Oposição à execução 19988/17.6T8LSB-A do Juízo de Execução de Lisboa – J1

             

            Sumário:

           O exequente tem de fazer a prova, por documento, do contrato de cessão de crédito exequendo que invoca como base da sua legitimidade processual activa (artigo 54/1 do CPC). Se não o fizer no requerimento executivo, deve ser convidado a fazê-lo (artigo 590/2-a-3 do CPC).

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados

              A I-Ag, requereu uma execução contra R-Lda, e outras duas pessoas, uma delas R, para obter deles o pagamento de 12.609,11€, mais 167,56€ de juros vencidos e 6,44€ de imposto de selo, mais juros vincendos e imposto de selo, com base numa livrança assinada pela sociedade e avalizada pelos outros executados, com data de emissão em 31/12/2008 e de vencimento em 12/05/2017 (doc.3).

      No requerimento executivo alegou, em síntese, para sustentar a sua legitimidade activa (art. 54/1 do Código de Processo Civil), que era portadora da livrança devido a um contrato de cessão de posição contratual [sic] celebrado no dia 04/03/2016, entre si e o Banco C, pelo qual lhe foram cedidos uma carteira de créditos, onde se encontra a livrança dada à execução, conforme documento n.º 1 e respectivo anexo documento n.º 2 [este doc.2 não está devidamente assinalado, mas é a folha de onde consta a tabela que se transcreve abaixo e assim foi entendido pela executada como se verá]; apresentada a pagamento na data do vencimento, a livrança não foi paga

              Junta uma tradução “oficial” do “contrato de cessão de créditos” (que é o doc.1 [consta de 44 páginas, todas elas rubricadas por MC, que será a tradutora e EL que será o gerente da sociedade de tradução]) e vários anexos; entre eles consta uma folha que tem a seguinte tabela por baixo da palavra anexo; dela não consta mais nada:

                    CASO           CLIENTE             NIF             OP CRD          BDE_NUM_GA                                         7930750       R-LDA          501305025     161186851             2037985

                TIPO EMPRESTIMO          Gestor           Nº AGENTE          Operação                                               Crédito  MLP                     CA                  1704                    161186851

            Na livrança, que juntou, consta, para além do mais, “titulação do contrato 2037985.”

              A executada R deduziu oposição, impugnando toda a matéria alegada no requerimento executivo; e diz [transcreve-se com apenas algumas simplificações para evitar as inúmeras repetições]:

           – do documento 1 junto ao requerimento executivo não é possível retirar que qualquer crédito de que a executada R-Lda pudesse ser devedora ao Banco C tivesse sido cedido à exequente; assim sendo, não tendo o título executivo sido transmitido por contrato de cessão de créditos entre a exequente e o Banco C, nem por endosso entre as mesmas entidades, a exequente não possui legitimidade para figurar como tal na presente execução;

         – ainda que assim se não entenda, sem conceder, o título executivo foi subscrito pela R-Lda e objecto de aval pelos executados F, gerente da R-Lda na altura, e R, mulher do executado; tal título executivo foi entregue ao Banco C para garantia do pagamento dos créditos resultantes de um contrato de “empréstimo, destinado a regularização de responsabilidades sob a forma de conta dinâmica”, celebrado entre a R-Lda, representada pelo executado F, e o Banco C, no dia 31/12/2008, e subscrito pelos executados R e F na qualidade de avalistas (cfr. cópia que se junta como doc.1 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido). De acordo com a cláusula 2 do contrato “este empréstimo funcionará através da conta empréstimo n.º 161186851, aberto em nome de V. Exas. sendo o montante mutuado, por débito naquela, creditado na conta D.O. com o número 50084521482.”; assim sendo, quaisquer quantias que fossem mutuadas à R-Lda através da conta empréstimo 161186851, seriam creditadas posteriormente na conta com o número 50084521482; conforme se pode constatar, do título executivo consta o seguinte escrito “titulação do contrato n.º 2037985”. Do doc.2 junto com o requerimento executivo, também consta o número supra referido, bem como o número 161186851; em suma, através da análise deste doc.2, podemos facilmente associar a subscrição da livrança com o contrato de empréstimo celebrado entre a R-Lda e o Banco C; não sendo possível daqui extrair uma qualquer sucessão na aquisição do crédito por parte da exequente.

         – desde 31/07/2014 a R-Lda encontra-se liquidada, tendo cessado toda a sua actividade ainda durante o decurso do ano de 2013 (cfr. cópia que se junta como doc.2 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido [é a publicidade registal do encerramento da liquidação – TRL]); ora, conforme se pode verificar pelo extracto de conta corrente associado à conta com o número 50084521482, à data da alegada cessão de créditos entre a exequente e o Banco C, não existiam quaisquer créditos a ser cedidos pelo Banco C à exequente, pois tinham sido pagos na totalidade pela R-Lda (cfr. cópia que se junta como doc.3 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido [o doc.3 é um extracto reportado a 31/12/2013 – parenteses deste acórdão do TRL]) e não mais a referida conta teve qualquer movimento [mais tarde junta novo extracto, relativo ao período de 02/01/2014 a 29/02/2016, do qual não constam qualquer movimento nessa conta que se mantém com o saldo zero]; ora, não sendo a R-Lda devedora de qualquer crédito ao Banco C, no âmbito do contrato de empréstimo, uma vez que os créditos garantidos pelo título executivo se encontram pagos na totalidade, os executados não são devedores de qualquer quantia perante a exequente.

              A exequente contestou a oposição dizendo que:

         – as alegações da executada só mostram que ela reconhece que tem uma dívida para com a exequente; entre o Banco C e a exequente foi celebrado um contrato de cessão de créditos, junto ao requerimento executivo como doc.1. Este contrato tem de ser completado com o doc.2 também aí junto. Isto é, o contrato não pode ser analisado de forma independente, fazendo dele parte o anexo no qual refere quais os créditos concretos que foram cedidos. Ora, apesar de a executada alegar que do doc.1 não se retira que o crédito da executada tenha sido cedido, a verdade é que o doc.1 conjugado com o doc.2 esclarece a cessão do crédito em apreço, explicitando de forma clara que o crédito objecto da execução foi cedido à exequente, uma vez que do 4.º campo preenchido consta precisamente o número da conta empréstimo 161186851, referido no contrato subjacente à livrança executada. Acresce que do 5.º campo preenchido consta precisamente o número do contrato 2037985, inscrito na livrança dada à execução e aliás é a própria executada que refere este facto na oposição. Pelo que não se compreende que alegue que o crédito não foi cedido. De qualquer forma, atentos os docs.1 e 2 juntos no requerimento executivo, dúvidas não restam que o crédito objecto de execução foi cedido à exequente.

         – o facto de a R-Lda estar liquidada e ter cessado a actividade, em nada releva para apurar a responsabilidade da avalista, que se mantém. Tudo isso é alheio à exequente e à presente execução; o avalista garante o pagamento da dívida independentemente do seu titular. A executada não põe sequer em causa que a assinatura constante na livrança foi efectuada pelo seu punho. Pelo que, tendo sido a livrança (e o contrato a ele subjacente) assinados pela executada, serve como título executivo contra a mesma, como reconhecedora da obrigação que dela consta; ao assinar a livrança na qualidade de avalista, bem sabia a executada que a exequente poderia preencher a livrança em caso de incumprimento. Assim, sendo a exequente dona e legítima portadora de uma livrança na qual a executada assume a posição de avalista, é legítimo à exequente exigir os valores em dívida.

         – o documento junto pela executada como doc.3 respeita ao saldo da conta já após a cessão de créditos e demonstra que junto do Banco C, SA, inexiste crédito perante a executada, e apenas vem confirmar o já esclarecido pela análise aos docs. 1 e 2 do requerimento executivo. Isto é, o Banco C, SA, já não detém o crédito em análise, precisamente porque o mesmo foi cedido à exequente.

      Foi depois proferido despacho saneador onde se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade activa da exequente para a execução.

             Depois de realizada a audiência final foi proferida sentença julgando a oposição improcedente.

         A executada vem interpor recurso de tal sentença, impugnando também a decisão da excepção da ilegitimidade activa da exequente; naquela põe parcialmente em causa a decisão da matéria de facto e a decisão de julgar improcedente a excepção do pagamento da obrigação exequenda.

             A exequente contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.

                                                                 *

           Questões que importa decidir: a da ilegitimidade processual activa da exequente; a impugnação da matéria de facto e a decisão da excepção de pagamento.

                                                                 *

    O tribunal recorrido julgou a exequente parte legítima com a seguinte fundamentação, na parte que importa:

          De acordo com o disposto no art. 53/1 do CPC, a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.

          «Tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda. No próprio requerimento para a execução deduzirá o exequente os factos constitutivos da sucessão» – art. 54/1 do CPC.

     No caso dos autos, a execução tem por título uma livrança, avalizada pela embargante, em que é beneficiário o Banco C.

         A exequente alegou no requerimento executivo que, por contrato de 04/03/2016, o Banco C lhe cedeu o crédito exequendo, juntando o referido contrato e um anexo com a discriminação do crédito exequendo (cfr. os documentos de fls. 4 a 27 dos autos principais, que se reproduzem).

         Importa, pois, concluir que a exequente deduziu no requerimento executivo os factos constitutivos da sucessão, nos termos do art. 54/1 do CPC.

              A executada diz o seguinte contra isto:

            1. Impende sobre a exequente o ónus da prova de que celebrou um contrato de cessão de crédito com o Banco C e, por via desse contrato, lhe foi cedido um alegado crédito que aquele detinha sobre a R-Lda […].
            2. A referida prova terá que ser feita por via documental.
            3. O mútuo bancário está sujeito à forma escrita e só se pode provar a sua celebração por documento escrito particular.
            4. Pelo que, estando o contrato de mútuo sujeito à forma escrita, o contrato de cessão de um crédito emergente desse contrato de mútuo também está sujeito a esse mesmo requisito de forma e,
            5. De acordo com o disposto no artigo 364/1 do Código Civil, só se pode provar por documento escrito;
            6. O contrato de cessão de créditos junto como doc.1 ao requerimento executivo não refere, em excerto algum, a cessão de um crédito de que o Banco C era titular sobre a empresa R-Lda.
            7. Aliás, o referido contrato de cessão de créditos não o faz em relação a nenhum crédito.
            8. Não foi anexado ao contrato de cessão de créditos em apreço qualquer carteira de créditos de onde constasse a cedência de qualquer crédito que a R-Lda fosse devedora ao Banco C.
            9. Assim sendo, não é possível concluir que tal crédito tenha sequer sido cedido.
            10. Mais ainda, o documento junto como doc.2 ao requerimento executivo, com o título de anexo, não é sequer um anexo ao contrato de cessão de crédito, pois neste não vem referido, nem tão pouco se encontra assinado, rubricado pelas partes ou numerado como as restantes páginas do contrato.
            11. Dele não se pode retirar ou fazer prova da existência de um crédito ou a cedência do mesmo por parte do Banco C.
            12. O contrato de cessão de crédito deverá, pelo menos, identificar o crédito em termos de os interessados saberem qual o objecto da cessão.
            13. O que nem foi feito, pois não é identificado qualquer crédito no contrato de cessão de crédito ou nos demais documentos juntos pela exequente, quer o doc.2 quer o doc.3.
            14. O contrato de cessão de crédito junto aos autos não refere sequer o nome da pessoa que o assinou por parte da exequente, nem em que qualidade assinou;
            15. Com efeito, na página 23 do contrato de cessão de créditos apenas surge a identificação quanto aos representantes dos alegados vendedores dos créditos, mas não da compradora (exequente).
            16. O tribunal a quo deveria ter dado como não provado o facto de o contrato de cessão de crédito, junto como doc.1 ao requerimento executivo, bem como o documento titulado como anexo e referido como doc.2 no requerimento executivo, titularem uma cessão de crédito entre a recorrente [sic] e a exequente e discriminarem o crédito exequendo.
            17. Decretando, assim, a procedência da excepção de ilegitimidade activa arguida.

              A exequente contrapõe que:

C. Conforme se poderá retirar dos documentos nº 1 e nº 2 do requerimento executivo, os mesmos configuram contrato de cessão de créditos, celebrado entre essas duas entidades, a 04/03/2016.

D. O contrato de cessão de créditos em questão, conforme transcreve a recorrente, tem anexo ao mesmo, fazendo parte integrante deste, um ficheiro de dados com a descrição de todas as dívidas cedidas.

E. Este ficheiro não foi junto na íntegra, nem com o requerimento executivo, nem em sede de contestação por dois motivos: em primeiro lugar, por uma questão de confidencialidade e protecção de dados, já que contem a identificação de todos os créditos cedidos, pelo que contém o nome e respectivos dados de identificação de outras pessoas singulares e colectivas que nada têm a ver com os presentes autos, cujos dados não podem ser divulgados.

F. Em segundo lugar, porque o ficheiro em causa é composto por mais de 1000 páginas, sendo digitalmente e fisicamente muito difícil de ser junto ao presente processo.

G. Do doc.2 junto com o requerimento executivo, que é parte integrante do contrato de cessão de créditos, pode-se retirar que foi cedida à exequente a operação bancária nº 161186851, titulada pela R-Lda.

H. Sendo que foi esta a operação bancária em incumprimento que foi accionada, através do preenchimento da garantia prestada ao contrato de mútuo já junto aos autos, ou seja, a livrança dada à execução.

I. Pelo que andou bem o tribunal a quo, alicerçado na prova documental, e também no depoimento isento de DM, empregado da exequente, ao considerar como provado o facto 1 da sentença.

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              Decidindo:

              Quanto à legitimidade processual activa da exequente

              Esta excepção foi decidida no despacho saneador, pelo que não tem sentido estar a invocar a produção de prova testemunhal posterior a tal decisão, realizada na audiência de julgamento, para sustento da decisão recorrida, como o faz a exequente.

            A decisão recorrida, para prova do contrato de cessão de créditos, só podia utilizar aquilo que havia no processo à data em que foi proferida. Ou seja, só se podia servir dos documentos juntos até então.

              De qualquer modo, ver-se-á, a prova testemunhal seria irrelevante para conduzir a solução diversa da questão.

                                                                 *

Da inexistência de prova do contrato de cessão de crédito

           Nos autos – melhor, no processo principal a que a oposição está apensa, consultada através do citius – não consta qualquer contrato de cessão de créditos. Consta apenas uma tradução do mesmo, auto-intitulada de oficial. Ora, uma tradução de um documento só prova que a pessoa que o traduziu disse tê-lo visto e que o seu conteúdo, noutra língua, corresponde ao que ela apresenta em português (art. 376/1 do CC), do que nem sequer há necessariamente certeza nenhuma, como decorre do que consta do art. 134/2 do CPC.

        Para além disso, não há nada no processo que comprove que a tabela apresentada pela exequente com as menções do alegado crédito transmitido, contenha dados que tenham sido retirados do contrato que se diz ter sido traduzido. É uma impressão avulsa de um documento que pode ter sido elaborado por qualquer pessoa, com os dados que lhe tenha apetecido introduzir nela. A folha que a contem nem está rubricada. Nem há qualquer prova de que ela faça parte do contrato, ao contrário do que a exequente diz nas contra-alegações. O que decorre substancialmente do que ela diz e dizia é que os dados que constam da tabela foram retirados do contrato e dos anexos dele.

           Assim sendo, não há qualquer prova que o contrato que se diz ter sido traduzido, tenha transmitido o crédito exequendo: da tradução que se diz ter sido feita dele não consta qualquer referência ao crédito e a tabela onde constam os dados do contrato de empréstimo não faz parte do contrato de cessão alegadamente traduzido.

           Por outro lado, segundo a alegação da própria exequente, a livrança exequenda não foi transmitida cambiariamente, através de um endosso, pelo que a exequente não é portadora dela a esse título. Ou seja, também por aí não justifica a sua legitimidade (sendo que, naturalmente, ela não era a tomadora da livrança).

             Isto basta para se ter que considerar que a decisão recorrida está errada, pois que não tinha elementos de prova que lhe permitissem dar como assente que o crédito exequendo, a existir, tinha sido cedido à exequente, pelo que não podia concluir que esta tinha legitimidade processual activa para a execução.

              Posto isto,

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Da necessidade dessa prova por documento

              Nos termos do já citado art. 54/1 do CPC, “tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda; no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão.”

              A exequente alegou como facto constitutivo da sucessão, no caso, o contrato que teria cedido o crédito.

              Nos termos do art. 364 do CC: “1. Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior. 2. Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório.”

              O contrato invocado pela exequente diz respeito a um crédito resultante de um mútuo bancário.

              Embora o artigo único do DL 32765, de 29/04/1943, se refira à prova do contrato do mútuo bancário e não à forma dele, tem-se entendido que, por força dele, o mútuo bancário (que não seja um empréstimo comercial) tem, pelo menos, de ser celebrado por escrito particular (Pestana de Vasconcelos, Direito Bancário, Almedina, 2017, pág. 182, Calvão da Silva, Direito bancário, Almedina, 2001, pág. 361, Menezes Cordeiro, Manual de direito bancário, Almedina, 1998, pág. 533); por outro lado, tem sido entendido que tal exigência da lei não vale apenas para prova da declaração, sendo uma formalidade ad substantiam (neste sentido, por exemplo, o ac. do TRL de 19/05/2011, proc. 6684/09.7TVLSB.L1-8 citado pela executada).

              Por força do art. 578/1 do CC (na redacção do DL 116/2008, de 04/07), os requisitos e efeitos da cessão [de crédito] entre as partes definem-se em função do tipo de negócio que lhe serve de base.

              Logo, tinha de haver um contrato escrito e a exequente tinha que ter apresentado esse contrato para prova da cessão de créditos, ou um documento com força probatória superior (a necessidade dessa forma também está prevista no actual regime jurídico da cessão de créditos em massa (art. 4/1 do DL 42/2019, de 28/03) e no art. 7/1 do DL 453/99, de 05/11, relativo à forma do contrato de cessão de créditos para titularização [está-se a utilizar a versão republicada pela Lei 69/2019, de 28/08, e com as alterações introduzidas pelo DL 144/2019, de 23/09, consultada em no sítio da CMVM]).

              E ao contrário do que a exequente diz, a prova da existência do contrato que cedeu o crédito é muito fácil de fazer, como se pode ver no caso do ac. do TRC de 14/11/2017, proc. 712/14.1TBACB-A.C1, com inúmeros elementos esclarecedores, entre eles um parecer de Galvão Telles, publicado na CJ.1984/IV, págs. 7 a 10. A simplicidade de princípio dessa prova resulta também do que se diz no acórdão do TRL de 22/06/2017 que se citará de seguida, e ainda implicitamente daquele regime jurídico da cessão de créditos em massa que não dispensa a exigência de prova dele no processo: art. 3/2 – “Para efeitos do número anterior [habilitação legal], compete ao cessionário juntar ao processo cópia do contrato de cessão.” Ou seja, a exigência de prova do contrato não é incompatível com o regime simplificado criado.  

              E se não o fosse, a dificuldade correria por conta da exequente, já que o tribunal não poderia deixar seguir a execução sem prova de que a exequente tinha legitimidade para a fazer seguir (arts. 54/1 do CPC e 342/1 do CC).

                                                                 *

Da consequência de ainda não se ter feito a prova

              O facto de a exequente não ter apresentado o contrato não deve levar, sem mais, à conclusão da ilegitimidade da exequente.

              O juiz, mesmo no tribunal de recurso, não pode, sob pena de nulidade processual (art. 195/1 do CPC), julgar procedente a excepção dilatória da falta de legitimidade processual activa da exequente, sem lhe dar oportunidade de apresentar o contrato em causa, ou cópia do mesmo (arts. 590/2-a-3, 591/1 corpo, 6/2 e 278/3, primeira parte, todos do CPC), contrato que “é essencial à prova dum pressuposto da situação jurídica que se quer fazer valer” (Lebre de Freitas, A acção declarativa comum, 3ª ed., Coimbra Editora, 2013, pág. 162, nota 17 e texto correspondente, embora relativamente ao incidente de habilitação de herdeiros quando a qualidade de herdeiro já esteja declarada ou reconhecida).

           Para casos paralelos, veja-se o acórdão do TRL de 22/06/2017, proc. 1124/14.2T8LRS-A.L1 (no incidente de habilitação de cessionário, se o requerente não apresentar o título de cessão de créditos, ou este for ilegível e/ou não permitir a conclusão de que diga respeito ao crédito exequendo dos autos, o requerimento não deve ser liminarmente indeferido, mas antes ser objecto de um despacho de aperfeiçoamento a que se poderá seguir, se não for cumprido, o indeferimento liminar por manifesta improcedência do incidente, se se concluir que o título não comprova a cessão – arts. 356/1 e 590, n.ºs 1 e 3 do CPC). E o ac. do TRL de 09/02/2017, proc. 2359-15.6T8LRS-A.L1-6 (em sede de incidente da habilitação de cessionário de crédito exequendo, caso o título comprovativo da cessão junto com o requerimento inicial não revele e demostre com segurança a alegada cessão, tal não justifica a prolação, de imediato, de despacho de indeferimento liminar do incidente. É que […] pode/deve o juiz […] convidar e/ou determinar a junção de documento/título idóneo da invocada cessão; acórdão este que invoca no mesmo sentido  Salvador da Costa, Os incidentes da instância, 5ª Edição, Almedina, págs. 254/255 e 282/283). E, num caso similar ao dos autos, o ac. do TRL de 15/03/2011, proc. 24649/05.6YYLSB.L1-1, citado pela executada (como resulta, apesar do resultado a que chegou, de nele se dizer, entre o mais: 2. […] se a sucessão na titularidade do direito se tiver verificado antes da propositura da acção executiva, não é suficiente que o exequente invoque (no requerimento inicial da execução) os factos constitutivos da sucessão [;…] o exequente não está dispensado de, liminarmente, provar […] os factos constitutivos da sucessão que alega no requerimento executivo. 3. Efectivamente, desde que, por virtude da sucessão operada na titularidade do crédito ou da obrigação exequenda, o mero exame visual do título executivo não é suficiente para se poder aferir da legitimidade do exequente ou do executado, faz-se mister que o exequente faça a prova complementar, mediante documentos bastantes, dos factos concretos por si invocados no requerimento executivo para fundamentar a sucessão no crédito exequendo ou na obrigação exequenda. 4. Por isso, enquanto não estiverem estabelecidos (por prova documental bastante) os factos constitutivos da sucessão invocados no requerimento executivo, o juiz […] deve[…] mandar aperfeiçoar e, em último caso, indeferir o requerimento executivo, por ilegitimidade da parte […] quando não for oferecida a respectiva prova documental.)

                                                                 *

        Terá de ser o tribunal da 1.ª instância, naturalmente, a dar seguimento ao processado depois do convite ao aperfeiçoamento que este TRL vai proferir.

                                                                 *

          A revogação da decisão que reconheceu à exequente legitimidade processual activa para a execução, torna impossível a manutenção do julgamento e da sentença que julgou a final do mérito da oposição deduzida, por estes estarem dependentes daquela: não se pode manter um julgamento e uma sentença que pressupõem a existência de um crédito na titularidade da exequente, sem prova de que o crédito foi cedido e em que termos o foi. Assim, impõe-se a anulação deles, por arrastamento, na sequência da revogação daquela decisão, por aplicação analógica do art. 195/2 do CPC.

              Fica assim prejudicado o recurso contra a sentença final.

                                                                 *

              Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a impugnação da decisão que julgou a exequente parte legítima nesta execução, decisão que se revoga, e em sua substituição determina-se a notificação da exequente para, em 10 dias, apresentar nos autos o contrato de cessão de créditos que invocou como base da sua legitimidade, com tudo aquilo que for necessário à cabal demonstração de que o crédito lhe foi transmitido e em que termos.

                 Em consequência anula-se o julgamento e a sentença recorrida.

          Custas do recurso, na vertente de custas de parte (não existem outras) pela exequente (que é quem perde o recurso na parte da impugnação da decisão da excepção e que fica prejudicada pela anulação do julgamento e da sentença).

              Lisboa, 06/02/2020

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto