AECOP superior à alçada da 1ª instância do Juízo Local Cível de Ponta Delgada

              A 27/12/2018, A veio requerer uma injunção contra B-Lda para que esta fosse notificada para lhe pagar 10.305,27€, mais 1184,46€ de juros de mora à taxa legal aplicável às operações comerciais, desde a data da emissão da factura até à presente data, respeitantes a um contrato [comercial] de fornecimento de bens ou serviços de 08/01/2018.

      Alegou para o efeito, em síntese: dedicar-se à actividade de montagem e substituição de equipamentos de piscinas; no exercício da sua actividade profissional procedeu à instalação de diversos equipamentos de piscinas, bens e serviços a pedido da requerida; esses serviços, equipamentos, bens e preço foram aceites pela requerida, tendo a requerente emitido em 08/01/2018 a factura FAC 1/88, ascendendo a um montante de 21.061,43€, factura, equipamentos, bens e serviços que se dão por integralmente reproduzidos (doc.2); a requerida, por conta do pagamento do preço devido pagou 10.756,16€, tendo ficado em divida os 10.305,27€ pedidos; montante que a requerida se obrigou a pagar até à primeira quinzena de Fevereiro de 2018, o que se vem recusando a fazer apesar de instada para o efeito.

              A requerida (a) deduziu oposição que concluiu no sentido da sua absolvição do pedido, (b) reconvencionou a condenação da requerente a pagar-lhe (i) 10.756,16€, relativos ao pagamento que a requerida fez à requerente e que esta deve devolver-lhe; (ii) quantia a fixar em perícia (que em baixo se vai requerer), relativo ao custo da demolição dos trabalhos executados e à desinstalação do equipamento que a requerente executou e instalou para a requerida; iii) 3141,16€, referente ao fornecimento e montagem da cobertura do equipamento em causa; (iv) 2500€ de indemnização pela privação que lhe foi imposta, durante todo este lapso de tempo, relativamente ao uso de tal equipamento, e (c) pediu a condenação da requerente em multa e em indemnização à requerida, que inclua o reembolso das despesas a que a má-fé tenha obrigado a requerida (incluindo os honorários do mandatário e técnico).

              Para o efeito, impugnou a afirmação de que tinha aceite os serviços que a requerente prestou; e excepcionou a realização defeituosa da prestação da requerente: conforme consta de uma carta que enviou à requerente em 08/05/2018 e que esta recebeu em 14/05/2018, na qual a requerida dava conta do surgimento de defeitos identificados num relatório de vistoria que enviava em anexo e lhe dizia que devia proceder à eliminação dos mesmos, no prazo máximo de 15 dias a contar da data da recepção da presente carta, findo o qual, não se encontrado satisfeito aquela pretensão, contratará outra empresa para a reparação dos defeitos, imputando-lhe, posteriormente, os respectivos custos, atendendo a que existe grande urgência na utilização do referido jacuzzi/sauna, dado que se aproxima o período de veraneio e uso daquele equipamento se mostra de grande importância”. Acrescenta que os defeitos existentes são tantos e tão relevantes, que aquilo que a requerente instalou para a requerida não serve de todo para o fim a que supostamente se deveria destinar, pelo que a solução para o caso passa necessária e inevitavelmente por destruir o que foi feito e realizar uma instalação de novo. Bem como que em face do deficiente funcionamento ou (também por vezes) não funcionamento do equipamento em causa, considerando a necessidade e a urgência que a requerida tinha em usar o equipamento em causa e ainda dado o silêncio da requerente quanto à interpelação admonitória que recebeu para reparação dos defeitos, a requerida viu-se na obrigação de mandar executar pequenos trabalhos urgentes e necessários, os quais comportaram o custo de 3141,16€, referente ao fornecimento e montagem da cobertura do equipamento em causa. Por fim, uma vez que os defeitos não foram eliminados pela requerente no prazo razoável que lhe concedeu a requerida, esta tem o direito de resolver o contrato, o que expressamente se requer que o tribunal reconheça e decrete.

              Face à oposição, o processo foi remetido a tribunal para distribuição como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, de valor superior alçada 1ª instância, do DL 269/98, tendo, após o pagamento do complemento da taxa de justiça, o tribunal proferido o seguinte despacho a 20/02/2019:

         Sobre a adequação processual dos autos

         Sobre a admissibilidade da reconvenção

    Vem o réu deduzir pedido reconvencional contra o autor peticionando a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 16.397,32€, a que acrescerá o valor relativo ao custo da demolição e desinstalação do que foi executado pela requerente a ser compensada na quantia peticionada pela autora; por seu turno, no seu requerimento probatório, apresenta ainda um pedido de prova pericial.

     Antes de mais, importa salientar que a acção declarativa regulada no DL 269/98 de 01/09 foi pensada para situações de grande simplicidade, não sendo adequada a dirimir litígios decorrentes de relações jurídicas dotadas de alguma complexidade (cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/11/2014, proc. 1946/13.3TJLSB.L1-8).

         Por outro lado, comece-se por salientar que a acção declarativa regulada no DL 269/98 apenas contempla dois articulados, uma petição inicial e uma contestação, não se encontrando expressamente prevista a possibilidade de uma reconvenção.

     Todavia, suscita-se a questão de saber se a mesma será admissível com fundamento das regras gerais constantes do CPC.

         A este respeito, os tribunais superiores têm vindo a negar a possibilidade de dedução de uma reconvenção nas acções reguladas no DL 269/98 que não sejam de valor superior à alçada do tribunal da relação (cfr, a título de exemplo, os acs. do TR do Porto de 10/02/2011, proc. 241148/09.7YIPRT.P1; do TRP de 14/05/2012, proc. 176189/11.1YIPRT-A.P1; e do TRL de 04/12/2012, proc. 276/12.0TJLSB-A.L1-7).

         Com efeito, o art. 7/2 do DL 269/98 manda seguir os termos do processo comum de declaração quando for deduzida oposição nas acções de valor superior à alçada do tribunal da relação. Nestes casos, como a acção seguirá os termos previstos no art. 552 do CPC e ss, a admissibilidade da reconvenção encontra-se sujeita às regras gerais.

         Por outro lado, na medida em que a reconvenção admite a existência de um terceiro articulado – art. 584/1 do CPC – este articulado encontra-se em desarmonia com os propósitos do processo regulado no DL 269/98 de limitar ao máximo o número de articulados admissíveis a dois – petição inicial e contestação – e de simplificar a tramitação processual.

     A isto acresce que a reconvenção não se afigura admissível quando ao pedido do réu corresponde uma forma de processo diferente da que corresponde ao benefício do autor (art. 266/3 do CPC), não se verificando ainda nenhum interesse relevante nem a apreciação conjunta das pretensões se afigura indispensável para a justa composição do litígio (art. 37/2 do CPC).

        Isto posto:

   Pelo exposto, o meio processual não aparenta ser o mais adequado para dirimir o litígio em causa entre as partes.

     Por outro lado, atento o valor da causa, a reconvenção terá necessariamente que ser rejeitada, o que poderá eventualmente implicar a dedução de uma segunda acção, com o risco de decisões contraditórias.

       O tribunal poderá obviar a essas circunstâncias através de um despacho de adequação formal, convertendo os autos numa acção declarativa de forma de processo comum e conferindo ao autor o prazo para dedução da réplica se assim o entender (arts. 193/3 e 584/1 do CPC).

     Notifique as partes para dizerem o que têm por conveniente sobre o exposto.

       Prazo: 10 dias.

           De seguida, a ré veio aderir aos fundamentos vertidos neste despacho (vg. evitar uma contradição de julgados, que poderia resultar da dedução do pedido reconvencional numa outra acção) e à solução para que o mesmo aponta, designadamente, para que o tribunal, por intermédio de despacho de adequação formal, convole o presente processo numa acção declarativa de forma de processo comum, conferindo-se ao autor prazo para dedução da réplica, se assim o entender (arts. 193/3 e 584/1 do CPC).

              Mas o autor veio dizer o seguinte:

         A admissibilidade – ou não – da reconvenção no âmbito do processo de injunção continua a ser uma questão controvertida conforme bem exemplificam os acórdãos dos tribunais superiores citados no despacho.

         O que parece mais ou menos unânime nesta matéria – e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/06/2017 vai neste sentido – é que essa reconvenção, em nome do principio da justiça material, do tratamento igual e – igualdade das partes – e bem assim por apelo ao principio da adequação formal, deverá ser admissível nos casos em que o requerido pretenda obter uma compensação de créditos do requerente.

         Ora, a reconvenção formulada pelo requerido não visa uma compensação de créditos mas antes, isso sim, por um lado a resolução do contrato outorgado e, por outro, a condenação do requerente ao pagamento de uma indemnização – substancialmente superior ao pedido formulado – e que engloba prejuízos patrimoniais, danos extra patrimoniais, e ainda as quantias que se vieram a fixar em execução de sentença.

         Ou seja, o pedido reconvencional formulado pelo requerido extravasa o que, mesmo que controvertidamente os tribunais superiores nesta matéria estão de acordo: compensação de créditos por remissão para o artigo 266/2c do CPC.

         No caso concreto, porém e reitera-se, o que é pretendido pelo requerido é um pedido distinto ainda que fundado no mesmo facto jurídico, tudo por apelo (pensa-se) ao disposto no art. 266/2a do CPC.

     Desta forma se concluindo que o pedido reconvencional formulado não pode ser aceite nem os autos adequados formalmente para esse efeito.

    Um outro argumento, todavia, conduz a esta solução: a prossecução dos autos passa por perícia colegial e – seguramente – vai passar por uma inspecção ao local e/ou outras diligências probatórias, o que tudo não se compagina com a conversão dos presentes autos em acção declarativa comum e a concessão de um curto espaço de 10 dias para a dedução de réplica pois a matéria em conflito nos termos configurados pelo requerido o não permite.

         Termos em que, e pelas razões aduzidas, e não se encontrarem preenchidos os presentes autos os pressupostos que admitem a reconvenção em sede de processo de injunção – e posterior adequação formal para a acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum – deverão os presentes autos prosseguir os seus termos sob a forma injuntiva.

            E face a isto foi a 01/04/2019 proferido o seguinte despacho:

         Nos termos do nosso despacho […] consideramos existir aqui um erro na forma do processo na medida em que o réu deduziu pedido reconvencional contra o autor […]

         Mais resulta do despacho que antecede que a acção declarativa regulada no DL 269/98 foi pensada para situações de grande simplicidade, não sendo adequada a dirimir litígios decorrentes de relações jurídicas dotadas de alguma complexidade […]; por seu turno, nos termos da Jurisprudência referida no mesmo despacho, apenas em casos muito contados se admite a dedução de reconvenção neste tipo processual.

         Tendo sido proposto às partes a adequação formal dos autos, de forma que os mesmos seguissem a forma declarativa comum, a autora veio manifestar a sua oposição, entendendo que deveriam seguir somente a forma injuntiva; a ré admitiu a convolação.

    Pese embora os nossos melhores esforços no sentido de regularizar a instância, o Tribunal não o pode legitimamente fazer com a oposição expressa de uma das partes.

        Termos em que rejeitamos o pedido reconvencional formulado.

   Para a realização da audiência de julgamento da causa designamos o dia 21/05/2019 pelas 09:30.

              A ré veio então recorrer de tal despacho – para que seja revogado e substituído por outro que admita o pedido reconvencional deduzido –, invocando o art. 644/2d do CPC e atribuindo-lhe um efeito suspensivo (artigo 647 CPC), terminando as suas alegações com as seguintes conclusões úteis:

         II – O presente recurso versa sobre a existência (ou não) do dever do tribunal a quo usar dos poderes de gestão processual e de adequação formal que tem, para, no caso em crise, ajustar a respectiva tramitação à dedução do pedido reconvencional que foi formulado.

         III. No caso dos autos, por razões de justiça material, justifica-se a adequação formal e o uso dos poderes de gestão processual do tribunal para adequar e ajustar a respectiva tramitação à dedução do pedido reconvencional formulado.

     IV. Vedar à ré a possibilidade de deduzir o pedido reconvencional seria coarctar-lhe um importante meio de defesa.

      V. Além do mais, também não faria sentido que se retirasse à ré a possibilidade de, numa AECOP, invocar a compensação de créditos por via da dedução de reconvenção, quando essa mesma compensação poderia ser depois por ela invocada, como fundamento de oposição à execução, nos termos do art. 729/h do CPC.

      VI. É, aliás, esse o mais recente entendimento do TRL conforme jurisprudência supra citada [a ré invocou, no corpo das alegações, o ac. do TRL 09/10/2018, processo 102963/17.1YIPRT.L1-7, do TRC de 16/01/2018, processo 12373/17.1YIPRT-A.C1, e do TRP de 13/06/2018, processo 26380/17.0YIPRT.P1].

            O autor contra-alegou repetindo, no essencial, o que já tinha dito na sua resposta ao despacho de 20/02/2019, transcrita acima.

                                                                 *

         A 13/06/2019, no tribunal recorrido, foi admitido o recurso, sem se invocar qualquer norma que permitisse o recurso autónomo, e atribuindo-lhe efeito devolutivo, determinando-se no fim do despacho que: “visto que o prosseguimento dos autos poderá redundar num acto inútil, eventualmente obrigando à produção de prova, aguardem o que vier a ser decidido.”

                                                                 *

              Neste TRL foi proferido o seguinte despacho inicial a 14/09/2019:

         O despacho em que o juiz decida fazer ou não a adequação processual, ao abrigo do art. 547 do CPC, é um despacho irrecorrível (art. 630/2 do CPC), se não contender, como no caso não contende, com os princípios da igualdade ou do contraditório ou com as outras excepções previstas na parte final do art. 630/2 do CPC, excepções cuja verificação, aliás, teria de ter sido alegada pela recorrente e não foi.

         Notifique as partes para, em 10 dias, se virem pronunciar sobre a inadmissibilidade do recurso por ele dizer respeito ao tipo de despacho em causa – art 655/1 do CPC.

              A ré veio dizer, em síntese deste TRL, que:  não está de acordo com o despacho do TRL na parte que se refere ao princípio da igualdade; a ré, ao dizer, no recurso, que a adequação formal dos autos em causa era a solução mais justa e adequada, e ao referir que essa adequação se justificava por razões de justiça material, estava a invocar razões de igualdade, no caso, entre as próprias partes; e o mesmo fez ao citar acórdãos da relação em que se dizia que a não admissão da reconvenção coarctava um importante meio de defesa, que é como quem diz, a violação do direito de igualdade entre as partes; a tudo isto acresce um importante argumento de ordem prática, segundo o qual “não faz sentido que se retire ao réu a possibilidade de numa AECOP, invocar a compensação de créditos por via da dedução de reconvenção, quando essa mesma compensação poderá ser depois por ele invocada como fundamento de oposição à execução, conforme decorre do art. 729/h do CPC.

                                                                 *

              Questão a decidir: se o recurso deve ser admitido.

                                                                 *

              Os factos que interessam a esta decisão são os que constam do relatório supra.

                                                                 *

              Decidindo:

              A questão da admissibilidade do recurso tem subjacente a da natureza da decisão recorrida, o que pressupõe, devido ao que a propósito tem sido dito, saber se a reconvenção é ou não admissível nos processos especiais.

              Mas, antes de mais note-se que a defesa e reconvenção da ré não têm nada a ver com a compensação.

           Na lógica do art. 847 do CC que estabelece os requisitos da compensação, para operar a mesma o demandado reconhece, ou pressupõe que venha a ser reconhecido, o direito de crédito do demandante, pretendendo-se livrar-se da obrigação correspondente por meio da compensação com o seu direito de crédito contra ele.

             Ora, a ré não reconhece, nem pressupõe que venha a ser reconhecido, que o autor tenha qualquer crédito contra ela, porque, na sua construção, a ré, com base na resolução do contrato, não só não teria de pagar mais nada, como teria o direito de reaver aquilo que pagou.

              A reconvenção da ré não se baseia por isso no art. 266/1c do CPC, como sugere o despacho recorrido, agora seguido pela ré (mas esta nunca tinha falado sequer em compensação) mas sim, como diz o autor, no art. 266/1a do CPC.

       O problema não é pois da admissibilidade da compensação, mas sim o da admissibilidade da reconvenção, nas AECOP e nas injunções.

              Posto isto,

              O art. 10 do DL 62/2013, de 10/05 dispõe o seguinte:

         1 – O atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.

         2 – Para valores superiores a metade da alçada da Relação [a qual é de 30.000€, pelo que metade corresponde a 15.000€ – parenteses deste TRL], a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.

      3 – Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais.

     4 – As acções para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação.

              Por sua vez, o art. 1 do diploma preambular do DL 269/98 diz que

         “É aprovado o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000€, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma.”

              E no regime anexo consta, na parte que interessa: 

            Art. 1/1 – Na petição, o autor exporá sucintamente a sua pretensão e os respectivos fundamentos […]. 2 – O réu é citado para contestar no prazo de 15 dias, se o valor da acção não exceder a alçada do tribunal de 1.ª instância, ou no prazo de 20 dias, nos restantes casos. [..] 4 – O duplicado da contestação será remetido ao autor simultaneamente com a notificação da data da audiência de julgamento.

              Portanto, injunções e AECOP de valor até 15.000€ inclusive, seguem um regime e aquelas de valor superior seguem outro regime.

           No caso de dizerem respeito a valores a partir de 15.000,01€, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum, pelo que, naturalmente, admitem a reconvenção nos termos gerais do processo comum.

              As outras seguem o regime especial descrito, o qual não prevê mais do que dois articulados, ou seja, nele não está prevista a possibilidade de o autor responder à contestação, pelo que, dir-se-ia, não pode haver reconvenção.

              Neste sentido, Lebre de Freitas:

         […] O duplicado da contestação só é remetido ao autor com a notificação do despacho que designe o dia da audiência final (art. 1-4 do regime anexo), de onde se deduz não ser admissível articulado de resposta à contestação nem, consequentemente, reconvenção.

         Em nota (18) acrescenta:

         As duas questões estão ligadas, uma vez que a admissibilidade da reconvenção neces­sariamente postula a admissibilidade da sua contestação, que veicula o exercício, pelo autor, do direito fundamental de defesa perante o pedido contra ele deduzido pelo réu. […]

              Mas o regime, nesta parte, é idêntico ao regime do processo sumarissimo do CPC de 1939 na redacção de 1961 e já então havia quem defendesse que a reconvenção mesmo assim devia ser admitida.

              Veja-se a descrição do estado da questão, então, feita também por Lebre de Freitas, na continuação daquela nota 18 e na nota 19:

         […] Ambas as questões eram controvertidas no que respeitava ao processo sumaríssimo, tendo sido maioritária até à revisão do CPC de 1961 em 1995-1996 a posição negativa, baseada precisamente na redacção que tinha o então art. 795-2 (“Havendo contestação, que será notificada ao autor, é marcado o dia para o julgamento, que deve efectuar-se dentro dos 10 dias seguintes”) e abalada depois dela com a nova redacção do então art. 795-1 (“Findos os articulados, pode o juiz…”), que levava a aplicar as disposições estabelecidas para o processo sumário, que, por sua vez, subsidiariamente recorria às do processo ordinário. Sobre a discussão doutrinária havida, desde o CPC de 1939, pode ver-se: no sentido negativo da admissibilidade do articulado de resposta e da reconvenção, José Alberto dos Reis, CPC anotado cit., VI, p. 493, RLJ, 82, p. 11, Artur Anselmo de Castro, DPC declaratório cit., I, p. 171, Lopes do Rego, Comentário; cit., I, anotação III ao art. 794, Montalvão Machado-Paulo Pimenta, O novo processo civil cit., ps. 275-276, e José João Baptista, Processo civil cit., p. 489; no sentido da admissibilidade de uma e outra, João de Castro Mendes, DPC cit., III, p. 331, João Remédio Marque, A acção declarativa cit., ps. 465466; José Lebre de Freitas, 1ª e 2ª edições da presente obra, n.º 23.2.1. Para Teixeira de Sousa, Estudos cit., p. 366, a resposta à reconvenção teria lugar no início da audiência final, por interpretação extensiva do art. 3-4.

         (19) Numa perspectiva racional, a especial conveniência de celeridade do processo especial de que tratamos (tal como do desaparecido processo sumaríssimo), que impregna todo o seu regime, é invocável no sentido desta solução. No entanto, a esse argumento é fácil contrapor que a admissibilidade da reconvenção obedece a exigências de economia processual (Introdu­ção, n.ºs II.10.2.5) e que o interesse do réu em deduzir, no processo da acção contra ele proposta, pedidos estreitamente conexos com os do autor não é de menosprezar. Esta contra-argumentação é mais forte quando se tenha em conta o regime da compensação no novo CPC (supra, n.º 7.7.2). Aliás, já para João de Castro Mendes, DPC cit., III, p. 331, o grande argumento em prol da admissibilidade da reconvenção era a desvantagem que poderia constituir para o réu não poder deduzir a compensação, que, para o autor, tinha, como vimos (supra, n.º7 (105)), de ser sempre deduzida por reconvenção. De qualquer modo, mesmo que a reconvenção só fosse exigível para fazer valer o excesso do crédito do réu sobre o crédito do autor, seria manifesta a conveniência de decidir sobre esse excesso no mesmo processo em que se decide sobre a sua parte compensável, algo de semelhante se podendo dizer das outras situações de conexão que, segundo o art. 266-2, justificam a reconvenção (maxime, a de coincidência da causa de pedir reconvencional com a causa de pedir da acção ou com o fundamento da excepção deduzida e a de direito a benfeitorias). A solução legal para a acção declarativa do DL 269/98 não parece ser a melhor. Outra é a solução no processo europeu para as acções de pequeno montante (infra, n.º 22.2.4).

           Note-se: a posição do Lebre de Freitas é de crítica ao regime legal por ele não permitir a reconvenção nestes casos. É portanto uma crítica do direito que existe, que devia ser modificado, mas que, enquanto não o for, tem de ser seguido.

              Repare-se, por outro lado, que o regime legal do processo europeu para as acções de pequeno montante admite a reconvenção, mas, por prever a reconvenção, prevê também os termos em que ela é admitida. Designadamente, o pedido reconvencional não pode exceder o limite de 2000€, sob pena de ambas as partes serem remetidas para os meios comuns do Estado-Membro em que ocorre o processo (art. 5-7 do Reg. 861/2007) [utilizaram-se as informações dadas por Lebre de Freitas, obra citada págs. 413/414].

                                                                 *

            Posto isto, diga-se que actualmente existe três posições sobre a questão, no âmbito de injunção ou acções que sigam o regime das AECOP de valor até 15.000€ (as outras, depois da oposição, seguem a forma de processo comum pelo que a questão não se coloca), que se pode sintetizar, grosso modo (sem, portanto, se considerarem as variantes seguidas pelos autores), assim:

         Uma entende que o regime vigente é o descrito acima, correspondendo a uma opção legítima do legislador que não quer que nele seja possível a reconvenção; não se trata, pois, de um processo sujeito, nessa parte, às normas gerais e comuns (art. 549/1 do CPC); nem existe uma lacuna que possa ser preenchida pelos tribunais, com a criação de uma norma que admita a reconvenção; mas tal não impede que a matéria de excepção base da reconvenção possa subsistir como tal e possa ou deva (conforme os casos) ser deduzida na contestação, como excepção, à qual o autor poderá responder nos termos do art. 3/4 do CPC. Não há ofensa à norma do art. 266/2 do CPC porque está só rege para o processo comum e não para os processos especiais. E isto vale também para o caso em que esteja uma compensação até ao valor do crédito do autor.

              Para além de, como se viu, parecer ser esta a posição de Lebre de Freitas, embora crítica, é também a posição defendida desde 01/09/2014 por Gabriela Cunha Rodrigues, Acção declarativa comum, pág. 54, publicada na Revista Lusíada Direito de 11 de 2013; pelo Prof. Rui Pinto, A problemática da dedução da compensação no código de processo civil de 2013, págs. 17 a 22; e pelo juiz de direito Manuel Eduardo Bianchi Sampaio, A compensação nas formas de processo em que não é admissível reconvenção, de publicado na revista julgar, Online, maio de 2019, 2; e é a posição seguida pelos acórdãos do TRC de 16/01/2018, 12373/17.1YIPRT-A.C1; do TRC de 26/02/2019, proc. 2128/18.1YIPRT.C1;  do TRP de 24/01/2018, proc. 200879/11.8YIPRT.P1; e do TRE de 13/06/2019, proc. 107776/18.0YIPRT-C.G1 (para só citar os mais recentes).

              Outra corrente entende que estes processos especiais têm a aplicação subsidiária das normas gerais e comuns também nesta questão, pelo que a reconvenção é admissível; sendo uma reconvenção, o autor terá que ter direito de lhe responder, não nos termos do art. 3/4 do CPC, mas com um articulado de resposta à reconvenção. Por outro lado, esta posição diz que como a compensação tem, por exigência legal, de ser deduzida em reconvenção (art. 266/2c do CPC), não há a opção de a deduzir como excepção. Isto, no entanto, só é válido em relação à compensação judicial, já que a extrajudicial, já consumada, é uma excepção como qualquer outra, a ser deduzida na contestação.

              É a posição actual de Miguel Teixeira de Sousa, defendida num post publicado a 26/04/2017 no blog do IPPC, sob o título de AECOPs e compensação, que, coerentemente, esclarece que o que diz a propósito da dedução da reconvenção para fazer valer a compensação vale para todos os outros casos em que, nos termos do art. 266/2 do CPC, a reconvenção seja admissível; post esse completado num outro de 01/05/2017, sob AECOPs e compensação (2), e que consta também dos seguintes outros: de 24/05/2017, sob a problemática da dedução da compensação: breves notas; de 30/04/2018, Jurisprudência 2018 (12); de 19/06/2019, Jurisprudência 2019 (40); e de 20/10/2018, Compensação: quando é por via de reconvenção e quando é por via de excepção?

            Dois dos principais argumentos do Prof. Miguel Teixeira de Sousa são os seguintes:

            – se não se admitir a possibilidade de o réu demandado numa AECOP invocar a compensação ope reconventionis, essa mesma compensação pode vir a ser posteriormente alegada pelo anterior demandado como fundamento da oposição à execução (cf. art. 729/h do CPC); ora, como é evidente, não tem sentido coarctar as possibilidades de defesa do demandado na AECOP e possibilitar, com isso, a instauração de uma execução que, de outra forma, poderia não ser admissível. A economia de custos na AECOP traduzir-se-ia afinal num desperdício de recursos, ao impor-se que aquilo que poderia ser apreciado numa única acção tivesse de ser decidido em duas acções.

            – atendendo a que a decisão sobre as excepções peremptórias não fica abrangida pelo caso julgado material (cf. art. 91/2 do CPC), se o contracrédito invocado na AECOP pelo demandado vier a ser reconhecido nessa acção, não é possível invocar a excepção de caso julgado numa acção posterior em que se peça a condenação no pagamento do mesmo contracrédito e, se o contracrédito alegado pelo demandado na AECOP não vier a ser reconhecido nessa acção, ainda assim é possível procurar obter o seu reconhecimento numa acção posterior; qualquer destas soluções é absurda (sendo, aliás, por isso que a reconvenção como forma de alegar a compensação judicial é totalmente correcta, porque é a única que evita as referidas consequências).

            A solução é concretizada assim por este Prof: há que concluir que o demandado numa AECOP pode invocar a compensação por via de reconvenção. Se for necessário, cabe ao juiz fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal (cf. artigos 6 e 547 CPC) para ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional.

            Esta posição é também a do ac. do STJ de 06/06/2017, proc. 147667/15.5YIPRT.P1.S2, e dos acórdãos do TRP de 13/06/2018, proc. 26380/17.0YIPRT.P1; do TRL de 09/10/2018, 102963/17.1YIPRT.L1-7; do TRG de 17/12/2018, com um voto de vencido, proc. 10141/17.3YIPRT.G1; do TRG de 17/12/2018, proc. 47652/18.1YIPRT-A.G1; do TRG de 31/01/2019, proc. 53691/18.5 YIPRT.A-G1; do TRP de 04/06/2019, proc. 58534/18.0YIPRT.P1.

            Repare-se, no entanto, que não era esta a posição inicial de Teixeira de Sousa, como se vê no comentário de 03/12/2015 publicado num post do blog do IPPC, sob Jurisprudência (241), ao ac. do TRL de 12/11/2015, proc. 138557/14.0YIPRT.L1-2; neste acórdão admitiu-se, numa daquelas AECOPs, a discussão da compensação como excepção, porque o tribunal tinha admitido um articulado de resposta à excepção de compensação deduzida pelo réu, sem reacção de qualquer das partes; disse então o Prof. Miguel Teixeira de Sousa: O argumento mais convincente é o de que o tribunal a quo, fazendo uso dos seus poderes de gestão processual (cf. art. 6/1 do CPC), procedeu, com o acordo tácito das partes, à adequação formal do procedimento (cf. art. 547 do CPC). Note-se que, atendendo à exclusão legal da reconvenção na acção declarativa especial, a inadmissibilidade da reconvenção pela falta de um pressuposto específico podia ter sido conhecida oficiosamente (como excepção dilatória) pelo tribunal da acção (cf. art. 578 CPC). 

          Uma terceira posição

         ou limita-se a constatar que não é admissível a reconvenção em sede de oposição no procedimento de injunção destinado à cobrança de dívida de valor não superior a 15.000€, como por exemplo o ac. do TRE de 30/5/2019, proc. 81643/18.8YIPRT-A.E1, e segundo se crê [conforme as citações que se vêem] a posição de Salvador da Costa, A injunção e as Conexas Acção e Execução, Processo Geral Simplificado”, 6.ª Edição Actualizada e Ampliada, Almedina 2008, págs. 86 a 89: Não obstante a compensação só poder ser suscitada por via de reconvenção, pensamos que, se neste tipo de cação ela for deduzida, deve ser liminarmente indeferida, caso em que o respectivo valor processual é insusceptível de adição ao valor processual da acção, designadamente para efeito da alteração da regra da competência ou da interposição de recurso”;

         ou vai mais longe e nega a possibilidade da compensação por excepção, como por exemplo, os acs. do TRP de 12/05/2015, proc. 143043/14.5YIPRT.P1 [no âmbito do processo especial previsto no Dec. Lei nº 269/98, no qual não é admissível reconvenção, não é possível operar a compensação de créditos por via de excepção quando o crédito invocado pelo réu é inferior ao do autor], do TRP de 02/07/2015, proc. 107435/13.0YIPRT (do ora relator), e do TRL de 05/07/2018, proc. 87709/17.4YIPRT.L1-7; do TRE de 08/02/2018, proc. 96889/16.5YIPRT.E1

              Posto isto,

          Os tribunais têm que respeitar as opções do legislador, não as podendo afastar deles invocando razões de inconveniência do regime.

              De resto, a opção pela admissão da reconvenção nos processos especiais, exigiria a concretização dos termos em que ela seria admissível, sob pena de se criar uma situação de desigualdade entre o autor e o réu: o autor só poderia usar o processo especial sob determinados pressupostos, mas o réu não estaria obrigado a observá-los; esta tarefa, que implica a opção por hipóteses de regime, é também do legislador e não dos tribunais.

              Se os tribunais assumissem a segunda tese, da admissibilidade da reconvenção nos processos especiais, teriam depois de estar, em cada caso, a criar todo um regime para ela, dependente de cada caso e de cada juiz, com um consequente risco de incerteza e de insegurança jurídica.

             Como se diz no ac. do TRC de 14/10/2014, proc.  507/10.1T2AVR-C.C1: 1.- O principio da adequação formal, consagrado no art. 547 CPC, não transforma o juiz em legislador, ou seja, o ritualismo processual não é apenas aplicável quando aquele não decida, a seu belo prazer, adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais, sob a invocação de, desse modo, assegurar um processo equitativo. 2.- Os juízes continuam obrigados a julgar segundo a lei vigente e a respeitar os juízos de valor legais, mesmo quando se trate de resolver hipóteses não especialmente previstas (art. 4.°-2 da Lei n.º 21/85, de 30-7), e, daí, que o poder-dever que lhes confere o preceito em causa deva ser usado tão-somente quando o modelo legal se mostre de todo inadequado às especificidades da causa, e, em decorrência, colida frontalmente com o atingir de um processo equitativo. Trata-se de uma válvula de escape, e não de um instrumento de utilização corrente, sob pena de subverter os princípios essenciais da certeza e da segurança jurídica.

     Mais ou menos no mesmo sentido, o ac. do STJ de 12/09/2019, proc. 1238/14.9TVLSB.L1.S2, veio agora dizer: I – A faculdade de junção de documentos em fase de recurso é de natureza excepcional e não é possível depois da apresentação das alegações, por a lei não admitir a prorrogação do prazo constante do art. 651º/1 do CPC. II – A junção em momento posterior não pode ser permitida ao abrigo do art. 6º/1 do mesmo diploma – dever de gestão processual a cargo do juiz – por este visar uma tramitação expedita dentro dos mecanismos previstos na lei, e não a realização de actos não permitidos por lei.

            Parece (diz-se ‘parece’ porque, no caso, como se verá, não interessa tomar posição sobre a questão), pois, que a melhor é a primeira tese, ou seja, que se deve considerar que os processos declarativos especiais que sigam o regime das AECOP de valor inferior a 15.000€ não admitem reconvenção, sem prejuízo da matéria base da reconvenção, se for também matéria de excepção, poder ser considerada como tal (incluindo a compensação até ao valor do crédito do autor).

                                                                 *

              O que antecede demonstra, e é isto que importa no caso, que:

           (i) a inadmissibilidade da reconvenção não contende com o princípio da igualdade. Pelo contrário, a admissão da reconvenção, sem estar prevista legalmente, é que seria susceptível de colocar o autor em situação de desigualdade com o réu, pois que este poderia deduzir pedidos reconvencionais contra o autor sem os limites que este está obrigado a observar.

        (ii) o réu não é prejudicado na sua defesa com o facto de a reconvenção não ser admitida, porque aquilo que alegou contra o crédito do autor – que nada tem a ver com a compensação – pode e deve ser considerado a nível de matéria de excepção peremptória; aquilo em que o réu fica prejudicado é ao nível do seu ataque contra o autor, que terá de levar a uma outra acção contra este e não poderá deduzir nesta acção;

          (iii) não tendo o caso dos autos nada a ver com a compensação, o argumento ligado à possibilidade de deduzir a compensação numa eventual oposição à execução que se siga a esta AECOP não tem aplicação.

                                                                 *

              Pode-se agora concluir que:

           O recurso só seria admissível, em abstracto, a seguir-se a segunda tese, ou seja, aquela que defende a possibilidade de, ao abrigo dos deveres de gestão processual, o tribunal admitir a reconvenção nos processos que seguem o regime das AECOP de valor não superior a 15.000€; ora, quem defende essa tese, fá-lo por razões ligadas às exigências de economia processual, pelo que, o facto de o tribunal não admitir a reconvenção não contende com o princípio da igualdade; assim sendo, e sendo evidente que não se coloca a hipótese da verificação de qualquer outra das excepções do art. 630/2 do CPC, conclui-se que o despacho que não admitiu a reconvenção, não aceitando ter de adequar o processo de forma a admitir a reconvenção, não admite recurso.

                                                                 *

              Pelo exposto, não se admite o recurso (arts. 630/2 e 652/1b, ambos do CPC).

              Custas, na vertente de custas de parte (não há outras), pela ré (recorrente).

              Lisboa, 05/10/2019

              Pedro Martins