. 1725 do CC que, havendo dúvidas sobre a comunicabilidade dos bens móveis, estes consideram-se comuns, tem-se entendido que não faz sentido, quando se faz o arrolamento sem audição prévia dos requeridos, proceder à audição de testemunhas sobre as afirmações que os requerentes fazem relativamente a esses bens. É que, produzindo-se essa prova, se ela conduzisse a uma dúvida, devia funcionar a presunção de comunicabilidade. Sendo assim, as afirmações feitas para permitirem a conclusão de que os bens são comuns não tem de constar dos factos provados.

              Daí que, apesar de ser costume requerer o arrolamento de bens móveis registados em nome de um dos cônjuges (apenas por exemplo: ac. do TRL de 17/02/2011, proc. 1628/04.5TBBRR-A.L1-2 [inclui-se no arrolamento como bem comum uma embarcação registada a favor de um dos cônjuges]; ac. do TRL de 28/06/2018, proc. 21568/17.7T8SNT.L1-8, arrolamento como bem comum de um automóvel registado a favor de um dos cônjuges]), não seja costume levantar o problema e, nestes casos, ordena-se o arrolamento desses bens móveis na base das simples afirmações dos requerentes destinadas a demonstrar que aqueles bens são comuns apesar de estarem registados em nome de um deles, sendo possível, mais tarde, face à eventual oposição dos requeridos, aí sim, produzir prova no sentido de que os bens são mesmo dos cônjuges em nome dos quais constam.

              E o facto de eles estarem registados em nome de apenas um dos cônjuges não impede que se discuta a que património pertencem (e que se venha a produzir prova e contraprova sobre isso, se necessário), face às normas constantes dos arts. 1722 a 1726 do CC e ao facto de o divórcio e o inventário subsequente serem acções em que a titularidade dos bens se discute apenas entre os cônjuges.

              (sobre a possibilidade dessa prova apesar do registo e sobre a presunção de comunicabilidade, na dúvida, prevista no art. 1725 do CC, teve-se em conta, por exemplo, o que é dito por Antunes Varela, CC anotado, vol. IV, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1992, em anotação ao art. 1725, págs. 428-430, e por Remédio Marques, na anotação a este artigo no CC anotado, Livro IV, coord, de Clara Sottomayor, Almedina, 2020, págs. 429 a 432) e nos acórdãos aí referidos, do TRC de 21/10/2014 [3322/06.3TBAGD-I.C1identificação acrescentada por este TRL], AUJ do STJ 12/2015, de 02/07/2015, e ac. do TRL de 22/09/2015 [97/09.8TBSCR-A.L1-7identificação acrescentada por este TRL]; um exemplo da discussão da qualidade comum de uma quota de uma sociedade comercial registada a favor um cônjuge, pode ver-se no ac. do TRL de 20/10/2011, 372/09.1TCFUN.L1-2).

                                                                 *

            Quanto à má fé dos recorrentes (que se pode ver resumida nas sínteses 4/ a 6/ das contra-alegações da requerente):

            É certo que os recorrentes fizeram as afirmações que a requerente lhes imputa em 4/ e 6/, mas quanto à primeira não se sabe nem há modo de saber se ela é falsa; quanto à segunda não há modo de provar que o eventual erro de direito em que os recorrentes tenham incorrido – para mais partindo-se do teor do pacto social que não está junto aos autos – seja fruto de uma intenção de enganar o tribunal; quanto ao que a requerente afirma em 5/ e 6/ os elementos constantes dos autos – uma escritura de compra e de venda dos bens para a sociedade com o objecto que esta sociedade tem e a natureza dos bens – apontam obviamente em sentido contrário do que a requerente defende, sendo que, como já se viu, a requerente nem sequer impugnou devidamente a venda em causa.

            Em suma, não se indicia a litigância de má fé que a requerente imputa aos recorrentes.

                                                           *

            Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso do requerido e procedente o da sociedade, revogando-se a decisão recorrida na parte em que determinou o arrolamento dos bens da sociedade (imóveis das verbas 3 a 15 do art.25 do requerimento inicial e veículos automóveis que estivessem registados em nome da sociedade), determinando-se, em consequência, o levantamento do arrolamento desses bens e o cancelamento dos respectivos registos.

            Custas, na vertente de custas de parte (não existem outras), do recurso do requerido pelo requerido na proporção do decaimento. A requerente não paga custas porque beneficia de apoio judiciário que a dispensa delas.

              Quanto ao recurso da sociedade, fica sem custas porque elas deviam ficar a cargo da requerente que beneficia de apoio judiciário que a dispensa delas.

              Não se condenam os recorrentes como litigantes de má fé.

              Lisboa, 27/05/2021

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto