Processo do Juízo Local Cível de Lisboa

              Sumário

I – Uma deliberação maioritária de uma assembleia geral de condóminos, que priva do acesso à piscina os inquilinos das fracções autónomas ocupadas com alojamento local, é eficaz em relação ao locatário financeiro da fracção autónoma que a tenha votado favoravelmente.

II – Pelo que ele deixa de ter o direito de acesso à piscina comum e, por isso, não pode intentar um procedimento cautelar comum para reagir contra o impedimento ao exercício desse direito.

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados

              A 04/07/2109, A, dando-se como locatário financeiro da fracção autónoma L no edifício sito na Rua S, intentou um procedimento cautelar comum contra o respectivo Condomínio, requerendo que o tribunal determinasse que o Condomínio lhe entregasse imediatamente a chave ou o dispositivo que actualmente são utilizados para a abertura da porta de acesso à piscina exterior do edifício e que se abstenha de qualquer outra forma de comportamento que impossibilite o acesso à mesma piscina por parte dos utilizadores da fracção autónoma, mesmo em caso de evento fortuito que obrigue a nova mudança da fechadura ou do sistema de acesso a esta última (para além de pedir que o Condomínio fosse condenado numa sanção pecuniária compulsória).

              O requerente alega, para além do mais e em síntese, que (i) no contrato de locação financeira se comprometeu perante o proprietário da fracção autónoma a defender, por sua conta, a integridade da mesma e o seu uso”; (ii) no dia 11/01/2019, realizou-se uma assembleia geral dos condóminos do edifício que votaram uma deliberação no sentido de que os inquilinos das fracções ocupadas com alojamento local – que é o caso da fracção referida – não tivessem acesso à piscina, ao mesmo tempo que se criava uma contribuição adicional de 30% a suportar por eles; (iii) teve conhecimento desta deliberação por se ter feito representar na AG; (iv) depois de receber uma comunicação do advogado do requerente contra a deliberação em causa, o Condomínio mudou a fechadura da única porta de acesso à piscina exterior do edifício e não comunicou ao requerente este último facto, nem lhe facultou a nova chave, nem nenhum outro dispositivo de acesso à mesma piscina, impedindo o acesso a ela aos utilizadores da fracção autónoma, subarrendada a uma empresa; (v) esta empresa já lhe comunicou a intenção de lhe exigir o ressarcimento de todos os prejuízos que já sofreu e que vier a sofrer, causados pela impossibilidade de acesso à piscina; (vi) o requerente é proprietário de uma outra fracção que também está subarrendada, não podendo entregar a chave da porta de acesso à piscina ao subarrendatário por não a ter; (vii) esta actuação do Condomínio é violadora do direito do proprietário das fracções em causa ao uso da piscina exterior do edifício (art. 1406/1 do Código Civil), ou das pessoas a quem este proporcione o seu gozo através da locação (art. 1022 do CC).

              O Condomínio deduziu oposição:

              (i) impugnou a aplicabilidade do procedimento cautelar comum, já que o requerente pretende pôr em causa uma deliberação da AG de condóminos de 11/12/2019; ora, o artigo 388 do Código de Processo Civil prevê um procedimento cautelar específico para o caso de um condómino pretender a suspensão de uma deliberação; e o artigo 362/3 do CPC dispõe que não são aplicáveis as providências cautelares não especificadas “quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por algumas das providências tipificadas no capítulo seguinte”; o procedimento cautelar não pode ser convolado (ao abrigo do art. 376/3 do CPC) no procedimento específico da suspensão, por ter caducado o direito que o requerente alegadamente teria de a instaurar: com efeito, nos termos do disposto no artigo 380, n.ºs 1 e 3, do CPC o sócio que pretenda que a execução das deliberações seja suspensa deve requerê-lo no prazo de 10 dias a contar da data da assembleia em que as deliberações foram tomadas, a não ser que para esta não tenha sido regularmente convocado, por aplicação directa no artigo 383; ora o requerente foi regularmente convocado para aquela AG e nela esteve, inclusivamente, representado, pelo que teria de ter instaurado o respectivo procedimento cautelar até ao dia 21/01/2019;

           (ii) excepcionou a impossibilidade de o requerente instaurar a acção principal de que o procedimento cautelar depende, qual seja, o da anulação da deliberação social em causa, porque também já está esgotado o prazo de 20 dias para o efeito, a contar desde a data de realização da AG; o que o impede também de requerer a suspensão da deliberação.

         (iii) excepcionou a ilegitimidade do requerente; ele é locatário financeiro e o Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira, regulado no DL 149/95, de 24/06, não prevê qualquer legitimidade judicial ao locatário financeiro para, por si, requerer a providência cautelar de suspensão de deliberações sociais.

           (iv) impugnou a utilidade ou ausência de objecto da providência requerida, por já se ter consumado a lesão grave ou dificilmente reparável que o requerente invoca, pois que a deliberação é datada de 11/01/2019; para além de que os prejuízos que o requerente invoca se verificariam apenas na esfera dos subarrendatários (sendo que a deliberação não abrange um destes).

            (v) excepcionou o facto de o requerente ter estado representado na AG e ter votado favoravelmente o ponto 4 da ordem de trabalhos, que compreendia a análise sobre a utilização das fracções para alojamento local, bem como, disciplinar a utilização dos espaços comuns do edifício pelos utilizadores turísticos; resultou dessa deliberação, aprovada por maioria com um voto contra, o impedimento na utilização da piscina pelos utilizadores do alojamento local, em resumo motivado pelo sistemático barulho, acumulação de lixo (garrafas de álcool) e distúrbios ocasionados pelos turistas nas horas de repouso dos residentes.

           (vi) impugnou uma série de factos, por não ter conhecimento ou serem falsos, e os documentos juntos; entre o mais diz que nunca se negou a entregar qualquer chave; apenas cumpre uma deliberação da assembleia; o facto de o requerente não ter uma chave será apenas porque não está a habitar o locado; o que pretende é violar a deliberação da assembleia permitindo a entrada de turistas para utilizar a piscina.

      (vii) excepciona a existência de um dano no seu direito da personalidade superior ao direito alegado pelo requerente, tendo os moradores actuado por intermédio de deliberação em AG a fim de o evitar.

              O requerente respondeu o seguinte às excepções:

  1. O ponto 4 da ordem de trabalhos da AG tinha a seguinte redacção: “Deliberação sobre a utilização das fracções para Alojamento Local”.
  2. Como é evidente, para um declaratário normal colocado na posição do requerente, esta declaração não encerra um sentido tão amplo que seja susceptível de abranger a disciplina da utilização dos espaços comuns do edifício pelos utilizadores turísticos e a proibição destes últimos acederem à piscina.
  3. Ora, a pessoa nomeada pelo requerente para o representar na AG não tinha poderes para votar em seu nome o que não constava da ordem do dia.
  4. Consequentemente, não é verdade que o requerente tenha votado favoravelmente a deliberação tomada nessa AG sob o ponto 4 da ordem do dia.

         Inaplicabilidade da providência requerida e caducidade

  1. Nos termos do disposto no artigo 1433/1 do CC, “as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado” e art. 1433/5 admite a possibilidade de “ser requerida a suspensão das deliberações nos termos da lei de processo”.
  2. Se este regime se aplica às deliberações anuláveis, já não é verdade que se aplique às deliberações nulas.
  3. As deliberações tomadas pela assembleia de condóminos que infrinjam normas imperativas, por visarem a prossecução de interesses indisponíveis e de ordem pública, são nulas.
  4. Estão neste caso as deliberações que recusem ou proíbam qualquer condómino de utilizar as partes comuns do edifício, de que ele é comproprietário (artigo 1420/1 do CC) – neste sentido, Abílio Neto, Manuel da Propriedade Horizontal, 3ª Edição, Outubro de 2006, Ediforum, pág. 343, nota 1 ao artigo 1433 do CC.
  5. Também estão neste caso as deliberações que fixem um adicional correspondente às despesas decorrentes da utilização acrescida das partes comuns e, ao mesmo tempo, proíbam a utilização de partes comuns aos atingidos pela medida (artigo 20-A do DL 128/2014, de 29/08, na redacção da Lei 62/2018, de 22/08).
  6. Bem como as deliberações dos condóminos que proíbam a utilização de fracções autónomas do edifício como unidades de alojamento local, ressalvados os casos de hospedagem (hostels)” (artigo 4/4 daquele diploma legal).

         Consequentemente,

  1. A deliberação dos condóminos sobre o ponto 4 da ordem de trabalhos é nula, e não anulável, por violar disposições legais de natureza imperativa.
  2. A nulidade existe de per se, é invocável a todo o tempo por qualquer interessado, pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal e não é susceptível de sanação decorrente da caducidade do exercício de qualquer direito.
  3. Acresce que o requerente, apesar de se encontrar legitimado, pelo locador das fracções de que é locatário no edifício, para defender, por sua conta, a integridade do imóvel e o seu uso, não é condómino.
  4. Por estas razões, a providência cautelar especificada prevista nos artigos 380 e seguintes do CPC, não é aplicável no caso dos autos.
  5. E o direito do requerente invocar a nulidade da deliberação referida não é susceptível de extinção por caducidade.

         Quanto à acção principal

  1. A acção principal a propor, no caso de não se vir a verificar a inversão do contencioso, não será a de anulação das deliberações da assembleia de condóminos, prevista no artigo 1433/4 do CC – pelo que não lhe é aplicável o prazo de caducidade previsto nesta última norma -, mas uma acção de processo comum, com o fim da mera apreciação da existência ou inexistência do direito.

         Ilegitimidade do requerente

  1. Nos termos do estipulado na cláusula 6.ª/3 das condições gerais do contrato de locação financeira, constante do documento complementar, o locatário “compromete-se… a defender, por sua conta, a integridade do imóvel e o seu uso” (doc.1, junto ao requerimento inicial).
  2. O requerente, como locatário nesse contrato, tem interesse em propor esta providência contra os requeridos – para defender o uso do imóvel – e actua no uso dos poderes que expressamente lhe foram confiados pelo condómino locador.
  3. Por isso, o requerente tem legitimidade activa para propor o presente procedimento cautelar.

         Quanto à inutilidade ou ausência de objecto da providência requerida

  1. O dano que se pretende evitar com a presente providência, para além de grave e dificilmente reparável, não se encontra consumado.

         Com efeito,

  1. A subarrendatária pode vir a exigir ao requerente o ressarcimento de prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, que, eventualmente, já tenha sofrido ou que venha a sofrer no futuro, em consequência do incumprimento, ou cumprimento defeituoso, dos contratos de prestação de serviços de alojamento local que já tenha firmado ou venha a firmar, onde o acesso à piscina assume um papel relevante na formação da vontade dos utilizadores desses serviços e susceptível de valoração independente, cuja intenção, aliás, já lhe declarou.
  2. Com resulta de todo o exposto, o afirmado sob 35 da oposição [sintetizado acima sob (vi) – parenteses deste TRL] é falso, pelo que vai impugnado para todos os efeitos legais.
  3. Sendo manifesta a utilidade da presente providência para o requerente.

           Foi depois, sem mais, proferida sentença julgando improcedente a providência cautelar comum, “desde logo por ilegitimidade processual activa, do requerente.”

                                                                 *

              O requerente interpôs recurso contra esta sentença, pondo em causa a decisão da matéria de facto quanto a três pontos, ou a nulidade da mesma, e a decisão de julgar o procedimento improcedente.

              O requerido contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

                                                                 *

              Questões que importa decidir: se a matéria de facto deve ser alterada, se se verificam as nulidades da sentença e se o procedimento não devia ter sido julgado improcedente.

                                                                 *

              A sentença recorrida considerou indiciariamente assentes os seguintes factos [mais à frente serão acrescentadas duas alíneas, por força da decisão sobre a impugnação da matéria de facto, e a (j) será parcialmente eliminada]:

a) e m) O requerente é locatário financeiro da fracção autónoma identificada sob a letra “L” do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua S, em Lisboa, como resulta da escritura pública de “compra e venda e locação financeira” e respectivo documento complementar, outorgada em 30/07/2017, em Cartório Notarial e exarada de fls. 134 a 136 verso do livro de notas para escrituras diversas do mesmo Cartório n.º 37-A.

b) O requerente foi autorizado pelo locador e proprietário da citada fracção autónoma a dar esta última em subarrendamento a W-SA, por escrito datado de 06/04/2018.

c) O requerente deu em “sublocação” à mencionada W a fracção autónoma L, com início em 10/04/2018.

d) O requerente deu consentimento à W para “subarrendar, ceder gratuitamente e/ou utilizar o imóvel sublocado no âmbito da prestação de serviços de alojamento local

e) A W efectuou o registo da fracção autónoma RNAL nº 0000/AL, tendo declarado o dia 16/04/2018 como data de abertura deste último.

f) A partir de tal data, a W tem utilizado a mesma fracção autónoma no âmbito da prestação de serviços de alojamento local, que fazem parte do escopo da sua actividade.

g) As partes comuns do edifício onde se integra a mesma fracção autónoma incluem uma piscina exterior.

h) O único acesso a esta piscina é feito através de uma porta, dotada de fechadura.

j) A W efectua a divulgação da sua oferta de serviços de alojamento local nesta fracção autónoma, em websites dedicados a esta actividade apresentado em texto e imagem, sendo mencionada a existência de piscina exterior e editada a imagem da mesma

l) No dia 11/01/2019 realizou-se uma assembleia dos condóminos do requerido, [documentada na] acta nº 12, da qual se extrai o seguinte: “Após breve troca de impressões e de leitura de partes da Lei sobre Alojamento Local, que se anexa à presente acta, foi colocada à votação, por um período experimental até à próxima Assembleia (poderá ser extraordinária), manter-se o alojamento local no edifício, sem que os inquilinos destas fracções tenham acesso à piscina e com uma contribuição adicional de 30% prevista na Lei, aprovada por maioria e com o voto contra do condómino do 1º B que é contra a utilização do edifício para estes fins”;

n) O requerente tomou conhecimento do teor desta acta através do representante que nomeou.

o) Foi enviada correspondência da parte do requerente ao requerido a 28/02/2019 e 16/05/2019.

p) O requerido liquidou um adicional de 30% sobre a montante da contribuição trimestral a cargo do condómino da fracção L e reclamou o respectivo pagamento ao requerente por escrito datado de 10/05/2019;

q) Em 03/06/2019, a W comunicou ao requerente que a referida fechadura tinha sido mudada e que os utilizadores da fracção autónoma que lhe está subarrendada se encontravam impedidos de aceder à piscina exterior do edifício.

r) O requerente é, também, locatário da fracção autónoma do mesmo prédio identificada pela letra G, que pertence ao mesmo proprietário da citada fracção L.

s) Esta fracção não se encontra registada como estabelecimento de alojamento local.

t) E encontra-se subarrendada para habitação permanente do respectivo subarrendatário.

u) O requerente esteve representado na AG de 11/01/2019 e votou favoravelmente o ponto 4 da ordem de trabalhos, que compreendia a análise sobre a utilização das fracções para alojamento local, bem como, disciplinar a utilização dos espaços comuns do edifício pelos utilizadores turísticos.

v) A AG decidiu a proibição da utilização da piscina apenas pelos utilizadores do alojamento local, com os votos favoráveis de todos, designadamente, do requerente e apenas com o voto contra da fracção correspondente ao 1º B.

                                                                 *

Da impugnação da decisão da matéria de facto

              O tribunal recorrido considerou que não se tinham provado as seguintes alegações de facto feitas pelo requerente:

         O requerido mudou a fechadura da única porta de acesso à piscina exterior do edifício [parte final do art. 19 da PI].

         O requerido não comunicou ao requerente este último facto, nem lhe facultou a nova chave, nem nenhum outro dispositivo de acesso à mesma piscina [art. 18 da PI].

              A fundamentação desta decisão consta do seguinte: resultou de ausência de demonstração da mesma.

              O requerente impugna tal decisão, dizendo o seguinte:

         O requerido aceitou expressamente o facto descrito no ponto 19 da PI (ponto 38 da oposição) e não impugnou o facto descrito no ponto 20 do mesmo requerimento (ponto 37 da oposição).

         Assim, se o Sr. juiz a quo concluiu que os autos já dispunham de elementos que lhe permitiam prolatar uma decisão conscienciosa, perante a admissão expressa do facto descrito sob 19 do requerimento inicial e a falta de impugnação do facto descrito sob 20 do mesmo requerimento, só poderia tê-los julgado provados (artigos 293/3 e 574, nºs 1 e 2 do CPC) e não o contrário.

         E, se não considerasse aplicável ao caso o efeito cominatório previsto para a acção de que a presente providência é dependência, deveria ter designado data para a realização da audiência final, a fim de aí ser produzida a prova testemunhal requerida sobre a matéria de facto controvertida (uma vez que o requerente indicou três testemunhas no requerimento inicial, que não foram ouvidas, apenas, porque o Sr. juiz a quo dispensou a realização da mesma audiência).

         O que o Sr. juiz a quo nunca poderia ter feito, nas circunstâncias referidas, era considerar não provados os mencionados factos, por ausência de demonstração da sua realidade.

         A sentença está, assim, ferida de falta de fundamentação e de obscuridade, nesta parte, de tal modo que não permite a compreensão da respectiva decisão sobre a matéria de facto (artigo 615/1-b do CPC).

              O requerido nada diz quanto a esta matéria.

                                                                 *

              Decidindo:

              No caso verifica-se um erro de julgamento na sentença: visto que o requerido aceitou expressamente a alegação de facto da parte final do ponto 19 da PI e não impugnou o alegado em 18 da PI, as mesmas consideram-se admitidas por acordo (arts. 293/3 e 574/2, ambos do CPC).

              Sendo um caso de erro de julgamento, não é uma nulidade da sentença.

              Faltaria saber se aquelas alegações de facto interessam à decisão da causa, mas tendo a sentença tomado posição sobre elas, justifica-se que, tendo o requerente tentado demonstrar o erro da decisão, este tribunal de recurso se pronuncie sobre as mesmas, já que têm a ver com o esbulho da coisa e esta matéria poderá vir a ser discutida.

              Assim sendo, aditam-se aos factos provados as alíneas x e z:

x) O requerido mudou a fechadura da única porta de acesso à piscina exterior do edifício.

z) O requerido não comunicou ao requerente este último facto, nem lhe facultou a nova chave, nem nenhum outro dispositivo de acesso à mesma piscina.

                                               *

              O requerente impugna ainda a decisão de dar como provado o que consta da parte final da alínea u, ou seja, que o ponto 4 da ordem de trabalhos também compreendia a disciplina da utilização dos espaços comuns do edifício pelos utilizadores turísticos.

              O tribunal fundamentou a sua convicção, segundo diz, na análise detalhada e distanciada de toda a prova documental junta aos autos pelas partes, com destaque para a acta nº 12 da Assembleia de Condóminos, devidamente apreciada.

              O requerente diz o seguinte contra tal decisão:

          A acta no 12 encontra-se junta por cópia ao requerimento inicial, como documento nº 5. O ponto 4 da respectiva ordem de trabalhos limita-se a referir: “Deliberação sobre a utilização das fracções para Alojamento Local”. Nem nesse documento, nem em nenhum outro existente nos autos, consta qualquer outra alusão à redacção dessa ordem de trabalhos.

          Assim, a decisão de dar como provado que o ponto 4 também compreendia “… disciplinar a utilização dos espaços comuns do edifício pelos utilizadores turísticos” é completamente falha de fundamentação, uma vez que não existe nenhum elemento de prova que lhe possa servir de respaldo, mesmo remotamente e, como tal, não é especificado na sentença (nem poderia).

          Pelo que existe nulidade desta última na parte em que julgou provado a parte final da al. u (artigo 615/1-b do CPC).

              Também sobre isto o requerido não disse nada.

              Decidindo:

              O único elemento de prova de que o tribunal dispôs para o efeito foi a acta da AG. Esta acta, não impugnada, por si só apenas pode provar aquilo que foi declarado, não outras declarações que não constem dela (art. 376/1 do CC, a contrario). Assim, não constando da acta a parte acrescentada ao ponto 4 da ordem dos trabalhos pela sentença recorrida, essa parte não pode ser dada como provada, tendo que ser eliminada. A interpretação da declaração provada, essa, já é uma questão de direito, a ser feita mais à frente, não de facto.

                                                                 *

                                 Do recurso sobre matéria de direito

              A fundamentação da decisão recorrida foi a seguinte em síntese: segundo o art. 1433/1 do Código Civil “as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado”. O requerente, locatário financeiro, não é condómino, pois que é o locador financeiro que é condómino. Assim, impõe-se a improcedência total da presente providência cautelar comum, desde logo por ilegitimidade processual activa do requerente.

           A isto o requerente contrapõe o seguinte, sintetizado nas conclusões VII a XVIII do seu recurso:

VII. A mudança da fechadura da porta de acesso à piscina exterior do edifício e a recusa da entrega da mesma chave, ou do respectivo dispositivo de abertura constitui um esbulho, na medida em que se traduz na privação imposta ao requerente do uso desta parte comum.

VIII. O requerente, enquanto locatário e possuidor da fracção em nome do locador, tem o direito de defender o seu uso e fruição através de acções possessórias, em caso de esbulho.

IX. As medidas que o requerente pediu ao tribunal limitam-se a defender o uso e a fruição do bem locado através da providência que considerou adequada a restituí-lo à posse da piscina exterior do edifício.

X. As deliberações tomadas pela assembleia de condóminos que infrinjam normas imperativas são nulas, por visarem a prossecução de interesses indisponíveis e de ordem pública.

XI. Estão neste caso as deliberações que recusem ou proíbam qualquer condómino de utilizar as partes comuns do edifício, as deliberações que fixem um adicional correspondente às despesas decorrentes da utilização acrescida das partes comuns e, ao mesmo tempo, proíbam a utilização de partes comuns aos atingidos pela medida e as deliberações dos condóminos que proíbam a utilização de fracções autónomas do edifício como unidades de alojamento local, ressalvados os casos de hospedagem.

XII. A deliberação dos condóminos sobre o ponto 4 da ordem de trabalhos é nula, e não anulável, por violar disposições legais de natureza imperativa e porque as deliberações sobre a disciplina da utilização das partes comuns por parte de utilizadores turísticos não estavam previstas na ordem de trabalhos e não foram tomadas em assembleia de condóminos em que tivesse estado presente ou representada a totalidade do capital investido.

XIII. O regime previsto no artigo 1433 do CC só é aplicável às deliberações da assembleia de condomínios que sejam anuláveis.

XIV. O requerente não pretende impugnar deliberações anuláveis da assembleia de condóminos, mas sim defender, por sua conta, a integridade da fracção autónoma de que é locatário, bem como o seu uso, na medida em que se considera esbulhado e, por essa via, ofendido na posse que exerce em nome do locador.

XV. Com a propositura da presente providência, o requerente limitou-se a exercer um direito que lhe assiste, ao pedir ao tribunal a tomada de medidas de defesa da posse.

XVI. Tendo legitimidade, processual e substantiva, para a respectiva autoria.

XVII. A sentença recorrida violou os artigos 615, nºs 1 e 2, 293/3 e 574, nºs 1 e 2 do CPC, bem como os artigos 1022, 1253/-c, 1276 e 1278/1 do CC),

XVIII. Devendo ser revogada.

              O requerido contra-alegou defendendo a sentença recorrida, com os argumentos desta, que já vinham da sua oposição ao procedimento, sendo que estes já acima foram transcritos.

                                                                 *

              Decidindo:

                                 Da admissibilidade do alojamento local?

              Antes de mais, registe-se que a questão dos autos não tem a ver com a da admissibilidade do alojamento local em fracções autónomas que apenas estejam destinadas a habitação no título constitutivo da propriedade horizontal, sobre a qual a doutrina e a jurisprudência se encontram divididas.

              Uns dizem, no essencial, que “Se no título constitutivo da propriedade horizontal apenas se estabelece que determinada fracção se destina à habitação, não existe, em princípio, impedimento a que o seu proprietário a afecte a alojamento local de turistas” (é o casos dos acórdãos do TRP de 15/09/2016, proc. 4910/16.5T8PRT-A.P1 [cuja solução acabou por ser afastada na acção principal 13721]; do STJ de 28/03/2017, proc. 12579/16.0T8LSB.L1.S1; do TRP de 10/01/2019, proc. 25192/16.3T8PRT.P1 [revogado pelo ac. do STJ referido abaixo], e do TRE de 26/09/2019, proc. 734/17.0T8OLH.E1; e também de Isabel Menéres Campos, em anotação ao ac. do STJ de 28/03/2017, nos Cadernos de Direito Privado, 58, Ab-Jun2017, págs. 45 a 51; já tendo em conta a alteração da Lei 62/2018, de 22/08, vai também neste sentido Rui Pinto Duarte, A propriedade horizontal, Almedina, Nov2019, págs. 70 a 75).

              Outros dizem, também no essencial, que “quando uma fracção se destina a habitação, quer dizer que se trata de uma residência, de um domicílio, lar, ou seja, de um espaço de vida doméstica com a inerente necessidade de tranquilidade e sossego, não cabendo nela o alojamento local” (é o caso dos acórdãos do TRL de 20/10/2016, proc. 12579-16.0T8LSB.L1-8 [revogado pelo ac. do STJ de 28/03/2017]; do TRP de 27/04/2017, proc. 13721/16.7T8PRT.P1; do TRP de 11/04/2018, proc. 24471/16.4T8PRT.P1; e do STJ de 07/11/2019, proc. 25192/16.3T8PRT.P1.S1 (embora o ac. considere que não está a tomar posição nesta questão, sendo isto certo formalmente); e também de  Fernanda Paula Oliveira, Sandra Passinhas e Dulce Lopes, Alojamento Local e uso de Fracção Autónoma, Almedina, 2017, págs. 63 a 77; de José Luís Bonifácio Ramos, Manual de Direitos Reais, Dez2017, págs. 392 a 395 [lembrado por Rui Pinto Duarte]; e de  J. Pinto Furtado, Do alojamento local, na sua relação com a propriedade horizontal, Revista de Direito Civil, 2017/3, págs. 529 a 574).

              É que, mesmo que se entendesse que não é de admitir o exercício do alojamento local naquelas fracções, no caso nenhum dos condóminos do edifício se veio opor a esse exercício. Ora, no dizer das autoras e obra citadas acima (Fernanda Paula Oliveira e outras, pág.73) o DL 128/2014 reverteu para os condóminos o ónus da reacção contra um uso não autorizado.

              A questão não é, pois, de conhecimento oficioso, por não dizer respeito a direitos indisponíveis. Como resultará também do que se dirá mais à frente, a outro propósito, se todos os condóminos autorizarem a utilização das fracções como alojamento local, a questão não se colocará. Ora, se podem autorizar é porque isso está na disponibilidade deles.

          Em suma, no caso, é como se o exercício do alojamento local tivesse sido autorizado, já que não vem posto em causa.

                                                                 *

              Posto isto,

Apreciação da fundamentação da sentença

              A sentença recorrida, na senda da argumentação do requerido, decide como se a pretensão do requerente fosse a de suspensão de uma deliberação tomada na AG do Condomínio requerido.         

              Mas a pretensão do requerente é que o Condomínio não impeça o uso da piscina pelos utilizadores do alojamento local instalado na fracção de que ele é locatário financeiro.

              A pretensão do requerente tem assim, por fim, ser colocado na situação de poder voltar a ter a possibilidade de usar, indirectamente (através dos subarrendatários), do bem comum conexo (piscina) à fracção locada, baseado no facto de ser locatário financeiro da mesma (arts. 1 e 10/2-a do DL 149/95 com as três alterações e rectificação posteriores), possibilidade de que foi privado devido à actuação ilícita do Condomínio, ao mudar a fechadura de acesso à piscina, sem lhe entregar a nova chave, o que o coloca numa situação de incumprimento, enquanto senhorio, do contrato de arrendamento celebrado com a arrendatária W, fazendo-o incorrer em responsabilidade civil.

              E o art. 10/2-b-c do DL 149/95, bem como o art. 1037 do CC, aplicável ex vi do proémio do n.º 2 daquele art. 10, dá ao locatário que for privado da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos, o direito de usar, mesmo contra o locador e portanto também contra terceiros, dos meios facultados ao possuidor nos arts. 1276 e segs do CC.

              Note-se que o locatário financeiro, ao “sublocar”/arrendar a coisa, torna-se um “sublocador”/senhorio, mas não perde a qualidade de locatário (financeiro), tal como o contrato de locação financeira continua a subsistir (como decorre, por exemplo, a contrario, do art. 1089 do CC, aplicável como regime subsidiário). Ele continua a ser possuidor da coisa através de outrem, como locatário (financeiro), e continua a ter os direitos inerentes a tal posição. O uso da fracção locada, bem como das coisas comuns conexas, continua a ser por ele exercido, de forma indirecta, através da arrendatária (no caso da fracção L através da W e dos utilizadores a quem esta presta serviços de alojamento local). O impedimento destes utilizarem a piscina traduz-se assim na privação parcial do direito de uso (indirecto) do locatário financeiro. Pelo que ele tem o direito de reagir contra ela.

              Não tem, assim, razão, o requerido, quando sugere que o locatário financeiro não é visado pela deliberação da AG, ou que esta não o priva, a ele, do acesso à piscina. O locatário financeiro não usa a piscina por si, mas através da W e dos utilizadores da fracção, pelo que a privação da possibilidade destes utilizarem a piscina é uma privação do direito do requerente.

              No sentido de o possuidor indirecto, mediato, poder defender a sua posse exercida através de outrem, mesmo que o possuidor imediato não o faça, veja-se, por exemplo, Manuel Rodrigues, A posse, Almedina, 1981, referindo-se expressamente à questão das posses do proprietário e do usufrutuário, mas esclarecendo que o que diz é de aplicar a todas as modalidades que a posse mediata revestir (págs. 329 e 330), sendo que a posse do arrendatário é, nesta distinção, uma posse directa, e a do locador uma posse indirecta. No mesmo sentido parece ir, Guerra da Mota, Manual da Acção Possessória, vol. I, Athena Editora, Porto, 1980, págs. 319 a 331. No sentido de que, “[q]uanto ao uso da coisa, o corpus possessório do locatário (incluindo o financeiro) pouco ou nada difere do que cabe ao usufrutuário ou ao usuário, titulares de direitos reais de gozo, envolvendo a prática dos mesmos actos ou muito semelhantes”, veja-se José Alberto Vieira, A posse, Almedina, 2018, págs. 617 e 618. Note-se que o locatário financeiro, com a coisa locada em seu poder, aparece simultaneamente como detentor no que diz respeito à posse do locador, exercida nos termos da propriedade (a situação regra) e possuidor no que se refere ao seu direito de locatário financeiro (parafraseou-se José Alberto Vieira, obra citada e local citados). Ao “sublocar”/arrendar a coisa a terceiro, pode-se dizer que ele continua a ser possuidor em nome próprio no que se refere ao seu direito de locatário, que exerce através do “sublocatário/arrendatário”, enquanto o seu “sublocatário”/arrendatário é detentor da coisa no que diz respeito à posse do locatário financeiro e possuidor nos termos do seu direito de “sublocação”/arrendamento.

              Assim sendo, a sentença recorrida está errada, ao menos na sua fundamentação.

                                                                 *

Da inexistência do direito por força da deliberação

              No entanto, subjacente à sentença recorrida (e à posição do Condomínio) está a seguinte construção: o requerente não tem o direito que invoca porque existe uma deliberação da AG de condóminos do edifício que lho tira. Assim era essa deliberação o que o requerente tinha que pôr em causa. Não o tendo feito, o direito já não existia à data do esbulho (mudança da chave sem entrega da nova), pelo que este não é um acto ilícito que possa ser posto em causa.

              O requerente percebeu a fundamentação implícita e rebateu-a dizendo, no essencial, que as deliberações das AG dos condóminos podem ser – para além de anuláveis -, nulas e ineficazes. E se for uma deliberação nula e não simplesmente anulável, ela não se sana com a sua não impugnação.

                                                                 *

              Veja-se então:

Da nulidade ou da ineficácia da deliberação

              O direito do requerente resulta do facto de ser locatário financeiro (arts. 1 e 10/2-a do DL 149/95) de uma fracção autónoma do edifício que tem uma piscina que é um bem comum dos proprietários daquelas fracções.

          Nos termos do art. 1422/1 do CC, “os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, […] quanto às partes comuns, às limitações impostas […] aos comproprietários de coisas imóveis.”

            Como comproprietário dos bens comuns, o locador financeiro e, por isso, também o seu locatário financeiro, no lugar dele, tem o direito de usar das coisas comuns. Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito (art. 1406/1 do CC). Portanto, na falta de acordo nenhum comproprietário pode ser privado do uso dela.

              O uso da coisa pode ser um uso indirecto, através da sua locação a outrem (assim, por exemplo, veja-se Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil anotado, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1984, pág. 357).

              Ora, se os comproprietários decidirem impedir o uso da coisa pela pessoa a quem ela foi dada de arrendamento, estão a privar o comproprietário locador e o locatário financeiro “sublocador” do uso da coisa. Se esse acordo for unânime, nenhuma questão se põe quanto à sua validade e eficácia. Se resultar de uma maioria de comproprietários, sem o consentimento do comproprietário que ficar privado do uso, não pode ser eficaz.

              Como dizem Antunes Varela e Pires de Lima: o acordo de que fala o art. 1406/1 do CC pode ser ditado “pela simples maioria dos consortes nos termos em que esta decide sobre a administração da coisa. A maioria, porém, nunca poderá privar qualquer dos consortes, sem o respectivo consentimento, do uso da coisa a que tem direito. Apenas lhe será lícito disciplinar esse uso, de modo a evitar conflitos e choques de interesses entre os vários comproprietários.”

              Daí que, já no capítulo subsequente do CC, dedicado à propriedade horizontal, o art. 1418/2-b do CC dispõe que “além das especificações constantes do número anterior, o título constitutivo pode ainda conter, designadamente, regulamento do condomínio, disciplinando o uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer das fracções autónomas”; o 1422/2-d do CC dispõe que “é especialmente vedado aos condóminos praticar quaisquer actos ou actividades que tenham sido proibidos no título constitutivo ou, posteriormente, por deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem oposição”, e, por fim, o art. 1430/1 do CC dispõe que “a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador.”

              Assim, a competência para a AG é para a administração da coisa, para disciplinar o uso da coisa, não para impedir esse uso. Pelo que uma deliberação da AG que prive um dos condóminos do uso, directo ou indirecto, da coisa, sem o consentimento do mesmo, é uma deliberação sobre matéria para a qual não tem competência e, por isso, é ineficaz.

              Como diz Sandra Passinhas, “se a AG aprovar uma deliberação lesiva do direito de cada condómino sobre a coisa ou serviço comum […] a deliberação deve considerar-se ineficaz.” (A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, Almedina, Julho 2000, pág. 255). Segundo Pires de Lima / Antunes Varela, obra citada, pág. 448, desde que a não ratifique, o condómino afectado pode, a todo o tempo, arguir o vício de que ela enferma, ou por via de excepção ou através de uma acção de natureza meramente declarativa. E é este, sem dúvida, o regime mais aconselhável: seria violento obrigar o condómino afectado a propor em curto prazo, e sob pena de convalidação do acto, uma acção anulatória de uma deliberação tomada sobre assunto estranho à esfera de competência da assembleia. O mais razoável, do ponto de vista dos seus interesses, é permitir-lhe, em conformidade, com o regime da ineficácia, que ignore pura e simplesmente a deliberação como res inter alios acta.

              O requerente, como se viu, vai mais longe e diz que as deliberações são nulas, por infringirem normas imperativas, que visam a prossecução de interesses indisponíveis e de ordem pública. E cita, nesse sentido, um autor que defende que tal é o caso das deliberações que recusem ou proíbam qualquer condómino de utilizar as partes comuns do edifício.

              Mas, já se viu acima que pode haver deliberações dos condóminos, por maioria, que privem da possibilidade de uso da coisa comum um dos condóminos com o seu consentimento. Se ele pode dar o consentimento, não se pode dizer que o direito seja indisponível, ou que a norma que rege a situação é uma norma imperativa ou de interesse público.

              Em suma, é um caso de eventual ineficácia da deliberação, não de uma nulidade da mesma.

              Em qualquer caso, não tendo o requerente dado o seu consentimento, ele não teria que reagir contra a deliberação para poder, mais tarde, frente ao esbulho da possibilidade da utilização da piscina, tentar defender o seu direito ao uso da mesma (indirecto, através da W e dos utilizadores servidos por esta).

                                                                 *

Da votação favorável da deliberação pelo requerente

       A questão que então se coloca é a de saber se no caso se verificou esse consentimento, questão que o requerente também discutiu logo nas respostas à matéria de excepção da oposição.

              E a resposta é que sim, pois que uma votação favorável à deliberação em causa é mais do que um consentimento para a mesma.

              Veja-se o que consta dos factos provados, ou seja, da passagem da acta relativa ao ponto 4 da ordem dos trabalhos, que, relembre-se, tem o seguinte conteúdo: Deliberação sobre a utilização das fracções para alojamento local: “Após breve troca de impressões e de leitura de partes da Lei sobre Alojamento Local, que se anexa à presente acta, foi colocada à votação, por um período experimental até à próxima Assembleia (poderá ser extraordinária), manter-se o alojamento local no edifício, sem que os inquilinos destas fracções tenham acesso à piscina e com uma contribuição adicional de 30% prevista na Lei, aprovada por maioria e com o voto contra do condómino do 1º B que é contra a utilização do edifício para estes fins”.

                                                                 *

               O requerente contrapõe a isto o seguinte:

            XII. […] as deliberações sobre a disciplina da utilização das partes comuns por parte de utilizadores turísticos não estavam previstas na ordem de trabalhos e não foram tomadas em assembleia de condóminos em que tivesse estado presente ou representada a totalidade do capital investido.

              Quanto ao 1.º argumento: é especioso estar a estabelecer uma diferença entre a utilização das fracções para alojamento local e a utilização das partes comuns pelos utilizadores das fracções.

              O contrato de locação financeira que o requerente celebrou não se reporta às partes comuns e, no entanto, não pode deixar de se entender que ele tem direito ao uso das mesmas. Pelo que, a discussão sobre a utilização das fracções engloba a discussão sobre tudo o que seja permitido àqueles que as utilizam, incluindo pois as coisas comuns.

              Quanto ao 2.º argumento, é irrelevante que na AG não tenham participado todos os condóminos, pois que tal não afasta que o requerente tenha dado o seu consentimento, ou melhor, votado favoravelmente o impedimento da utilização, pelo que, em relação a ele, a deliberação não é ineficaz, nem ele poderia arguir a ineficácia; quem vota favoravelmente uma deliberação não a pode, depois, pôr em causa.

              Há um 3.º argumento que decorre do que o requerente dizia na tal resposta à matéria de excepções, qual seja, o de que o seu representante não tinha poderes para votar o que não constava da ordem de trabalhos. Mas já se viu que o ponto 4 da ordem de trabalhos tem amplitude suficiente para abranger o impedimento da utilização da piscina pelos utilizadores da frac-ção, pelo que o representante do requerente, com poderes para votar o ponto 4 da ordem dos trabalhos, tinha poderes para votar a matéria em causa.

              E há um 4.º argumento que se pode retirar do que vem de trás: a AG não teria poderes para deliberar sobre o impedimento à utilização de uma parte comum pelos condóminos. Mas já se viu que o podia fazer se para tal tiver o consentimento do condómino privado dessa utilização.

                                                                 *

         Tendo tudo isto em conta, não deixe de se dizer que não tem sentido a argumentação do Condomínio de que o requerente não é pessoa que tenha qualquer legitimidade judicial activa para, por si, requerer a providência cautelar de suspensão de deliberações sociais e de que ele nem sequer “demonstrou ter legitimidade para, por si, ser titular de legitimidade para representar o locador da AG de condóminos.”

                Estando provado, por ter sido repetidamente alegado pelo próprio Condomínio, que o requerente participou na deliberação, representado, votando-a favoravelmente, isto na sequência de ter sido regularmente convocado para a AG pelo requerido (é o próprio requerido que o diz), é contraditório estar agora a negar-lhe a possibilidade, que é a contrapartida da participação na AG, votando nela, de impugnar as deliberações da mesma. Quem pode votar, pode impugnar (“A titularidade do direito de impugnação das deliberações está intimamente ligada à titularidade do direito de voto.” – Sandra Passinhas, obra citada, pág. 238). E se o Condomínio nega ao requerente a legitimidade para tudo aquilo, não pode, ao mesmo tempo, aproveitar-se do voto favorável do requerente para a deliberação em causa e para daí retirar consequências para impossibilidade de pedir a suspensão ou a anulação. Tudo esta argumentação é contraditória.

                                                                 *

              Posto isto,

              Se a deliberação da AG é eficaz em relação ao requerente e se a deliberação diz que os utilizadores da sua fracção destinada a alojamento local não podem usar da piscina, então o facto de não lhe ser concedida a chave da porta de acesso à piscina é um acto inócuo para o requerente. Não por ele não ser utilizador da piscina, porque o é, de forma indirecta, mas sim porque não é por causa desse facto que o requerente ficou privado do uso da coisa. Essa privação resultou da deliberação, contra a qual ele não reagiu nem podia reagir por a ter votado favoravelmente.

              Quer dizer que os factos que constam do processo permitem a conclusão que o requerente não tem o direito que invoca como o direito posto em causa pelo Condomínio.

              E não se diga que ao menos o requerente devia ter direito a ser-lhe entregue uma chave para acesso à piscina, porque, primeiro, formalmente, enquanto locatário financeiro, está abrangido pelo impedimento decretado pela deliberação; segundo, porque, como se disse, ele “sublocou” a coisa, totalmente, pelo que só indirectamente, através da W e das pessoas servidas por esta, é que ele usa da fracção e da piscina; e, terceiro, porque ele não quer a chave para aceder, ele, à piscina, o que aliás não podia fazer, porque o uso da coisa, directo, cabe apenas à W e às pessoas servidas por esta, mas sim para permitir esse acesso à W e pessoas servidas por esta, o que contraria frontalmente a deliberação da assembleia de condóminos, a qual mereceu o seu consentimento.

              Se ele não tem o direito, a providência tinha de ser indeferida, como o foi, pois que o pressuposto base de qualquer procedimento cautelar comum é a existência de um direito que está posto em causa (art. 362/1 do CPC).

                                                                 *

              Por fim, não se diga que ao menos devia ser entregue a chave ao requerente para a poder entregar ao seu subarrendatário da outra fracção, a G, pois que, face à total ausência de alegação de factos relativamente a prejuízos derivados da impossibilidade de fazer a entrega da chave ao mesmo, não é possível fazer qualquer juízo de que daí possa advir o perigo de lesão grave e dificilmente reparável ao direito do requerente, como era pressuposto para o decretamento parcial da providência pedida (art. 362/1 do CPC).

              De resto, se se vir bem, o pedido de providência formulado, sendo abrangente na primeira parte, de modo a, sabendo-se que existem duas fracções, poder dizer-se que está pensado para as duas fracções, é delimitado pela segunda parte, que o completa e precisa, e nesta claramente só diz respeito à fracção L. E sendo necessária a segunda parte do pedido, para o efeito útil da procedência da pretensão, como ela só tem a ver com a fracção L, conclui-se que a primeira parte não pode abranger também a fracção G.

                                                                 *

            Assim, pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida embora com outro fundamento.

          Custas, na vertente de custas de parte (não há outras), do procedimento e do recurso pelo requerente, que é quem decai em ambos.

            Lisboa, 09/01/2020

            Pedro Martins

            1.º Adjunto

            2.º Adjunto