Acção comum – Juízo Central Cível de Cascais – Juiz 3

                 Sumário:

          I – Uma parte não pode deduzir, com o depoimento de uma testemunha, a excepção peremptória de pagamento cujos factos não alegou oportunamente.

          II – Uma obrigação em relação à qual não faz sentido a aplicação do art. 557/1 do CPC, não pode ser considerada uma obrigação que dê origem a prestações renováveis (art. 310/-g do CC).

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

              A-SA, intentou injunção que, em razão da oposição, veio a ser tramitada sob a forma de acção de processo comum contra R-Lda, pedindo que, na sua procedência, seja a ré condenada a pagar-lhe 273.672,25€, correspondente a 196.598,19€ de capital, 76.921,06€ de juros de mora, e 153€ de taxa de justiça paga, acrescida de juros de mora vincendos.

              Para tanto, em síntese, diz que na prossecução das respectivas actividades comerciais, a autora forneceu à ré, a pedido desta, bens e prestou serviços melhor descritos nas facturas, emitidas e vencidas conforme discrimina, a cujo pagamento a ré se obrigou; emitiu as notas de crédito que discrimina, pelo que o total em dívida é de 182.228,49€; quer o reembolso dos encargos e despesas de devolução das letras emitidas pela ré, suportadas por si e que discrimina nas correspondentes notas de débito, no montante de 14.369,70€.

           A ré opôs-se, alegando, em síntese, que a autora e a ré acordaram que a impressão gráfica das revistas editadas e comercializadas por esta, seria executada pela autora e em exclusivo, sem que as partes tenham acordado um prazo de duração em relação à obrigação de a ré fazer imprimir as revistas em prestação de serviços pela autora; a periodicidade da edição e comercialização das revistas que a ré editava era mensal e esta periodicidade foi acordada entre a autora e a ré; pela prestação de serviços que assim realizava em cada mês, a autora emitia factura e, antes de cada impressão e para cada revista, informava a ré do orçamento para cada trabalho de impressão a realizar; as revistas, por decisão da ré, deixaram de ser publicadas, em face da perda de rendimentos na sua venda e na publicidade; a prestação dos serviços pela autora configurava uma execução continuada, com a prestação dos serviços de impressão, conformes à saída de cada revista para a distribuição, conforme a sua periodicidade; renova-se a prestação dos serviços para a edição de cada revista, usando os mesmos processos técnicos, e de pessoal da autora, apenas mudando o conteúdo editorial que a autora fazia imprimir em cada edição das revistas; está prescrito o capital e – se assim se não entendesse – os juros, tudo relativo às facturas do requerimento inicial, por referência ao disposto no art. 310/-g do Código Civil; as letras emitidas pela ré em datio pro solvendo para liquidação dos valores das facturas debitadas pela autora não consubstanciam uma novação, pelo que mostrando-se prescrito o capital, a datio pro solvendo deixa de ter utilidade; a autora não alega qualquer acordo das partes para pagamento dos encargos e despesas de devolução das letras; conclui que, uma vez que, tal como se alega no requerimento inicial, a factura mais recente e última na lista, se venceu em 29/12/1997, prescreveu a obrigação da ré pagar os serviços prestados à ré pela autora, por terem decorrido mais de 5 anos após o vencimento de todas as facturas; se assim se não entender, e sem conceder, quanto aos juros, sempre sustenta que decorreu o prazo de prescrição, pelo decurso de mais de 5 anos após o vencimento de cada factura; a ré não está vinculada ao pagamento dos encargos e despesas de devolução das letras.

              Por requerimento de 29/06/2016, a autora veio requerer a ampliação do pedido formulado de condenação da ré, para mais 2511,04€, relativa a despesas e encargos bancários com devolução de letras descontadas, efectivamente suportados pela autora, por conta da ré, constantes das notas de débito que indica.

            Convidada a responder às excepções invocadas na oposição, a autora, começando por aceitar expressamente a confissão da ré relativamente aos serviços prestados pela autora e constantes das facturas dos autos, pugnou pela improcedência da excepção sustentando que as partes não acordaram na periodicidade da produção das revistas, e que a autora se limitava a imprimir as mesmas quando solicitado pela ré, a qual era exclusivamente responsável pela produção (elaboração) do conteúdo das mesmas. A autora aceitou a confissão da ré relativamente ao facto de esta solicitar, mensalmente, à autora os seus serviços de impressão, indicado a ré à autora o número de exemplares cuja impressão pretendia. Sustenta que a ré pedia à autora a produção de um determinado número de revistas; a autora orçamentava o preço pela prestação do serviço, o qual era dado a conhecer pela autora à ré; uma vez aprovado o orçamento pela ré, a autora produzia as revistas em conformidade; nunca existiu qualquer acordo entre a autora e a ré que impusesse a exclusividade da autora na produção de revistas; não existem diversas prestações existentes de uma única relação obrigacional, o que existe é um conjunto de relações obrigacionais sucedidas no tempo entre as mesmas partes e com objecto distinto; conclui que não é aplicável nos presentes autos o artigo 310 do CC, estando o pagamento do preço reclamado nos presentes autos sujeito ao prazo prescricional de 20 anos, previsto no art. 309 do CC; no que tange a juros, alega que apenas peticiona no seu requerimento injuntivo os juros moratórios vencidos nos cinco anos anteriores ao momento da interposição da acção, à taxa legalmente aplicável, respeitando o preceituado no art. 310/-d do CC, e que peticionou, a este título, os juros vencidos entre 26/06/2010 e 26/06/2015. Refere que o único reparo que poderá ser realizado à autora é que, por lapso de cálculo na determinação de juros moratórios, foi indicado como valor de juros moratórios vencidos 76.921,06€ quando deveriam ter sido peticionado o montante de 75.754,65€, requerendo seja relevado o lapso; no que tange aos encargos com devolução das letras, alega que o dever da ré de pagar as despesas e encargos referentes às letras devolvidas sem provisão emerge directamente da circunstância da ré ter imposto, de modo directo, imediato, necessário, do qual é responsável, um conjunto de danos à autora. Conforme é tradicional do tráfego jurídico, a ré responsabilizou-se em responder pelos encargos e despesas caso ocorressem.

              Em sede de audiência prévia, foi admitida a ampliação do pedido e consignou-se que “confessada a constituição da obrigação de pagamento da remuneração pelos trabalhos realizados pela autora (que incidiu sobre a ré), importa nestes autos essencialmente apurar a prescrição da obrigação de pagar os valores reclamadas pela autora, excepção peremptória invocada por aquela, quer no que toca ao capital, quer no que toca aos juros. Importa para tanto classificar a obrigação em causa, o que passa por apurar se […] a mesma tem origem num só contrato, a que se refere a ré no artigo 3º da oposição, com vários fornecimentos em cumprimento do mesmo, ou num conjunto de contratos, invocados pela autora. […]”

              (este tribunal de recurso utilizou, no relatório que antecede, o relatório elaborado pela sentença recorrida)

              Após a audiência final, o tribunal recorrido proferiu sentença condenando a ré a pagar à autora 182.228,49€ de capital, acrescidos dos juros, à taxa de juros comerciais em vigor, vencidos desde 02/10/2010 até à data da sentença, no montante total de 137.874,32€ e dos juros vincendos, calculados às taxas dos juros comerciais aplicáveis, até integral cumprimento, absolvendo a ré do mais peticionado.

              A ré recorre desta sentença – para que seja revogada e substituída por outra que a absolva do pedido -, alegando, para isso, que deve ser aditado um facto aos provados e alterado um outro e, em consequência julgada procedente a excepção da prescrição invocada.

              A autora contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.

                                                                 *

              Questões que importa decidir: se a decisão da matéria de facto deve ser alterada; se a excepção de prescrição devia ter sido julgada procedente.

                                                                 *

              Os factos que interessam à decisão destas questões são os seguintes:

  1. A autora dedica-se à indústria gráfica;
  2. A ré, à data dos factos dos autos, editava e comercializava as revistas […];
  3. No exercício da sua actividade comercial, a autora forneceu à ré, a pedido desta, serviços de impressão gráfica das revistas;
  4. A periodicidade da edição e comercialização das revistas que a ré editava, e acima referidas, era mensal;
  5. A ré solicitava, mensalmente, à autora os seus serviços de impressão, indicando à autora o número de exemplares cuja impressão pretendia e o respectivo conteúdo editorial;
  6. Antes de cada impressão e para cada revista, a autora informava a ré do orçamento para cada trabalho de impressão a realizar;
  7. A ré aprovava o orçamento da autora;
  8. A autora procedia, então, à impressão das revistas editadas pela ré, nas suas instalações, através da colocação de caracteres de imagens e palavras em papel e formatação desse papel impresso em caderno, o qual é agrafado sequencialmente em páginas para venda ao público;
  9. Pela prestação de serviços que assim realizava, a autora emitia factura, sobre a ré, discriminando o serviço em cada uma delas, com menção das revistas cujos exemplares foram impressos, indicando o número da revista em edição, e o número de exemplares impressos, para além do respectivo valor, sendo que este preço era determinado pela quantidade dos exemplares impressos;
  10. Em cada factura, constava a menção: “Conforme n/orçamento Nº …..”.
  11. A autora e a ré não acordaram num prazo de duração da obrigação da ré em fazer imprimir as revistas pela autora;
  12. A autora só produzia as revistas, quando tal lhe era solicitado pela ré, não controlando a autora, os ritmos de produção das revistas;
  13. Em execução da relação comercial havida entre as partes, a autora emitiu à ré, que se obrigou ao respectivo pagamento, as seguintes facturas [este TRL remete para a sentença recorrida a descrição destas facturas, anotando-se que são todas de valores diferentes, indo, a partir da da Setembro de 1996, de 1.457,67€ a 3.755,40€].
  14. A autora emitiu, a favor da ré, as seguintes notas de crédito, no total de 819,02€, emitidas e vencidas na mesma data: [este TRL remete para a sentença a descrição destas três notas de crédito].
  15. Para pagamento dos serviços da autora, a ré emitiu, a favor desta, várias letras, as quais, descontadas, foram devolvidas por falta de provisão, tendo, os respectivos encargos e despesas de devolução, sido suportados pela autora.
  16. Com referência a tais encargos e despesas, a autora emitiu à ré, as seguintes notas de débito, no total de 16 880,74€ [este TRL remete para a sentença a descrição destas notas de débito].
  17. A ré não procedeu ao pagamento da quantia de 182.228,49 das facturas emitidas (deduzidas das notas de crédito), nem ao pagamento das notas de débito a que se reporta 16.
  18. As revistas, por decisão da ré, deixaram de ser publicadas.

                                                                 *

                                 Da impugnação da decisão da matéria de facto

              Diz a ré – conclusão VII – que face à prova testemunhal produzida em audiência de julgamento e à matéria de facto dada como provada a números 4 a 10, deveria ter sido dado como provado o seguinte facto:

         Autora e ré celebraram verbalmente um contrato de prestação de serviços, de execução continuada, com prestações periodicamente renováveis.

              Isto com base nas seguintes passagens do depoimento da testemunha LC:

         “00:06:32 Mandatária 1: Muito bem. Olhe, consegue explicar ao tribunal como é que era feita essa relação comercial? Ou seja, era a R que solicitava à A a impressão, como é que isso funcionava o Sr. LC?

         00:06:46 T: Pronto, quando… quando a I adquiriu a R éramos nós que fazíamos as adjudicações das revistas pertenciam, ao fazermos as adjudicações (impercetível), portanto, isso eram revistas mensais e todos os meses era enviado uma adjudicação para a A com o formato da revista, o número de páginas e a quantidade de exemplares que nós pretendíamos, perante essa adjudicação a A imprimia com um papel nosso, imprimia-nos as revistas e davam-nas prontas.

         […]

         00:11:51 Juíza: Porque é que era feito uma adjudicação todos os meses, porquê? É isto, não é?

         00:11:55 Mandatária 2: Sim.

         00:11:57 T: Era feito porque não era obrigatório que todos os meses a revista tivesse sempre as mesmas características, em termos de formato tudo bem, em termos de páginas podia alterar, e a A precisava de saber que número de páginas é que ia imprimir, por isso… e a tiragem também oscilava, podia ser mais, podia ser menos, por isso, isso aplica-se a todas as revistas a própria A tinha que ter uma adjudicação para dar continuação ao trabalho.”

              E a ré continua:

         É, pois, claro e evidente pelo depoimento prestado por esta testemunha que existia de facto um acordo, o qual consubstanciava um contrato de prestação de serviços, que implicava uma prestação duradoura, a qual estava apenas dependente da aprovação do orçamento mensal, o qual variava em função do número de páginas das várias revistas. Aliás, tendo o tribunal a quo considerado como provados os factos 4 a 10, teria o tribunal a quo de ter entendido que o contrato era apenas e tão só um contrato de prestação de serviços, que variava mensalmente, em função da paginação das revistas,

         Ou seja, o objecto do contrato era sempre o mesmo – impressão das revistas por parte da autora para a ré; o objecto era fixo, variava apenas o número de impressões, as quais variavam periodicamente, mais propriamente, mensalmente.

         O que consubstanciava, de facto, prestações periodicamente renováveis.

              A autora responde que:

         [Do depoimento da testemunha] resulta claramente a interpretação vertida na sentença quanto a este ponto, sobretudo se atentarmos nos demais factos que resultaram provados [6, 10, 11 e 12].

         Ora, resulta que o modus operandi desta relação comercial assentava não em apenas um contrato único, mas antes em vários contratos que se foram celebrando por conta de cada adjudicação que era realizada à autora, atento que: em cada pedido enviado […] era elaborado um orçamento diferente relativamente ao trabalho que pretendia realizar; no seio da relação comercial entre as partes nunca foi estabelecido um prazo de duração da obrigação da ré recorrer aos serviços de impressão da autora; esta apenas procedia à impressão aquando de cada adjudicação realizada pela ré; volvidos estes anos, a ré decidiu não adjudicar novos serviços de impressão à autora; as revistas, por decisão da ré, deixaram de ser publicadas.

         Nos presentes autos apenas consta a remuneração pelos diversos serviços de impressão prestados pela autora à ré, sem qualquer natureza de penalização associada ao facto de não ter adjudicado mais serviços à ré.

         Deste modo, resulta desses factos provados que a ré não tinha qualquer vinculação comercial com a autora, não existindo quaisquer obrigações contratuais para esse efeito.

         […]

         [O facto em causa nas alegações da ré] teria de ser coadunado com os restantes factos dados como provados que prejudicam essa mesma redacção, designadamente o facto dado como provado no ponto 11. “A autora e a ré não acordaram num prazo de duração da obrigação da ré em fazer imprimir as revistas pela autora”

         Ora, não tendo a ré solicitado a alteração da matéria de facto provada quanto a este ponto, necessariamente fica prejudicado o seu argumento relativamente a este aspecto.

         De todo o modo, o próprio depoimento testemunhal de LC, […] demonstra precisamente o contrário que a ré pretende alegar nas suas conclusões.

         Primeiramente, não se poderá deixar de afirmar que a transcrição do depoimento da testemunha não foi realizada de forma isenta, clara, segura e imparcial, já que os excertos retirados são descontextualizados face ao seu total depoimento, o qual é valorado na sua totalidade e não apenas nos excertos que a ré pretende defender.

         Com efeito, ainda assim, esta transcrição apenas reflete durante aquele período eram realizadas novas adjudicações para a autora, não existindo, por isso, qualquer menção da testemunha quanto a contrato único, ou mesmo relação comercial única ou exclusiva.

         Aliás, essa mesma testemunha refere no seu depoimento, (apesar da mandatária interromper e falar por cima da testemunha) que não existia contrato nenhum.

         Se não vejamos,

         Depoimento da testemunha:

         00:12:43 Mandatária da ré: A ré tinha liberdade para fazer a adjudicação noutra empresa? Noutra editora?

         00:12:49 T: Sim. Se entendesse. Se entendesse que não queria imprimir na autora, tinha a opção de imprimir noutra empresa qualquer.

         00:13:01 Mandatária: Tem conhecimento de alguma penalização se…se não fizesse a adjudicação à autora?

         00:13:07 T: Que eu saiba não havia penalização nenhuma… Que eu soubesse não havia acordo nenhum que a empresa sol fosse, tivesse obrigatoriedade de imprimir na autora…Não havia nada disso. Tanto podia imprimir na autora, como podia imprimir noutro lado qualquer.

         Assim, verificamos que o tribunal a quo fez uma correta interpretação da prova testemunhal produzida, verificando que estamos perante uma prestação de serviços que se esgotava no momento da entrega da prestação, devida pela autora, ou seja, em cada entrega das edições impressas.

         Para além disso, os restantes factos provados corroboram este entendimento, nomeadamente a ausência de prazo para o alegado contrato que a ré pretende defender, nem tão pouco existia qualquer acordo de renovação.

         Assim, cumpre destacar que não se deverá confundir uma relação comercial que se baseia em vários pedidos de impressão, sem qualquer vínculo de exclusividade com um contrato de execução continuada.

         Pois, o critério da frequência dos pedidos e o facto de serem pedidos mensais são se revelam como indícios suficientes para tal qualificação, nem tal entendimento foi provado pela ré.

         Assim, a conduta comercial de ambas as partes, comprova, efectivamente, a ilação retirada pelo tribunal a quo, dos factos provados […].

            Decidindo:

           Aquilo que esta testemunha disse, conjugado com o depoimento das duas testemunhas da autora, documentos juntos por esta e posição assumida pelas partes nos articulados, permitiu, da forma como o tribunal recorrido explicou, dar como provados os factos 1 a 8 e 11 e 12, não a conclusão jurídica que a ré pretende retirar destes factos, invocando para tanto o depoimento da testemunha.

            Se, dos factos provados sob 4 a 10 se pode ou não retirar a conclusão que a ré pretende, essa é outra questão, de direito, que a ré teria que tratar com argumentos jurídicos na parte do recurso sobre matéria de direito.

            Dito de outro modo, o que a testemunha disse, nas passagens citadas, de modo algum fornece dados de facto que permitam concluir, a nível de facto, aquilo que a ré pretende aditar.

        Note-se aliás o que foi dito pelo tribunal recorrido, expressamente quanto aos pontos 11 e 12 mas válido também para o resto, quanto ao depoimento daquela testemunha, considerações que a ré não põe minimamente em causa, nem o põem as passagens transcritas pela ré:

            […] a convicção do tribunal fundou-se determinantemente no depoimento daquela testemunha, recorde-se, a pessoa que, à data dos factos, teve intervenção pessoal na relação comercial havida entre a autora e a ré, como produtor de gráfica ao serviço desta.

            Refere esta testemunha, a propósito destas questões (e com interesse, também, para parte da matéria que se considerou não provada) que a relação entre a autora e a ré durou alguns anos; que a ré mandava um pedido de impressão e era a testemunha quem fazia a adjudicação à autora, do mesmo; que, tanto quanto sabe, não havia um acordo entre as partes para que a relação comercial durasse determinado tempo, não havia “acordo de fidelidade” (palavras suas), as revistas eram publicadas mensalmente e era mensalmente que a sua impressão era solicitada à autora pela ré; que todos os meses era feita uma adjudicação, porque não era obrigatório que a revista tivesse todos os meses as mesmas páginas e tiragem e a autora precisava de saber o que fazer em cada mês; que a ré tinha liberdade de adjudicar noutra empresa qualquer a impressão das revistas e, que a testemunha saiba, não havia qualquer penalização [acordada] por isso, porque, tanto quanto sabe, não havia acordo para a ré imprimir obrigatoriamente através da autora; refere que, em determinado momento, a revista Boa Forma foi imprimida por outra gráfica, que identificou e com instalações sitas em Campo Raso.

              E mais à frente:

         […N]o que tange à matéria das als. A e C dos factos não provados, conforme melhor ficou supra expendido, a testemunha LC foi peremptória em afirmar a inexistência de um tal acordo de exclusividade, enunciando, até, um exemplo concreto de que tem memória, de uma revista levada a impressão, pela ré, noutra gráfica naquele período e sem prejuízo para a relação comercial entre as partes. […]

         Relativamente à matéria da al. B dos factos não provados, o que resultou, por conhecimento na primeira pessoa, do depoimento da testemunha LC foi que não havia nenhum acordo pré-fixado entre as partes acerca de qualquer periodicidade, tendo esta testemunha afirmado que era a ré que, em cada mês, indicava à autora se e quantos exemplares pretendia ver impressos de determinada revista. […]

                                                                 *

              Com as conclusões VIII a XIV a ré pretende que se retire do facto 13 a parte em que se diz que a ré  se obrigou ao pagamento das facturas emitidas.

         Segundo as conclusões IX, X e XII a XIV, do depoimento da testemunha RA, resultou que em 1998 foi celebrado um acordo de pagamento entre autora e réu, pelo qual se considerou a divida saldada, não existindo, contabilisticamente, qualquer dívida da ré para com a autora. O que resultaria comprovado pelo fax datado de Abr98, enviado pela autora à ré, pois nessa data a autora interpelou a ré para pagamento de facturas referentes ao período de Out1997 a Jan98 e faz referência a facturação liquidada até Set97, sem que tenha interpelado a ré ao pagamento de quaisquer facturas anteriores a Out97.

         E segundo a conclusão XI, o tribunal a quo decidiu mal ao ter julgado como provado que a ré se obrigou ao pagamento das facturas, dado em momento algum dos presentes autos a ré ter assumido qualquer obrigação de pagamento para com a autora.

              A autora responde que [corta-se o excesso de argumentação, simplificando-a, mas mantendo a estrutura da alegação]:

         […A] inquirição da testemunha RA […foi] manifestamente conduzida para a junção de um documento pela ré, em virtude do despacho de rejeição de junção de documento proferido no início da audiência de julgamento […]

         Em segundo lugar, […] a testemunha não teve qualquer intervenção directa nos factos em apreço, já que apenas iniciou as suas funções na ré em 2003.

         Em terceiro lugar, a ré pretende alterar um facto que ficou considerado como assente em sede de articulados. Com efeito, em sede de articulados, a autora, […] aceitou expressamente a confissão da ré relativamente aos serviços prestados pela autora e constantes das facturas dos autos. Em sede de oposição, a ré confessa a constituição da obrigação de pagamento da remuneração pelos trabalhos realizados pela autora, tendo apenas alegado que tal divida se encontrava alegadamente prescrita.

         […]

         Mas mais, […], mesmo a considerar-se o facto e dado como provado redigido pela ré, verificamos que se mantém o facto provado e assente desde os articulados – o não pagamento das facturas emitidas. Ora, não tendo a ré solicitado a alteração da matéria de facto provada quanto a este ponto, necessariamente fica prejudicado o seu argumento relativamente a este aspecto.

         [Por outro lado] é inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares enunciados nos artigos 373 a 379, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores, cf. art. 394/1 do CC. […] No caso em apreço, a testemunha de forma pouco segura afirmou que não existia contabilisticamente qualquer divida à A, sem, contudo, corroborar tal informação com um documento contabilísticos que provasse tal informação, completamente alheia e nova aos autos. […]

         [A] alegação pela ré, de haver alegadamente pago o montante em divida, configura a dedução por aquela, de uma excepção peremptória cujo ónus da prova incumbe a quem efectua essa alegação, isto é, à ré, nos termos do artigo 342/2 do CC.

         […]

         […] a testemunha RA, apesar de ter alegado que não existia divida, não soube concretizar minimamente quais as circunstâncias e muito menos qual a forma de pagamento alegadamente utilizada, pelo que não logrou provar o cumprimento da obrigação […].

         [….N]o que respeita ao documento que a testemunha faz menção no seu depoimento, cumpre destacar que este […] tem um teor inteligível e do qual não se consegue retirar a conclusão que a ré pretende assacar.

         [Mais… n]ão sendo estabelecida a genuinidade do documento particular, porque impugnado e não demonstrada a sua veracidade pelo apresentante, o mesmo constitui apenas um meio de prova livremente apreciado pelo julgador.

         E, nesta apreciação, o período de facturação mencionado no documento é indiferente aos presentes autos. Pois, apenas evidencia que tinha de existir um desconto de 35% quanto ao período dos autos e o mesmo foi devidamente aplicado, por exemplo, no doc.25 observa-se o valor total da factura confrontado com a junção do extracto, verificamos que foi aplicado desde logo os 35%.

         Em consequência, invocando a autora a falta de pagamento da ré, e recaindo sobre esta o ónus de provar que pagou, o mesmo deverá ser cumprido através da apresentação dos respectivos recibos de quitação […].

         O que não logrou suceder […]

              O tribunal, na fundamentação da decisão da matéria de facto disse o seguinte:

         Relativamente à matéria do ponto 17 dos factos provados, impõem-se algumas considerações.

         Inovadoramente em relação à posição processual que a ré vem assumindo nos autos desde a oposição apresentada em 03/11/2015, procurou esta, na audiência de 20/01/2021, e por referência ao documento que, então, juntou (fax), sustentar que o montante peticionado não seria já devido.

         Acerca deste documento – e porque a testemunha vinha especificamente focada em falar sobre o mesmo, acabando por ser o exclusivo objecto do seu depoimento – foi ouvida a testemunha RA, responsável financeiro no Grupo I, que iniciou funções em 2003.

         Refere esta testemunha que a ré foi adquirida em 1998 pela IG, nenhuma intervenção tendo tido na relação comercial objecto dos presentes autos nem em qualquer contacto havido com o intuito de a ré proceder ao pagamento do montante peticionado, sendo que, quando a testemunha iniciou funções na I, já a ré não tinha actividade efectiva.

         Apresenta-se esta testemunha em audiência de julgamento com o desígnio único de efectuar uma interpretação de um documento datado de 23/04/1998, junto em audiência e que, segundo refere, terá encontrado numas pastas da ré, em 2017, e que, segundo a sua leitura, consubstancia um acordo para pagamento, do qual resulta nada estar em dívida do que se mostra peticionado e que, de acordo com tal documento, só estaria em dívida do mês seguinte para a frente.

         Desconhece a testemunha, conforme refere, se a ré dispõe de qualquer comprovativo de pagamento, dando nota de a contabilidade da ré não evidenciar qualquer dívida. Refere, no entanto, não saber dizer o que consta da conta corrente da ré quanto a este “acordo de pagamento”, mas que, do que analisou da contabilidade, houve um acordo de pagamento.

         Refere que, como extrai desse documento, foi acordado entre as partes que a facturação tivesse sido resolvida por auto desconto.

         Em resposta a tais afirmações, a autora juntou em audiência um documento (que a ré impugnou) que referiu tratar-se de um extracto de conta, onde se evidencia que as facturas peticionadas nos autos já reflectem o desconto a que se refere o documento.

         Vejamos em detalhe, e no pressuposto de que a testemunha nada sabe sobre se foram levados a efeito quaisquer acordos de pagamento ou negociações para pagamento entre as partes, e, na afirmativa, qual o seu teor, posto que neles nenhuma intervenção teve; nada sabe sobre quaisquer pagamentos que hajam sido efectuados; e nada releva a, por si, genericamente, alegada inexistência de dívida na contabilidade da ré, pelo que quanto a esta questão nada acrescenta aos elementos dos autos, cabendo ao tribunal, neste pressuposto probatório, extrair elementos do próprio documento que a testemunha se propõe interpretar (sem qualquer razão de ciência).

         Nos termos do disposto no art. 236/1 do CC, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

         É o seguinte o teor do documento junto em audiência pela ré (incluindo notas manuscritas sob *):

             Data: 23 de Abril de 1998

             De: AL, A

             Para: BM, IG

             Número de páginas enviadas, incluindo esta: 4 [também  manuscrito - TRL]

             Assunto: Responsabilidades da R

             No seguimento da reunião de ontem, e no tocante ao assunto Sol, abaixo damos nota das responsabilidades vencidas da R, que urge regularizar.

             Assim:

             (a) Amortizações de letras conforme detalhe anexo 4.181.031$

             (b) Encargos bancários conforme detalhe anexo 2.359.822$60

             * (c) Facturação correspondente ao período Out97/Jan98 17.768.244$

             Nestas condições, e de acordo com a sugestão apresentada por V. Exas. na citada reunião, agradecemos nos remetam cheques ainda esta semana do valor das amortizações e encargos bancários e letras do valor da facturação.

             Recordamos que a liquidação das facturas de Out/Jan pelo valor acima equivale à concessão de um crédito à R de aproximadamente 36 mil contos, traduzido no auto-desconto de 35% sobre a facturação liquidada até Set/97, valor sensivelmente igual ao n/crédito sobre a R à data da intervenção da I naquela editora.

             * 7/5/98 – 3 letras nºs 215/98 - 216/98 – 217/98 no valor de 5.922.748$ cada.

         Do teor deste documento que, aliás como dele resulta, não está completo, faltando páginas e anexo, não se retira, expressa e inequivocamente qualquer quitação de pagamento, acordo de pagamento, compensação, ou outra declaração de que se possa concluir inexistir a dívida reclamada, como ora pretende sustentar a ré, em audiência de julgamento e ao arrepio da sua posição processual, até então, mantida.

         Com efeito, o documento não é auto-explicativo, não se referindo, sequer, ao período em causa (Junho de 1996 a Setembro de 1997), no que tange à indicação de um valor em dívida da facturação e nada referindo acerca da regularização do período em causa nos autos.

         Refere o documento um auto-desconto de 35% sobre a facturação liquidada até Set/97 e é nesse segmento do texto que a testemunha ancora a sua interpretação.

         Sucede que tal referência não é, para um declaratário normal, por si só e desacompanhada de qualquer outro elemento, inteligível com o sentido e alcance que a ré lhe pretende assacar, através da testemunha, de uma alegada regularização integral do período em causa nos autos por via de um desconto de 35% à facturação.

         Procurando outros elementos de interpretação no processo, por força do princípio do inquisitório, constata-se ao invés, pelo confronto das facturas juntas aos autos com o valor peticionado pela autora, que grande parte do valor peticionado nestes autos corresponde apenas a uma percentagem de 35% do valor da facturação efectivamente emitida.

         Assim e para melhor compreensão:

              Nesta parte a sentença faz um quadro comparativo do valor das facturas com o valor peticionado e demonstra que, à excepção do que se refere às facturas de Junho/Julho 1996, em relação a todas as outras, o valor peticionado corresponde apenas a 35% do valor da factura emitida.

              E depois continua:

         Ora ponderando (i) a ininteligibilidade do sentido e alcance da declaração constante do documento junto em audiência, no sentido da inexigibilidade do montante peticionado; (ii) que o valor peticionado corresponde, quanto à maior parte das facturas, a 35 % do valor da mesma (sendo este o único ponto de relação entre o peticionado e o elemento literal do documento), que (iii) a ré nunca alegou no processo e até ao momento, qualquer pagamento do montante peticionado e que (iv) inexiste nos autos qualquer alegação concreta e elemento de prova desse, agora, invocado pagamento ou acordo ou compensação, cumprindo à ré essa alegação e prova, o tribunal não se logrou de convencer de que o valor peticionado pela autora se mostre pago pela ré.

         Ponderando, como se procedeu, os elementos documentais supra referenciados, e o depoimento das testemunhas OR e AS, que deram nota de que a ré não pagou à autora os montantes peticionados nos autos – limitado a parte do capital das facturas [deduzido do montante das notas de crédito], e correspondente ao capital das notas de débito – o tribunal fundou a sua convicção relativamente à matéria do ponto 17 dos factos provados.

              Decidindo:

              Independentemente de o tribunal recorrido ter toda a razão na análise exaustiva do depoimento da testemunha e do documento que a ré invoca, pelo que estes elementos de prova não teriam o efeito pretendido pela ré, e de a autora ter razão em parte da resposta, a argumentação da ré é um absurdo: segundo ela, como daquilo que a testemunha diz e do que consta do faxe se pode retirar que as facturas já não seriam devidas, então a ré não se teria obrigado ao pagamento; é um absurdo porque o que resulta da argumentação da ré é exactamente o contrário: se alguém já não está obrigado ao pagamento, porque houve um acordo de pagamento cumprido é porque já esteve obrigado ao pagamento.

              O que se passa é que através da putativa discussão de parte do que consta do facto 13, a ré pretende introduzir nos autos uma excepção, a de pagamento, que não deduziu oportunamente com os factos respectivos e por isso precludiu-se o direito de o fazer, por força do disposto no art. 573/1 do CPC (Toda a defesa deve ser deduzida na contestação […]).

              O art. 573/2 do CPC permite a dedução posterior de excepções, designadamente daquelas de que se deva conhecer oficiosamente, como seria o caso do pagamento: art. 579/2 do CPC, mas não dos factos, pois que estes só podem ser introduzidos no processo na fase dos articulados ou com os limites para a alegação de factos supervenientes, e a ré não deduziu nenhum articulado superveniente (neste sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, anotação 2 ao art. 573 do CPC, pág. 566 da 3.ª edição do vol. 2.º do CPC anotado, Almedina, 2017).

              E, por isso, a ré, em vez de dizer que as facturas já foram pagas – segundo ela -, vem dizer que não se obrigou ao pagamento porque elas já foram pagas.

              Mas, como a ré não alegou os factos correspondentes à excepção de pagamento, não o pode fazer com a introdução de um documento e de um depoimento sobre ele na audiência final. Ainda de outro modo: a ré não pode discutir uma excepção de pagamento não deduzida, a pretexto de discutir um facto que diz respeito à constituição da obrigação que, como dizem a autora e o tribunal recorrido, já tinha confessado.

                                                                 *

                                 Do recurso sobre matéria de direito

              A sentença tem a seguinte fundamentação, em síntese:

         Os factos provados configuram a existência de contrato(s) de prestação de serviços entre a partes.

         Nos termos do disposto no art. 1154 do Código Civil, contrato de prestação de serviços é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.

         Uma das modalidades de tal contrato é, como resulta dos artigos 1155 e 1207 e seguintes, a empreitada, contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço e que, face à matéria dada como provada se afigura ter sido aquele(s) que as partes celebraram.

         Centra-se o litígio das partes, não propriamente na definição do contrato ou da obrigação de pagamento do preço das facturas emitidas pela autora, mas sim na caracterização das obrigações das partes decorrentes desse(s) contrato(s) como correspondendo, ou não, a prestações periodicamente renováveis, caracterização com determinante influência na apreciação da invocada prescrição do direito de crédito da autora.

         Prestações periódicas, são prestações de natureza duradoura que se renovam em prestações singulares sucessivas, em regra, ao fim de períodos consecutivos (verificando-se o cumprimento através de actos sucessivos com determinados intervalos) e de formação correspondente a esses períodos. Neste sentido, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03/02/2009, processo 08A3952.

         A fonte das prestações periódicas é um e mesmo contrato de que resultam, periodicamente, obrigações autonomizáveis. A prestação periódica funda-se, portanto, num negócio já celebrado e cujo objecto pode ser determinado em virtude desse mesmo negócio.

         Não se confundem estas prestações com as prestações fraccionadas, em que se convenciona a liquidação de uma certa prestação em tranches, dilatadas no tempo, de modo repartido, dividindo-a em duas ou mais prestações.

         Não se confundem, também, com a prestação repetida, cuja formação e objecto dependem da realização de negócios a celebrar autonomamente ainda que possa ocorrer, de facto, alguma estabilidade nessa celebração ao longo de um período de tempo. Neste sentido, vide acórdão referido supra.

         Volvendo à situação dos autos temos como elementos caracterizadores da relação estabelecida entre as partes, tendo por referência a matéria de facto considerada provada, que:

         – A ré, de acordo com a sua conveniência, solicitava à autora, em cada mês, orçamentação (isto é, indagava da sua disponibilidade e condições) para a impressão de um número de exemplares de revistas que determinava;

         – Obtido orçamento por parte da autora, a ré, assim entendendo, adjudicava a impressão das revistas;

         – Adjudicada a “obra”, a autora levava a efeito a impressão, de acordo com as indicações de edição da ré e facturava o respectivo serviço, após a sua realização e de acordo com o orçamento aceite;

         Neste contexto de relação contratual releva que, em determinados momentos – na circunstância e com alguma regularidade, mensalmente – as partes celebraram acordos de vontades relativos ao específico trabalho de impressão daquele momento (no caso, mês, porque as revistas eram editadas pela ré com periodicidade mensal e com essa periodicidade necessitava de providenciar pela sua impressão).

         A ré era livre de escolher a gráfica a que, em cada momento, adjudicava a impressão das suas revistas.

         A autora apenas levava a efeito e facturava à ré o preço do trabalho que em cada momento fosse acordado levar a efeito, se fosse acordado levar a efeito qualquer trabalho.

         Não sendo levado a efeito em determinado período um trabalho de impressão, não havia lugar a qualquer facturação por parte da autora.

         As obrigações das partes – quer do conteúdo do serviço, quer do pagamento do preço – dependiam exclusivamente de ter sido, quanto ao mesmo, celebrado prévio e casuístico acordo de vontades quanto à sua realização, independentemente de o conteúdo desses acordos de vontades (designadamente quanto ao tipo de serviço a prestar e aos meios a empregar para esse fim) ter apresentado, em concreto, alguma identidade de características entre si.

         Não é possível configurar, na situação dos autos uma relação jurídica unitária entre as partes que pressuponha as prestações peticionadas, nem uma autonomia de cada uma delas em relação a uma relação jurídica unitária, de forma que esta relação jurídica subsista sem as prestações e estas não consubstanciem um pagamento parcial daquela, elementos enformadores do conceito das prestações periodicamente renováveis (neste sentido, vide ac. do TRL de 03/05/2016, proc. 3180/13.1TBOER.L1-1).

         Constata-se, assim, que as partes não celebraram um contrato único e mais abrangente de que a facturação dos autos fosse decorrência, mas sim vários e, na circunstância, sucessivos contratos autónomos, de que emergiram, designadamente, as obrigações de pagamento dos preços objecto dos presentes autos, a que corresponde cada uma das facturas emitidas pela autora e ora peticionadas.

         Não estamos, assim, no que tange à obrigação da ré, em face de prestações periodicamente renováveis, mas sim de prestações próprias, cada uma correspondendo a um contrato autónomo e especificamente celebrado para a sua formação.

              A ré diz o seguinte contra a sentença:

         II – A prestação de serviços efectuada pela autora à ré – impressão uma vez por mês de várias revistas – consubstanciava uma única prestação de natureza duradoura, de execução continuada, decorrente de forma directa de um único contrato de prestação de serviços celebrado entre autora e ré.

         III – Contrariamente ao entendimento do tribunal a quo, não eram celebrados vários contratos mensais para que fosse efectuada a impressão das revistas.

         IV – Ou seja, o contrato base era o mesmo, o inicial de prestação de serviços celebrado entre autora e ré, variando, mensalmente, o número de impressões, consoante o formato das revistas e a sua respectiva tiragem […].

         V – O objecto do contrato era sempre o mesmo – impressão das revistas por parte da autora para a ré; o objecto era fixo, variava apenas o número de impressões, as quais variavam periodicamente, mais propriamente, mensalmente.

         VI – O que consubstanciava, de facto, prestações periodicamente renováveis.

         […]

         XV – Perante um contrato de prestação de serviços, com prestações periodicamente renováveis, o prazo de prescrição de cada uma das facturas é de 5 anos, nos termos do disposto no art. 310/-g do Código Civil.

         XVI – A autora interpôs o requerimento de injunção em 26/06/2015, ou seja, cerca de 18 anos após a data de emissão e de vencimento da última factura,

         XVII – Pelo que, a 26/06/2015 […] o prazo de prescrição de 5 anos já tinha decorrido sobre cada uma das facturas, não tendo o prazo de prescrição sido anteriormente interrompido.

         XVIII – Deste modo […] conclui-se que não pode ser exigível à ré o pagamento da quantia peticionada por conta dessas facturas.

         XIX – Assim, ao ter decidido, o tribunal a quo, que a obrigação não estava prescrita violou o disposto no art. 310/-g do CC.

              A ré na oposição invocou extractos avulsos dos acórdãos que se seguem:

         – ac. do STJ de 25/10/2005, proc. 05A2695;

         – ac. do TRL de 12/07/2012, proc. 815/11.4TJLSB.L1-1;

         – ac. do TRP de 15/10/2013, proc. 3992/12.3TBPRD.P1;

         – ac. do TRC de 01/07/2008 CJ.2008.III, páginas 39-40.

              A autora responde que:

         […A] ré procura conformar artificialmente a origem da relação contratual de onde emergem as obrigações peticionadas, apenas com o objetivo de invocar um prazo prescricional que a autora sabe que não lhe aproveita.

         Ora, a prestação constitui, no mundo dos factos, o comportamento exigido ao devedor em cumprimento da sua obrigação.

         Atendendo à perspectiva temporal, as prestações podem ser classificadas como instantâneas ou duradouras – Cf. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das obrigações, 645. 24. O citado Professor ensina que é “instantânea ou transeunte a prestação a executar num só momento, extinguindo-se a correspondente obrigação com esse único acto isolado de satisfação do interesse do credor (ex.: a entrega de determinada quantia ou coisa).”

         Por seu turno, quando essa actividade não se circunscreva a uma actividade ou inactividade momentânea do devedor, antes se trate de um comportamento, positivo ou negativo, que se distenda no tempo, a prestação qualifica-se como duradoura.

         A classificação de uma determinada prestação como periódica impõe que da mesma relação obrigacional (repita-se, da mesma relação obrigacional) advenha um feixe de prestações, isto é, da mesma relação jurídico-obrigacional que perdura no tempo, referente à cedência do gozo de uma coisa.

         Todavia, como a própria ré reconhece e confessa, a natureza das obrigações, da ré para com a autora são completamente distintas!

         A ré solicitava, a prestação de um serviço distinto, sendo que a autora e a ré não acordaram um prazo de duração relativamente à vinculação da ré imprimir as revistas.

         Tanto assim foi que a ré interrompeu, quando assim decidiu, a publicação das revistas sem que a autora lhe tivesse exigido qualquer responsabilidade, uma vez que a ré não tinha qualquer exclusividade na produção de revistas.

         A ré pedia à autora a produção de um determinado número de revistas; a autora orçamentava o preço pela prestação do serviço, o qual era dado a conhecer pela autora à ré; uma vez aprovado pela ré, a autora produzia as revistas em conformidade.

         O que existe é um conjunto de relações obrigacionais sucedidas no tempo entre as mesmas partes e com objecto distinto.

         Aliás, esse objecto é tão distinto que é corporizado numa pluralidade de edições das diversas publicações. Assim, daqui resulta, igualmente, que não existe qualquer prestação renovável dado que as obrigações recíprocas da autora e da ré são integralmente distintas dado que têm objecto distinto.

         De outro modo, é indiscutível que o facto de uma determinada pessoa se dirigir, com carácter de habitualidade a um estabelecimento comercial não faz gerar uma qualquer prestação periodicamente renovável, mas sim uma sucessão de contratos.

         Por conseguinte, é evidente que não existe qualquer prestação periodicamente renovável para efeitos do art. 310/-g do CC.

         Porquanto não é aplicável nos presentes autos o art. 310 do CC, estando o pagamento do preço reclamado nos presentes autos sujeito ao prazo prescricional de 20 anos, previsto no art. 309 do CC.

         Aliás, basta observar a teleologia do preceito em causa para entender que o prazo prescricional de 5 anos não é aplicável nestes autos.

         O art. 310 do CC estabelece a redução do prazo de prescrição para 5 anos relativamente a obrigações que sejam emergentes do mesmo facto jurídico.

         Assim, conforme decidido pelo acórdão do STJ de 25/10/2005 (Alves Velho), proc. 05A269: “estamos, insiste-se, perante uma modalidade de pagamento de bens ou serviços e não perante prestações periódicas renováveis no sentido contemplado na al. g) do preceito”.

         Por conseguinte, não existe qualquer circunstância que obste ao exercício do direito da autora em receber o montante exigido e que lhe é devido pela ré.

              Decidindo:

              Parte-se, como pano de fundo, do acórdão do STJ de 03/02/2009, processo 08A3952, invocado pela sentença recorrida, cujos argumentos não se vão repetir, e que já refere de forma suficiente a doutrina relevante que, por isso, também não se vai repetir.

              Se A compra a B um carro por 30.000€, ficando de pagar o preço em 60 prestações mensais, está-se perante uma obrigação com prestações fraccionadas de 500€ mensais.

              Se C arrenda um prédio a D por 500€ mensais, está-se perante um contrato que dá origem a uma relação duradoura com prestações periodicamente renováveis.

              Se E, há já 5 anos, vai todos os meses à mesma mercearia F, porque lhe apetece, e faz compras mensais de 500€ por bens que F lhe vai entregar à porta, estamos perante 60 contratos de compra e venda, com 60 obrigações de pagamento do preço.

              A situação de E nada tem a ver com a de C: no caso de E temos 60 obrigações cada uma com um prestação, no caso de C temos 1 obrigação com uma prestação renovável todos os meses.

              Aplicando a pedra de toque que se pode retirar da fundamentação do acórdão do STJ de 2009, em relação a E não faria qualquer sentido que F, ao abrigo do art. 557/1 do CPC [= 472/1 do CPC na redacção anterior à reforma de 2013], viesse pedir ao tribunal que condenasse E a pagar-lhe, nos próximos meses, 500€ mensais para pagamento de bens que F viesse, por sua vontade, a entregar na porta de E, como fazia até aí. Pois que E nunca se obrigou a ir à mesma mercearia todos os meses, só lá vai porque lhe apetece, e se no mês seguinte lhe apetecer ir a outra mercearia ninguém o pode censurar; isto é, F não o pode obrigar a comprar na sua mercearia.

              Já D pode pedir a condenação de C nas rendas que se vierem a vencer enquanto durar o contrato de arrendamento.

              No caso dos autos a situação é exactamente aquela, a de E, como o revelam os factos provados sob 5, 6 e 7 (principais) e 8, 9 e 10 (instrumentais), reforçados, negativamente, pelos factos 11 e 12 [a situação dos autos é ainda mais nítida do que o exemplo dado, porque o valor de cada obrigação é totalmente diferente, indo, a partir de Nov96, de 1457,67€ a 3755,40€].

              Não se está, pois, manifestamente, perante prestações periodicamente renováveis.

                                                                 *

              Os acórdãos invocados pela ré, a trouxe-mouxe, compreendem-se a esta luz e não lhe aproveitam minimamente:

              O ac. do STJ de 25/10/2005, proc. 05A2695, relativo às prestações pecuniárias ou mensalidades devidas pelos participantes em contratos de compras em grupo, conclui, com toda a lógica, que estas não são de considerar “prestações periodicamente renováveis” no sentido contemplado no art. 310/-g do CC e, consequentemente, incluídas no prazo prescricional de 5 anos referido nesse preceito, pois que se trata de um preço por uma compra dividido em prestações (o preço de um apartamento T3 dividido por 150 prestações).

              O ac. do TRL de 12/07/2012, proc. 815/11.4TJLSB.L1-1, diz, logicamente, que IV- O contrato de assistência técnica e de manutenção normal de elevadores instalados em prédio, é verdadeiro contrato de prestação de serviços, tratando-se de um contrato de execução continuada e a contrapartida (pagamentos semestrais à razão de certo valor por mês) constitui uma prestação duradoura, que se encontra intimamente ligada ao decurso do tempo e que se renova periodicamente. Cabem tais prestações na previsão do art. 310/-g do CC, sendo de cinco anos o prazo de prescrição [veja-se como situação paralela, o ac. do TRP de  14/09/2015, proc. 388/11.8TJPRT-A.P1, relativo a despesas de conservação num condomínio: umas são periódicas, renováveis, outras têm carácter pontual determinado em função do concreto custo das obras em causa e do momento em que se decide efectuar certa obra].         

              Ac. do TRP de 15/10/2013, proc. 3992/12.3TBPRD.P1: […] II – Para a objectivação dos casos em que é aplicável o prazo mais curto de prescrição do art. 310/-g do CC, vale indagar se estamos perante prestações periódicas, dependentes do factor tempo (caso em que se aplica o prazo mais curto), ou prestações fraccionadas, dependentes de uma relação-quadro ou do valor total do bem adquirido (caso a que se aplica o prazo-regra do art. 309 CC). III – Cabe no prazo-regra do art. 309, e não no prazo-excepção mais curto de 5 anos, a exigência de prestações que poderiam ser fraccionadas, por opção do comprador, quanto a uma quantidade previamente fixada de fornecimento de café.

              E o ac. do TRC de 01/07/2008, só publicado na CJ.2008.III, páginas 39-40, cujo sumário diz que “ao crédito proveniente de retribuições/comissões do agente, calculadas em percentagem sobre os resultados das vendas, é aplicável o curto prazo – 5 anos – de prescrição.”

              Este acórdão, que não tem publicada a matéria de facto dada como provada, e que por isso não é passível de uma análise autónoma, diz que a fonte das “retribuições/comissões” […] “está no contrato duradouro de agência – na obrigação que do mesmo emerge para o principal – e não nos negócios conseguidos, que são o resultado do cumprimento da obrigação do agente (de promover a celebração de contratos em nome do principal) e que, justamente por espelharem o cumprimento da sua obrigação, são, em regra, o critério fundamental da retribuição do agente.” E mais à frente diz: “O agente, na execução do contrato de agência, não celebra quaisquer contratos com o principal, não sendo a sua retribuição uma comissão nos contratos que celebra, mas apenas a contraprestação correspondente ao cumprimento da obrigação imposta pela agência – promoção dos contratos em nome do principal.”

              Assim, a fundamentação de direito apoia-se no facto de as retribuições do agente terem a sua fonte no contrato duradouro e não nos negócios posteriores, situação de facto que, por isso, será precisamente a inversa da que está em causa no acórdão do STJ de 2009, onde se disse que “as prestações peticionadas consistem em direitos a comissões directas, isto é, a percentagens sobre vendas efectuadas com os respectivos contratos cumpridos, nomeadamente quanto ao recebimento do preço pelo principal. Não está em causa, designadamente, o direito ao pagamento periódico de uma quantia fixa, fosse a que título fosse (que, por vezes, surge convencionada nestes contratos). Assim, o direito às comissões e respectiva exigibilidade depende do cumprimento pelo terceiro do contrato celebrado pelo agente e, obviamente, tudo precedendo, da celebração destes contratos.

              Assim, tendo em conta esta oposta situação de facto, em relação ao ac. do TRC já era perfeitamente concebível a propositura de uma acção do art. 557/1 do CPC, em que o agente viesse pedir que o principal fosse condenado a pagar-lhe, para o futuro, todas as prestações que se vencessem durante a execução do contrato, cujo valor seria determinado pela percentagem sobre o valor dos contratos que promovesse (não é, por isso, essencial, na construção do ac. do STJ, a referência à “quantia fixa’; de qualquer modo, será muito mais natural que, estando em causa uma quantia fixa, esteja em causa um direito dependente de um contrato, enquanto se estiver em causa uma quantia dependente de uma percentagem seja natural que o direito dependa da celebração dos contratos subsequentes).

              Este ac. do TRC é usado, entretanto, pelo ac. do TRP de 15/10/2013, na parte em que ele se refere às “prestações contratuais que se desenvolvem dentro de um contrato-quadro (exemplificado, no caso do acórdão pelo contrato de concessão comercial), [pois que essas] caem fora da prescrição de 5 anos a que alude o art. 310/-g do CC. É que aqui a prestação do agente, segundo o ac. do TRC, depende da celebração de futuros contratos.

                                                                 *

              Para não fugir às questões, diga-se que a autora, nos espaços do formulário usado para a injunção, referiu que a causa das obrigações era um contrato datado de 24/09/1996 e que ele se referia ao período de 24/09/1996 a 22/05/1998

              Trata-se de uma imprecisão derivada da necessidade da utilização de formulários que induzem à simplificação artificial da realidade complexa das relações contratuais. Pelo que o que consta dos requerimentos de injunção e a aplicação das regras das acções com processo comum tem sempre que ser lido com as adaptações necessárias, sabendo-se daquelas imprecisões inerentes à situação.

              Já na exposição dos factos a autora não incorreu na referida imprecisão.

                                                                 *

              Em suma, a sentença recorrida está certa ao considerar que não se aplicava ao caso dos autos a prescrição de prazo curto do art. 310/-g do CC, mas a do prazo normal de 20 anos, do art. 309 do CC, pelo que o direito da autora não estava prescrito.

                                                                 *

              Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.

              Custas, na vertente de custas de parte, pela ré (que decai no recurso).

              Lisboa, 01/07/2021.

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto