Execução – Juízo de Execução de Lisboa – Juiz 5

                 Sumário:

             Tendo a exequente recebido, indevidamente, todos os 5% de juros pagos pelo executado por força do art. 829-A/4 do CC, justifica-se que seja notificada para restituir metade deles.

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

              Na execução movida por T-SA, contra a E-SA, para pagamento de quantia certa, já está decidido, por acórdão do TRL de 14/04/2016, proc. 2455/13.4YYLSB-A.L1-2, confirmado por acórdão do STJ de 13/07/2017, proc. 2455/13.4YYLSB-A.L1.S1, “ser devida a sanção pecuniária compulsória prevista no art. 829-A/4 do CC.”

              A executada pagou esses juros compulsórios (como decorre do requerimento apresentado a 11/03/2019 pela executada e da decisão do AE de 28/05/2019, tendo em conta o valor de 6.370.724,20€ e os valores que constam da nota discriminativa de 02/10/2017, sendo o dos juros compulsórios de 1.194.081,23€).

              A 16/07/2019, a secção de processos notificou o AE “para no prazo de 10 dias apresentar o DUC relativo aos juros compulsórios devidos nos presentes autos, por ter havido pagamento, sendo o título executivo uma injunção, nos termos dos artigos13/1-d do DL 269/98 de 01/09, e 829-A/3-4 do CC.”

          A 08/08/2019, o AE deu conhecimento à exequente da notificação anterior e “agradece que proceda à liquidação dos juros compensatórios [sic] devidos uma vez que a quantia exequenda / juros foi liquidada ao exequente.”

              A 06/09/2019, a exequente vem reclamar contra esta notificação, perante o juiz, porque entende, em síntese, que não está obrigada a depositar a quantia equivalente à que o art. 829-A/3 do CC prevê ser entregue ao Estado, uma vez que o art. 829-A/3 CC não é aplicável ao caso dos autos, que se integra na previsão normativa do art. 829-A/4 do CC.

              A 22/10/2019 foi proferido o seguinte despacho, em síntese:

               Quanto aos juros compulsórios.

         A circunstância de o Estado não ser credor exequente não comporta qualquer inibição para que lhe seja liquidada essa sanção pecuniária compulsória porquanto o direito a ela decorre directamente do art. 829-A/3 do CC o que determina que nem sequer possa o Ministério Público prescindir dela. De facto se a sanção pecuniária compulsória se propõe por um lado, apressar a satisfação do credor, pressionando o devedor a cumprir a obrigação que assumiu e, por outro lado, visa preservar a autoridade das decisões dos tribunais, não seria satisfatório nem coerente numa leitura de sistema que se deixasse nas mãos do lesado a finalidade publicista da figura, ou seja, que a salvaguarda da autoridade das decisões judiciais dependesse de requerimento do credor.

         Por conseguinte, e contrariamente ao que é defendido pelo exequente, mesmo nas situações a que alude o art. 829-A/4 do CC, são devidos juros compulsórios ao Estado por força do art. 829-A/3 da mesma disposição legal (veja-se, a título de exemplo, o acórdão do TRC de 08/11/2016, cujo relator foi o Dr. Manuel Capela, e o ac. do TRE de 17/01/2019, cuja relatora foi a Drª Cristina dá Mesquita).

         […]

         No caso concreto aplica-se o art. 892-A/4 do CC, que atribui natureza não indemnizatória ao adicional de juros de 5%, ao estatuir o seu acréscimo aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.

         […]

         Como se refere no acórdão de 12/04/2012, a sanção pecuniária compulsória, cujo “fim não é (nem, atenta a sua natureza de astreinte” […], o poderia ser), o de indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência”(…), constitui “um meio intimidativo, de pressão sobre o devedor, em ordem a provocar o cumprimento da obrigação, assegurando-se, ao mesmo tempo, o respeito e o acatamento das decisões judiciais e reforçando-se, assim, o prestígio da justiça” (…).

         […]

         […] poderá haver situações em que essa responsabilidade possa caber ao exequente, designadamente, quando por lapso do AE tenha sido entregue ao exequente a parte dos juros compulsórios devidos ao Estado.

         Numa situação destas, como é evidente, terá o exequente que restituir aquilo que lhe foi indevidamente prestado, sob pena de enriquecimento sem causa.

         Se for esta a situação dos autos terá o exequente que devolver aquilo que lhe foi indevidamente entregue.

         […]

         Por conseguinte, […] caso […] se verifique a […] situação a que aludimos, ou seja, os juros compulsórios tenham sido integralmente liquidados pelo executado e, por lapso do AE, tenham sido entregues ao exequente a parte dos juros compulsórios devidos ao Estado […] o exequente […] terá que [os] restituir [o tribunal recorrido colocou esta hipótese numa formulação negativa junto com outra, mas como é ela que se verifica, os cortes operados pelos parênteses rectos dão-lhe uma formulação positiva – parênteses da responsabilidade deste TRL].

              A exequente vem recorrer deste despacho – para que seja revogado e anulado [sic] -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem na parte útil, evitando algumas das muitas repetições:

         […]

          1. Do art. 829-A do CC resulta a configuração de duas espécies de sanção pecuniária compulsória: uma prevista no art. 829-A/1, de natureza subsidiária, destinada a compelir o devedor à execução específica da generalidade das obrigações de prestação de facto infungível; outra prevista no art. 829-A/4, tendente a incentivar e pressionar o devedor ao cumprimento célere de obrigações pecuniárias de quantia certa, decorrentes de fonte seja negocial seja extra negocial com determinação judicial, que tenham sido, em qualquer dos casos, objecto de sentença condenatória transitada em julgado.
          2. A primeira espécie traduz-se na fixação judicial de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso ou por cada infracção no cumprimento da generalidade das prestações de facto infungível, à luz de critérios de razoabilidade, e que tem vindo a ser, por isso, designada por sanção pecuniária compulsória judicial.
          3. A segunda consiste num adicional automático (ope legis) de juros à taxa de 5% ao ano, independentemente dos juros de mora ou de outra indemnização a que haja lugar, tomando a designação de sanção pecuniária compulsória legal ou de juros legais compulsórios.
          4. Assim, enquanto a sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 829-A/1 tem de ser determinada e concretizada nos seus termos, de forma casuística e equitativa, mediante decisão judicial, já a sanção pecuniária compulsória prescrita no art. 829-A/4 emerge da própria lei, de modo taxativo e automático, em virtude do trânsito em julgado de sentença que condene o devedor no cumprimento de obrigação pecuniária, sem necessidade de intermediação judicial.

         […]

          1. Enquanto a sanção compulsória tout court [a prevista no art. 829-A/1] se confina ao domínio das prestações insusceptíveis de execução específica, já a última [a prevista no art. 829-A/4] pretende evitar o recurso à execução coactiva das obrigações pecuniárias, apesar de esta ser sempre possível, no plano dos princípios.
          2. É que o legislador terá pretendido, fundamentalmente, com a sanção prevista no art. 829-A/4, enfrentar, igualmente, outro tipo de problemas, específico das obrigações pecuniárias, em virtude dos efeitos nefastos que acarreta a desvalorização monetária, em épocas de inflação.
          3. E é na base desta distinção que [António Pinto Monteiro (In Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, 1990, página 128 e seguintes] argumenta no sentido de que] à sanção pecuniária compulsória prevista no art. 829-A/4 não é aplicável o preceituado no art. 829-A/3, concluindo que esta sanção deve reverter exclusivamente para o credor [a parte entre parenteses foi esquecida pela recorrente no corpo das alegações e é agora aqui colocada por este TRL].

         […]

          1. […O] adicional de juros de 5% inserido como está no indicado art. 829-A/4 não contém norma idêntica à do nº 3, vindo sistematicamen-te descrito com total autonomia dos n.ºs 1 e 3, que têm inserção sistema-tica unitária.
          2. Tal adicional não se pode destinar, em parte iguais, ao credor e ao Estado, pois que tem natureza diversa da sanção do n.º 1.

         […]

              Não foram apresentadas contra-alegações.

                                                                 *

              Questão que importa decidir: se metade dos 5% de juros, pagos pela executada a título por força do art. 829-A/4 do CC, devem ser destinados ao Estado.

                                                                 *

              Decidindo:

              António Pinto Monteiro, na obra citada, especialmente nas páginas 129/130 tem a posição invocada pelo exequente, mas a exequente não diz que este autor também lembra, em nota, 294, da pág. 130, que Calvão da Silva tem uma posição contrária, por exemplo, em Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, Coimbra, 1987, págs. 458: “[…] o montante da sanção pecuniária compulsória legal – adicional de juros de 5% – destina[-se], em partes iguais, ao credor e ao Estado, em conformidade com a sua natureza coercitiva e com a sua independência da indemnização. Se, porém, tivesse a natureza de indemnização moratória, destinar-se-ia integralmente ao credor.” (ou em Sanção pecuniária compulsória, BMJ 359, pág. 104).

              Ou seja, são as razões invocadas no despacho recorrido como fundamento da decisão.

              Sendo esta a posição que sempre foi seguida pela jurisprudência, como o revelam os acórdãos do TRC [38/06.4GDCBR-C.C1] e do TRE [2720/16.9T8ENT.E1] citados na decisão recorrida e o próprio acórdão do TRL [referido no início do relatório deste acórdão] que já se pronunciou sobre o caso nos embargos de executado a esta execução: “Tratando-se de obrigação de pagamento de quantia certa, será computada a partir do trânsito em julgado da decisão, a qual deve ser objecto de execução, destinando-se o quantitativo devido, em partes iguais, ao interessado e ao Estado.”

              (ainda no mesmo sentido, a decisão recorrida cita o ac. do TRG de 02/05/2016, proc. 1144/14.5T8CHV.G1, onde se pressupõe a mesma solução; também a pressupondo, vejam-se os acórdãos do TRL de 20/06/2013, proc. 23387/10.2YYLSB-B.L1-2, e de 01/10/2019, proc. 24586/15.6T8LSB. L1-1; e o sumário do acórdão do STJ de 09/01/1996, proc. 087383 [CJ.STJ.1996, páginas 40-43], citado por Brandão Proença, Lições de Cumprimento e não cumprimento das obrigações, 2.ª edição, revista, UCEP, 2017, pág. 206, nota 616: “Tais juros à taxa de 5% destinam-se em partes iguais ao credor e ao Estado (artigo 829-A n.ºs 3 e 4, do CC)”.

              Aliás, embora o regime da injunção não seja aplicável no caso dos autos, já que o título executivo é uma sentença arbitral, ele é elucidativo da visão legal da questão, pois que no art. 21/3 do mesmo (DL 269/98) dispõe-se, sob a epígrafe ‘execução fundada em injunção’: “Revertem, em partes iguais, para o exequente e para o Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, I. P., os juros que acrescem aos juros de mora.”

                                                                 *

              Tendo em conta que a autora, no recurso, não indicou o valor da sucumbência (que é de metade do valor dos juros compulsórios, ou seja, 597.040,62€ (= 1.194.081,23€ : 2), nem mesmo algo que tivesse a ver com ela, o valor que prevalece é o valor da acção (art. 12/2 do RCP) – Salvador da Costa, Regulamento das Custas processuais anotado, 2013, 5.ª edição, Almedina, pág. 246 – valor da acção que é de 4.840.884,28€ (requerimento feito pela autora em 31/03/2013).

              A taxa de justiça remanescente (art. 6/7 do RCP), se fosse calculada com base no valor da sucumbência, justificava-se visto que o recurso reveste uma complexidade normal e a exequente recorreu apesar de já haver uma decisão, nos embargos, em que, embora como fundamento, se esclarece que metade dos juros são destinados ao Estado. Mas, calculada com base no valor da acção, que é aplicado por razões formais (isto é, por a autora não ter indicado no recurso o valor da sucumbência), já se afigura desproporcional face ao que estava em jogo neste recurso. Assim sendo, vai-se dispensar o pagamento da taxa de justiça na parte que excede o valor daquela que corresponderia ao valor da sucumbência.

                                                                 *

              Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.

              A exequente, que perde o recurso, perde também as suas custas de parte (incluindo a taxa de justiça remanescente que ainda terá que pagar, mas calculada como se o recurso tivesse o valor da sucumbência: ou seja, 597.040,62€).

              Lisboa, 09/09/2021.

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto