Processo do Juízo de Família e Menores do Barreiro – J2

              Sumário:

              I – O primeiro factor de atribuição da competência internacional dos tribunais portugueses para a regulação do exercício das responsabilidades parentais, quando as normas aplicáveis são as do CPC, é o da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado (arts. 59, 62/-a do CPC e 9/1 do RGPTC).

              II – Tendo a menor residido com a mãe em Angola de 2009 a 2012 e estando de novo a residir lá desde 2015 com a mãe (a qual já lá reside desde 2008), os tribunais portugueses não são internacionalmente competentes para a acção de alteração da regulação daquele exercício, intentada pelo pai em 2019.

              III – Em igual sentido apontariam as normas do Regulamento CE 2201/2003 e da Convenção de Haia de 19/10/1996, que não são aplicáveis por Angola não ser Estado membro ou contratante.

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

              No processo a que respeita este apenso, A veio requerer frente a B a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente à filha de ambos, C, nascida a 07/02/2006, o que acabou por ser feita a 13/07/2007, nos seguintes termos, na parte que interessa: a menor fica confiada à guarda e cuidados da mãe e a viver com esta, que exerce o poder paternal.

              A 15/02/2019, o pai veio requerer a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, frente à mãe, dada como residente em Angola, alegando, em síntese na parte que pode interessar, que:

         Em Dezembro de 2008, a mãe foi viver para Angola, tendo levado, por sua decisão unilateral, a filha consigo; até então a menor residiu em Portugal, onde frequentava o infantário e onde tem a família paterna alargada que, a par dos pais, a acompanhou durante os seus primeiros anos de vida. A menor esteve em Portugal a viver com o pai de 2012 a 2015; a menor passa largos períodos sozinha em casa, desde que a avó materna saiu de Angola; a menor não passa as épocas festivas com o pai, nem férias escolares, nem os aniversários, nem tampouco consegue visitar o pai regularmente, sendo que desde 2015 não vem a Portugal; entende que a menor terá melhor qualidade de vida e mais oportunidades estando a residir com o pai em Portugal, que tem um emprego estável que lhe permite ter estabilidade financeira, e que o acordo estabelecido em 2007 já não acautela as necessidades da sua filha.

              Por despacho de 27/02/2019, foi a petição indeferida por procedência da excepção dilatória da incompetência absoluta do tribunal, por infracção das regras de competência internacional (artigos 96/1, 97/1, 99/1 e 590/1 do Código do Processo Civil, ex vi do artigo 33 do RGPTC).

              O pai vem recorrer desta decisão – para que seja revogada e substituída por outra que julgue que o tribunal é internacionalmente competente para a questão suscitada sobre a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem na parte minimamente útil e com simplificações):

         “[…]

  1. A lei atribui ao tribunal deveres de gestão processual, impondo-lhe que providencie oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de acto que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo, nomeadamente através de despacho pré-saneador (cfr. artigos 6, n.ºs 1 e 2, e 590/2 do CPC).
  2. O tribunal a quo, ao entender que da petição inicial do pai não resultava claro o preenchimento dos pressupostos da atribuição de competência internacional dos tribunais portugueses, deveria ter convidado o pai a suprir essa falta (cfr. art. 590, n.ºs 3 e 4, do CPC) e, também, notificado a mãe para se pronunciar sobre essa atribuição (em conformidade com o princípio da autonomia da vontade das partes e da possibilidade de escolha das jurisdições).
  3. Sendo os pais da menor, bem como a própria menor, portugueses, pode entender-se que, com grande probabilidade, todos aceitariam as regras e os valores do Estado português e do seu ordenamento jurídico, com o qual todos têm uma ligação forte, desde logo, por força da respectiva nacionalidade.
  4. Aliás, a própria mãe já tinha considerado o tribunal a quo competente ao intentar no mesmo, no final do ano de 2018, uma acção de incumprimento das responsabilidades parentais contra o pai (competência esta que o tribunal a quo aceitou) (cfr. apenso B).
  5. Tendo o tribunal a quo deixado de providenciar pelo suprimento da excepção de incompetência, é a decisão recorrida nula, nos termos do art. 615/1d, 1.ª parte, do CPC, o que desde já se argui.
  6. A lei estabelece que a competência para decretar providências tutelares cíveis é do tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado, mas se, no momento da instauração, a criança residir no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, tem a competência o tribunal da residência do requerente ou do requerido (cfr. art. 9, n.ºs 1 e 7 do RGPTC).
  7. O tribunal a quo remeteu a determinação da competência internacional dos tribunais portugueses para a verificação de determinados elementos de conexão, dando maior relevo ao princípio da proximidade relativamente à criança.
  8. Não obstante, os factos materiais localizados em Portugal e alegados pelo pai na sua petição inicial, justificam a conexão da acção com a ordem jurídica portuguesa (cfr. art. 62/-a do CPC), atento o maior vínculo da menor com Portugal do que com Angola, considerando:

       − A regulação em Portugal das responsabilidades parentais da menor;

       − O nascimento da menor em Portugal;

     − A nacionalidade portuguesa da menor e de ambos os seus progenitores, tendo todos eles como referência a língua e o ordenamento jurídico portugueses;

    − A vivência de grande parte da vida da menor e de ambos os seus progenitores em Portugal: a menor sempre residiu em Portugal até Dezembro 2008, tendo aí frequentado o infantário, voltando a residir em Portugal entre 2012 e 2015, período em que residiu com o pai;

       − a presença da grande maioria dos pilares familiares da menor em Portugal: o pai, a madrasta, a irmã, a avó paterna, o avô paterno, os tios e demais família alargada, amigos da menor e da família (enquanto que em Angola encontra-se sozinha e desacompanhada em casa durante o período de trabalho da mãe);

      − A detenção do pai, em Portugal, de um emprego que lhe permite estabilidade financeira e oferecer à menor melhores condições de vida para o seu desenvolvimento, que poderá ser acompanhado e apoiado na família mais próxima com os inerentes benefícios, assim como maiores e melhores perspectivas de futuro;

         − A integração plena da menor, durante todos os períodos em que residiu em Portugal, manifestando hoje muitas saudades do pai, a cuja presença ainda não se desabituou.

  1. A menor está mais integrada em Portugal nas mais variadas dimensões: familiar, social e cultural, facto este que coloca os tribunais angolanos numa posição mais difícil em relação aos tribunais portugueses para tomar uma decisão abrangente de toda a realidade familiar, social e cultural da menor.
  2. O critério da residência da criança não pode ser objecto de uma interpretação puramente literal, nem ser considerado auto-suficiente, sob pena de manipulação do critério atributivo de competência internacional (fraude à lei), uma vez que bastaria a um dos progenitores levar a criança para o estrangeiro, para inibir a competência originária dos tribunais portugueses.
  3. O que, de resto, sucedeu no caso dos presentes autos: a mãe, a quem estava confiada a menor, levou-a para Angola, por sua exclusiva iniciativa, em desrespeito do acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais celebrado.
  4. O único elemento de conexão da menor com o estado angolano é o facto de aí residir com a mãe, sendo certo que esta apenas saiu de Portugal para Angola por aí ter encontrado uma oportunidade de emprego, ou seja, com a intenção de ficar por Angola a título meramente provisório, tendo em mente o regresso a Portugal (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08/03/2016 (proc. 2966/15.7T8VIS-B.C1).
  5. Além disso, o tribunal a quo considerou-se, há poucos meses atrás, competente numa acção de incumprimento das responsabilidades parentais intentada pela mãe contra o pai (cfr. sentença de 11/12/2018 constante do apenso B), pelo que não pode vir agora dar o dito por não dito, sob pena de venire contra factum proprium proibido por Lei.
  6. De notar que a presente acção intentada pelo pai também versa, à semelhança daquela que tinha sido intentada pela mãe, sobre o incumprimento – por parte da mãe – do acordo referente ao exercício das responsabilidades parentais.
  7. O tribunal a quo desconsiderou a posição de igualdade entre os progenitores.
  8. A fixação do sentido e do alcance da lei não pode restringir-se à sua letra, impondo-se, no caso dos presentes autos, a consideração dos demais elementos de conexão entre o objecto do presente litígio e a jurisdição portuguesa, em detrimento da residência actual da menor (cfr. art. 9/1 do CC).
  9. A eventual apreciação por tribunais angolanos da presente acção mostra-se contrária ao princípio da distribuição harmoniosa da competência entre as jurisdições estaduais, gerando incerteza sobre o foro competente, dado que os autos principais e demais apensos foram apreciados pelos tribunais portugueses.
  10. A sentença objecto do presente recurso incorre num vício de inconstitucionalidade normativa na medida em que, face à existência de outras interpretações normativas menos lesivas dos direitos do pai e mais consentâneas com uma interpretação conforme à Constituição e, em concreto, conforme ao superior interesse da menor, optou por aplicar a norma jurídica extraída da interpretação do art. 9, n.ºs 1 e 7 do RGPTC e dos arts 59 e 62 do CPC no sentido de que os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para apreciar a providência tutelar cível de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais da menor, violando o superior interesse da criança e o direito de parentalidade e da manutenção do vínculo entre pais e filhos em condições de igualdade (cfr. art. 36, n.ºs 3, 5 e 6 da Constituição)
  11. Sem prescindir e à cautela, o tribunal a quo sempre seria internacionalmente competente dado que boa parte dos factos integrantes da causa de pedir sempre teriam sido praticados em território português (cfr. art. 62/-b do CPC), conforme resulta do teor da petição inicial.
  12. Ainda sem prescindir e à cautela, o tribunal a quo também sempre seria internacionalmente competente porque, por um lado, o direito invocado pelo pai nunca poderia tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português; e, por outro, o pai sempre verificaria dificuldade apreciável na propositura da acção no estrangeiro, existindo, em ambos os casos, um elemento ponderoso de conexão entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa (entre outros, a nacionalidade portuguesa dos progenitores e da filha menor) (cfr. art. 62/-c do CPC).
  13. A distância geográfica e a diferença de valores e de regras que constituem o ordenamento jurídico angolano são factores de dificuldade relevante na apreciação da efectivação do direito do pai através do recurso aos tribunais angolanos.
  14. A favor do preenchimento do art. 62/-c do CPC, o Tribunal de Família e Menores do Porto (proc. 1628/12.1TMPRT), num caso em que ambos os progenitores do menor e o próprio menor residiam em Angola, decidiu ainda assim considerar os tribunais portugueses competentes ao abrigo da referida alínea.

         […]

                                                                 *

           Questões que importa decidir: da nulidade da decisão recorrida e da competência internacional dos tribunais portugueses.

                                                                 *  

              Os factos que interessam para estas decisões resultam do processado relatado acima.

                                                                 *

                                                       Da nulidade

                  Questão levantada pelo pai nas conclusões 2 a 6, inclusive.

              O tribunal recorrido pronunciou-se sobre ela, antes de remeter os autos a este tribunal de recurso: explicou que a excepção dilatória em causa é insuprível, pelo que a notificação do pai para o efeito [pretendido pelo pai] consubstanciaria um acto inútil e como tal vedado pelo disposto no art. 130 do CPC; e que o facto de ter admitido a competência para o incidente de incumprimento da pensão de alimentos não implica que a admita para esta alteração da regulação, pois que o critério da conexão é diferente, por ser o da residência do devedor, uma vez que se trata de cobrar alimentos.

              Decidindo:

             A incompetência absoluta é uma das excepções dilatórias que não é susceptível de sanação (Lebre de Freitas, obra citada, pág. 185, parte final da nota 7), pelo que o tribunal não poderia convidar o pai a suprir a falta do pressuposto em causa (art. 6/2 do CPC).

              E muito menos podia notificar (ou melhor: citar) a mãe para ver se esta aceitava a atribuição da competência, porque ao contrário do pretendido pelo pai no final da conclusão 3 a competência absoluta não poderia resultar de um acto da mãe posterior à citação.

              O princípio da autonomia da vontade das partes e da possibilidade de escolha das jurisdições, a que o pai se refere, apenas poderia ter relevo se o pai invocasse a existência de algum pacto de jurisdição. O princípio da autonomia e da possibilidade de escolha não funciona através da não oposição a uma acção colocada num tribunal de uma jurisdição incompetente (arts. 59 e 94 do CPC).

              Por fim, o facto de o tribunal ter aceitado a competência para o incidente de incumprimento da obrigação do pagamento da pensão de alimentos pelo pai (o pai esqueceu-se de dizer que o incumprimento era desta obrigação), não imporia que aceitasse a competência para a acção de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, porque, sendo questões diferentes, se regem por regras de competência diversas, como já foi explicado pelo tribunal recorrido. Realmente, o pai não estaria à espera que fosse o tribunal angolano a determinar a cobrança coerciva da obrigação de alimentos a uma entidade patronal portuguesa de um trabalhador português a viver em Portugal.

              Em suma, a decisão recorrida não contém nenhuma nulidade.

                                                                 *

                                 Da competência dos tribunais portugueses

            Angola não tem com Portugal nenhuma convenção aplicável à questão da competência dos tribunais quanto às acções de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais (o que pode ser confirmado aqui: https://www.atlascplp.csm.org.pt/chttps://www.hcch.net/pt/instruments/conventions/status-table/?cid=70onventions), nem é parte na Convenção de Haia de 19/10/1996, relativa à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de responsabilidade parental e medidas de protecção das crianças (aprovada entre nós pelo DL 52/2008, de 13/11), como esclareceu já o tribunal recorrido e se pode confirmar em https://www.hcch.net/pt/instruments/conventions/status-table/?cid=70

              Assim, são as regras dos arts. 62 e 63 do CPC que regem a questão; sendo evidente que o caso não cabe em qualquer das competências exclusivas previstas no art. 63, resta o que consta do art. 62 do CPC que trata dos factores de atribuição da competência internacional, dispondo o seu n.º 1 que “os tribunais portugueses são internacionalmente competentes: […]”

              São três as possibilidades que se passam a analisar subsequentemente:

              Primeira:

             a) Quando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa.

              As regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa são, no caso, apenas as que constam do art. 9 do RGPTC, cujo n.º 1 diz: Para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado.

              Ora, no caso, o pedido de alteração é uma nova acção de regulação do exercício das responsabilidades conjugais, como aliás resulta claramente do art. 42/1 do RGPTC, e o menor reside, obviamente, em Angola, com a mãe.

              Assim sendo, como o caso cabe nitidamente nesta previsão, não havendo qualquer dúvida possível quanto a isso, e os números 2, 3 e 4 não são aplicáveis perante o preenchimento desta previsão, os números 5 e 6 não são aplicáveis porque o caso só diz respeito a uma criança, e os números 7 e 8 não são aplicáveis porque pressupõem que já tenha sido atribuída a competência internacional [neste sentido, quanto ao n.º 8, veja-se o ac. do TRL de 19/05/2016, proc. 4413/15.5T8VFX.L1-2: “Sendo aqui de assinalar que no transcrito n.º 8, não se define qualquer critério de atribuição de competência internacional aos tribunais portugueses, mas, tão só, de atribuição de competência territorial ao tribunal nacional, na hipótese de ele ser internacionalmente competente”], tanto basta para se concluir que as regras da competência territorial não permitiam que a acção fosse proposta em Portugal.

                                                                 *

              Segunda

            b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;

             O pai, na conclusão 20, diz que “boa parte dos factos integrantes da causa de pedir sempre teriam sido praticados em território português (cfr. art. 62/-b do CPC), conforme resulta do teor da petição inicial.” Mas não diz quais os factos a que se está a referir (sendo que o corpo das alegações, sendo igual à conclusão, não contém nada mais do que esta).

            “Ora – como diz o tribunal recorrido – no caso dos autos, residindo a menor com a mãe, a quem foi atribuída a residência da menor nos autos principais, em Angola, desde 2015, ou seja há três anos, ocorrendo os factos principais alegados pelo pai na sua petição inicial, que constituem a causa de pedir, em Angola, designadamente o facto de a criança aí passar períodos sozinha em casa, sem que existam contactos frequentes com o pai desde 2015, conforme o mesmo alega nos artigos 12º e 13º da sua petição inicial, facilmente se vislumbra que […] o tribunal que melhor acautelará o interesse da menor será o da sua residência desde 2015, uma vez que, é esse o tribunal que, atenta a proximidade relativamente à criança poderá avaliar se junto da mãe o superior interesse da mesma estará devidamente acautelado.”

              Isto está de acordo com a definição de causa de pedir dada por Lebre de Freitas: “corresponde ao núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido” (A acção declarativa comum, 4.ª edição, Gestlegal 2017, pág. 50).

            De resto, tendo em conta o objecto da acção de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, dificilmente se imagina que ela possa ter, em concreto, uma causa de pedir que não tenha a ver com a situação do menor no país onde se encontre. Daí que, em todos os casos que se vão referir, não se tenha visto um único em que o princípio da causalidade tenham sido invocado para fundamentar, na decisão, a competência dos tribunais portugueses.

              Assim sendo, a previsão em causa não é aplicável ao caso dos autos.

                                                                 *

              Terceira: 

            c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da acção no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.

              Ora, a pretensão do pai pode tornar-se efectiva por meio de uma acção proposta em Angola e neste país não se verifica nenhuma das situações que são dadas como exemplos de causas de dificuldades apreciáveis na propositura da acção no estrangeiro: situações de guerra ou de ausência de relações diplomáticas.

              Ou seja, nem sequer a primeira parte desta previsão normativa está preenchida.

              Neste sentido, veja-se o ac. do TRL de 19/05/2016,  4413/15.5T8VFX.L1-2:

         II – Em qualquer caso [ou seja, se não fosse aplicável, como no caso era, a CH de 1996, mas sim o CPC – parenteses deste TRL], residindo a mãe/requerente da regulação do exercício das responsabilidades parentais, com o menor, na Suíça, nunca se verificaria a situação prevista no artigo 62/-c) do CPC. III – Nesta situação, a competência internacional para a requerida regulação é dos tribunais helvéticos.

         […]

                                                                 *  

              Ou seja, não há nenhum factor de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses, como decidiu bem o tribunal recorrido e o que antecede seria bastante para confirmar a decisão recorrida e evitar-se-ia complicar aquilo que é simples.

                                                                 *

              Veja-se, no entanto, algumas das conclusões do pai em concreto:

Do princípio da necessidade e o ac. do TFMP

              Nas conclusões 21 a 22 o pai invoca este princípio e na conclusão 23 invoca uma decisão do Tribunal de Família e Menores do Porto (proc. 1628/12.1TMPRT) a favor da sua tese de que, apesar de a mãe do menor e o próprio menor residirem em Angola, os tribunais portugueses devem ser considerados competentes ao abrigo do art. 62/-c do CPC.

              Admitindo-se a hipótese excepcional de o pai não ter lido esta decisão do TFMP na base de dados da DGSI/MJ onde foi publicado o acórdão que recaiu sobre ela e que o contém, fica agora esclarecido que a decisão em causa é uma decisão de um tribunal de primeira instância que foi revogada pelo acórdão do TRP de 11/11/2014, proc. 1628/12.1TMPRT-A.P1, que diz:

         “Para que a jurisdição nacional seja competente para apreciar uma questão plurilocalizada é necessário, além do mais, que o direito invocado apenas se possa efectivar por meio de acção proposta em Portugal ou que constitua para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro.”

              E este acórdão do TRP foi confirmado pelo STJ de 30/04/2015, proferido na revista 1628/12.1TMPRT-A.P1.S1, que está publicado na colectânea de acórdão do STJ de 2015, no sítio deste na internet, com o seguinte sumário:

         I – A competência internacional refere-se a causas que comportam uma ou várias conexões com uma ou várias ordens jurídicas distintas do ordenamento do foro, seja, da lei do Estado onde a acção foi proposta.

         II – A competência internacional dos tribunais portugueses deve ser aferida, na falta de instrumentos internacionais, pelo pedido e pela causa de pedir invocados na petição inicial.

         III – Prevê o art. 62/-c do CPC, o princípio da necessidade – forum necessitatis –, sendo o seu primordial objectivo evitar que, em caso de conflito negativo de jurisdições, um direito fique sem garantia judiciária. Assim se obstando à denegação de justiça.

         IV – Consagra tal preceito o alargamento da competência internacional dos tribunais portugueses às situações em que o direito invocado apenas se possa efectivar por meio de acção proposta em território português ou que se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da acção no estrangeiro.

          V – Tal dificuldade deve ser manifesta, à luz dos princípios da boa fé, podendo tanto ser jurídica como material ou de facto.

         VI – Verifica-se a primeira quando nenhuma das jurisdições com as quais o caso se encontrar conexo se considerar competente para o conhecimento da acção ou quando a jurisdição estrangeira não reconhece, em abstracto o direito carecido de tutela. Pode verificar-se a segunda, como é tradicionalmente entendido, em caso de guerra ou de ausência de relações diplomáticas.

         VII – Não se pode confundir o direito processual (adjectivo) e a consequente questão da competência do tribunal, com a questão de fundo ou de mérito, que é a de saber se o recorrente tem o direito material que se arroga.

         VIII – Numa acção de regulação das responsabilidades parentais em que tanto o menor como os seus pais têm nacionalidade portuguesa, embora residam habitualmente em Angola, existe um elemento ponderoso de conexão pessoal entre o litígio e a ordem jurídica portuguesa.

         IX – Contudo, atenta a singeleza da matéria de facto apurada, e não se vendo que o direito à regulamentação das responsabilidades parentais não possa ser exercido em Angola, nem que o autor tenha apreciável dificuldade na propositura da acção no estrangeiro, nada mais existe como integrador do mencionado princípio da necessidade.

                                                                 *

                                               Da residência da mãe

              A invocação do art. 9/7 do RGPTC, não tem razão de ser, como já se disse, pois que esta norma pressupõe (como claramente resulta do seu teor) que já esteja estabelecido que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes.

              Isto afasta toda a relevância que o pai pretende retirar da construção que faz, qual seja, a de que a mãe tem residência em Portugal. Construção que é contra todas as evidências, pois que decorre da petição inicial que a mãe desde 2008 até agora (Fev2019) está a viver/residir em Angola (conclusões 7 e 13). E a mãe não disse, no apenso a que se está a referir a conclusão 13, que a sua intenção era ficar em Angola a título meramente provisório, tendo em mente do regresso a Portugal, sendo inaceitável que o pai diga isso com base apenas no facto de a mãe ter dito que “teve uma oportunidade de emprego em Luanda, a qual era deveras aliciadora, e impossível de não aceitar, sobretudo devido ao facto de estar desempregada” e nada mais.

              O ac. do TRC (citado na conclusão 13) não dá razão ao pai, pois que nele se dá como provado que a mãe tinha o seu centro de vida civil e pessoal em Viseu (como se lê no respectivo sumário), enquanto no caso dos autos, repete-se, o pai diz que a mãe está em Angola desde 2008 (e a acção foi proposta em 2019).

                                                                 *

                                              O direito comunitário

              Sendo a residência da menor em Angola e sendo aplicável, ao caso, apenas o art. 62 do CPC, não tem razão de ser toda a tentativa, do pai, em arranjar outros factores de conexão do caso com Portugal, com base no regime da competência previsto na legislação comunitária (conclusões 9 e 10, 17 e 18).

              Mas, fosse aplicável o regime comunitário (se Angola fosse membro de UE), ele conduziria exactamente, ou ainda mais perfeitamente, à conclusão de que a competência não era dos tribunais portugueses.

              É que em relação a esse regime tem sido dito pelo Tribunal de Justiça da União Europeia que (os dois acórdãos que se seguem são lembrados por Miguel Teixeira de Sousa, no post Jurisprudência (772) publicado no blog do IPPC em comentário ao ac. do TRC de 11/10/2017 (6484/16.8T8VIS.C1):

         O conceito de «residência habitual», na acepção do artigo 8/1 do Regulamento n.º 2201/2003, deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponde ao local que revelar uma determinada integração do menor num ambiente social e familiar. Para esse fim, devem ser tidas em consideração, nomeadamente a duração, a regularidade, as condições e as razões da permanência no território de um Estado‑Membro e da mudança da família para esse Estado, a nacionalidade do menor, o local e as condições de escolaridade, os conhecimentos linguísticos, bem como os laços familiares e sociais que o menor tiver no referido Estado. Incumbe ao órgão jurisdicional nacional determinar a residência habitual do menor tendo em conta o conjunto das circunstâncias de facto relevantes em cada caso concreto [TJ 02/09/2009 (C-523/07)].

         O conceito de «residência habitual», na acepção dos artigos 8 e 10 do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27/112003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.º 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponde ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar. Para tanto, e quando está em causa a situação de uma criança em idade lactente que se encontra com a mãe apenas há alguns dias num Estado‑Membro diferente do da sua residência habitual, para o qual foi deslocada, devem designadamente ser tidas em conta, por um lado, a duração, a regularidade, as condições e as razões da estada no território desse Estado‑Membro e da mudança da mãe para o referido Estado e, por outro, em razão, designadamente, da idade da criança, as origens geográficas e familiares da mãe, bem como as relações familiares e sociais mantidas por esta e pela criança no mesmo Estado‑Membro. Cabe ao órgão jurisdicional nacional fixar a residência habitual da criança tendo em conta todas as circunstâncias de facto específicas de cada caso.            Na hipótese de a aplicação dos critérios acima referidos levar, no processo principal, a concluir que a residência habitual da criança não pode ser fixada, a determinação do tribunal competente deveria ser efectuada com base no critério da «presença da criança» na acepção do artigo 13 do regulamento [TJ 22/12/2010 (C‑497/10 PPU, Mercredi/Chaffe)].

              O Prof. Miguel Teixeira de Sousa diz que o TJ definiu nos acórdãos referidos a residência habitual da criança como um conceito autónomo, fazendo-o coincidir, no essencial, com o lugar no qual a criança tem o seu centro de interesses […].      E depois acrescenta: “De acordo com os critérios estabelecidos nos acórdãos do TJ, não parece que, atendendo às características do caso sub iudice, o tribunal português devesse ter sido considerado competente. […]”.

              Ora, o TRC de 11/10/2017 tinha, a partir da consideração de que “o menor se encontra a viver com sua mãe na Alemanha apenas desde Abril de 2012, tendo vivido em Portugal desde a data do nascimento 10/11/2004 até Abril de 2012 data em que foi viver para a Alemanha” [não se diz até quando mas sabe-se que o processo tem número do ano de 2016, o que parece suficiente para se concluir que o menor vivia com a mãe na Alemanha há 4 anos] e da consideração de que, por outro lado […] o menor, até ir com sua mãe para o estrangeiro, Alemanha, sempre viveu em Viseu, com os progenitores, que nesta cidade continuam a viver as famílias de ambos os progenitores, designadamente avós e tios, que mantinham relacionamento pessoal com o menor e respectivos progenitores”, concluído que os tribunais portugueses é que seriam competentes.

              Portanto, se se aceitar a crítica feita por Miguel Teixeira de Sousa – e ver-se-á de seguida que é de aceitar e que o STJ tem ido no mesmo sentido – o facto de a criança residir com a mãe há 4 anos no país estrangeiro é um facto muito mais relevante que os outros factores que o TRC e o pai destes autos apontam.

              Assim, por exemplo, o acórdão do STJ de 26/01/2017, processo 1691/15.3T8CHV-A.G1.S1, disse:

I- Nos termos do art. 8/1 do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.

II- O conceito de residência habitual, ou permanente, traduz em especial uma ideia de estabilidade do domicílio, assente, designadamente, num conjunto de relações sociais e familiares, demonstrativas da integração na sociedade local.

III. Residindo a menor, desde que nasceu, no Luxemburgo, com a mãe, que aí reside há cerca de oito anos, são os tribunais desse país os competentes para conhecer da acção de responsabilidade parental relativa à menor.

            Este acórdão do STJ revogou o ac. do TRG de 12/07/2016, proc. 1691/15.3T8CHV-A.G1, que, pelo contrário, muito na linha daquilo que o pai destes autos defende, considerou na prática irrelevante o facto de a criança residir no Luxemburgo com a mãe há 2 anos, embora reconhecesse que numa “interpretação meramente literal do art. 8/1 do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, é manifesto que, em princípio, seriam os tribunais do Luxemburgo, país onde a menor residia quando a presente acção foi instaurada, os tribunais competentes para decidir o litígio”, e acabou por confirmar a sentença recorrida [que considerou competentes os tribunais portugueses], por considerar que “corresponde ao interesse da menor, porquanto os pais, a menor e a respectiva família têm nacionalidade portuguesa, a menor apenas tem dois anos de idade [e] o pai reside em Portugal […].”

            No sentido correcto, veja-se ainda o ac. do TRC de 27/2/2018 (1356/15.6T8FIG-A.C1):

         II – Na consideração inicial (12) do Regulamento [CE 2201/2003] diz-se que ‘as regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental’.

         III – Daí que no art. 8/1 do citado Regulamento se estatua que ‘os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal’.

         IV – Da Consideração (12) citada resulta o chamado critério de proximidade (residência habitual da criança) -, que se afigura ser também o superior interesse do menor, dado que vive com o pai e em Espanha, o que não é posto em causa na presente acção.

         V – No presente caso e conforme é alegado pela própria requerente/recorrente, a menor B… reside em Espanha desde Agosto de 2017, portanto há já mais de 3 meses à data da propositura da presente acção – 27/11/2017 -, na companhia do pai, cuja responsabilidade parental exclusiva não é posta em causa na ação, face ao falecimento da mãe da menor em 21/08/2017, pelo que nos termos do art. 8/1 do Regulamento são internacionalmente competentes para conhecer desta acção os tribunais espanhóis.

                                                                 *

Da deslocação por decisão unilateral da mãe

              O pai tenta sugerir que a deslocação da menor foi ilícita, por violar o acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais (conclusões 11 e 12).

              Mas, desde logo, não é verdade que assim seja, porque o acordo, de 2007 (anterior aliás à Lei 61/2008, de 31/10), nada dizia sobre isso e o pai não alega sequer que a deslocação da menor para Angola tenha ocorrido sem o seu conhecimento e consentimento.

              Depois, mesmo que tal tivesse acontecido em 2008 já se passaram 11 anos, e a menor já esteve em Portugal – segundo o pai alega – e voltou novamente para Angola, sem que o próprio pai diga que tenha havido qualquer oposição dele a essa ida.

              Por fim e principalmente para o que importa, voltando ao regime comunitário invocado pelo pai, diga-se que o art. 10 do Regulamento (CE) 2201/2003 dispõe o seguinte:

Competência em caso de rapto da criança

Em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, os tribunais do Estado-Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas, continuam a ser competentes até a criança passar a ter a sua residência habitual noutro Estado-Membro e:

a) Cada pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda dar [sic] o seu consentimento à deslocação ou à retenção; ou

b) A criança ter estado a residir nesse outro Estado-Membro durante, pelo menos, um ano após a data em que a pessoa, instituição ou outro organismo, titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, se esta se encontrar integrada no seu novo ambiente e se estiver preenchida pelo menos uma das seguintes condições:

i) não ter sido apresentado, no prazo de um ano após a data em que o titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, qualquer pedido de regresso desta às autoridades competentes do Estado-Membro para onde a criança foi deslocada ou se encontra retida,

ii) o titular do direito de guarda ter desistido do pedido de regresso e não ter sido apresentado nenhum novo pedido dentro do prazo previsto na subalínea i),

iii) o processo instaurado num tribunal do Estado-Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas ter sido arquivado nos termos do n.º 7 do artigo 11,

iv) os tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas terem proferido uma decisão sobre a guarda que não determine o regresso da criança.

              Ora, tendo em conta o que se disse no terceiro parágrafo do começo desta parte, o que antecede bastaria para retirar qualquer eventual ilicitude à deslocação da menor no caso dos autos e, por outro lado, chama a atenção para o relevo de uma criança estar a residir num país há mais de 1 ano, sendo que no caso dos autos tal já acontece há 3 anos consecutivos e prolongados até hoje (para além de que lá viveu pelo menos ainda mais 5 dos seus 13 anos de idade) e em que o pai nada aponta contra a integração social da menor no novo país, apenas fazendo o reparo de a menor passar largos períodos sozinha em casa desde que a avó materna se foi embora da Angola.

              Ou seja, a legislação comunitária – invocada pelo pai – até fornece dados para considerar que a residência da menor em Angola, há mais de 3 anos, com a mãe, é relevantíssima e não poderia conduzir nunca à competência dos tribunais portugueses.

                                                                 *

                                            Do direito convencional

              E no mesmo sentido – relativamente às duas partes que antecedem – vai a Convenção de Haia de 1996, com o seu artigo 7 com redacção semelhante à daquele art. 10, como decorre, por exemplo, das considerações tecidas no ac. do TRL de 11/12/2018 (1393/08.7TCLRS-D.L1-1): 

[…]

VI. A deslocação da criança para o estrangeiro levada a cabo pelo progenitor a quem está confiada a sua guarda sem o consentimento do outro cônjuge é ilícita, na acepção da CH80.

VII. A ‘residência habitual’ para efeitos da Convenção de Haia relativa à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de responsabilidade parental e medidas de protecção das crianças’ concluída em 19/10/1996 (doravante CH96) é um conceito autónomo, de natureza fáctica a preencher casuisticamente em função das circunstâncias de educação, interacção social e relações familiares, apreciadas quer pelo prisma da ‘intenção parental’ quer pelo prisma do ‘ambiente da criança’, não tendo necessariamente de verificar-se uma determinada extensão temporal para se verificar a mudança de residência habitual; e como exemplos de situações que importam mudança de residência para outro Estado apontam-se a ‘intenção de começar uma nova vida em outro Estado’ ou a ‘mudança definitiva, ou potencialmente definitiva, para outro Estado’.

VIII. Tendo o progenitor a quem está confiada a guarda da criança ido viver para a Suíça levando consigo a mesma, que aí passou a viver e a frequentar a escola, é de considerar que a criança adquiriu residência habitual na Suíça.

IX. A CH96 afasta a regra geral de atribuição de competência à jurisdição da residência habitual do menor, em favor da jurisdição da residência habitual imediatamente anterior, em caso de afastamento ilícito, enquanto se verificarem certas condições.

X. Uma dessas condições é a não aceitação do afastamento pelo progenitor que não consentiu na deslocação.

XI. O progenitor que confrontado com a deslocação da criança para outro país sem o seu consentimento declara que não pretende o regresso da criança mas apenas assegurar o seu direito de visita e contacto regular está a aceitar o afastamento.

XII. Nas descritas circunstâncias a competência para a regulação do exercício das responsabilidades parentais, ainda que na modalidade da sua alteração, pertence à jurisdição suíça.

                                                                 *

Da pretensão do pai quanto a alimentos

              O pai volta a invocar este incidente de incumprimento dos alimentos na conclusão 14, que não traz nada de novo em relação ao já apreciado atrás, mas tal serve-lhe para lembrar, nas conclusões 15 e 16, que ele próprio também pede, nesta acção, que a mãe pague alimentos que diz estarem em dívida (embora também aqui se refira, em termos genéricos, ao incumprimento do exercício das responsabilidades parentais).

              Ora, primeiro, o pai, no recurso, expressamente restringiu (veja-se acima a transcrição que se faz do “pedido” do recurso na síntese que dele se fez depois da transcrição da decisão recorrida) o objecto dele à competência para a alteração da regulação, o que podia fazer ao abrigo do art. 635/2 do CPC.

              Depois, não sendo o tribunal internacionalmente competente para o pedido correspondente à forma de processo usado, não era o facto de o pai ter cumulado um outro pedido (para o qual o tribunal pudesse ser competente) com aquele que levaria à atribuição da competência para aquele.

                                                                 *  

                                            Da inconstitucionalidade

              Na conclusão 19 o pai levanta esta questão, embora não diga qual a interpretação das normas que seria a constitucional.

           Mas, face a tudo o que já se disse, tem todo o sentido, como até se vê da comparação com o direito comunitário e do direito convencional, que a competência internacional para as acções de regulação do exercício das responsabilidades parentais seja atribuída, em primeira linha, aos tribunais da residência efectiva dos menores, devido precisamente ao interesse dos menores, que, nestas questões, é superior ao dos seus pais, pelo que a interpretação do regime do CPC nesse sentido não viola nenhum dos direitos invocados pelo pai.                

                                                                 *

              Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.

              Custas pelo pai, por ter perdido o recurso.

              Lisboa, 24/10/2019

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto