Processo do Juízo Local Cível de Almada – J1

                                

              Sumário:

I. Os arrendatários não são responsáveis pelo estado de degradação de paredes e caixilharias de janelas se se prova que esse estado é o resultado de uma série de variadíssimos factores de que apenas dois têm a ver com os arrendatários e esses não representam uma utilização imprudente do locado.

II. Quando no contrato se descreve o estado do locado como normal, sem mais nada, essa descrição diz respeito ao estado aparente do locado, tal como ele é facilmente reconhecível, e não ao estado dele como resultaria de uma perícia que lhe tivesse sido feita.  

III. Os arrendatários não podem ser considerados como os construtores de um alpendre no logradouro de um edifício (que aliás não é objecto do locado), se a senhoria não prova que foram eles que o construíram.

              Acordam no tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

              A Fundação M, com sede em O, intentou [uma acção] contra P e mulher C e E, pedindo a condenação solidaria dos réus no pagamento dos 7749€ necessários à realização das obras de reparação do locado melhor identificado no artigo 1.º da petição inicial, bem como no pagamento de indemnização à autora pelo dano de privação do uso do locado, no montante mensal de pelo menos 502€, tudo acrescido de juros de mora contabilizados desde a data da citação dos réus até integral pagamento.

              Para tanto, alegou, em síntese, que celebrou com os 1.ºs réus um contrato de arrendamento, pelo qual lhes deu de arrendamento o rés-do- chão direito de um edifício, sendo fiador deles a 2ª ré; em 2012, o réu entregou a chave do locado, pondo fim à relação locatícia existente; à data da entrega o locado encontrava-se num estado de grande degradação; a reparação de todos os danos está orçamentada nos 7749€ pedidos; diz que enquanto a reparação não for feita (o que não demorará mais de um mês) não pode arrendar o rés-do-chão, sendo que o valor comercial actual do arrendamento do locado oscila entre os 500€ e os 550€ mensais.

              Os réus contestaram, excepcionando a prescrição do direito à indemnização por ter decorrido o prazo de três anos previsto no artigo 498 do CC; e dizem que o réu entregou a chave do locado à autora em Abril de 2012, por falta de condições de habitabilidade do locado, sendo que desde Maio de 2005 que o locado não reúne condições de habitabilidade condignas; a degradação do locado não resultou do uso e fruição que os réus deram ao mesmo, mas antes da inacção da autora desde o início da relação locatícia; a habitação era já muito antiga e tinha todas as canalizações, interiores, que não eram visíveis, deterioradas e com infiltrações; as janelas da casa de banho e da sala estavam fissuradas e com buracos de grandes dimensões por onde se infiltravam as humidades e entrava chuva quando chovia, agravado com as épocas de temporal e ventos fortes; o mesmo acontecia às paredes da sala de jantar que cedo apareceram negras e cheias de humidade, o que fez com que todo o mobiliário deixasse “mofo” e produzissem cheiros desconfortáveis e desagradáveis; os réus escreveram à autora logo em Março de 2008 alertando-a da verificação e ocorrência dos vícios e seus efeitos; os réus requereram, junto da Câmara Municipal de A (CMA) uma vistoria ao locado, realizada em 23/09/2010; a CMA deu conhecimento aos réus do auto de vistoria pelo seu ofício n.º 25720 de 10/11/2010; os réus deram conhecimento à autora dessa vistoria, mas esta nada fez; os réus insistiram com interpelação à autora em 19/01/2011, através de nova carta, relatando que tinham contactado com o representante da autora e que apesar deste ter prometido aparecer, não o fez; concluíram pugnando pela improcedência da presente acção e, em consequência, pela sua absolvição dos pedidos.

                  No despacho saneador julgou-se improcedente a excepção de prescrição.

       Realizado a audiência final, foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente, por provada, e em consequência condenando solidariamente os réus a pagar à autora 645€, acrescidos de taxa de IVA correspondente e, ainda, de juros de mora vencidos e vincendos desde a data de citação até integral e efectivo pagamento, absolvendo-os do demais.

              A autora recorre desta sentença, arguindo a nulidade da mesma por não se ter pronunciado sobre o pedido relacionado com a privação do uso do locado, e impugnando parte da decisão da matéria de facto e, em consequência, a decisão final.

         Os réus contra-alegaram, negando a verificação da nulidade e defendendo a improcedência do recurso.

              O tribunal recorrido aceitou a verificação da nulidade da sentença e supriu-a, acrescentando à absolvição dos réus também a do pedido de indemnização da privação do dano.

             A autora alargou o âmbito do recurso de modo a abranger a parte acrescentada.

        Os réus voltaram a contra-alegar, defendendo a improcedência do recurso também na parte alargada.

                                                                 *

             Questões que importa decidir: se deve ser alterada a decisão da matéria de facto e se, em consequência, devem ser alteradas as decisões de absolvição dos pedidos.

                                                                 *

        Para a decisão destas questões importam os seguintes factos dados como provados [as transcrições entre parênteses rectos foram feitas por este TRL; os pontos 6 e 7 foram alterados tendo em conta o decidido mais à frente quanto à impugnação da decisão da matéria de facto]:

         1- A autora celebrou com os réus um contrato de arrendamento, pelo qual lhes deu de arrendamento o rés-do-chão direito do prédio urbano sito na Avenida D freguesia e concelho de A, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 000.

          2- O arrendamento foi celebrado pelo prazo limitado de 5 anos, com inicio a 01/05/2005 e termo em 30/04/2010.

           3- Uma vez que o contrato de arrendamento não foi denunciado no seu termo, o mesmo considerou-se prorrogado por mais 3 anos, ou seja, até 30/04/2013.

      4- Em Julho de 2011, a renda mensal, em consequência da actualização legal era de 502€.

         5- A 2ª ré e o seu falecido marido constituíram-se como fiadores e principais pagadores das obrigações assumidas pelos arrendatários, expressamente renunciando ao benefício da excussão prévia.

         6- Em [Abril de] 2012, o 1.º réu entregou a chave do locado, pondo fim à relação locatícia existente.

         7- Devido à antiguidade do prédio e à deficiente impermeabilização do locado, [ao facto de o edifício ter mais de 60 anos, à deficiente impermeabilização dele, ao espaço onde está situado o rés-do-chão, à existência de um telheiro, às humidades interiores por serem 5 os habitantes, à falta de algum arejamento do espaço e de tratamento dos fungos, às deficiências nas canalizações do piso superior e do tubo de queda de águas residuais, e à deficiente ligação da tubagem de extracção de gases para o exterior do esquentador, as paredes encontravam-se com grandes manchas de condensação, com o estuque partido em diversas zonas e os caixilhos das janelas da sala, quarto e da casa de banho estavam apodrecidos], as paredes encontravam-se com grandes manchas de condensação, com o estuque partido em diversas zonas e os caixilhos das janelas da sala, quarto e da casa de banho estavam apodrecidos.

         8- Foram removidos parte dos azulejos das paredes da sala, o que obriga à retirada do restante azulejo e transporte do material removido a vazadouro

               9- Os estores estavam danificados.

        10- O ladrilho da despensa havia sido substituído, sem que o trabalho tivesse sido concluído.

         11- Em Março de 2008 os réus, e outros inquilinos, enviaram à autora a carta que consta de fls. 63-verso e 64, cujo teor foi dado por integralmente reproduzido [está assinada pelos inquilinos de 7 das 8 fracções e nela consta, entre o mais, que: “serve a presente para levar ao conhecimento de V.Exª a situação que vimos vivendo e nomeadamente do estado e necessidade de realização de obras. Na verdade, verificam-se deficiência nos andares que habitamos que passo a enumerar: – infiltrações de água nas casas; – janelas que necessitam de substituição. Assim, vimos por este meio solicitar a V.Ex.ª que se dignem a arranjar as casas tanto no interior como no exterior, visto estarem a precisar e afim de ser evitado recorrer a outras vias. Sem outro assunto, de momento, na expectativa de resolução do exposto…]

        12- A solicitação dos réus, a Câmara Municipal de A, fez [em 23/09/2010] uma vistoria ao locado, que deu origem ao auto que consta de fl. 65-v, cujo teor foi dado por integralmente reproduzido [consta que foram lá três peritos – uma engenheira técnica civil; um agente técnico de arquitectura e engenharia e um técnico de saúde ambiental; diz-se que a senhoria da habitação foi devidamente notificada, não tendo nomeado nenhum perito; na vistoria, os peritos verificaram a existência de manchas de humidade / fungos no tecto e paredes da sala, devido a eventuais deficiências de impermeabilização dos paramentos exteriores e/ou devido a eventuais condensações interiores; paredes de um quarto com estuque empolado; mancha de humidade no tecto e parede das instalações sanitárias, devido a eventuais deficiências nas canalizações do piso superior 1.º dtº, e/ou devido a deficiências no tubo de queda de águas residuais; mancha de fungos no tecto da cozinha devido a eventuais condensações interiores; verificou-se ainda a existência de um esquentador com ligação da tubagem de extracção de gases para o exterior, deficiente; em face do exposto e tendo em conta o que foi dado observar, os peritos consideram necessário proceder ao arranjo das deficiências atrás referidas, a fim de corrigir as más condições de salubridade].

          13- A autora solicitou o orçamento que consta de fl. 22, cujo teor foi dado por integralmente reproduzido [tem data de 28/08/2017].

*

Da impugnação da decisão da matéria de facto

              Em relação ao ponto 6 dos factos provados, a autora entende que, face ao exposto nos articulados, deverá considerar-se como provado que esse facto ocorreu em Abril de 2012.

         Porquanto, diz, se se atentar ao exposto no artigo 9 da contestação, conclui-se que os réus admitem que o 1.º réu entregou as chaves do locado à autora em Abril de 2012, não tendo a autora impugnado a posteriori que as chaves do locado lhe foram entregues no referido mês.

         Assim sendo, sempre se deverá considerar tal facto por provado, por admitido por acordo.

              Os réus dizem que não se verifica qualquer erro ou contradição…

              Decidindo:

          A autora alegava que a entrega tinha ocorrido em 2012 e arrolava uma carta datada de 06/04/2012 em que o réu dizia que ia entregar o locado “visto que as obras que eu solicitei não serem feitas por parte do Sr. F e a situação nunca mais se resolve. Então venho por este meio comunicar que deixei a casa” (isto se a caligrafia foi bem lida numa impressão muito apagada a fl. 10, doc.3). A autora junta também uma carta, agora da sua autoria, de 24/05/2012, doc.26 (fl. 21v), enviada para o réu, em que diz ter conhecimento de que “entregou, por missiva datada de 06/04/2012, mas recepcionada apenas a 24/04/2012, as chaves do locado […]” E fala numa outra acção proposta por si contra os réus, por falta de pagamento de rendas, que, em Junho de 2011, ascendiam a 1205€ e conclui que como eles não pagaram qualquer outra renda após essa acção, devem as rendas de Julho de 2011 a Abril de 2012. Na sequência, na contestação (transcrita acima), os réus dizem que entregaram a casa em Abril de 2012.

          Assim sendo, considera-se que realmente pode ser considerado provado, por acordo, que os réus entregaram a casa em Abril de 2012, o que deve ser acrescentado ao ponto 6.

                                                                 *

                                 Quanto ao ponto 7 dos factos provados:

          Da “motivação da decisão sobre a matéria de facto” consta, de concreto, o seguinte:

         A questão de maior controvérsia nestes autos respeita ao estado em que o locado foi entregue pelos réus à senhoria e se, relativamente às deteriorações, estas são da responsabilidade dos réus.

         Sobre a matéria depuseram os réus P e E e as testemunhas F e C (empregados da autora). As declarações da pessoas mencionadas revelaram-se pouco esclarecedoras, pela pouca isenção dos seus depoimentos, os réus tentando convencer o tribunal da posição que manifestaram na oposição, as testemunhas procurando sustentar a da sua entidade patronal. A pouca isenção apontada não permitiu a este tribunal valorar positivamente tais depoimentos sobre determinadas questões controvertidas (ex: sendo certo que no locado foi construído um alpendre, não logrou este tribunal apurar se o mesmo foi erigido pelos réus).

         De relevante para formar a convicção deste tribunal sobre o estado do locado funcionou o auto de vistoria da Câmara Municipal (fl. 65 – por se tratar de documento oficial elaborado por técnicos especializadas) e o reporte fotográfico constante dos autos incidindo sobre as várias divisões da casa.

         Do auto de vistoria camarário retiramos que a antiguidade do prédio e deficiências de impermeabilização do mesmo, estão na origem das condensações e humidades do locado, sendo que as deteriorações que de tais humidade e condensações resultaram para o locado não poderão ser assacadas aos réus, nomeadamente: as paredes encontravam-se extremamente degradadas, com grandes manchas de condensação e com o estuque partido em diversas zonas; os caixilhos das janelas da sala, quarto e da casa de banho estavam apodrecidos. No mais, demos como assentes deteriorações que são observáveis nas fotografias e que de tal visionamento resulta inequívoco que são deteriorações, a saber: – foram removidos parte dos azulejos das paredes da sala; o ladrilho da despensa havia sido substituído, sem que o trabalho tivesse sido concluído; – os estores estavam danificados. Já não são visíveis em tais fotografias os seguintes danos alegados (por tal, foram dados como não provados): –  o parquet  dos diversos quartos encontrava–se danificado; – a parte eléctrica estava danificada; – as bancadas da cozinha estavam danificadas; – a banheira existente no WC estava danificada.

              Contra isto a autora diz o seguinte:

         “[…D]a análise do auto de vistoria junto como doc.4 à contestação dos réus conclui-se que os peritos que realizaram a sobredita vistoria verificaram tão só: [transcreve a parte respectiva do auto de vistoria que já consta do ponto 12 dos factos provados]

         Ora, antes de mais, ressalva-se que não é possível retirar-se da análise do sobredito auto de vistoria a ilação deduzida pelo tribunal a quo de que as condensações e humidades existentes no interior do locado resultam da antiguidade do prédio, porquanto não é feita qualquer referência em qualquer ponto do sobredito auto de vistoria à antiguidade do prédio onde se situa o locado e à eventualidade das referidas condensações e humidades verificadas no seu interior resultarem dessa antiguidade.

         Além disso, também não se pode retirar do referido auto de vistoria a ilação deduzida pelo tribunal a quo de que as condensações e humidades do locado resultam efectivamente de deficiências de impermeabilização do prédio onde se situa o locado, pelo simples facto dos peritos não terem retirado tal conclusão da vistoria realizada ao locado.

         Na realidade, os peritos levantam duas hipóteses que poderão estar na origem das humidades e fungos verificados no tecto e paredes da sala do locado, nomeadamente: a) devido a eventuais deficiências de impermeabilização dos parâmetros exteriores; e/ou b) devido a eventuais condensações interiores.

         Ou seja, os peritos não confirmaram se existiam ou não efectivamente deficiências de impermeabilização dos parâmetros exteriores do prédio onde se situa o locado, tendo-se limitado a fazer um juízo de mera probabilidade atenta a experiência que têm no exercício da profissão que exercem, mas sem confirmarem efectivamente a origem das referidas humidades e fungos verificados no tecto e paredes da sala do locado.

         Mais, o tribunal a quo desconsiderou quanto a esta questão, e sem fundamento bastante, o depoimento da testemunha L, sócio e gerente da I-Lda, pessoa colectiva n.º 000000000, que tem por objecto social a construção civil e obras públicas, impermeabilização, pinturas e reabilitações de imóveis, que elaborou o orçamento com a indicação dos trabalhos necessários à reparação dos danos provocados no locado e que se encontra junto à PI como doc.27, que se encontra gravado em CD, no ficheiro das 14h15 às 17h22 do dia 25/06/2018, do minuto 01:56:15 ao minuto 02:19:49:

         Advogado da autora: Olhe, e depois esses negros nas paredes, que se nota aí nessas… nessas duas fotografias que esteve a ver [da sala]?

         Test.: Isso é uma propagação de um fungo, não é…

         Advogado: Propagação de um fungo…?

         Test.: Uma propagação de um fungo derivada à humidade interior.

         Advogado: Humidade interior…?

         Test.: Podia não ventilar a casa. Agora eu também compreendo que as pessoas também no inverno não vão “hastear” as janelas, eu sei que aquilo é uma parte baixa, tem uma quantidade de humidade derivada ao espaço onde está ínsita a casa, não é…, pela traseira, pronto…Agora, aquilo é um fungo propagado, agora, quando há um fungo logicamente temos que matar, não podemos deixar alastrar, não é…

         Advogado: Tentar matar como?

         Test.: Tem que se limpar.

         Advogado: Tem que se limpar?

         Test.: Sim, não quer dizer que ele não volte.

         Advogado: Mas tem que haver essa tal limpeza…?

         Test.: Tem que ser uma limpeza, eu não digo diária, mas…

         Advogado: Não é…estes problemas não são, nomeadamente, aqui na sala, canalizações que venham por cima, não há ali….?

         Test.: Não passam canos.

         Advogado: Não passam…?

         Test.: Não, não. Na sala não passa nenhuma prumada de canos.

         (Transcrição do depoimento de 02:02:49 a 02:04:11)

         Considerando a autora que o depoimento da sobredita testemunha, cuja razão de ciência resulta do facto desta ter-se deslocado ao locado para efectuar o orçamento para reparação dos danos aí existentes, conforme já referido supra, e, essencialmente, do facto desta testemunha no âmbito da sua actividade profissional dedicar-se à construção civil, impermeabilização, pinturas e reabilitações de imóveis, foi coerente e isento, na medida em que não há qualquer ligação da mesma à apelante, a não ser a prestação pontual de serviço.

         Sempre terá que concluir-se que o fungo existente no tecto e paredes da sala teve a sua origem em humidade interior e não em qualquer deficiência de impermeabilização do prédio onde de situa o locado. Sendo certo, ademais, que não passa nenhuma prumada de canos na sala do locado.

         Quanto à mancha de fungos no tecto da cozinha, resulta inequivocamente do auto de vistoria junto como doc.4 à contestação dos réus, que os peritos concluíram tão só que a mesma dever-se-á a eventuais condensações interiores e não a quaisquer problemas de impermeabilização do prédio onde se situa o locado.

         Aliás, confrontada com as fotografias da cozinha (docs.4 e 5 juntos à PI, a fls. 80 e 81 dos autos), disse ainda a referida testemunha L:

         Advogado da autora: Portanto, conhece essas fotografias de que zona da casa?

         Test.: Esta zona da casa é a cozinha, que é uma varanda, é a zona da cozinha, prontos…

         Advogado: Olhe, aqui nestas fotografias é visível…

         Test.: Um fungo…

         Advogado: A propagação de um fungo, mas também que está uma parede feita no exterior?

         Test.: É o tal telheiro.

         Advogado: É o tal telheiro?

         Test.: Sim.

         Advogado: Que tirava luminosidade à cozinha?

         Test.: Sim, sim, sim. Tanto que se vê nesta fotografia…

         Advogado: Portanto, e já disse que isso também fazia a falta de luminosidade que faz esse tal fungo…

         Test.: Isso tudo associado a não abrir janelas, não arejar a casa, por exemplo, os fungos propagam-se mais em casas muito cheias, não quer dizer que seja o caso, que eu não conhecia a casa, não é, em casas muito cheias, pouco ventiladas, o fungo propaga-se muito nessas alturas. Ainda mais na cozinha, que é uma zona, um espaço em que há muitos vapores também, também se propaga muito, nas casas de banho, (…) é um problema que existe no próprio espaço, que vemos humidade…claro que há casas que as pessoas dizem, mas a casa do lado não está, pois, então se calhar a pessoa ventila mais a casa, pois eu às vezes chego a casas que estão todas pretas e outras não estão, e porque será? É o uso da casa, basicamente, é isso.

         Advogado: Olhe, aqui…

         Test.: Eu compreendo que as pessoas não têm que andar sempre a limpar o fungo, todos os dias a limpar o fungo, não é isso…mas pá, quando começa o fungo, se eu atacar o fungo, às vezes não chega só lavar o fungo, atenção, não é só lavar…tem que levar um fungicida, para ele demorar muito mais tempo a não aparecer, porque se a gente agora chegar com lixivia, limpa, não é…pá passados seis meses tá igual…

         Advogado: Olhe, mas estas, estes…, estas humidades, estes escuros, também não é canalizações de cima?

         Test.:  Não, não…isso é tudo uma propagação de um fungo! Isso eu garanto. Quando é uma infiltração não deixa este aspecto, quando há uma infiltração, quando se vê o estuque há uma orla mais amarelada em volta, não tem nada que ver com isto. Se eu chegar ali limpo isto.

         (Transcrição do depoimento de 02:05:32 a 02:08:46)

         Resulta, ademais, do depoimento da testemunha C, procuradora da autora, que se encontra gravado em CD, no ficheiro das 14h15 às 17h22 do dia 25/06/2018, do minuto 01:45:07 ao minuto 01:55:36:

         Advogado: Olhe, ia lá receber as rendas?

         Test.: Ia, no dia 5 de cada mês.

         Advogado: Ia no dia 5 de cada mês.

         Test.: Geralmente, quando dia 5 calhava ao fim de semana, passava sempre para a segunda feira seguinte.

         Advogado: Isso demorou/durante quanto tempo?

         Test.: Uns três ou quatro anos talvez…Eu não posso precisar há quanto tempo se pagava depois pelo banco, foi alterado.

         Advogado: Três/quatro anos?

         Test.: Pois…

         Advogado: Olhe, nessas vezes que foi lá receber a renda, costumava entrar em casa ou ficava, como se costuma dizer, ali no hall da escada?

         Test.: Geralmente entrava sempre para a cozinha.

         Advogado: Entrava sempre para a cozinha.

         Test.: É e conversávamos um bocadinho e depois eu ia-me embora à minha vida.

         Advogado: Quando a casa foi entregue, isso não há dúvidas, nem vale a pena lhe estar aí a mostrar a fotografia, aquelas paredes, e nomeadamente as paredes da cozinha, quando você entrava, estavam negras?

         Test.: Não, no princípio não estavam não, estavam só uns pontos que eram dos vapores das panelas da cozinha, porque que eles põem sempre água, via-se nos vidros, na varanda, porque as janelas não estavam abertas.

         Advogado: A senhora geralmente ia lá a que horas?

         Test.: À noite.

         Advogado: À noite?

         Test.: À noite, à tarde, geralmente, mais perto do jantar, perto das seis/sete horas da tarde, era a hora que eu ia, era em todos os prédios, não era só ali….

         Advogado: Aproveitava e ia aos inquilinos todos?

         Test.: Todos.

         Advogado: O prédio era todo da Fundação?

         Test.: Sim. O prédio desses, o 33, 43, 36 e o 38 também, que não era da Fundação, mas era do Presidente da Fundação.

         Advogado: E esses, quando lá ia entrava para a cozinha e via as paredes a escorrerem a água?

         Test.: Sim, sim. As paredes, os armários, tudo. Porque era água dos vapores da cozinha. Não havia ventilação na casa e ora quando uma pessoa está a cozinhar tem que ter um exaustor a trabalhar ou tem que ter uma ventax ou um desumificador em casa, por exemplo.

         Advogado: Ou uma janela aberta?

         Test.: Ou uma janela aberta.

         Advogado: E isso não havia?

         Test.: Não.

         Advogado: Olhe, a Sra. chegou a dizer alguma coisa à esposa do Sr. P, sobre essa situação?

         Test.: Não, eles queixavam-se que a casa estava escorrendo água, mas aquilo é as humidades dentro de casa, porque na minha também acontecia isso, não é, se eu tiver a cozinha fechada, as minhas janelas são de alumínio, tenho uma varanda de alumínio de 6m, não é tão pequena como isso, tenho uma ventax na cozinha, na varanda, não é, se eu tiver a porta da cozinha fechada, tenho uma janela que é daquelas que não é de abrir, é daquelas assim próprias da cozinha, se tiver tudo fechado, aquilo começa logo, os vapores a entranharem-se.

         (Transcrição do depoimento de 01:47:33 a 01:50:58)

         Sendo que os depoimentos das sobreditas testemunhas, em particular, o depoimento da testemunha C, cuja razão de ciência resulta do facto da testemunha ter-se deslocado ao locado nos primeiros anos de duração do contrato de arrendamento do mesmo a fim de receber as respectivas rendas, e cujo depoimento a autora considera que foi coerente e isento, vêm confirmar a hipótese vertida no auto de vistoria junto como doc.4 à contestação dos réus, de que as manchas de fungos no tecto da cozinha devem-se a condensações interiores, por falta de ventilação da cozinha, situação que é única e exclusivamente imputável ao réus arrendatários.

         Situação essa que se agravou com a construção do alpendre pelos réus arrendatários conforme resulta do depoimento da testemunha L, transcrito supra.

         Ora, da conjugação de tais depoimentos com o auto de vistoria junto como doc.4 à contestação dos réus extrai-se, com clara e inequívoca certeza, que as paredes e tectos do locado encontravam-se com grandes manchas de condensação, com estuque partido em diversas zonas e os caixilhos das janelas da sala, quarto e casa de banho estavam apodrecidos, não por motivos imputáveis a quaisquer infiltrações decorrentes de eventuais deficiências de impermeabilização do locado, conforme considerou o tribunal a quo, mas tão só por motivo imputável aos arrendatários, que não ventilavam adequadamente o locado e que não atacaram de imediato o fungo que se começou a propagar no mesmo em virtude dessa falta de ventilação do locado.

         Mais, atente-se que foi convencionado na cláusula 8.ª do contrato de arrendamento do locado junto como doc.1 à PI, que aos arrendatários não era permitido fazer obras ou benfeitorias sem autorização da autora, por escrito e devidamente autenticada, a não ser as de conservação e limpeza necessárias que se estipulou serem obrigação dos inquilinos.

         Pelo que, sempre seria da responsabilidade dos arrendatários proceder à limpeza e remoção do fungo que surgiu no interior do locado.

         Além disso, e tal como referiu e bem o tribunal a quo “Ao senhorio apenas cabe a alegação e prova dos danos no locado, e ao inquilino a prova que eles resultaram da normal e prudente utilização do locado. Como facto impeditivo do direito do senhorio à reparação, cabe ao locatário alegar e provar que as verificadas deteriorações, aquando da entrega do prédio locado, resultaram da normal utilização daquele em conformidade com os fins do contrato ou que as deteriorações resultaram de causa que lhe não é imputável nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização da coisa.”

         Prova essa que os réus não fizeram.

         Pelo que se deve, face à prova documental e testemunhal produzida, considerar provado que “Devido à falta de adequada ventilação do locado pelos réus e à falta de tratamento imediato do fungo que surgiu no mesmo em virtude dessa falta de ventilação, as paredes encontravam-se com grandes manchas de condensação, com estuque partido em diversas zonas e os caixilhos das janelas da sala, quarto e casa de banho estavam apodrecidos. ”

         E, nesse seguimento, serem os réus condenados a pagarem à autora, o valor necessário à reparação desses danos.

              Os réus respondem que a autora não tem razão, que o auto de vistoria confirma o decidido e que as provas invocadas não o contradizem.

              Decidindo:

            Note-se, desde logo, que a autora só trata da questão com relação à sala e à cozinha esquecendo o quarto e as instalações sanitárias (também referidos na vistoria de fl. 65) ou seja, metade dos problemas.

              Depois, repare-se que a autora se esquece de dizer que a sua testemunha L se está a reportar a algo que só viu passados cerca de 5 anos depois dos factos. Com efeito o orçamento é de Agosto de 2017 e a os réus entregaram a casa em Abril de 2012. É certo que o orçamento é posterior ao período em que a testemunha lá esteve, mas nada aponta para que seja muito posterior e a própria testemunha, a uma pergunta do interrogatório, responde que não foi lá assim há tanto tempo (está a responder em Junho de 2018, pelo que este “não assim há tanto tempo” poderá corresponder muito provavelmente a meados de 2017).

              De seguida e principalmente, a autora esquece aquilo que a sua testemunha disse na instância do advogado dos réus: [a humidade interior] não é a causa total…. é também um problema de construção… o problema do fungo é um problema de um défice de isolamento térmico… da construção do prédio (mais ou menos de 2:16:48 a 2:17:18; sem reprodução textual).

              Por outro lado, há que ter em conta o seguinte:

           Em 21/03/2008 quase todos os 8 inquilinos do edifício (menos o do 3º esquerdo) assinam uma carta queixando-se das infiltrações e da necessidade de substituição das janelas. A carta foi recebida pela autora, como resulta do a/r de fls. 64v e resultaria também da não impugnação do documento pela autora depois de ele ter sido junto com a contestação.

            Em data anterior a Set2010 os réus pedem uma vistoria à CMA. A CMA faz a vistoria em Set2010 com o resultado que foi transcrito acima. A autora durante as declarações de parte dos réus (que ocorreram no início da produção de prova) tenta sugerir – como resulta das perguntas ou dos apartes que são feitas pelo seu advogado – que não teve conhecimento do resultado da vistoria. Tanto que quando o advogado dos réus lê a parte onde no respectivo relatório se diz que a senhoria foi notificada, como se nela estivesse escrito que foi notificada do resultado da vistoria, o advogado da autora (e também o juiz segundo se julga perceber) logo chamam a atenção que não se diz que a senhoria foi notificada do resultado da vistoria, mas sim notificada de que a vistoria ia ser realizada. Ora, a testemunha F, que tinha poderes para representar a autora – veja-se a procuração de fls. 23v a 24v – reconhece, como já era dito pelos réus, que ele esteve presente na vistoria da CMA. A testemunha F tenta sugerir que os peritos, na vistoria, só falaram na deficiência ligada ao esquentador, mas, como logo o Sr. juiz disse, isso não tem lógica nenhuma: então os peritos dão-se conta de todas as deficiências assinaladas no relatório da vistoria mas só falam à testemunha na deficiência ligada ao esquentador?

              A autora, ao querer sugerir que não teve conhecimento do resultado da vistoria (embora não tenha impugnado o respectivo documento depois de ele ter sido junto) está nitidamente a querer evitar que se possa dizer o que se segue: pelo menos desde Março de 2008 e Setembro de 2010 que os réus se queixam do estado do locado e esse estado é confirmado pela vistoria de Set2010 e apesar disso a autora não invoca qualquer resposta a insurgir-se quanto as queixas dos réus, a dizer que elas são falsas e que nada daquilo se verifica ou que, a verificar-se, é consequência do uso que eles fazem do locado. O que se pode dizer também relativamente à carta de Abril de 2012 em que o réu diz que se vai embora “visto que as obras que eu solicitei não serem feitas por parte do Sr. F e a situação nunca mais se resolve”.

              Dito de outro modo: queixando-se os réus (e os restantes inquilinos, ao contrário do que se tentou sugerir na audiência final, isto é, de que só os réus, de todos os inquilinos, é que se queixariam), menos de 3 anos depois do início do contrato e quase 4 anos antes da restituição do locado, do estado do mesmo, exigindo obras à autora/senhoria (com o que isto implica de imputação da responsabilidade do estado de coisas à autora), sem que a autora nunca tenha dito – se o tivesse feito invocá-lo-ia de certeza, segundo as regras da lógica e da experiência comum das coisas – que era falso aquilo que eles diziam, que o locado não estava assim ou que se o estava tal se devia ao uso dele pelos réus, considera-se que era verdade aquilo que os réus diziam.

              Ora, tendo em conta o que é dito no auto de vistoria e o que consta da carta dos inquilinos, e que humidades interiores e fungos não seriam suficiente para, em 3 anos, criarem a situação descrita ao ponto de ser preciso substituir janelas, considera-se certo que o problema não resultava principalmente disso mas da antiguidade do edifício e da deficiente impermeabilização do mesmo, tal como é dito pela decisão do ponto 7 dos factos provados.

              No mesmo sentido aponta o facto de as testemunhas F e C (marido e mulher), ambos procuradores da autora, terem reconhecido que, antes de os réus terem ido para a fracção, a autora pintou a casa, como o réu já dizia nas declarações de parte, com o resultado objectivo (intencional ou não intencional, não interessa) de não estar à mostra o estado em que ela estava e que se revelou pouco depois, como diziam os réus em declarações de parte (tendo a ré E conhecimento disso por ser mãe da ré C e frequentar a casa, onde chegava a passar a noite com os três netos) e a sua testemunha A (irmã da ré C e por isso visita frequente da casa).

              Quanto à idade do edifício, a própria testemunha F, da autora, reconheceu o que foi dito pela ré em declarações de parte: o edifício tem mais de 60 anos….

              Por outro lado, os réus falaram em deficiências de canalizações e de episódios ocorridos devido a elas (e um deles acabou por ser admitido pela testemunha F da autora), o que tem reflexo no auto de vistoria de fl. 65, quando admite a hipótese de deficiências de canalizações e no tubo de queda de águas residuais, bem visível na fotografia de fl. 95, doc.19 junto pela autora.

              Tendo tudo isto em conta, pode-se então dizer o seguinte: a fundamentação da decisão está errada na parte em que refere, como único sustento da sua conclusão agora em causa, a vistora de fl. 65, quando o sustento dela se pode basear em muitas outras razões e não só na vistoria, como se viu.

              No entanto, aceita-se, também, que havia condensações interiores, por tal corresponder à normalidade das coisas, dado que na casa viviam 5 pessoas (os dois primeiros réus e os seus três filhos menores) e o facto de ela ser antiga e com deficiente impermeabilização, sendo que a hipótese é admitida pelo auto de vistoria e é apontada pela testemunha L.

              Aceita-se, também, que não tinha havido tratamento dos fungos, pois que caso contrário o estado de coisas não seria tão mau como o demonstram as fotografias, e no mesmo sentido aponta o depoimento da testemunha L. Mas já não se aceita que tal ocorresse devido à falta de tratamento dos fungos pelos réus, pois que se crê, pelo que já se disse, que esse problema já existiria, devido à antiguidade e deficiente impermeabilização.

              Não se aceita também, devido a isso, que esse problema tenha surgido por falta de ventilação, embora se aceite que existisse alguma falta de ventilação, devido a isso ser apontado pela testemunha L, com a razão de ciência referida e por tal corresponder às regras da experiência das coisas tendo em conta o estado do locado. O facto de tal também ser referido pela testemunha C não teve relevo dado não ser muito credível o que afirma: que podia constatar isso quando lá ia por volta do jantar, uma vez por mês, cobrar a renda. Quando se está a fazer o jantar é mais natural usar exaustores e não abrir janelas para provocar correntes de ar…

              Por último, considera-se que a existência do alpendre também contribuía para o problema, mas não há nenhuma prova de que ele tenha sido construído pelos réus ao contrário do que a autora pretende, como se explicará mais à frente.

              Note-se que, a insuficiência da prova sempre seria de apontar à responsabilidade da autora: tendo os réus entregue o locado em Abril de 2012, o facto de a acção ter sido proposta pela autora só passados mais de 5 anos, tornaria mais difícil a prova da origem dos problemas. Seria inútil, por exemplo, passados todos esses anos, tentar apurar, com uma perícia ordenada pelo tribunal, quando é que foi construído o telheiro (que aliás já lá não está segundo diz a testemunha L) ou porque é que o fungo apareceu, como é que o problema seria resolvido ou se seria possível resolvê-lo (de modo a puder concluir-se que os réus eram responsáveis por não o terem resolvido) e a que é que se deve o estado das paredes, das janelas e dos caixilhos. O que teria de ser imputado à esfera de risco da autora devido ao atraso na propositura da acção (por aplicação de um princípio que se extrai dos arts. 344/2, 345/1 e 346 do CC).

              Dado a descrição deste estado de coisas, considera-se correcta a referência genérica aos problemas das várias divisões da casa que consta do ponto 7 dos factos provados, por ser impossível estar a dividir as causas para as relacionar apenas com algumas divisões.

              Em suma, será de manter os factores apontados na redacção do ponto 7 (desenvolvendo-os tendo em conta a prova produzida e apreciada), acrescentando-se também os que são referidos ou pressupostos pela autora, mas sem dizer que os problemas são devidos a estes por não haver nenhuma prova disso, antes pelo contrário.

              Assim, o ponto 7 deve ser acrescentado do seguinte:

              Devido ao facto de o edifício ter mais de 60 anos, à deficiente impermeabilização dele, ao espaço onde está situado o rés-do-chão, à existência de um telheiro, às humidades interiores por serem 5 os habitantes, à falta de algum arejamento do espaço e de tratamento dos fungos, às deficiências nas canalizações do piso superior e do tubo de queda de águas residuais, e à deficiente ligação da tubagem de extracção de gases para o exterior do esquentador, as paredes encontravam-se com grandes manchas de condensação, com o estuque partido em diversas zonas e os caixilhos das janelas da sala, quarto e da casa de banho estavam apodrecidos.

                                                                 *

Quanto à alegação de facto não provada sob 14

              O tribunal recorrido deu como não provada a alegação feita pela autora de que “No logradouro os réus construíram um alpendre, sem qualquer licenciamento, o qual não foi terminado”.

              A motivação do tribunal para esta decisão já foi transcrita acima mas, para facilitar, transcreve-se de novo:

         “Sobre a matéria depuseram os réus e as testemunhas F e C (empregados da autora). [Est]as declarações revelaram-se pouco esclarecedoras, pela pouca isenção dos seus depoimentos, os réus tentando convencer o tribunal da posição que manifestaram na oposição, as testemunhas procurando sustentar a da sua entidade patronal. A pouca isenção apontada não permitiu a este tribunal valorar positivamente tais depoimentos sobre determinadas questões controvertidas (ex: sendo certo que no locado foi construído um alpendre, não logrou este tribunal apurar se o mesmo foi erigido pelos réus).”

              A autora diz o seguinte contra isto:

         [O tribunal desconsiderou] sem fundamento bastante, o depoimento da testemunha F, mas também a prova documental junta aos autos, em concreto, o contrato de arrendamento do locado junto como doc.1 à PI.

         Atente-se, antes de mais, que as partes outorgantes do contrato de arrendamento do locado, expressamente acordaram na cláusula 7.ª que os: a) tectos; b) pavimentos; c) paredes; d) portas e janelas; f) canalizações de água e esgotos; g) instalações e acessórios eléctricos; h) móveis e equipamentos de cozinha; i) louças e acessórios sanitários; encontravam-se todos em estado normal.

         Tendo as partes convencionado, ademais, na cláusula 9.ª do referido contrato, que o locado deveria ser entregue, findo o contrato, em bom estado de conservação e conforme o descrito na cláusula 7.ª, designadamente as instalações e canalizações de água, luz, aquecimento, esgotos e respectivos acessórios, as instalações sanitárias, os pavimentos, alcatifas, forros, pinturas, vidros, etc., devendo, por isso, os segundos outorgantes, sob pena de indemnização, tomar as medidas necessárias para a sua conservação, pagando à sua custa as necessárias reparações se se avariarem ou danificarem.

         Ora, alegaram os réus que quando outorgaram o contrato de arrendamento existia no logradouro do locado um alpendre inacabado e que por isso não foram eles que construíram o alpendre, limitaram-se a receber o locado com o alpendre inacabado e a entregarem o locado com o alpendre inacabado, não tendo feito quaisquer obras no mesmo.

         Acontece que, em parte alguma do contrato de arrendamento em causa é feita qualquer referência à existência de um alpendre inacabado erigido no logradouro do locado.

         Ora, atentas as regras da experiência comum, a existir um alpendre inacabado no logradouro do locado à data da celebração do contrato de arrendamento, sempre os arrendatários teriam exigido que se fizesse menção no contrato de arrendamento do locado à sua existência, ou, no mínimo, nunca teriam acordado com a indicação no contrato de arrendamento de que os tectos e paredes do locado se encontravam em estado normal.

         Resulta, ademais, do depoimento da testemunha F, procurador da autora, que se encontra gravado em CD, no ficheiro das 14h15 às 17h22 do dia 25/06/2018, do minuto 01:08:55 ao minuto 01:44:31:

         Advogado da autora: Olhe, quando eles foram para lá, a casa como é que estava?

         Test.: Estava impecável, paredes, tectos, o chão, estava impecável…

         Advogado: Estava impecável?

         Test.: Sim, sim, sim…

         Advogado: Portanto, eles viram a casa, estava tudo…

         Test.: Viram a casa de ponta a ponta…

         Advogado: E no contrato de arrendamento vinha lá referências às situações/anomalias que houvesse na casa?

         Test.: Sim.

         Advogado: Vêm/Têm sempre o cuidado de se fazer no início dos contratos e de meterem o estado em que estava?

         Test.: Sim, sim…

         Advogado: Olhe, quando eles foram para lá, nas traseiras, portanto, nas traseiras da casa tem um pequeno quintal. Havia lá algum telheiro?

         Test.: Não.

         Advogado: Tem a certeza?

         Test.: Sim, não havia telheiro nenhum…

         Advogado: E quando eles saíram?

         Test.: Estava lá…

         Advogado: Estava lá um telheiro?

         Test.: Sim.

         Advogado: Portanto, presumo que tenha sido eles a construir?

         Test.: Não tenho conhecimento, se fosse ele ou que não fosse, sei que… isso já lá não está, o empreiteiro já deitou aquilo abaixo à bastante tempo.

         Advogado: Quando foi a entrega das chaves eles entraram em contacto convosco para lá irem receber, ver se estava tudo como deve ser?

         Test.: Não nos entregaram chave nenhuma, as chaves mandaram-nas pelo banco para a Fundação.

         Advogado: Não entregaram nada?

         Test.: Não nos chamaram, não.

         (Transcrição do depoimento de 01:12:15 a 01:14:01)

         A sobredita testemunha afirmou peremptoriamente que não existia qualquer alpendre erigido no logradouro do locado aquando do arrendamento do mesmo aos réus, sendo o seu depoimento credível e isento, e a sua razão de ciência decorrente de ter sido a própria testemunha a mostrar o locado aos réus antes da celebração do contrato de arrendamento do mesmo.

         Além do supra exposto, no auto de vistoria junto como doc.4 à contestação, vistoria essa realizada “Aos 23/09/2010 (…)”, não é feita qualquer referência à existência de um alpendre inacabado no logradouro do locado.

         Sendo certo que, se tal alpendre já estivesse erigido à data da vistoria, os peritos teriam certamente constatado que as manchas de fungos já existentes àquela data no interior da cozinha do locado também poderiam eventualmente decorrer da falta de luminosidade causada pela construção do referido alpendre.

         Tal como constatou, aliás, a testemunha L no depoimento transcrito supra – de 2:05:32 a 02:08:46 -, quando referiu que a falta de luminosidade na cozinha decorrente da construção do referido alpendre era um factor de propagação do fungo aí existente.

         Concluindo-se, desta forma, que a construção do referido alpendre só veio agravar a propagação do fungo existente na cozinha do locado.

         Ora, resulta do acórdão do tribunal da Relação de Évora de 05/12/2013, proc. 1722/12.9TJLSB-E1, que “1 – Se no contrato de arrendamento ficou estabelecido que aquando da sua entrega ao senhorio o locado deve estar “em perfeito estado de conservação e limpeza”, deve o inquilino suportar os custos com a reposição do local no estado em que se encontrava antes das adaptações que efectuou no locado com vista a satisfazer as suas próprias necessidades. 2 – Incluem-se nessa responsabilidade a remoção de divisórias em pladur aparafusadas ao chão para separação de espaços na divisória arrendada, e bem assim as demais deteriorações resultantes dessa adaptação.”

         Mais, e conforme referiu e bem tribunal a quo “Ao senhorio apenas cabe a alegação e prova dos danos no locado, e ao inquilino a prova que eles resultaram da normal e prudente utilização do locado. Como facto impeditivo do direito do senhorio à reparação, cabe ao locatário alegar e provar que as verificadas deteriorações, aquando da entrega do prédio locado, resultaram da normal utilização daquele em conformidade com os fins do contrato ou que as deteriorações resultaram de causa que lhe não é imputável nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização da coisa.”

         Ou seja, sempre caberia aos réus, a prova de que o alpendre erigido no locado já existia à data em que os mesmos o tomaram em arrendamento.

         Prova essa que os réus também não fizeram.

     Pelo que, atenta a prova documental e a prova testemunhal produzida, sempre terá que considerar-se provada a alegação em causa.

              Os réus respondem que se no contrato não consta o logradouro, muito menos tinha que constar qualquer referência ao alpendre; e que a testemunha F afirma que desconhece quem construiu o alpendre, pelo que o seu depoimento não pode servir de prova de quem foi que o construiu.

              Decidindo:

              A fundamentação da discordância da autora divide-se em 4 partes.

              1.ª – O depoimento da testemunha F.

              Esta testemunha era procurador da autora, defendendo os interesses desta e já se viu acima, quanto a uma questão relevante, que a testemunha, contra a lógica das coisas, tentou demonstrar que a autora não teve conhecimento daquilo que constava da vistoria. Não tem, pois, credibilidade.

        2.ª – As regras da experiência comum: a existir um alpendre inacabado no logradouro do locado à data da celebração do contrato de arrendamento, sempre os arrendatários teriam exigido que se fizesse menção no contrato de arrendamento do locado à sua existência, ou, no mínimo, nunca teriam acordado com a indicação no contrato de arrendamento de que os tectos e paredes do locado se encontravam em estado normal.

             Mas não se aceita que exista tal regra da experiência comum. Antes pelo contrário. Os consumidores arrendatários aderentes de contratos já redigidos, como é o caso dos autos – o contrato é o preenchimento de um formulário da Porto Editora – não têm quase nenhum poder negocial e, por força das circunstâncias, têm por regra assinar aquilo que lhes é posto à frente, por saberem da inutilidade de tentarem alterar o que já está escrito. É isto que a experiência comum das coisas diz. Para além disso, o contrato em causa não engloba nenhum logradouro, pelo que os réus não tinham nenhuma razão para estarem a atentar no que existia no logradouro, que nem sequer se sabe se lhes foi mostrado.

         3.ª parte – Da vistoria de fl. 65v não consta a referência a qualquer telheiro/alpendre e a autora diz que se tal alpendre já estivesse erigido à data da vistoria, os peritos teriam certamente constatado que as manchas de fungos já existentes àquela data no interior da cozinha do locado também poderiam eventualmente decorrer da falta de luminosidade causada pela construção do referido alpendre.

                 Mas, se o alpendre já existisse, os peritos da vistoria poderiam ter achado que ele tinha pouco relevo para o efeito e poderiam não o ter mencionado. Não se aceita que possa existir a regra da experiência comum pressuposta pela autora, que teria de ser certa e inequívoca. E até se pode dizer que é muito pouco provável que o telheiro só tenha sido construído depois da vistoria, em Set2010, quando os réus já escreviam desde Março de 2008 cartas a reclamar obras da autora e em Set2010 a reclamar vistorias na CMA, portanto num clima já de litígio com a autora, sendo pouco provável que nesse contexto fossem dar armas à autora para que esta pudesse actuar contra eles.

              4.ª parte – O raciocínio lógico de que sendo a falta de luminosidade na cozinha decorrente da construção do referido alpendre um factor de propagação do fungo aí existente, tal seria um facto impeditivo do direito à reparação das deteriorações provocadas, pelo que caberia aos réus a prova de que o alpendre erigido no locado já existia à data em que os mesmos o tomaram em arrendamento.

              Mas é um raciocínio impossível de acompanhar: se o alpendre é uma obra que causa prejuízo ao locado, cabia à autora a prova de que ele foi feito pelos réus, como facto constitutivo do direito à indemnização dos danos que lhe foram provocados (art. 342/1 do CC).

              Mas, mais do que isso, as regras da distribuição do ónus da prova não servem para decidir o que ficou provado ou não. Servem, sim, para, tendo em conta os factos provados, decidir a questão contra aquele que não provou um facto que preenchia a previsão normativa que lhe atribuía o direito em causa ou contra aquele que não provou um facto que impedia ou previa a extinção ou a modificação do direito que é exercido contra si. Portanto, são regras jurídicas a utilizar na fundamentação de direito da decisão final e não regras para decidir o que ficou provado.

              Pelo que improcede esta impugnação da decisão da matéria de facto.

*

Recurso sobre matéria de direito

              O tribunal recorrido considera que a violação, pelos réus, do dever de restituição do locado em bom estado de conservação, previsto no art. 1043/1 do CC, só ficou provada em relação aos azulejos das paredes da sala, o que obriga à retirada do restante azulejo e transporte do material removido a vazadouro; aos estores que estavam danificados; e ao ladrilho da despensa que havia sido substituído, sem que o trabalho tivesse sido concluído. E com base no orçamento que consta dos autos (fl. 22), dado por reproduzido no ponto 13 dos factos provados, considerou que a autora deveria ser indemnizada do valor necessário à remoção de azulejos e à reparação de estores.

              A autora vem dizer que se provou que os réus também foram responsáveis pelo estado das paredes e caixilhos referidos no ponto 7 dos factos provados e pela construção do alpendre referido no ponto 14 dos factos não provados.

              Quanto à construção do alpendre, já se viu acima que não há prova de que seja como a autora diz.

              Quanto ao estado das paredes e dos caixilhos, face à alteração da redacção do ponto 7 dos factos provados, pode-se agora dizer que o facto de os 1.ºs réus viverem na casa, com as humidades interiores inerentes, decorrentes também da falta de arejamento da casa, contribuiu para o estado das paredes e dos caixilhos. E que para isso contribui também a falta de tratamento dos fungos.

              Mas, quanto à falta de tratamento dos fungos, não há motivo para a imputar aos réus, pois que não há prova de que os fungos tenham surgido depois de os réus terem ido habitar para a fracção, nem há prova (nem foi alegado) de que, se os réus fizessem esse tratamento, resolvessem o problema dos fungos, para mais tendo em conta todos os outros factores.

              Quanto à vivência, ela não pode ser censurada aos réus, pois que o facto de eles, por lá viverem, provocarem condensações interiores, não pode ser considerado uma utilização imprudente do locado (art. 1038/-d do CC).

              Quanto à falta de arejamento, trata-se apenas de um de variadíssimos factores que contribuíram para o estado de coisas, não se sabe minimamente em que proporção, para além de que é pouco provável, dada a natureza dos outros factores, que a falta de arejamento tivesse um relevo significativo. E, nestes termos imprecisos, essa falta de arejamento, também não pode ser considerada uma utilização imprudente do locado.

              Como se viu acima, na discussão da impugnação da decisão da matéria de facto, a autora invoca o facto de no contrato constar, com referência ao estado das coisas, por exemplo (por serem elas que importam principalmente para o caso), das paredes, portas e janelas, canalizações de água e esgoto, que ele era normal. Isso poderia ser aproveitado agora no recurso sobre matéria de direito para dizer que era aos réus que cabia a prova de que os fungos existiam antes e que não o fazendo se teria de decidir como se os fungos só tivessem surgido com os réus.

              Mas o que consta do contrato, quanto ao suposto estado normal das paredes e janelas e canalizações de água, não tem esta consequência. Desde logo, note-se que não deixa de ser significativo que no contrato não conste que o estado das paredes, janelas e canalizações de água é ‘bom’ em vez de ‘normal’. É que, se nada constasse do contrato, a lei presumiria que elas estavam em bom estado de manutenção (art. 1043/2 do CC). Ora, a autora/senhoria, apesar de ser a utilizadora de um contrato de adesão, nem mesmo assim considerou adequado, ao caso, dizer que as coisas estavam em bom estado, mas apenas num estado normal.

              Mais importante do que isso, o que se diz no contrato sobre o estado das paredes, janelas e canalizações refere-se, naturalmente, ao que é possível ver das coisas sem qualquer averiguação mais aprofundada, isto é, refere-se ao estado aparente delas, tal como ele é facilmente reconhecível, e ao não estado dele como resultaria de uma perícia que lhe tivesse sido feita.  

              Tendo em conta tudo o que se diz, quer na discussão da matéria de facto quer na de direito, compreende-se que exemplos de escola de deteriorações que são provocadas pelo desgaste de tempo e que não obrigam o locatário no momento da restituição sejam, precisamente, entre outras, a caixilharia apodrecida e as pinturas estragadas (veja-se Antunes Varela, CC anotado, vol. II, 4ª edição, Coimbra Editora, 1997, pág. 380) e compreender-se-á que toda a argumentação da autora não é mais do que tentar responsabilizar os arrendatários por algo que não há razão para dizer que sejam responsáveis.

              Ou seja, noutra perspectiva, a autora quer fazer responder os arrendatários por aquilo que, normalmente, está a cargo dos senhorios e que possibilita aos arrendatários pedir-lhes que resolvam a questão (como no caso o fizeram), ou resolverem o contrato. É o que resulta das normas dos arts. 1032 e 1033 do CC, que impõem ao locador a responsabilidade pelos vícios da coisa locada quando o defeito já existia ao tempo da celebração do contrato e não era facilmente reconhecível, como, por exemplos, humidades, infiltrações pelo telhado, bolores, cheiros, canalização deficiente, persistência de insectos ou outras pragas – exemplos colhidos de David Magalhães, A resolução do contrato de arrendamento urbano, Coimbra Editora, 2009, pág. 198, e relacionados com os vícios que põem em perigo a saúde do locatário ou dos seus familiares (art. 1050/2 do CC).

              Assim, a alteração da matéria de facto não permite concluir de forma diferente daquela a que a sentença recorrida chegou, também quanto à responsabilidade pelo estado das paredes e dos caixilhos.

              E, por isso, não se justifica que os réus sejam condenados a pagar os custos necessários à reparação das paredes e caixilhos e à demolição do alpendre, como quer a autora.

                                                                 *

                                             Aditamento de “facto”

              No complemento da sentença que supriu a nulidade da falta de apreciação do pedido de indemnização pela privação do uso, o tribunal recorrido fundamentou assim a absolvição também desse pedido:

         “Na sentença […] concluiu-se que deverá ser a autora indemnizada em 645€, acrescida de IVA à taxa legal, a fim de se efectuar reparação para remoção de azulejos das paredes da sala e reparação de estores. O orçamento que consta dos autos (fl. 22) que fornece base à indemnização a pagar pelos réus é omisso quanto ao tempo previsível para efectuar as reparações da responsabilidade destes, mas está o tribunal convicto que as obras em causa, não sendo de grande vulto, não implicarão para a autora que fique privada de fruir o locado durante um período de tempo que justifique ser indemnizada por tal.

         Pelo exposto, entendendo que não se justifica indemnizar a autora pela privação do uso do locado, absolvo os réus do pedido de pagamento de montante mensal de 502€ durante o período de tempo em que estiverem em curso as obras de reparação do locado.”

              Perante isto, no alargamento do objecto do recurso, a autora veio dizer que “na esteira do princípio do inquisitório, atendendo-se ao disposto no artigo 662/1 do CPC, e por apelo à prova produzida – para tanto, reapreciando-se a prova gravada –, deverá aditar-se aos factos provados que:”

         Durante o decurso das obras de reparação dos danos causados pelos 1ºs réus no locado, a autora estará privada de fruir do mesmo, não o podendo colocar, durante esse período, no mercado de arrendamento e receber, por essa via, como contrapartida, uma renda.

              A autora fundamenta assim esta pretensão de aditamento:

         “Não concordando […] com a decisão sobre a matéria de facto plasmada na sentença, a autora recorreu da mesma, pugnando, em síntese, que foi produzida prova da verificação de outros danos, os quais necessitam, também eles, de reparação. A saber:

         – reparação das paredes interiores degradadas, com grandes manchas de condensação e com o estuque partido em diversas zonas;

         – reparação dos caixilhos das janelas da sala, quarto e casa de banho que estavam apodrecidos;

         – demolição do alpendre erigido pelos 1.ºs réus no logradouro do locado, transporte do entulho para vazadouro, reboco das paredes danificadas e pintura.

         […]

         Importa, portanto, por ora, apurar se durante a realização das obras de reparação dos danos causados pelos 1.ºs réus no locado, ficará a autora privada de fruir do mesmo. Ora, esta questão não parece, contudo, suscitar controvérsia, pelo menos para o tribunal a quo que no complemento da sentença, não contesta a verificação do dano de privação de uso, antes o admite.

         Ora, desde há muitos anos que o imóvel dos autos foi destinado pela autora, sua proprietária, ao mercado de arrendamento, facto que é comprovável pelo próprio objecto dos presentes autos, que tem que ver com o incumprimento, por parte dos réus, do contrato de arrendamento. Sendo intenção da autora reintroduzir o locado no mercado de arrendamento, tal, exige, previamente, a realização de obras de reparação dos danos causados pelos 1.ºs réus no imóvel locado.

         Como prova do supra alegado, saliente-se o próprio contrato de arrendamento, junto como doc.1 à PI, que comprova que o imóvel em apreço estava no mercado de arrendamento, pelo menos, desde Maio de 2005.

         Por outro lado, aluda-se ao depoimento da testemunha C, procuradora da autora, que declarou, em audiência de julgamento, que a totalidade do prédio onde se encontra inserido o locado é pertença da autora, estando igualmente as demais fracções autonomizáveis/independentes arrendadas: […]”

             Os réus, entre o mais, dizem que o tempo necessário para fazer as obras daquilo por que foram julgados responsáveis não é mais do que um dia, pelo que não se justifica a indemnização pela privação do uso.

              Decidindo:

           Nesta parte, por um lado, a autora pretende, através da decisão da matéria de facto, resolver a questão de direito, ou seja, imputar a necessidade de obras à actuação dos réus.

              Por outro lado, a autora não adianta quaisquer elementos de prova da conclusão de facto que pretende tirar, já que a prova que invoca se refere a outra coisa, ou seja, à intenção que a move, e não à impossibilidade de uma família viver numa fracção enquanto se fazem obras nela. De resto, não se vê sequer como é que a demolição de um alpendre impedirá a habitabilidade de uma fracção. Com um pouco menos de razão – mas ainda assim suficiente – se dirá o mesmo quanto à substituição dos caixilhos das janelas. Já quanto à reparação das paredes, a hipótese é verosímil, isto é, não é muito razoável imaginar uma família a viver numa fracção enquanto as paredes da casa estão a ser reparadas, embora não deixe de ser possível, se a reparação for sendo feita divisão a divisão. Tendo isto tudo em conta, pode-se dizer que aquilo que a autora pretende aditar não são factos ou mesmo conclusões de facto que estejam provadas, mas antes juízos que poderão ou não ser feitos a nível de equidade para fixação de uma indemnização (art. 566/3 do CC).

              Foi isso que o tribunal recorrido fez, pelo que a questão deverá ser apreciada a esse nível e não como questão de facto.

                                                                 *

              Do recurso sobre a matéria da absolvição do pedido quanto à privação do uso.

              A autora não discute a construção da sentença, na parte em que diz que não se justifica a indemnização pela privação de uso apenas pelo tempo necessário à retirada do restante azulejo e transporte do material removido a vazadouro e à reparação dos estores.

              O que a autora diz é que, provando-se a responsabilidade dos réus também pelo estado das paredes e dos caixilhos e pela construção do alpendre, a impossibilidade do arrendamento da fracção pelo tempo necessário á reparação das paredes, substituição dos caixilhos e demolição do alpendre (eventualmente somado ao da retirada do restante azulejo e reparação dos estores), já justificará a indemnização pedida. E passa a citar jurisprudência que defende que, se se provar que a impossibilidade de arrendamento do locado se deve ao estado em que os arrendatários deixaram o locado, essa impossibilidade deve ser indemnizada.

              Como se concluiu que a responsabilidade pelo estado das paredes e caixilhos e pela construção do alpendre não pode ser assacada aos réus, a base da argumentação da autora deixa de existir, pelo que se continua a justificar a absolvição deste pedido.

          Não se deixe de dizer, entretanto, que a posição da autora é extremamente ambígua, já que na petição inicial pretendia apenas um mês de indemnização pela privação da possibilidade de arrendamento do locado durante as obras cujo valor pedia dos réus, pelo que, se tinha de entender que ela se propunha fazer ela mesma (através de terceiro) essas obras, durante aquele mês; e no recurso, por um lado refere, por várias vezes, que já fez as obras (e fala dos estragos como coisa do passado), o que está na lógica daquilo que queria, e, por outro lado, quer ser indemnizada por todo o tempo (no caso já lá vão 7 anos) que estiver privada da possibilidade de arrendar o espaço enquanto elas não foram feitas, o que pressupõe que elas ainda não foram feitas.

                                                                 *

              Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.

             Custas do recurso, na vertente de custas de parte (não há outras), pela autora (que foi quem perdeu o recurso)

              Lisboa, 06/06/2019.

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto