Embargos de terceiro – Juízo de Execução de Almada

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados

        A. Por sentença datada de 11/07/2014, já transitada em julgado, proferida no processo 5990/13.0TBSXL do 1.º juízo cível do Seixal, J1, que consubstanciou, entre o mais, uma acção de reivindicação, A, dada como solteira, foi condenada a (i) restituir a B, o imóvel sito na Rua C, descrito na Conservatória do Registo Predial de D sob o n.º 000/20081009 e inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o art. 111 daquela freguesia, livre de pessoas e bens; (ii) a pagar a B uma indemnização no valor mensal de 291,85€ contabilizada desde Setembro de 2012 e até à restituição do imóvel a B e (iii) no pagamento das custas do processo.

           B. A 13/11/2014, B requereu nos próprios autos [remetidos para o juízo de execução de Almada] a execução [que recebeu o n.º 5212/14.7T8ALM] da sentença para entrega de coisa certa (imóvel) – despejo [sic]; entrega de quantia certa – indemnização (7588,10€ = 291,85€ mensais de Setembro de 2012 a Novembro de 2014 + 291,85€ desde Dez2014 até à efectiva restituição do imóvel); e de quantia certa – custas processuais (612€), no valor total de 8491,95€.

          C. A 01/07/2016, consta no processo uma consulta às bases de dados da segurança social, em que a executada A é dada como residente numa outra morada [Rua de E].

        D. A 12/09/2016, a secção de processos emitiu uma solicitação ao serviço externo para entrega e notificação, com o seguinte teor:

O magistrado judicial deste tribunal, manda que em cumprimento deste e com observância das formalidades legais, se proceda à entrega do imóvel sito na Rua C, nos termos do requerimento que se anexa.

E consta: O oficial de justiça requisitará a força pública e a assistência de qualquer autoridade administrativa, se for necessário arrombar as portas ou vencer qualquer resistência material, lavrando auto de ocorrência.

Executado(s): A, com morada na Rua C.

            E. A 25/06/2018 foi emitido mandado para entrega do imóvel emitido pelo tribunal, assinado pela Srª juíza, e ainda se solicitou que, “após a realização da acima ordenada diligência, a citação da executada para os termos da presente acção, fazendo-se-lhe entrega dos duplicados da petição inicial.

        F. Tudo o que antecede, ocorreu na acção declarativa e na execução (a esta este tribunal de recurso teve acesso pelo citius e dela consta a sentença de condenação).

          G. A 13/07/2018, F, dando-se como solteiro e residente na Rua C, deduziu embargos de terceiro, alegando, em síntese, que tomou conhecimento de que teria sido ordenada a desocupação do andar onde reside e supra indicado; a execução corre seus termos G [sic], o qual já não reside no locado há mais de 5 anos; desde Setembro de 2014 que o ora embargante e a sua companheira foram autorizados verbalmente a residir no locado e que muito em breve iriam ser contactados pelo B para se estabelecer o valor da renda e lhe ser entregue uma declaração para alterar a titularidade dos contractos de água e electricidade; em Setembro de 2014 foi comunicada a B a qualidade de utilizador do locado por parte do então companheiro da embargante [sic] e não para além [sic] de não ter sido exigida a ocupação [sic] foi garantido que iriam ser convocados para celebrar contrato de arrendamento, designadamente com fixação do valor da renda até porque ambos trabalhavam nas feiras. O embargante sempre ai residiu com a filha menor, actualmente com 17 anos. Temos assim que ao longo de 6 anos o embargante e a sua companheira [sic] sempre se comportaram como sendo donos da casa, até que fosse assinado o contrato de arrendamento. Todos os anos se deslocam, por várias vezes a B a fim de lhe ser dado encaminhamento ao pedido de regularização. Sucede que, contrariamente ao que era suposto, B, entidade administrativa, nunca se dignou comunicar as razões de facto e de direito que têm presidido à omissão de regularização em conformidade com a pretensão formulada pela interessada. Sucede que o embargante tem direito, com base na utilização do locado há mais de 5 anos a que B profira um acto administrativo de concessão ou de recusa da pretensão, sob pena de se considerar que o mesmo abuso do direito que lhe foi conferido para gerir o parque habitacional exclusivamente social, ou seja, destinado a ser atribuído a pessoas carenciadas como comprovadamente é o caso do embargante.

           H. A 03/10/2018, um Sr. funcionário judicial lavrou uma cota, na execução, onde deixou consignado que, tendo-se verificado que deu entrada um requerimento de embargos nos autos principais do tribunal de Almada, tendo sido o mesmo contactado telefonicamente a solicitar informação acerca do referido requerimento de embargos, foi esta secção informada para o presente mandado aguardar despacho sobre os mesmos, encontrando-se assim o presente mandado a aguardar resposta.

          I. A 01/10/2018, foi proferido despacho a “convida[r] o embargante a alegar [no prazo de 10 dias] a data em que teve conhecimento da execução/auto de penhora ou qualquer acto processual contra o qual requer os embargos de terceiro.”

             J. O embargante nada fez e no dia 25/10/2018 foi proferido o seguinte despacho, que se transcreve na parte que importa:

Nos termos do artigo 342/1 do CPC, se a penhora ou qualquer acto, judicialmente ordenado, de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro. Podem, ainda, ser deduzidos embargos de terceiro a título preventivo, antes de realizada, mas depois de ordenada, a diligência ofensiva (cfr. artigo 350 do CPC).

Nos termos do artigo 345 do CPC, os embargos serão recebidos depois de realizadas as diligências probatórias necessárias, caso haja probabilidade séria da existência do direito invocado pelos embargantes.

No caso em apreço, o embargante não alegou a data em que teve conhecimento da realização da diligência.

Conforme resulta do art. 344/2 do CPC, o embargante tem que deduzir a sua pretensão nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa.

Considerando que decorreram mais de 30 dias entre a data da realização da penhora e a data da propositura dos presentes embargos, indefiro liminarmente os presentes embargos (cfr. artigos 344, 345 e 347 do CPC).

               K. O embargante recorre deste despacho – para que (I) seja revogado, (ii) seja notificado o AE [sic] para, sob pena de incorrer no crime de desobediência, se abster de prosseguir com o despacho e (iii) seja ordenado a B que de dê cumprimento à obrigação de previamente ao reenvio do processo para o Tribunal Administrativo negociar com o embargante o que a Lei consagra [sic] –, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões [que se transcrevem apenas quanto ao que se refere ao despacho recorrido e com simplificações]:

Contrariamente ao sustentado no despacho recorrido o embargante nunca tomou conhecimento de qualquer penhora, sendo certo que se tratará de uma execução que visa o despejo, ou seja, não visa o pagamento de uma quantia certa.

Resulta dos autos que a procuração forense tem aposta a data de 10/07/2018 e os embargos foram deduzidos em 13/07/2018.

Não se vislumbra com base em que facto terá sido concluído que a diligência, qualificada como de penhora, e ao mesmo tempo como ofensa, teria sido do conhecimento do embargante há mais de 30 dias contados da dedução dos embargos.

Ninguém pode ser prejudicado nos seus direitos designadamente no direito à habitação com base em tamanha falta de correspondência visto que não consta que tenha ido efectuada alguma penhora, não consta que tenha sido efectuada alguma diligência e muito menos consta que o embargante tenha tido conhecimento de algum acto processual.

O embargante nunca foi chamado aos autos, nunca foi citado e nunca lhe foi entregue qual oficio [sic] com o seu [sic] o que poderia e deveria ter sucedido se o AE [sic] tal tivesse solicitado ao Tribunal, nem foram afixados quaisquer editais, nem qualquer aviso de desocupação.

Só se poderá concluir que o embargante no dia 10/07/2018, dois dias antes da dedução dos embargos terá, em circunstâncias não apuradas, sentido a necessidade de salvaguardar os seus direitos com tal providência judicial.

              B contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso, mas não disse nada quanto à questão da tempestividade dos embargos.

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              Questão que importa decidir: se se os embargos são tempestivos.

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              Os factos que interessam à decisão desta questão, são os que resultam da tramitação relatada.

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              O despacho de indeferimento liminar trata do caso como se fosse um caso de embargos de terceiro repressivos contra uma penhora, quando o caso diz respeito a uns embargos preventivos contra uma diligência que iria ofender o direito de que o embargante se considera titular.

               Ora, o prazo de 30 dias referido no art. 344/2 do CPC, e aplicado pelo despacho recorrido, não está previsto para os embargos repressivos, como resulta do art. 350/2 do CPC que estabelece outra forma de delimitar o período em que os embargos podem ser requeridos antes de realizada a diligência.

               Neste sentido, da não aplicação do prazo de 30 dias do art. 344/2 aos embargos de terceiro preventivos, vão: Alberto dos Reis, Processos especiais, volume I, Coimbra Editora, 1982, págs. 436-437 (discutindo expressamente a questão, posição que a decisão singular do TRL referida à frente se preocupa em citar); Miguel Teixeira de Sousa, A acção executiva singular, Lex, 1998, pág. 314; Isabel Ribeiro Parreira, Embargos de terceiro preventivos…, Revista da Ordem dos Advogados, 2001, II, pág. 945, Salvador Costa, Os incidentes da instância, 2016, 8.ª edição, Almedina, págs. 185 (indicando, no mesmo sentido, os acs. do STJ de 09/07/1991, Actualidade Jurídica, 17, pág. 16, e de 09-02-2006, revista 14/06 = 06B014 na base de dados da DGSI) e 202); Marco Carvalho Gonçalves, Lições de processo civil executivo, 2016, Almedina, pág. 341; e, entre muitos outros, o ac. do TRE de 11/04/2019, proc. 924/14.8TLLE-G.E1 [onde são também referidos o ac. do TRC de 17/01/2017, proc. 3240/14.1T8CFR-F.C1; a decisão individual do TRL de 14/06/2008, 5225/2008-8; o ac. do TRG de 24/09/2015, 1129/09.5TBVRL-H.G1; e o ac. do TRP de 11/07/2012, proc. 801-B/2002.P1]; e o ac. do TRL de 06/12/2017, 23387-10.2T2SNT-A.L1-6.

            Assim, como os embargos podiam ser deduzidos a partir do momento em que existisse um ordem da diligência da entrega e até ela ser realizada (art. 350/1 do CPC), sendo que a ordem já existe e a diligência ainda não foi realizada, tem de se concluir que os embargos foram deduzidos tempestivamente.

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      Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se o despacho de indeferimento liminar e substituindo-o por este que considera que os embargos são tempestivos, pelo que a petição de embargos deve seguir os trâmites subsequentes.

              Custas, na vertente de custas de parte (não existem outras), por B (que foi quem decaiu no recurso).

               Lisboa, 07/11/2019

               Pedro Martins

               1.º Adjunto

               2.º Adjunto