Processo do Juízo Central Cível de Lisboa

            Sumário:

            I – Estando decidido numa acção que o réu tem um crédito sobre o autor com base num contrato de cessão de exploração turística, o réu, noutra acção em que o autor pede, com base nesse contrato, a condenação do réu a pagar-lhe as retribuições acordadas, não pode pôr em causa a natureza desse contrato (dizendo que se trata de um contrato-promessa) ou a sua validade, eficácia ou extinção, a não ser por circunstâncias supervenientes. Isto por força da extensão excepcional do caso julgado aos fundamentos.

       II – Um contrato em que se prevê o regime da cessão da exploração entre os outorgantes, sem qualquer referência à obrigação de celebrar no futuro um outro contrato de cessão, não é um contrato-promessa mas um contrato definitivo de cessão de exploração.

              III – Sendo o autor promitente-comprador de 2 fracções de que já pagou 4/5 do preço e a ré a proprietária delas e promitente-vendedora, não há falta de legitimidade na celebração entre elas de um contrato de cessão de exploração dessas duas fracções.

              IV – O credor de uma obrigação, sinalagmática de uma outra para com o seu devedor, não tem de, na acção em que exige o cumprimento desta, alegar e provar o cumprimento da sua. De qualquer modo, no caso não se discutia que a ré tinha a disponibilidade das fracções para fazer a sua exploração, mas apenas a que título o fazia.

  

             

                Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

              Em 06/06/2014, A intentou uma acção contra R-SA, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe 176.983,16€, acrescidos de 38.480,78€ de juros de mora vencidos até 20/05/2014 e dos vincendos até efectivo e integral pagamento.

          Alega para o efeito, em síntese, que em 2000 prometeu comprar à ré duas fracções autónomas e esta prometeu vendê-las, pelo preço de 478.846€, a pagar em 5 fases, a 4ª em Junho de 2002; o autor pagou, nas datas acordadas, as 4 primeiras parcelas, num total de 4/5 do preço (= 383.077€); em 04/03/2004, autor e ré celebraram um contrato em que foi dada à ré, com início em 01/01/2004, a exploração turística daquelas duas fracções [a partir daqui este contrato será sempre referido como ‘contrato de cessão’, eventualmente com o acrescento ‘de exploração’ – parenteses colocado por este TRL], contra o pagamento anual, por cada uma, de 9000€; em 2013 foi celebrado o contrato de compra e venda; a cessão de exploração manteve-se porque o contrato de cessão constitua uma “promessa de garantia de cessão de exploração” e por isso a sua validade e eficácia estendeu-se para além dessa compra e venda excepto se alguma das partes o tivesse denunciado; a ré fez a exploração desde 04/03/2004, mas não pagou as rendas (a última, de 2013, vencida a 01/01/2014).

            A ré contestou, excepcionando, (i) a incompetência territorial do tribunal; (ii) a prescrição de rendas de 2004 a 2008; (iii) a ineptidão da petição, entre o mais porque o autor pede 9000€ de renda por cada fracção, quando invoca um contrato de cessão que fixa a renda de 9000€ pelas duas fracções, e porque esse contrato é de promessa ou de garantia de cessão e não um contrato definitivo de cessão; (iv) o erro na forma de processo, porque aquilo a que o autor teria direito era ao resultado de um encontro de créditos recíprocos (como decorreria de uma sentença proferida num outro processo – acção 1896/08 – entretanto revogada, estando esse processo à espera de novo julgamento) a apurar num processo de prestação de contas; (v) a caducidade do contrato de cessão; (vi) a sua resolução; (vii) a sua ineficácia; (viii) o abuso de direito; (ix) a excepção de não cumprimento do contrato; e (x) o erro sobre os motivos determinantes da sua vontade negocial, que deverá levar à revogação ou à alteração do contrato, por (xi) alteração das circunstâncias, sob pena de (xii) excessiva onerosidade; também invocou a existência de uma causa prejudicial, pedindo a suspensão da instância; ainda impugnou o essencial dos factos alegados pelo autor, repetindo que o contrato de cessão não era um contrato definitivo, mas um contrato-promessa ou uma garantia ou um acordo provisório, não renovável, porque celebrado no pressuposto de que o contrato-promessa de compra e venda se iria celebrar daí a pouco; aliás, o autor nem sequer era proprietário das fracções à data do contrato de cessão; entre 2004 e 2013 as fracções não foram exploradas pela ré por conta e sob permissão do autor mas sim por conta própria; volta a falar nos erros de cálculos e diz que o autor litiga de má-fé: as fracções foram entregues ao autor na data da celebração do contrato definitivo de compra e venda em 2013; conclui que deve ser verificada e declarada a excepção peremptória do não cumprimento do contrato e a ré seja absolvida do pedido; ou que a acção deve ser julgada improcedente com a mesma consequência; subsidiariamente, reconvém, pedindo que se declare a denúncia, resolução ou ineficácia do contrato de cessão, ou se julgue verificado o erro sobre os motivos, a alteração anormal de circunstâncias e a excessiva e desequilibrada onerosidade do negócio para a ré, por esta via sendo declarado resolvido o referido contrato com efeito à data dos factos geradores da alteração das circunstâncias ou, caso assim não se entenda, declarada a ineficácia desse contrato até à data em que vier a ser proferida sentença com trânsito em julgado.

            Sobre a existência da causa prejudicial, diz a ré, nos artigos 89 a 104:

          Na acção 1896/08, o autor pediu, em simples apreciação, o reconhecimento de que não deve à ré, por serviços de alojamento turístico prestados numa das fracções (o apartamento 102), entre 03/03/2004 e 19/03/2008, a quantia constante de factura emitida por esta. Em reconvenção, a ré pediu o reconhecimento e a condenação do autor no pagamento dos sobreditos serviços de alojamento turístico. Por sentença de 28/05/2010, o tribunal considerou, no período em que entendeu estar em vigor o contrato de cessão (04/03/2004 a 28/01/2005), que a ré não tinha sobre o autor o direito ao pagamento, qua tale, dos serviços de alojamento turístico, mas ao encontro de contas resultante da articulação das cláusulas 3, 6 e 7 desse contrato, tendo, por enriquecimento sem causa, condenado o autor naquilo em que enriqueceu, empobrecendo a ré, no pagamento à ré do preço de balcão dos serviços de alojamento turístico que lhe foram prestados.

         Atento (no processo 100/05) o acórdão do STJ, proferido em 21/03/2013, que ao contrário do decidido em todas as instâncias, negou a revista subordinada da ré reconvinte e julgou, em parte, procedente a revista do autor reconvindo, absolvendo-o do pedido reconvencional. É este o teor dispositivo do dito acórdão: nem o autor obteve o sinal em dobro, por incumprimento definitivo do contrato-promessa junto como doc.1, como sempre foi sua exclusiva pretensão nesses outros autos, nem a ré obteve o direito de fazer seu o sinal entregue pelo autor.

         Pelo que, a questão de saber se o contrato-promessa se manteve, ou não, em vigor desde que foi resolvido pelo autor, por carta recebida pela ré em 28/01/2005, ou se, mesmo admitindo que se manteve válido, passou a ser ineficaz para ambas as partes, é uma questão que cabe ao tribunal decidir no processo 1896/08, fundamental para a boa decisão sobre a existência ou inexistência do crédito da ré sobre o autor, derivado dos serviços de alojamento turístico prestados. Tal como fundamental se afigura, aí, a apreciação dos efeitos sobre o contrato de cessão, celebrado a 04/03/2004. Aliás, nesses autos o autor, em articulado superveniente, já apresentou tal nova factualidade.

         Nos termos do disposto no artigo 272/1 do CPC, o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta. É indubitável que a questão do direito, ou não, da ré ao percebimento dos serviços de alojamento turístico prestados ao autor, na sequência do contrato de cessão, está intimamente ligada ao pretenso direito do autor a receber da ré uma renda anual na sequência do contrato de cessão. Os factos que se apurarem na acção já proposta ditarão o direito aplicável e a solução que melhor corresponda à verdade material. Sendo de todo indesejável que naqueles autos e nos presentes, possa correr-se o risco de uma oposição entre os fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, uma contradição nas decisões a proferir.

              O autor na réplica, impugnou as excepções deduzidas, incluindo os respectivos factos base; nega a existência de uma causa prejudicial; excepciona a ineptidão da reconvenção; impugna os factos base desta reconvenção e da invocada litigância de má-fé.

              Por despacho de 26/03/2015, foi declarada a incompetência territorial do tribunal onde o autor tinha intentado a acção (instância central, 1.ª secção cível de Faro).

              A 28/05/2015, a convite do tribunal, a ré respondeu à excepção de ineptidão da reconvenção, negando-a.

              Por despacho do dia 06/07/2015, foi suspensa a instância à espera da decisão a proferir na acção 1896/08, por se entender que ela podia afectar a presente acção, nos seus pressupostos. A nova sentença acabou por ser proferida a 04/12/2015, foi confirmada pelo acórdão do TRL de 06/07/2017, com reclamação da ré, e foi apresentada nestes autos, pelo autor, a 04/01/2018.

              A 09/05/2018 realizou-se a audiência prévia, em que as partes foram convidadas a pronunciarem-se quanto a um eventual caso julgado (decorrente da acção 1896/08) relativamente ao pedido reconvencional, o que as partes fizeram por escrito de 21/05/2018: o autor a dizer que se verificava o caso julgado, a ré a dizer que não. A ré aproveitou para dizer que se verificava a excepção do caso julgado quanto ao pedido do autor das rendas pelo apartamento 102 e a autoridade do caso julgado quanto ao pedido do autor das rendas pelo apartamento 127. O autor respondeu que não se verificava nem a excepção nem a autoridade do caso julgado invocadas pela ré.

                Por despacho proferido em conclusão de 25/06/2018,

                (i) foram julgadas improcedentes as excepções de ineptidão da petição inicial da acção e da reconvenção e do erro na forma do processo;

        (ii) julgou-se procedente a excepção de prescrição e, consequentemente, absolveu-se a ré do pedido na parte relativa ao pagamento das rendas de 2004 a 2008 e respectivos juros no que tange às duas fracções autónomas; considerou-se que, no que tange às rendas devidas pela exploração da fracção AF, correspondente ao apartamento 102, se não estivesse prescrito o direito do autor ao recebimento daquelas, também não podiam ser exigidas à ré por força do decidido na acção 1896/08 com trânsito em julgado, ou seja, que de 2004 a 2008 o autor não tem direito a qualquer renda no que ao apartamento 102 diz respeito;

           (iii) julgou-se improcedente a excepção de caso julgado no que tange às rendas relativas ao apartamento 102 de de 2009 a 2013, com vencimento em Janeiro de 2014.

              (iv) julgou-se que, por força da autoridade do caso julgado (da acção 1896/08), o tribunal estava impedido de voltar a apreciar a questão atinente à validade, vigência e eficácia do contrato de cessão de exploração – ou seja, considerou-se que a declaração de que o contrato de cessão de exploração subsistiu e se manteve em vigor, pela sentença proferida naquele processo, impõe-se nestes autos, obstando à apreciação de quaisquer elementos que possam conduzir a havê-lo como extinto, exactamente por força da autoridade do caso julgado – e que tal importava a absolvição do autor/reconvindo do pedidos contra si dirigidos.

              Isto com base no seguinte:

         “Quanto à excepção de caso julgado relativamente ao pedido reconvencional formulado pela ré:

         A ré veio em sede de reconvenção peticionar que se declare que o contrato de cessão de exploração a que se reportam os autos se extinguiu por denúncia, foi resolvido ou se tornou ineficaz. Subsidiariamente, pede se considere o contrato resolvido por alteração anormal das circunstâncias com efeitos à data em que tal alteração se verificou ou se declare a ineficácia do contrato até à data em que vier a ser proferida sentença, com trânsito em julgado, reconhecendo-se como válido a partir dessa data.

         Alega a ré que o contrato vigorou apenas por um ano tendo sido denunciado implicitamente pelas partes, em face da não realização do contrato prometido de compra e venda. Alega que a resolução do contrato-promessa importou na resolução do contrato de cessão de exploração ou torna-o ineficaz.

         A mais disso alegou que a ré apenas celebrou o dito contrato no pressuposto de que iria celebrar-se o contrato prometido, tendo-se alterado as circunstâncias da base do negócio radicalmente o que conduziria à resolução do contrato por alteração anormal das circunstâncias ou pelo menos à modificação do mesmo que passaria a vigorar quando tal for afirmado judicialmente.

         Em 06/07/2015 foi proferida decisão suspendendo a instância até que se mostre decidida a acção 1896/08.3 por se entender que aquela causa era prejudicial em relação a estes autos por estar em discussão o mesmo contrato.

         Em 04/12/2015 foi proferida sentença naquela acção, sentença que veio a ser confirmada por acórdão do TRL de 06/07/2017.

         Por via dessa decisão este tribunal entendeu que se poderia configurar a excepção de caso julgado relativamente ao pedido reconvencional e disso notificou as partes que se pronunciaram conforme consta dos antecedentes requerimentos.

         Vejamos.

         Na acção 1896/08 foi proferida sentença condenando o autor: “a pagar à ré a quantia correspondente a 70% do valor diário do preço da tabela de venda ao balcão, em vigor nos anos de 2004 a 2008, para um apartamento T2, com vista frontal para o mar (T2 VM (SV)), por cada dia em que o autor, por si, ou através de familiares, se alojou no apartamento 102, no período de 1 de Abril a 30 de Setembro e nos períodos de Natal, Ano Novo, Carnaval e Páscoa de cada um dos referidos anos – 2004 a 2008 – sem que haja qualquer direito do autor à renda no que ao apartamento 102 diz respeito.”

         Na decisão proferida considerou-se que nos anos de 2004 a 2008 o autor tinha mantido no apartamento 102 de forma permanente bens pessoais com o que “isso significa, em contas finais, que o autor naquele período não disponibilizou à ré o apartamento 102 para exploração turística.”

         E, sendo assim, o autor não tem direito à renda acordada no que ao apartamento 102 diz respeito.”

         Mais se refere nessa sentença que o acórdão do STJ proferido na acção 100/05 considerou que o contrato-promessa subsistia; que na sequência deste acórdão do STJ foi celebrado o contrato prometido.                        

         Assim “Em face desta nova factualidade, nomeadamente face à decisão que considerou subsistente o contrato-promessa de compra e venda, impõe-se considerar que também o contrato de cessão de exploração, contrato este subordinado ou dependente daquele, se manteve em vigor.”

         São estes segmentos daquela decisão que impõem que se conclua que nesta acção comum não se possa conhecer qualquer situação que importe em considerar aquele contrato extinto.

         Explicando.

      O contrato de cessão de exploração referido pressupunha, logicamente e na intenção das partes o contrato-promessa de compra e venda que tinha por objecto as fracções autónomas AF e BQ pois, como igualmente se refere naquela sentença, apenas fazia sentido lógico afirmar que o autor cedia para exploração turística os apartamentos de que era promitente-comprador enquanto mantivesse essa qualidade jurídica ou a qualidade sucessiva de proprietário, em cumprimento da promessa celebrado.

         Considerou-se estarmos perante um caso de contratos coligados e daí e nos demais termos referidos entendeu-se que tendo subsistido o contrato-promessa o contrato de cessão de exploração se manteve em vigor.

         Com o pedido reconvencional deduzido nestes autos pretende a ré se considere, pelas diversas razões invocadas, extinto aquele contrato, assim nada devendo ao autor por efeito do dito contrato.

              Depois o despacho cita vários autores, nacionais e não nacionais, quanto ao que se entende pela excepção do caso julgado e pela autoridade do caso julgado, e continua:

         “No caso em apreço estamos perante uma situação em que há que fazer apelo à autoridade de caso julgado.

         A ré refere em sede de contestação que cabe decidir no processo 1896/08 se o contrato-promessa se manteve em vigor desde que foi resolvido pelo autor e ainda caberá naqueles autos apreciar os efeitos sobre o contrato de cessão de exploração em causa nestes autos.

         Afirma, ainda, que a questão do direito ou não da ré ao percebimento dos serviços de alojamento turístico prestados ao autor na sequência do dito contrato de cessão de exploração está intimamente ligada ao pretenso direito do autor a receber da ré uma renda anual na sequência do mesmo contrato de cessão de exploração.

         Foi precisamente por se considerar que aqueles autos constituíam causa prejudicial em relação a estes que se suspendeu a instância.

         Ora, nesses autos, afirmou-se claramente que o contrato de cessão de exploração porque qualificado como contrato dependente ou subordinado do contrato-promessa subsistiu e manteve em vigor pois a resolução do contrato-promessa não foi considerada considerando-se antes que aquele subsistiu.

         A declaração de que o contrato de cessão de exploração subsistiu e se manteve em vigor, pela sentença proferida no processo referido, impõe-se nestes autos, obstando à apreciação de quaisquer elementos que possam conduzir a havê-lo como extinto, exactamente por força da autoridade do caso julgado.

         Todas as causas de extinção da relação jurídica constituída entre as partes invocadas pela ré são reportadas, ou tem por fundamento, a não realização do contrato-promessa e a extinção desta relação jurídica.

         Ora este tribunal em face de uma decisão transitada em julgado como a proferida na acção 1896/08 fica impedido de averiguar se se perfilam razões para considerar extinto o contrato de cessão de exploração naquele período, sendo que outras razões não foram invocadas, por força da autoridade de caso julgado.

         E nem se afirme como parece fazer a ré que a decisão aí proferida vale apenas para o apartamento 102. É que o contrato em causa é uno; a cedência para exploração turística reportava às duas fracções autónomas pelo que se subsistiu e se manteve em vigor em relação a uma das fracções manteve-se em relação a ambas.”

              Naquele despacho saneador fixaram-se os seguintes temas de prova:

        1. A ré não pagou ao autor, o correspectivo acordado no contrato B, pela exploração das fracções AF e BQ e vencidas desde Janeiro de 2010 até Janeiro de 2014, reportadas aos anos de 2009 a 2013;
        2. O valor de 9000€ a ser pago a título de renda anual abrange as duas fracções;
        3. O autor quando celebrou o contrato B fê-lo na convicção de que a renda anual de 9000€ era devida pela exploração de cada uma das fracções e não pela globalidade.

                A 04/09/2018, o autor faz um requerimento de ampliação do pedido, de modo a abranger as rendas de 2014 a 2017, inclusive, e respectivos juros de mora; e conclui: deve, assim, o valor da acção ser actualizado para o montante de 177.760,75€ conforme a seguir se discrimina: 18.000€ x 9 anos (excluiu os anos de 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008 de acordo com o despacho saneador) + 15.760,75€ (valor respeitante a juros de mora vencidos sobre as quantias em dívida, dos quais 7180€ respeitavam às rendas de 2014 a 2017).

            A 10/09/2018, a ré, tendo em vista a reclamação do despacho prevista no art. 593/2-c do CPC, requereu a realização de audiência prévia.

              A 01/10/2018, a ré é convidada a fazer a reclamação do despacho saneador por escrito, o que fez a 25/10/2018, acrescentando um requerimento do mesmo dia de oposição à ampliação do pedido.

          A 10/10/2018, dá-se conta da apensação de um recurso de apelação em separado em que é recorrente a ré, que foi admitido por despacho de 13/11/2018, como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, que foi desapensado a 17/12/2018 e remetido a este TRL, onde chegou a 09/01/2019 e foi distribuído a um Sr. juiz desembargador de uma outra secção deste TRL que não é o relator deste processo, com conclusão aberta naquele dia 09/01/2019. Nesse recurso a ré pede a anulação do saneador-sentença na parte em que absolve o autor do pedido reconvencional formulado pela ré, e que se altere o decidido, quer apreciando os fundamentos do pedido reconvencional da ré, quer julgando-o procedente, com a inerente improcedência do pedido do autor, ou subsidiariamente, que ele seja anulado e se ordene a baixa dos autos à primeira instância para apreciação e julgamento do mérito do pedido reconvencional. A 26/05/2020 foi proferido por aquela outra secção do TRL, acórdão sobre este recurso contra o saneador-sentença, confirmando-o, precisamente com os mesmos fundamentos (o que se diz para justificar o facto de não se estar aqui a fazer referência aos fundamentos do acórdão) e sem voto de vencido [estes dados foram obtidos pelo relator com base em consulta desse recurso, online, a 13/05/2020 e 27/05/2020].

        No despacho proferido na conclusão de 26/10/2018, foram indeferidas as reclamações da ré e admitida a ampliação do pedido.

           Na 1.ª sessão da audiência final, de 09/09/2019, foi proferido o seguinte despacho: O autor no seu depoimento de parte referiu que existiu um contrato destinado a substituir o que se encontra junto aos autos a fl. 21 e seguintes, assim sendo, por se tratar de documento essencial para o conhecimento da verdade material dos factos, notifique-se o autor para juntar tal documento aos autos até à próxima sessão de julgamento.

              No dia seguinte, o autor fez um requerimento a requerer a junção aos autos de tal contrato e a ré foi notificada de tal requerimento a 23/09/2019.

                Na 2.ª sessão, de 26/09/2019, foi proferido o seguinte despacho: Nos presentes autos discute-se se a ré tem a obrigação de pagar ao autor determinada quantia a título de rendas alegando-se que a ré procedeu a exploração turística dos apartamentos do autor AF e BQ de 2009 a 2017. Estando em causa um contrato sinalagmático, a prestação correspondente ao pagamento das rendas é a disponibilização à ré dos apartamentos AF e BQ pelo autor, para que aquela os explorasse turisticamente. Assim sendo, o tribunal introduz um novo tema da prova com o seguinte conteúdo:

        1. O autor entregou os apartamentos AF e BQ a ré para que esta os explorasse turisticamente nos anos de 2009 a 2017.

              Dada a palavra aos mandatários das partes, pelos mesmos foi dito nada terem a reclamar.

              Finda a inquirição das testemunhas presentes, pelo mandatário do autor foi dito que, tendo presente a alteração dos temas da prova introduzido pelo tribunal, vem requerer o depoimento da testemunha MC, a presentar.

              Dada a palavra ao mandatário da ré pelo mesmo foi dito nada a opor.

              Depois foi proferido o seguinte despacho: Considerando a alteração dos temas de prova, resulta pertinente a alteração do rol de testemunhas pelo autor. A testemunha ora indicada será apresentada pelo autor e ouvida na próxima sessão de julgamento.

              Pelo mandatário da ré foi requerido que fosse apresentado pelo autor o original do documento apresentado pelo autor a solicitação do tribunal na última audiência de julgamento.

               Neste momento foi apresentado pelo mandatário do autor o documento original do contrato para ser junto aos autos.

             Depois foi proferido o seguinte despacho: o mandatário da ré terá prazo até a próxima audiência de julgamento para se pronunciar relativamente ao mesmo.

              A 01/10/2019, o autor faz um requerimento a pedir a junção aos autos de mais documentos que apresenta.

                A 03/10/2019, a ré opôs-se à junção do documento a que se referiu o despacho da 1.ª sessão da audiência final.

             Por despacho proferido no início da 3ª sessão da audiência final (que ocorreu a 03/10/2019), foi indeferida a junção aos autos de todos os documentos (o referido na 1ª sessão e os requeridos a 01/10/2019), encontrando-se presentes ambos os mandatários.

              Depois de realizada a audiência final, a 08/10/2019 foi proferida sentença julgando a acção improcedente.

           A 25/11/2019 o autor recorre da sentença, pondo em causa o despacho de 03/10/2019, requerendo a junção aos autos de documentos, impugnando a decisão da matéria de facto quanto a alguns pontos e pondo em causa a decisão de improcedência da acção.

                A ré contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.

               O recurso chegou a este TRL a 09/03/2020.

                                                                 *

              Questões que importa decidir: se os documentos devem ser admitidos; se a decisão da matéria de facto deve ser alterada; e se a ré devia ter sido condenada no pedido de rendas.

                                                                 *

              Questão prévia: o recurso do saneador-sentença, que se encontrava pendente neste tribunal desde 09/01/2019, podia ser visto como um questão prejudicial deste recurso, o que poderia levar a entender que este recurso deveria ser suspenso ao abrigo do art. 272/1 do CPC. O que foi ponderado, tendo-se ponderado também que este recurso devia ser apenso àquele, ao abrigo do art. 268 do CPC, o que foi sugerido à Sr.ª Presidente do TRL. Entretanto, como se dá conta acima, já foi proferido acórdão sobre o recurso do saneador-sentença. Poderia, agora, colocar-se a possibilidade de suspender este processo à espera do trânsito em julgado desse acórdão.

              No entanto, tendo em conta: (i) que aquele recurso se encontra concluso deste 09/01/2019, isto é, há quase um ano e meio; (ii) a acção já vem de meados de 2014 (há quase 6 anos) e as partes já estão em litígio desde 2004 (vai para 16 anos); (iii) e o disposto no art. 272/2 do CPC, considera-se que este recurso não deve ficar à espera do trânsito desse acórdão, tanto mais que, por força do art. 671/1 do CPC, o acórdão de 26/05/2020 não é susceptível de recurso de revista normal.

                                                                 *

                                         Do despacho de 03/10/2019

           No recurso, o autor requer que sejam juntos ao processo alguns documentos, o que diz dever ser feito ao abrigo do artigo 662 do CPC. E relacionado com isto tem uma única conclusão do recurso, qual seja:

        1. O autor considera que o despacho proferido pelo tribunal a quo padece de nulidade por ser contrário à lei.

               No corpo das alegações de recurso, depois de dizer que o recurso tem por objecto o despacho proferido em sede de audiência final, a 03/10/2019, nos termos do qual o tribunal a quo não admitiu a junção aos autos dos documentos, passa a falar do despacho de 26/09/2019 (sem referir a data), dizendo que o tribunal recorrido não tinha poderes para aditar temas de prova e depois refere uma série de nulidades e de inconstitucionalidades que teriam ocorrido.

       A ré responde, com desenvolvimento, que não se verificam nulidades ou inconstitucionalidades e que o autor não pode recorrer agora do despacho de 03/10/2019, porque o despacho era recorrível autonomamente (art. 644/2-do CPC) e o autor não recorreu dele em tempo.

            Decidindo

            É evidente que o autor não tem razão – evidência que é logo indiciada pelo engano nas referências ao/s despacho/s e com a mistura de matérias e de conteúdos de despachos – mas a questão não tem qualquer interesse, porque se tivessem ocorrido quaisquer nulidades processuais, o autor teria que as ter arguido em tempo, ou seja, na própria sessão da audiência em que diz que elas tiveram lugar (art. 199 do CPC), isto é, perante o tribunal recorrido e não perante o tribunal de recurso. 

            Pelo que esta arguição não tem de ser apreciada, sem prejuízo de se apreciarem as questões substanciais subjacentes às nulidades invocadas (como, por exemplo, quem é que tinha os ónus de alegação e de prova e do quê), mais à frente neste acórdão.

        Quanto aos documentos, em geral, a não admissão deles concretizou-se num despacho recorrível autonomamente, por força do art. 644/2-d do CPC, pelo que o autor não o pode impugnar agora (art. 644/3 do CPC, a contrario).

              Quanto ao documento referido no despacho da 1.ª sessão de julgamento, o que o autor poderia agora tentar dizer era que, tendo o tribunal dado um despacho a notificar o autor para juntar aos autos tal documento, depois não podia indeferir a sua junção. Isto por força do trânsito em julgado do 1.º despacho. Pelo que o 2.º despacho seria ineficaz (art. 625 do CPC) e este TRL devia considerar o documento, junto aos autos por força do 1.º despacho.

              Mas, a própria lei não utiliza sempre a palavra ‘junção’ como equivalendo a uma decisão do juiz a admitir a junção de um documento aos autos, como se pode constatar, por exemplo, no art. 442/1 do CPC, em que, depois de dispor que a secretaria ‘junta’ aos autos os documentos que sejam apresentados, ainda prevê que a seguir o juiz vá decidir sobre a ‘junção’ dos documentos.

         Assim, o despacho em causa era um despacho a determinar a junção do documento, mas sem prejuízo da faculdade, prevista no art. 415/2 do CPC, de a parte contrária impugnar, tanto a respectiva admissão como a sua força probatória, e só depois é que seria admitida ou não a junção de tal documento aos autos.

            Pelo que não havia ainda decisão sobre a questão, e o despacho de 03/10/2019 é um despacho normal de não admissão do documento, contra o qual, já se viu, o autor teria que ter recorrido, querendo, no prazo normal, não o podendo impugnar só agora. 

      Quanto à pretensão de junção dos documentos, deduzida com o recurso, autonomamente apreciada, também o autor não tem razão.

             As partes podem apresentar documentos na fase de recurso, em determinadas circunstâncias (arts. 425 e 651 do CPC), de que têm de alegar e provar os respectivos pressupostos.

              Ora o autor não alegou nada do necessário para o efeito, limitando-se a invocar, para tentar que os documentos fossem agora admitidos por este TRL, o disposto no art. 662/2 do CPC, artigo que, aliás, o autor nem tentou demonstrar que tivesse alguma aplicação ao caso. Mas, mesmo que a tivesse, ter-se-ia de dizer dele, como do art. 411 do CPC, que “não pode nem deve servir para afastar as regras processuais que disciplinam a produção de prova, imponho prazos, ónus e preclusões à actividade das partes, para se vir a obter um resultado probatório formalmente válido, da verdade das alegações de facto que as partes fizeram.” Ou seja, que “[A] responsabilidade probatória do juiz” tem “uma natureza meramente complementar ou acessória” e a respectiva “actividade não pode ter lugar com prejuízo para o sistema de ónus e preclusões previstos no código.” (neste sentido, por exemplo, o ac. do TRL de 04/06/2020, proc. 9854/18.3T8SNT-A.L1).

              Em suma, improcede também a pretensão da junção aos autos dos documentos ou da consideração deles por outra via.

                                                                 *

         Estão dados como provados os seguintes factos que importam à decisão daquelas questões (acrescentam-se, ao abrigo dos arts. 663/2 e 607/4 do CPC, o ponto 7-A para se consignar o decidido em 2010 na acção 1896/08, para se poder perceber as referências que as partes lhe fazem; os pontos 16 e 17 para consignar algumas normas do título constitutivo do Hotel/empreendimento turístico e do regulamento da administração do empreendimento, e um outro anexo daquele, que são invocadas por ambas as partes e não impugnados por elas; e em consequência da parcial procedência da impugnação da decisão da matéria de facto, acrescentar-se-á depois o ponto 18; transcreveu-se de forma mais completa o contrato de compra e venda no ponto 14):

1. A ré tem por objecto a realização e promoção de investimentos directos e indirectos no sector hoteleiro e turístico, sua exploração e actividades imobiliárias destinadas a esses fins específicos.

2. Em 06/06/2000, por escrito que denominaram CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA, o autor, como 2.º outorgante e promitente-comprador, e a ré, como 1.ª outorgante e promitente vendedora, declararam:

“1ª A primeira é dona e legítima possuidora de um lote de terreno em construção sito na Av. I em M, descrito na Conservatória do Registo Predial de X sob o n.º 00000/280289, da freguesia de M, e com a licença de construção nº 0/2000, passado pela Câmara Municipal de X em 25/01/2000.

2ª Pelo valor global de 96.000.000$ a 1.ª promete vender e o 2.º promete comprar 2 apartamentos e 3 estacionamentos no edifício em construção, sendo um apartamento T2 identificado pelo nº 260, um apartamento T2+1 identificado pelo nº 227, ambos sitos no 1º andar, 2º piso, e os estacionamentos na cave identificados pelos nºs 18, 30 e 31.

3ª O valor referido na cláusula anterior será pago da seguinte forma:

a) 19.200.000$ na assinatura do presente contrato, a título de sinal e princípio de pagamento, de que a primeira contratante dará devida quitação através de competente recibo.

b) 19.200.000$ em Fevereiro de 2001, com a estrutura de Betão.

c) 19.200.000$ em Outubro de 2001, com alvenarias, canalização e rebocos.

d) 19.200.000$ em Junho de 2002, na fase de acabamentos.

e) a restante importância no valor de 19.200.000$ será paga no acto da escritura.

4ª Os apartamentos serão vendidos mobilados e equipados, o T2 para seis pessoas e o T2+1 para oito pessoas, e com ar condicionado.

5ª Os referidos apartamentos e estacionamentos, serão vendidos livres de ónus ou encargos.

6ª Os encargos com o pagamento de sisa e despesas de escritura serão da responsabilidade do segundo outorgante.

7ª Logo que os referidos apartamentos e estacionamentos se encontrem em condições legais para a realização da escritura, esta será marcada pela primeira contratante, que avisará o segundo com oito dias de antecedência, do dia, hora e lugar em que a mesma se realizará.

8ª Elaborado um exemplar do qual será tirada cópia, sendo o original para o promitente comprador, e a cópia para a promitente vendedora.

9ª Em tudo o não previsto expressamente no presente contrato aplicam-se as disposições legais em vigor.”

3. A ré explora, desde 2003 e até ao presente, o Hotel Apartamentos [daqui para a frente apenas ‘Hotel’ – TRL], sito na freguesia de M.

4. Em 04/03/2004, por escrito […] denomina[do] CONTRATO DE CESSÃO DE EXPLORAÇÃO, [entre] o autor, como 1.º outorgante, e a ré, [adiante designada como] 2.º outorgante [sic], {[foi ou tendo] acordado e pelo presente reduzido a escrito, o contrato promessa de garantia de cessão de exploração constante das cláusulas seguintes} [o conteúdo dos parenteses e colchetes foi transcrito por este TRL do documento aceite pelas duas partes]:

1.ª Os 1.ºs outorgantes são donos e legítimos proprietários das fracções autónomas AF e BQ, correspondentes aos apartamentos nºs 102 e nº 127 do prédio [já referido – TRL] ao qual corresponde a licença de utilização turística pela CM de X em 24/01/2003 e com licença de utilização nº 2/2003.

2.ª A) Pelo presente contrato, os 1.ºs outorgantes dão aos 2.ºs para exploração turística as fracções autónomas descritas na cláusula anterior. B) A exploração turística da parcela descrita será efectuada pela forma que a 2.ª outorgante entender por conveniente, incluindo o arrendamento de qualquer tipo previsto pela Lei. C) A exploração será exercida em conjunto com as restantes fracções autónomas do prédio, pelo que os 1.ºs outorgantes cedem à 2ª a utilização da sua quota-parte nas partes comuns do edifício, autorizando que faça obras de adaptação que se mostrem necessárias durante a vigência do contrato.

3.ª A) O presente contrato tem início em 01/01/2004. B) A renda anual a título de retribuição pela cedência da exploração é de 9000€. C) A renda será liquidada em Janeiro do ano seguinte a que respeitam os rendimentos.

4.ª Este contrato tem a duração de 1 ano e poderá ser denunciado por qualquer das partes com a antecedência mínima de 90 dias do seu termo, por meio de carta registada.

5.ª Este contrato é transmissível com os mesmos direitos e obrigações por parte de qualquer um dos outorgantes, obrigando-se os mesmos a informar a outra parte com a antecedência mínima de 90 dias por meio de carta registada.

6.ª Os 1.ºs outorgantes poderão, se assim o entenderem, e consoante a disponibilidade e ocupação do apartamento, usufruir da utilização do seu apartamento, desde que marcado previamente, de 1 de Outubro a 31 de Março, com excepção dos períodos de Natal, Ano Novo, Carnaval e Páscoa.

7.ª Se os 1.ºs outorgantes utilizarem o apartamento em seu próprio proveito, fora do prazo estabelecido na cláusula sexta, ao valor estipulado no presente contrato será descontado, por cada dia de utilização 70% do valor do preço de tabela de venda ao balcão.

8.ª A 2.ª outorgante assume todas as responsabilidades inerentes à exploração dos apartamentos e poderá fixar livremente os valores que cobrará pelo arrendamento do apartamento.

9.ª A 2.ª outorgante obriga-se a conservar e restituir no final do contrato a fracção descrita em bom estado de funcionamento, incluindo todos os móveis, máquinas e utensílios constantes do inventário em anexo. Porém, não serão devidas quaisquer indemnizações por virtude do uso e desgaste próprios da sua normal utilização.

10.ª Para todas as partes emergentes do presente contrato, fica expressamente convencionado que será competente o juízo da Comarca de X.”

5. No processo 1896/08.3TVLSB, o autor deduziu acção declarativa de simples apreciação negativa, peticionando fosse declarada a inexistência de um crédito, por alojamento, na unidade nº 102, integrada no Hotel explorado pela ré.

6. Por via reconvencional, a ré peticionou a condenação do autor a pagar-lhe 205.975€, a título de cumprimento da prestação de serviços de alojamento hoteleiro ou de enriquecimento sem causa, desde Março de 2004 [os itálicos correspondem à alteração agora introduzida para ter em conta o que se diz no relatório da sentença do processo em causa].

7. Em 04/12/2015, foi proferida [uma 2.ª] sentença em tal processo condenando o autor “a pagar à ré a quantia correspondente a 70% do valor diário do preço da tabela de venda ao balcão, em vigor nos anos de 2004 a 2008, para um apartamento T2, com vista frontal para o mar (T2 VM (SV)), por cada dia em que o autor, por si, ou através de familiares, se alojou no apartamento 102, no período de 1 de Abril a 30 de Setembro e nos períodos de Natal, Ano Novo, Carnaval e Páscoa de cada um dos referidos anos – 2004 a 2008 – sem que haja qualquer direito do autor à renda no que ao apartamento 102 diz respeito.”

[Dá-se como provado, entre outros, o seguinte facto 12: “Entre 04/03/2004 e 03/04/2008, o autor alojou-se no apartamento 102, em datas e por períodos não concretamente apurados e, pelo menos uma vez, um dos seus filhos e família também se alojou no mesmo, por um número de dias não concretamente apurado e, no mesmo período, ali manteve, de forma permanente, bens pessoais”…;

E escreve-se:

Em face desta nova factualidade, nomeadamente, face à decisão do STJ que considerou subsistente o contrato-promessa de compra e venda, impõe-se considerar que também o contrato de cessão de exploração, contrato este subordinado ou dependente daquele, se manteve em vigor.

E sendo assim, em todo o período em discussão nos autos — entre 04/03/2004 e 03/04/2008 — tem plena aplicação o acima referido: nesse período o autor beneficiava do regime constante do contrato de cessão de exploração celebrado, no qual não era prevista qualquer remuneração fixa ou de acordo com o preço de tabela, a favor da ré, mas apenas e só o desconto à quantia anual devida pela cedência de exploração, de um valor correspondente a 70% do valor diário do preço de tabela de venda ao balcão, por cada dia de utilização pelo autor e apenas no período de 1 de Abril a 30 de Setembro e nos períodos de Natal, Ano Novo, Carnaval e Páscoa — pois nos períodos excluídos a utilização seria gratuita, como resulta da articulação entre as cláusulas 6ª e 7ª já que ali não se previa qualquer retribuição, fosse ela qual fosse.

E, sendo assim, a ré apenas terá direito a descontar à quantia anual devida pela cedência de exploração 9000€ — de um valor correspondente a 70 % do valor diário do preço de tabela de venda ao balcão, por cada dia de utilização pelo autor e apenas no período de 1 de Abril a 30 de Setembro e nos períodos de Natal, Ano Novo, Carnaval e Páscoa — pois nos períodos excluídos a utilização seria gratuita, como resulta da articulação entre as cláusulas 6ª e 7ª.

Destarte, o direito da ré assenta no contrato de cessão de exploração e não na prestação de serviços de alojamento ou sequer no enriquecimento sem causa, ficando assim prejudicada a apreciação das invocadas prescrições.]

7-A. A sentença anterior, que foi revogada e substituída pela do ponto 7, tinha, em 28/05/2010, condenado o autor a pagar à ré (a) 111.615€, acrescidos de juros, e (b) a quantia correspondente ao preço de tabela da locação dia a dia ao balcão da ré, pelo período de utilização do apartamento 102, de 18/09/2005 a 31/12/2005, a liquidar em subsequente incidente de liquidação, acrescida de juros, isto com base na seguinte fundamentação:

Por força do contrato de cessão de exploração, mediante o qual o autor cedeu à ré a cessão da exploração do apartamento 102 e 127 mediante a renda anual a título de retribuição de 9000€, podia o autor usufruir da utilização do seu apartamento, desde que marcado previamente, de 1 de Outubro a 31 de Março, com excepção dos períodos de Natal, Ano Novo, Carnaval e Páscoa, sendo que mais acordaram as partes que se o autor utilizar o apartamento em seu próprio proveito, fora do período estabelecido, ao valor estipulado no presente contrato, será descontado, por cada dia de utilização, 70% do valor do preço de tabela de venda ao balcão. Ou seja, mediante a assunção mútua deste contrato, as partes não estabeleceram qualquer contrapartida monetária pela prestação dos serviços de hotelaria ao autor, mas tão só, o desconto à renda devida pela ré ao autor, de 9000€ anuais, do valor correspondente a 70% do valor diário do preço de tabela de venda ao balcão, por cada dia de utilização pelo autor e apenas naquele período, pois nos períodos excluídos a utilização seria gratuita, como resulta da articulação entre as cláusulas 6 e 7.

Invoca a ré que esse contrato se teria extinguido, em virtude da extinção do contrato-promessa […].

Esses contratos apresentam necessárias conexões, podendo-se afirmar que o contrato de cessão pressupunha a vigência ou o cumprimento integral do contrato-promessa apenas fazendo sentido lógico afirmar que o autor cedia a exploração dos apartamentos de que era promitente-comprador enquanto mantivesse essa qualidade jurídica ou a qualidade sucessiva de proprietário, em cumprimento da promessa celebrada. O contrato de cessão é subordinado ao contrato-promessa.

Extinguindo-se, por outro motivo que não o cumprimento, a posição jurídica do promitente-comprador, perdia a razão de ser a existência do contrato de cessão, pois como resulta da natureza das coisas, nada mais tinha o autor para ceder à ré.

E, efectivamente, o autor demandou a ré, no dia 28/01/2005, peticionando o pagamento do sinal em dobro, entregue no âmbito do contrato-promessa, em virtude da resolução desse contrato-promessa, por incumprimento imputável à ré.

Ou seja, no período de gozo e utilização do apartamento de 04/03/2004 a 28/01/2005, o autor beneficiava do regime constante do contrato de cessão de exploração. E nesse contrato não era prevista qualquer remuneração fixa ou de acordo com o preço de tabela, a favor da ré, mas apenas e só o desconto à quantia anual devida pela cedências de exploração, de um valor correspondente a 70% do valor diário de…

Daí que, quanto a esse período, deva improceder o pedido reconvencional – ao autor não pode ser exigido qualquer preço de tabela da locação turística, mas apenas o encontro de contas resultante da articulação entre as cláusulas 3, 6 e 7 do contrato de cessão de exploração celebrado.

E quanto ao período restante, de 29/01/2005 a 19/03/2008? Nesse período, como vimos, o autor continuou a ocupar o apartamento 102, sem prévia marcação e durante todo o ano, passando a utilizar em exclusivo essa unidade de alojamento afecta à locação turística. Ora, em face da factualidade que resultou provada, entendem-se como verificados todos os pressupostos de funcionamento do enriquecimento sem causa: o autor beneficiou da utilização do apartamento em causa naquele período, sem qualquer custo e impedindo a ré de o utilizar na sua actividade de exploração turística, sem qualquer título justificativo para tal ocupação, sendo que o empobrecimento da ré e o enriquecimento injustificado do autor não podem ser anulados por qualquer outro meio. Ou seja, quanto a esse período, justifica-se que o autor transfira para a ré o enriquecimento injustificado de que gozou e que corresponde ao valor do preço de tabela da locação dia a dia ao balcão da ré.

Assim: O pedido reconvencional deduzido pela ré deverá improceder no segmento respeitante ao período de 04/03/2004 a 17/09/2005 (isto porque, de 4/3/2004 a 28/1/2005, a contrapartida acordada pela utilização do apartamento não corresponde à causa do pedido reconvencional, resultando antes de acerto de contas estranho aos autos e, de 29/1/2005 a 17/9/2005, pela procedência da excepção de prescrição).

O pedido reconvencional deverá proceder, quanto ao preço de tabela da locação dia a dia ao balcão da ré, pelo período de utilização do apartamento 102, de 18/09/2005 a 19/03/2008.

De acordo com a factura de fls. 16, serão devidos os valores de 8295€, quanto ao ano de 2008; 52.735€, quanto ao ano de 2007 e 50.585€ quanto ao ano de 2006. Quanto ao período de 18/9/2005 a 31/12/2005 o tribunal não dispõe de elementos para fixar o respectivo valor, que deverá assim ser relegado para subsequente incidente de liquidação – artigos 378 e 661/2 do CPC.

“Transcrição” feita por este TRL. – foi esta a sentença que o autor juntou com a petição inicial, embora se referisse à sentença de 2015…

8. Tal sentença [a do ponto 7] foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06/07/2017 [com os mesmos fundamentos – como resulta do acórdão em causa, junto aos autos; TRL]

9. Em 28/05/2005, o autor intentou uma acção (processo 100/05.0TBVRS), contra a ré peticionando a condenação desta a pagar-lhe 768.924,31€, acrescida de juros de mora desde 24/01/2005, até integral pagamento, invocando o incumprimento do contrato promessa referido em 1 [e por isso pedindo a condenação da ré no pagamento do sinal em dobro].

10. Em tais autos, a ré deduziu reconvenção, peticionando o reconhecimento do direito a fazer sua a quantia paga pelo autor a título de sinal [porque o autor teria resolvido unilateralmente o contrato-promessa, o que seria um incumprimento definitivo culposo] (o conteúdo dos parenteses rectos resultam do acórdão do STJ junto aos autos; TRL).

11. No saneador-sentença [da acção 100/05] foi julgado improcedente o pedido do autor e procedente o pedido reconvencional [declarando resolvido o contrato-promessa devido a incumprimento definitivo e culposo do autor, reconhecendo-se à ré o direito de fazer sua a quantia entregue pelo autor a título de sinal].

12. Tendo havido recurso, em 27/03/2012 foi proferido acórdão pelo TRL confirmando [com um voto de vencido – TRL] o decidido em 1ª instância.

13. Tendo havido recurso, por acórdão proferido pelo STJ de 21/03/2013 [foi concedido provimento ao recurso do autor em consequência do que, revogando-se, correspondentemente, o acórdão recorrido] se julga improcedente e reconvenção [, com a inerente absolvição do autor do pedido reconvencional] [os parenteses rectos foram colocados por este TRL e resultam do acórdão do STJ]

14. Em 23/09/2013, por escritura pública denominada COMPRA E VENDA a ré como 1.ª outorgante, e o autor, como 2.º outorgante, declararam:

A ré: vender ao autor as fracções autónomas, identificadas pelas letras AF e BQ, ambas destinadas a alojamento turístico, e três lugares de estacionamento na cave do prédio urbano denominado Hotel [já referido], pelo preço de 233.148,02€ e de 245.657,96€, respectivamente.

Que as referidas fracções só podem “vir a ser exploradas turisticamente pela entidade exploradora do empreendimento e mediante contratos de cessão de exploração a celebrar por acordo das partes”.

O autor: que aceita a venda nos termos exarados.

Este acórdão passa a consignar o que se diz, precisamente, na escritura, em tudo o que pode interessar [e que foi sendo invocado pelas partes e por isso interessa conhecer], é o seguinte:

[…] compareceram como outorgantes:      

Primeiros:

OL, […]

AP, […]

que outorgam na qualidade de administradores que se mantêm em funções, conforme declararam sob sua responsabilidade, em representação da sociedade anónima R,

qualidade e poderes invocados que verifiquei […]

Segundo

A, casado sob o regime da comunhão de adquiridos com I […]

Verifiquei as suas identidades pela exibição dos mencionados documentos de identificação.   

Pelos 1.ºs outorgantes foi dito:      

Que, na referida qualidade, vendem ao segundo outorgante, livre de ónus ou encargos e pelo preço global de 478.845,98€, já recebido para quem representam, os seguintes imóveis:

a) pelo valor de 233.188,02€, a fracção autónoma designada pelas letras “AF”, correspondente ao 1.º andar na ala poente, designado pelo número 102, tipo T-2, destinado a alojamento turístico, com um lugar de parqueamento na cave designado pelo número 56, do prédio urbano denominado Hotel [já referido – TRL], constituído em propriedade horizontal […];

b) pelo valor de 245,657,96€, a fracção autónoma designada pelas letras “BQ”, correspondente ao 1.º andar na ala central, designado pelo número 127, tipo T-2, destinado a alojamento turístico, com dois lugares de parqueamento na cave, designados pelos números 75 e 76, do prédio urbano atrás identificado […].

Que a aquisição das referidas fracções se encontra registada a favor da sua representada pela inscrição apresentação quatro, de 07/03/1990.

Que as referidas fracções são transmitidas devidamente mobiladas e equipadas e com ar condicionado.   

Que, o mencionado prédio constitui um empreendimento turístico do tipo hotel-apartamentos, cujo título constitutivo se encontra depositado no Turismo de Portugal, I.P., conforme despacho proferido pelo Secretário de Estado do Turismo, em 26/01/2004 […] e possui alvará de licença de utilização turística, número 0/2003, concedido por despacho de 24/09/2003, que se encontra anotado no registo predial pela apresentação 000, de 18/05/2009.      

Que, nos termos legais, as fracções ora transmitidas obedecem ao Regulamento de Administração do Hotel, que é do conhecimento das partes, depositado com o titulo constitutivo no Turismo de Portugal, I.P., em 26/01/2004, só podendo vir a ser exploradas turisticamente pela entidade exploradora do empreendimento e mediante contratos de cessão de exploração a celebrar por acordo das partes.  

Que nos termos de acta avulsa número 1 do conselho de administração, aprovada e ainda em vigor, datada de 30/04/2003, é devida retribuição pelos proprietários de fracções do empreendimento à entidade exploradora, pelos serviços de utilização turística de uso comum, instalações e equipamentos, nos termos melhor constantes dessa acta do conhecimento das partes. 

Pelo 2.º foi dito:

Que aceita a presente venda, nos termos exarados.

Disseram, ainda, em conjunto:       

Que, no presente negócio, não houve intervenção de empresa de mediação imobiliária […]

Que a presente transacção foi precedida de contrato promessa de compra e venda celebrado pelas partes em 06/06/2000, alterado em 04/03/2004.

Assim outorgaram,

Que foram apresentados pela parte vendedora, à parte compradora, os certificados números CE001 e CE002, emitidos no âmbito do Sistema Nacional de Certificação Energética e da Qualidade do Ar Interior dos Edifícios, respeitantes aos imóveis objecto do presente contrato […]

Em 23/09/2013 consultei […] certidões permanentes do registo predial […], por onde verifiquei o teor das descrições e inscrições prediais em vigor, […] e por onde também verifiquei que para o prédio acima identificado foi emitida a autorização de utilização n.° 0/2003, em 24/09/2003, pela Câmara Municipal de X, anotada no registo predial em 29/09/2009.      

[…] verifiquei as referências matriciais.     

Esta escritura foi lida e o seu conteúdo explicado a quem assim outorgou, em voz alta e na sua presença.

15. A ré não pagou rendas ao autor referentes aos anos de 2008 a 2017.

16. Título constitutivo do Hotel

Artigo 1 (objecto e finalidade)

O presente título constitutivo respeita ao empreendimento turístico, aprovado e classificado como Hotel Apartamento […]

Artigo 2 (empreendimento turístico)                             

1. O empreendimento turístico Hotel Apartamento, adiante também designado por Empreendimento, é um estabelecimento hoteleiro, classificado no grupo dos Hotéis Apartamentos, composto pelas fracções imobiliárias, instalações e equipamentos comuns […]

2. O Empreendimento é constituído por 203 unidades de alojamento, devidamente equipadas e mobiladas […]

3. O Empreendimento foi projectado, construído e equipado de forma a oferecer um serviço de qualidade que supere as solicitações do mercado turístico e constitua uma unidade de prestígio na região em que se insere.

Artigo 3 (legislação aplicável)

São aplicáveis ao Empreendimento as disposições deste título constitutivo, do DL 167/97, de 04/07, alterado pelo Decreto-Lei 55/2002, de 31/01, do Decreto Regulamentar 36/97, de 25/09, alterado pelo Decreto Regulamentar 16/99, de 18/08, bem como as disposições do Código Civil relativas à propriedade horizontal, com as necessárias adaptações resultantes das características do empreendimento turístico.

Artigo 4 (fracções imobiliárias)

1. São fracções imobiliárias as partes componentes do Empreendimento susceptíveis de constituírem unidades distintas e independentes devidamente delimitadas, com saídas próprias para as partes comuns do prédio ou para a via pública, e que constituam unidades de alojamento ou instalações, equipamentos e serviços de exploração turística.

2. A unidade de alojamento consiste na instalação do tipo apartamento, destinado a alojamento turístico, ou a residência, que além de constituir unidade independente, seja distinta e isolada das demais, com saída própria para o exterior ou para uma parte comum do prédio em que se integra.

3. O empreendimento turístico Hotel integra 219 fracções imobiliárias, numeradas sequencialmente, de 1 a 219, das quais, 203 são unidades de alojamento e 16 compostas por instalações complementares.

4. As fracções imobiliárias que compõem o Empreendimento são as individualizadas no ANEXO I a este Título Constitutivo, que dele faz parte integrante.

[…]

Artigo 9 (regulamento de administração)

O Regulamento de Administração do Empreendimento constitui o ANEXO II a este Titulo Constitutivo e dele faz parte integrante.

Anexo I do título constitutivo

1. A composição de cada uma das fracções imobiliárias do Hotel, a finalidade a que se destinam e o seu valor relativo expresso em permilagem, é o que segue:

[entre elas constam as fracções AF (fracção imobiliária 29, 1.º andar, ala poente, apartamento com o n.º 102, tipo T2, com destino a alojamento turístico, com a área útil de 64,67m2 mais uma varanda exterior a 14m2 e o lugar de parqueamento na cave n.º 56) e BQ (fracção imobiliária 62, 1.º andar, ala central, apartamento com o n.º 127, tipo T2, com destino a alojamento turístico, com a área útil de 111m2 e os lugares de parqueamento na cave n.ºs 75 e 76).

17. Regulamento de administração do hotel apartamento

Introdução

1. O presente regulamento visa estabelecer o conjunto de regras respeitantes à Administração do Hotel Apartamento, em especial no que se refere à conservação e fruição das instalações e equipamentos comuns e dos serviços de utilização turística de uso comum, bem como no que se refere aos critérios de repartição dos respectivos encargos.

2. O presente regulamento destina-se, igualmente, a regular as relações entre os diversos proprietários, entre estes e a Administração e a Entidade Exploradora.

3. Nele se incluem os princípios consignados na legislação aplicável e aqueles que a experiência dita como recomendáveis na prevenção de indefinições próprias das relações de condomínio.

4 Em defesa da sua plena validade e eficácia, estabelece-se que a aquisição de fracções imobiliárias, seja a que titulo for, no Hotel Apartamento implica necessariamente a sujeição integral e sem reservas de todos os proprietários, ao conjunto das regras que se seguem, sob pena de aplicação das penalidades e multas previstas nos termos do regulamento comportamental ou dos que venham a ser aprovados pelos órgãos competentes.

Capitulo 1 – conceitos

Artigo 1 (Conceitos)

Para efeitos do disposto no presente Regulamento entende-se por:

a) Hotel Apartamento é a designação dada ao empreendimento turístico tendo em conta a aprovação do projecto pela Câmara Municipal de X, que prevê a classificação de Hotel Apartamento de 4 estrelas.

b) A entidade promotora/exploradora é aquela em nome de quem tiver sido aprovado o projecto do empreendimento e a quem compete realizar a exploração turística do empreendimento.

c) Administração – é a entidade que tem competência para praticar actos de gestão ordinária, dirigida a manter o património e a aproveitar as suas virtualidades normais de desenvolvimento, função que, por incumbência legal, cabe à entidade exploradora.

d) As fracções imobiliárias são todas as partes componentes do empreendimento turístico susceptíveis de constituírem unidades distintas independentes, devidamente delimitadas, e que constituam unidades de alojamento ou instalações e equipamentos de exploração turística.

e) As unidades de alojamento consistem nas instalações do tipo apartamentos destinadas a alojamento turístico ou a residência dos respectivos proprietários, que além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas das demais, com saída própria para o exterior ou para uma parte comum do Hotel Apartamento onde se integrem.

f) Considera-se instalações e equipamentos comuns todos aqueles que, não sendo qualificáveis como serviços públicos, são postos à disposição dos clientes e dos proprietários das fracções imobiliárias do Hotel Apartamento, sem que por eles seja exigida uma retribuição especifica pela sua utilização, designadamente:

[…]

Artigo 3 (Propriedade exclusiva)

1. As fracções imobiliárias que integram as unidades de alojamento destinadas a alojamento turístico e residência, bem como as fracções que incluem as instalações e equipamentos de exploração turística referidas no art. 1 do presente regulamento, constituem propriedade exclusiva.

2. São propriedade comum, as instalações e equipamentos comuns do Hotel Apartamento.

Capítulo IV – direitos e deveres dos proprietários

Artigo 16 (Direitos dos proprietários)

1. Cada proprietário detém a propriedade exclusiva da fracção que lhe pertence e é comproprietário das instalações e equipamentos comuns do Hotel Apartamento referidas no n.º 2 do artigo 3°.

[…]

Artigo 17

(Deveres dos proprietários)

1. O proprietário de qualquer fracção imobiliária, quer esteja ou não afecta à exploração turística, fica obrigado:

[…]

b) A. não aplicar a mesma a fim diverso daquele a que se destina;

c) A não exceder a capacidade prevista para a unidade de alojamento, sem prejuízo da aplicação das normas usuais da actividade hoteleira;

d) A não fazer da respectiva unidade de alojamento objecto de qualquer exploração económica (turística ou não), em especial, qualquer actividade similar àquela que é desempenhada pela entidade exploradora;

[…]

Capítulo V — da exploração turística

Artigo 26 (Condições da exploração)

1. O Hotel Apartamento reúne todas as condições legalmente prescritas ao bom e regular desempenho da exploração turística.

2. A entidade exploradora desempenhará com zelo as funções inerentes à exploração e administração, na estrita observância da legislação aplicável ao “Hotel Apartamento”, designadamente quanto à manutenção da classificação atribuída, ao cumprimento dos requisitos legalmente definidos para as instalações e quanto aos níveis de qualidade dos serviços, 

Artigo 27 (Afectação à exploração)

O Hotel Apartamento disporá para exploração turística, no mínimo, de 70% das unidades de alojamento que o integram, salvo disposição legal em contrário.

Artigo 28 (Exploração unitária)

1. A exploração de todas as instalações, equipamentos e serviços existentes no Hotel Apartamento é, para todos os efeitos, da exclusiva responsabilidade da entidade exploradora, sem prejuízo da subconcessão de serviços.

2. As unidades de alojamento que tenham sido retiradas da exploração turística não poderão ser objecto de outra exploração comercial turística ou não.

3. Presume-se que existe exploração de serviços de alojamento quando as respectivas unidades estejam mobiladas e equipadas, nelas sejam prestados serviços acessórios do alojamento; de que são exemplo os serviços de arrumação e limpeza, e sejam por qualquer meio anunciadas ao público, directamente ou através de intermediário.

Art. 29 (da contratação com os proprietários)

Compete à entidade exploradora promover a contratação com os proprietários das unidades de alojamento para cedência à exploração turística.

Capítulo VI – disposições finais

Art. 30 (Imperatividade)

1. As disposições do presente Regulamento serão obrigatórias para todos os proprietários, actuais e futuros, os quais se obrigam a fazer expressa menção dos direitos e deveres nele constantes em todos os actos de transmissão, cedência, locação, alteração, ou oneração das suas fracções imobiliárias e unidades de alojamento,

2. O presente Regulamento deve estar sempre anexado a qualquer destes actos, sob pena de invalidade da transacção.

3. As alterações ao presente regulamento são deliberadas por maioria representativa de dois terços do total do capital investido.

[…]

Art. 32 (Regras subsidiárias)

1. Em tudo o que não estiver prevenido no presente regulamento e no título aplicar-se-á a lei dos empreendimentos turísticos e respectivos regulamentos.

2. Em tudo o que não estiver previsto nuns e noutros, aplicar-se-á as regras da propriedade horizontal, com as necessárias adaptações, tendo em conta a natureza do empreendimento e a exploração turística.

                                                                 *

Da impugnação da decisão da matéria de facto

              O tribunal recorrido entendeu que não ficou provado o seguinte:

         A – Na ocasião referida em 2, o autor estava convencido de que a renda anual de 9000€ era devida pela exploração de cada uma das fracções e não pela globalidade.

            Para fundamentar tal convicção, o tribunal recorrido escreveu o seguinte:

         A convicção do tribunal, no que respeita aos factos que resultaram não provados, adveio da insuficiência da prova produzida quanto aos mesmos e da existência de prova em contrário:

         Com efeito, embora o autor em sede de declarações de parte tenha referido que o que acordou com a ré foi o pagamento de 9000€ e que entregou as fracções para a ré explorar, o certo é que a sua credibilidade resulta desde logo abalada por ser o mesmo, por sua própria natureza, interessado no desfecho da acção, como parte activa da relação material em litígio que é.

         Temos assim que, apenas poderia ter-se por credível, o por si referido, caso tivessem sido produzidas outras provas de natureza credível, o que não ocorreu.

         Com efeito, apenas a testemunha F corroborou o referido pelo autor, sendo certo que tal testemunha é o seu filho, tendo deposto de forma parcial, como se parte fosse, em benefício de seu pai, fazendo afirmações peremptórias, apesar de acabar por admitir não ir ao local desde 2005 e nada saber para além do que o seu pai lhe disse e dos documentos que lei e que se encontram nos autos.

         Temos assim que tal depoimento padece da mesma falta de credibilidade das declarações do autor, não tendo sido considerado pelo tribunal.

         Para além da insuficiência da prova produzida verificou-se a produção de prova de sentido contrário à factualidade dada como não provada no ponto A.

         Tal prova resulta desde logo do teor da cláusula 3/b do contrato, onde se refere que o preço da cedência da exploração é de 9000€, como se deixou transcrito no ponto 4 dos factos assentes e o próprio autor transcreveu no artigo 3 da sua petição inicial.

              O autor diz o seguinte contra isto:

3 e 5. O autor considera incorrectamente julgados os factos não provados enunciados na sentença recorrida sob as alíneas (a) e (b), que deviam ter sido dados como provados.

4. Os concretos meios probatórios, constantes do processo e das gravações nele realizadas, que impunham decisão sobre os referidos pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida são:

a) declarações de parte do autor;

b) depoimentos das testemunhas IS e F;

c) prova documental junta nos articulados, a saber, contrato de cessão de exploração celebrado em 04/03/2004 (fls. 21-23 dos autos), título constitutivo do Hotel (fls 167-197 dos autos), regulamento de administração do Hotel (fls 198-219), escritura de compra e venda celebrada em 23/09/2013 (fls. 664-678 dos autos).

              No corpo das alegações, o autor diz que devia ter sido dado como provado que:

              A – A renda anual de 9000€ era devida pela exploração de cada uma das fracções e não pela globalidade.

              E depois diz:

         Neste ponto importa realçar uma nota: sobre a dualidade de critério da sentença recorrida na apreciação e valoração da testemunhal. [Como se verá abaixo], no que concerne à decisão sobre B, a sentença recorrida motivou-se no depoimento da testemunha IS que referiu que a exploração dos seus apartamentos se iniciou apenas após a outorga da respectiva escritura pública.

         Mutatis mutandis, a sentença recorrida entendeu que no caso do autor a exploração dos seus apartamentos também só se iniciaria depois da outorga da escritura pública, em 2013.

         Todavia, no que toca a B, o tribunal a quo já não valorou no mesmo sentido o depoimento desta testemunha.

         Recordemos [faz a devida indicação da passagem, aqui como mais à frente] a declaração de ciência da aludida testemunha no que concerne ao valor da renda devida pela ré em contrapartida da exploração dos respectivos apartamentos:

#00:09:05.91# Mandatário do Autor E o valor do seu contrato de exploração, quanto é que foi? Tem ideia? Também não tem!…

#00:09:08.43# Testemunha Sim. Tenho! Tenho, tenho. Tenho porque ele acabou, depois, por baixar, mas mais tarde.

#00:09:13.47# Mandatário do Autor E quando é que baixou, mais tarde, Sr. Eng.º?

#00:09:15.88# Sr.ª juíza Não! [Impercetível] vamos saber quanto é que era. Quanto é que era?

#00:09:17.23# Mandatário do Autor Claro. Sim! Quanto é que era? Desculpe lá.

#00:09:17.91# Testemunha 6000€.

#00:09:19.64# Sr.ª juíza Quanto?

#00:09:20.09# Testemunha 6000€.

#00:09:21.29# Mandatário do Autor 6000€.

#00:09:21.29# Sr.ª juíza E depois baixou para quanto?

#00:09:22.63# Testemunha Para 5500€.

#00:09:24.16# Sr.ª juíza E qual era a tipologia?

#00:09:24.90# Testemunha T1.

#00:09:26.62# Sr.ª juíza Um T1!?

#00:09:26.93# Mandatário do Autor T1! Pronto, exatamente!

#00:09:28.20# Sr.ª juíza Só um!?

#00:09:28.92# Testemunha Não. Dois.

#00:09:30.00# Sr.ª juíza Dois T1s?

#00:09:30.45# Testemunha Sim, sim. Sim!

#00:09:31.52# Mandatário do Autor E era seis… Ai, desculpe, Sr.ª Dr.ª.

#00:09:32.77# Sr.ª juíza Nada. E esses 6000€ eram pelos dois apartamentos T1, ou eram para cada um deles?

#00:09:38.43# Testemunha Era para cada um deles.

         Ora tendo em consideração que os contratos de cessão de exploração entre a ré e os diversos proprietários obedeceram à mesma forma, é clarividente que também no caso subjudice a ré pagaria um preço por cada apartamento cuja exploração lhe viesse a ser cedida.

         Isto é consentâneo com o depoimento prestado pela testemunha F:

#00:07:37.07# Sr.ª juíza Sim, é verdade.

#00:07:37.58# Mandatário do Autor … É se o Autor, quando celebrou o contrato, fê-lo na convicção de que a renda eram 9.000. Quer dizer, isto é completa… isto é complicadíssimo de se responder, não é? Para qualquer testemunha. Porque é completamente impossível saber. Se tinha ou não tinha a convicção, só o próprio é que pode dizer, e o próprio já fez as declarações de [Imperceptível – de parte?].

#00:07:53.00# Sr.ª juíza Já, já fez essa declaração.

#00:07:54.45# Mandatário do Autor Portanto… Sr.ª Dr.ª, eu não tenho mais nada.

#00:07:55.60# Sr.ª juíza Mas o Senhor pode pergun… pode saber. Alguma vez falou com o seu pai sobre o contrato e sobre esta estória do… do preço, se o preço era por fracção, se era por… se era global relativamente às duas fracções… Conversaram sobre esta matéria?

#00:08:09.57# Testemunha Falámos sobre… Porque é assim: o meu pai tem mais apartamentos em M, que estão também a rendimento, e falamos das coisas, que dizer… e vamos vendo o rendimento e…

#00:08:19.21# Sr.ª juíza E por aquilo que o Senhor seu pai lhe disse, qual era a convicção dele relativamente a este contrato? Era 9000€ por cada fracção, ou era 9000€ pela globalidade das duas fracções?

#00:08:31.29# Testemunha Não! Era 9.000 cada fracção.

#00:08:32.87# Sr.ª juíza As fracções são da mesma tipologia?

#00:08:34.41# Testemunha Não! Não. Um é um T2, um é um T2…

#00:08:37.87# Sr.ª juíza E o outro?

#00:08:38.33# Testemunha E o outro é um T2+1. Um com cerca de 90 metros, o outro tem para aí 110 m, 112.

#00:08:43.36# Sr.ª juíza E a circunstância de serem 9.000€, ser igual para os dois? Como é que explica isso?

#00:08:49.56# Testemunha

Porque na caderneta, na caderneta, ambos são T2.

#00:08:51.20# Sr.ª juíza Ah. É por serem ambos T2.

#00:08:52.20# Testemunha Depois há aqui uma diferença, é que um dos T2 fica mesmo em cima da praia, logo tem vista mar directa, e o outro, T2+1 fica num recanto – também tem vista de mar, mas já está atrás da piscina, ou seja, não está em cima da praia.

#00:09:04.89# Sr.ª juíza Hum… Então…

#00:09:05.51# Testemunha Logo achei que havia ali um equilíbrio, em relação ao posicionamento dentro do… do [Imperceptível].

#00:09:11.11# Sr.ª juíza Hum. Sim, Senhor! Sr. Dr., terminou?

#00:09:15.17# Mandatário do Autor Diga-me só mais uma coisa, portanto, o Senhor conversou com o seu pai sobre isto, não tem conheci… quer dizer, já disse que também tem conhecimento de outros dois apartamentos que fez, que os rendimentos eram exactamente…  [Imperceptível]. Eram à volta de quanto?

#00:09:31.33# Testemunha 4% [Imperceptível].

#00:09:33.23# Mandatário do Autor 4% sobre o quê?

#00:09:35.14# Testemunha Sobre o valor investido nos apartamentos.

              O autor diz a seguir que “corrobora isto com as declarações prestadas pelo autor sobre este facto (concreto):” [mas não transcreve nada – TRL]

              A seguir invoca ainda como elemento probatório o documento que a Sr.ª juíza lhe dito para juntar.

              Por fim, termina:

         E não se trata de dar provado qualquer “convencimento” do autor de que o preço era aquele, trata-se de dar como provado o que realmente ficou contratualizado entre as partes.

              Contra isto:

           A ré não põe em causa directamente a pretensão do autor, continuando a discussão como se o autor estivesse só a impugnar o decidido, ou seja, a falta de prova da sua alegação da sua convicção sobre a questão, isto é, sem que a ré tenha em conta o conteúdo do facto que o autor quer que se dê como provado.

              A ré diz, por um lado, que “embora, pelas razões apresentadas pelo tribunal recorrido, o depoimento [sic] de parte do autor não tenha merecido credibilidade, nem isso o mesmo afirmou.”

              E depois transcreve, aqui como em baixo sempre com a devida identificação, as seguintes passagens das declarações de parte do autor:

          MJ – Uma das questões que está aqui, uma das coisas que se cumpre aqui apurar era qual era o valor da renda anual e… qual era a contrapartida do pagamento desta renda, ou seja o que é que abrangia? (minuto 08:11)

          A – Por conseguinte os contratos que na altura foram estabelecidos, o contrato abrangia todo pagamento do condomínio, e por conseguinte as despesas inerentes à exploração e dar uma verba que rondava os 4% do valor do investimento feito, soma de que no primeiro contrato de que foi feito, referia as duas unidades que eu tinha, que era a 102 e a 127, e que..

          MJ – Eu aqui tenho a designação mesmo das fracções. AF e BQ, é isso.

          A – Perfeito, Srª Drª. Mas entretanto, em 2000 e…, logo a seguir a isso, em 2003, o novo director do hotel, ao apresentar-se, mandou-me uma carta e disse-me que eu, como lá tinha a indicação que era proprietário, mas que não tinha a indicação de que, o chamemos, tivesse contrato para aquela unidade, e se eu queria marcar as minhas férias dentro da unidade… claro que me dirigi ao Sr. OL e o Sr. OL fez aquilo que foi correto não é? Foi dizer que sim senhora, num primeiro contrato constavam os dois apartamentos, mas que não referia que o valor era correspondente a cada um. E então fez um novo contrato, com a mesma data, dizendo que os apartamentos 102 e 127 tinham uma verba de 9.000 € cada um. Eu peguei nesse contrato e entreguei ao director do hotel. Foi como as coisas correram. (09:10)

          MJ – Então, o valor era 9.000 € para cada uma das fracções?

          A – Para cada uma das fracções.

          MJ – Era esta a renda anual?

          A – Exacto.

          MJ – E relativamente ao contrato de Março?

          A – São ambos de Março, Dra.

          MJ – Sim, de Março de 2004. O tal de cessão de exploração. Ficou alguma coisa por pagar relativamente a isto?

          A – Da parte da entidade exploradora?

          MJ – De qualquer uma das partes. Alguma das partes ficou a dever algum valor?

          A – Não cheguei a fazer a escritura, porque nessa altura, claro que me opus porque não tinha hipótese de ter uma escritura sem que fizesse referência a existir uma demanda ou uma situação com o hotel VG… aliás por outros amigos que tínhamos que convergíamos nesse pedido, e que tenho cópia da escritura deles. E claro não fiz a escritura, e, por conseguinte, não cheguei a pagar os restantes 20 % sem que o tribunal posteriormente nos desse razão e dissesse que eu poderia fazer a escritura… o que só se veio a verificar em 2013, só cerca 9 anos depois é que esse processo ficou resolvido.

          MJ – E, portanto, quando fez o contrato de 2004, estava convencido que este contrato era para abranger o quê? Qual era o objeto deste contrato? (12:03)

          A – Era o objectivo de os dois apartamentos porque na verdade o meu objectivo era tirar um rendimento desses dois apartamentos, aliás situação idêntica que tinha feito em 2002, e que mantenho, dois apartamentos no hotel FA também em M, e que nunca utilizei claro, porque o objectivo é o rendimento.

          MJ – Ok. Eu tenho aqui um dos temas da prova que diz o seguinte: a demandada R, a Ré, não pagou ao demandante que é o senhor, o correspectivo acordado no contrato de 2004, pela exploração das fracções, e vencidas desde Janeiro de 2010 até Janeiro de 2014, reportadas aos de 2003 a 2013.

          A – O Sr. OL, neste caso desculpe utilizar o nome Sr. OL, mas a entidade, a R…

          MJ – Não, mas pode fazê-lo!

          A – … por conseguinte, nunca me apresentou contas sobre isso. Na fase inicial ainda, no primeiro ano, disse-lhe, porque nós tínhamos combinado fazer um encontro de contas entre aquilo que eu pudesse utilizar e aquilo que eu tivesse a receber, e acontece que isso não aconteceu… e ele deu-me uma resposta já estávamos no final de 2004, e deu-me resposta uma vez que eu não tinha querido fazer a escritura, que as coisas se resolveriam, e quando as coisas tivessem resolvidas então aí sim faríamos o encontro de contas. Há aí uma situação que a Sra. Dra. colocou, que é entre 2004 e 2010, é evidente que…

          MJ – ahh de 2009 a 2013. Ah sim sim, de Janeiro de 2010 até Janeiro de 2014, mas reportadas aos anos de 2009 a 2013.

              E a ré continua:

            Em síntese, o autor nunca afirma que estava convencido que a renda anual seria de 9.000€ para cada fracção. Afirma, isso sim, que essa estipulação resultou claramente de um contrato corrigido (o tal que, se existisse, o autor em 15 anos nunca o alegou, nunca o juntou, nem nunca o integrou na sua causa de pedir do que quer que fosse).

            E quando a Sr.ª juíza do tribunal recorrido lhe pergunta se alguma das partes ficou a dever à outra algum valor relativo a este contrato, o autor não afirma que sim. Limita-se a dizer que a ré nunca lhe apresentou contas sobre a exploração.

            Mais adiante, a propósito da alteração do contrato promessa de compra e venda pelo documento de fls. 21 a 23 dos autos, diz o autor:

          MR – Muito bem. Portanto, inicialmente eram os 260 e 227. E eu agora queria-lhe mostrar o documento n.º 2, também junto pelo Sr. A, assinado por si certo? É este o contrato a que nos referimos de cessão de exploração.

          A – Deixe-me ver.

          MR – Que já diz respeito não aos apartamentos 260 e 227, mas sim ao 102 e 127 que são, de facto, os que o senhor é proprietário hoje em dia. É isso? Foi alterado aqui. Portanto, o objecto do negócio que o Sr. fez, vou fazer-lhe a pergunta assim, o objecto do negócio que o senhor fez, que inicialmente eram os apartamentos 260 e 227, passaram a ser, por força deste documento, o 127 e o 102.

          A – Certo.

          MR – Que correspondem à fracção BQ e à fracção AF. É isto?

          A – Perfeito.

          MR – E foi aqui que alteraram e que o senhor aceitou essa alteração.

          A – Perfeito.

         Depois, a ré transcreve passagens do depoimento do filho:

          MJ – Sim senhor. Sr. F, o senhor tem alguma relação ou outra com o Autor?

          T – Sou filho.

          MJ – Sim senhor. Conhece a ré?

          T – Conheço.

          MJ – E conhece porquê?

          T – O meu pai comprou dois apartamentos à R.

          …

          MA – Bom, diga-me só uma coisa, daquilo que sabe e que tem acompanhado… qual era o valor que foi fixado nesse contrato, o senhor sabe porque conhece, é um valor fixado por cada fracção ou é um valor global para cada fracção?

          T – Não, é um valor por fracção, 9.000 € por fracção.

          MA – 9.000 € por fracção?

          T – Por fracção.

          MA – Como é que o senhor sabe isso?

          T – Porque vi o contrato. Li no contrato.

          …

          MJ – Mas o Sr. Dr. pode… pode-se saber… alguma fez falou com o seu pai sobre o contrato e sobre esta história do preço, se o preço era por fracção, se era global relativamente às duas fracções?

          Conversaram sobre esta matéria?

      T – Falámos sobre… porque é assim, o meu pai tem mais apartamentos em M, que estão também em rendimento, e falamos das coisas, quer dizer, vamos vendo o rendimento…

          MJ – E por aquilo que o senhor seu pai lhe disse, qual é que era a convicção dele relativamente a este contrato? Era 9.000€ por cada fracção ou 9.000€ pela globalidade das duas fracções?

          T – Não, era 9.000€ cada fracção.

          MJ – As fracções são da mesma tipologia?

          T – Não. Um é um T2…

          MJ – E o outro?

          T – E o outro é um T2 + 1. Um tem cerca de 90 metros, o outro tem para aí 110 metros, 109…

          …

         E depois, sem dizer nada quanto às transcrições acabadas de fazer, a ré termina assim:

         Em consonância com a resposta dada pelo tribunal recorrido a tal matéria, resulta da cláusula 3.ª/B do doc.2 junto pelo próprio autor e alegado na sua petição inicial que o preço acordado para a cessão de exploração era de 9.000€ (facto assente em 4 e artigo 3 da petição inicial).

              Decidindo:

              A ré pediu e foi-lhe reconhecido (na acção 1896/08), pela utilização, pelo autor, de uma das fracções, por períodos, durante 2004 a 2008, um crédito.

             A ré diz que esse crédito tem o valor de 206.000€, sendo que, por dois desses anos, a ré diz que esse crédito é superior a 50.000€ anuais.

            Tendo isto em conta, é inconcebível que alguém possa ter celebrado um contrato relativo à exploração de uma daquelas fracções por apenas 4500€ anuais. A diferença de valores é tão grande, que a hipótese é absurda.

              O depoimento da testemunha IS, invocado pelo autor, testemunha da própria ré e que o tribunal considerou credível, não deixa dúvida de que, tendo ele duas fracções, de tipologia inferior (T1 e não T2), era-lhe paga uma retribuição anual, por cada uma delas, de 6000€, pelo que, mais absurda ainda, se possível, se tornaria a hipótese de o autor ter contratado por cada fracção apenas o valor de 4500€ anuais.

              O tribunal, apesar de dar credibilidade à testemunha em causa, não diz nada quanto ao depoimento dela para esta matéria, para o rebater, o que tinha de fazer dado o conteúdo do mesmo, o que indicia que o tribunal não teve presente tal depoimento.

              O contrato refere o valor de 9000€ e está a falar da cedência da exploração de duas fracções. Pode, pois, pensar-se, que os 9000€ são para as duas. Mas esta conclusão não é obrigatória, ou seja, a frase do contrato pode ler-se como dizendo respeito ao valor da cedência por cada fracção, embora se esteja, então, perante uma afirmação imperfeitamente formulada (art. 238/1 do CC).

              Ora, lendo o contrato, a hipótese da imperfeição da redacção é confirmada sem lugar para dúvidas: o contrato está manifestamente mal redigido, com vários erros notórios, a dar claramente a ideia de que o mesmo é uma adaptação mal feita de uma ‘choca’ ou de um contrato anterior.

              Assim: o cedente é uma pessoa singular (1.º outorgante) e a cessionária é uma pessoa colectiva (2.ª outorgante) e diz respeito a duas fracções. Ora, logo no começo escreve-se: “e a ré, adiante designada como 2.º outorgante”, portanto com divergência de género. Na frase seguinte falta a palavra ‘foi ou tendo’. Na 1.ª e 2.ª cláusulas fala-se nos 1ºs outorgantes (e não no 1.º outorgante) e na 2.ª fala-se nos 2.ºs (como se fossem dois), embora logo a seguir, na mesma cláusula, se utilize, bem, a expressão ‘2.ª outorgante’. Na mesma conclusão, fala-se ‘na parcela descrita’ como se o objecto mediato do contrato fosse uma parcela e não duas fracções. Nas cláusulas 6.ªs e 7.ª fala-se apenas numa das fracções como se fosse só uma o objecto do contrato e não duas, embora logo a seguir, na 8ª se volte a falar, bem, nas duas fracções, mas só no início, porque logo a seguir se volta a falar de uma só (isto em 4 linhas de texto), o que é repetido na cláusula 9ª (só uma fracção).

              O contrato não aponta, por isso – contra o que diz a ré e o que consta da fundamentação da decisão da matéria de facto – em sentido contrário à prova positiva produzida por uma testemunha da própria ré, que o próprio tribunal recorrido teve como credível.

              A isto junte-se (apenas para corroboração, porque, realmente, dada a sua relação com o autor e o natural interesse na procedência da acção para pouco mais serve) o depoimento do filho do autor, que vai no mesmo sentido, e que além disso dá um elemento que aponta para a lógica de ter sido assim, elemento que toda a gente em geral tem a noção. É que, grosso modo, pode-se falar de uma taxa de rendimento de 4% de um imóvel como um valor mínimo (por exemplo, no art. 31 do NRAU, na redacção original, tendo esse pano de fundo, prevê-se que a renda actualizada tem como limite máximo o valor anual correspondente a 4% do valor do locado; num livro de economia política de 2013, numa referência que se pode ter como aceitável no âmbito dos países da União Europeia, sempre em termos muito genéricos, diz-se, em tradução livre, que encontra-se este mesmo tipo de rendimento – à volta de 4%-5% – para o imobiliário neste começo de século XXI, por vezes um pouco menos […] Thomas Piketty, Le capital ao XXIe siècle, Seuil, pág. 96, demonstrando, na página 95, entre muitas outras, que essa taxa já decorria dos elementos que eram dados pelos romances de Jane Austen e de Balzac para o rendimento médio de capital de terras ou de títulos de dívida pública). Ora, a testemunha refere esta taxa de rendimento para outros prédios que o pai tinha arrendados. Por outro lado, ainda por exemplo, a taxa de rendibilidade de obrigações de tesouro, em 2003 (o contrato é de 2004), era de 4,2%: https://www.pordata.pt/Portugal/Taxas+de+rendibilidade+de+obriga%c3%a7%c3%b5es+do+tesouro-2803. Ora, uma taxa de 4% aplicada ao valor de compra das duas fracções, 480.000€, dá 19.200€, metade sendo igual a 9600€.

              Os elementos de prova em causa apontavam pois, claramente, no sentido de a retribuição anual pela cedência da exploração ser de 9000€ por fracção e não havia nada que, minimamente (para além de um contrato mal escrito), apontasse em sentido contrário.

              Ainda nesse sentido, vai também a sentença da acção 1896/08 e o direito de crédito reconhecido à ré, que é, segundo a fundamentação dela, o de descontar “à quantia anual devida pela cedência de exploração 9000€”, pois que, estando-se a referir a uma fracção, não diz que a quantia anual é de 4500€.

          Assim sendo, nem sequer eram necessárias as declarações do autor para convencer de que a retribuição era por cada fracção. Mas, já que foram produzidas e invocadas e transcritas pela ré, diga-se que elas vêm corroborar isso e, sendo utilizadas assim, não se vê que se lhes possa apontar o óbice referido na decisão recorrida.

              Por fim, diga-se que não tem interesse saber se o autor estava convencido de que a renda anual de 9000€ era devida pela exploração de cada uma das fracções e não pela globalidade, mas sim o que é que constava do contrato.

              Ora, face ao que antecede não há dúvida que o contrato, quando refere que o valor de retribuição é de 9000€ por ano, se está referir ao valor da retribuição por fracção e não ao valor global pelas duas fracções.

              A argumentação da ré contra isto serve precisamente para o efeito contrário, porque as passagens que transcreve das declarações do autor e do depoimento do filho deste, apontam claramente para que a convicção de ambos era a que resulta da petição, o que serviria para a prova do que era alegado pelo autor expressamente na réplica (a convicção), quer para o que era alegado implicitamente pelo autor na petição inicial (o valor de 9000€ para cada uma das fracções), e porque a ausência de qualquer outra argumentação da ré serve para demonstrar que é impossível argumentar a favor da tese dela. Lembre-se que a ré não diz uma única palavra sobre o depoimento da sua própria testemunha.

              Assim, em relação aos temas de prova 2 e 3, deve ser aditado um ponto de facto com aquilo que se provou, isto é,

        1. A renda anual do contrato de cessão, cláusula 3.ª/B, refere-se a cada fracção.

                                                                 *

              O tribunal recorrido entendeu ainda que não ficou provado o seguinte:

         B – Na sequência do acordo referido em 2, o autor entregou à ré os apartamentos nºs 102 e 127, correspondentes às fracções autónomas AF e BQ, para que esta efectuasse a sua exploração turística nos anos de 2009 a 2017.

              Para fundamentar tal convicção, o tribunal recorrido escreveu o seguinte:

         A convicção do tribunal, no que respeita aos factos que resultaram não provados, adveio da insuficiência da prova produzida quanto aos mesmos e da existência de prova em contrário: […] consubstanciada no depoimento da testemunha IS, titular de um apartamento no mesmo empreendimento que referiu que a exploração do seu apartamento pela ré se iniciou apenas após da escritura de compra e venda do apartamento e que foi a partir de tal altura que passou a receber rendas da ré por tal exploração.

         Esta testemunha prestou igualmente um depoimento congruente e credível, revelando equidistância face às partes pelo que mereceu igualmente a confiança do tribunal.

         O referido por tal testemunha resulta ademais consentâneo com as regras da lógica e da normalidade das coisas, designadamente negocial, que nos revelam que só quem é dono de alguma coisa é que a pode ceder, seja para que finalidade for.

              As conclusões do autor quanto a isto – com indicação dos meios de prova – já foram transcritas a propósito de A.

              No corpo das alegações, o autor diz que devia ter sido dado como provado que:

              B – Na sequência do acordo referido em 2, os apartamentos n.ºs 102 e 127, correspondentes às fracções autónomas AF e BQ sempre estiveram no regime de exploração turísticas por parte da ré.

              E depois diz [manteve-se o essencial do estrutura da argumentação do autor mas com simplificações evitando-se algumas das repetições, o que implicou a deslocação de algum texto]:

            Obviamente, por encerrar um conceito de direito (eficácia do contrato de cessão de exploração), esse “facto” não podia ter sido dado como não provado tal qual fora alegado pela ré na contestação.

            Para sermos mais precisos: a sentença recorrida nunca poderia ter dado como não provado que o autor não entregou à exploração os apartamentos porque “só quem é dono de alguma coisa é que a pode ceder, seja para o que finalidade for”. Esta consideração, reveladora de um certo “facilitismo” no que respeita à configuração da decisão do tribunal a quo, significa o total e completo desapreço dos contratos celebrados entre as partes e das circunstâncias em que o foram.

            Ou seja, o tribunal a quo, a reboque das alegações feitas pela ré na contestação, entendeu trazer de novo à discussão entre as partes a questão da eficácia do contrato de cessão de exploração, que já se encontrava perfeitamente decidida, e transformou-a num facto controvertido (entrega dos apartamentos à exploração turística) que considerou não provado com base no depoimento de uma testemunha que nem tão-pouco tinha qualquer razão de ciência sobre o caso subjudice.

            A propósito, convirá abrir aqui um parêntesis preliminar para dar uma primeira nota de que, na óptica do autor, esse “facto” não tinha sequer que ser provado face ao que ficou decidido pelo ac. do STJ de Justiça que considerou em vigor entre autor e ré um contrato de cessão de exploração.

            Segunda nota: por a testemunha IS, proprietário de um apartamento no mesmo empreendimento, ter dito que a exploração do seu apartamento pela ré se iniciou apenas após a celebração da respectiva escritura pública de compra e venda, entendeu formar igual presunção no que respeita ao regime de exploração dos apartamentos do autor.

            Dito isto, passemos à motivação da resposta positiva a essa questão, em primeiro lugar, o que disse a ré na sua contestação:           

          31: No caso dos autos, resulta que as fracções imobiliárias fazem parte de um empreendimento turístico Hotel. 32: O qual possui licença de utilização turística, que engloba todas as suas fracções, designadamente as duas a que respeitam os presentes autos. 123: Encontrando-se o empreendimento turístico construído, em 04/03/2004, o autor e a ré celebraram o contrato junto como doc. 2 com a PI. 124: Nele, previa-se, embora imprecisamente, que o autor era o proprietário das fracções autónomas objecto do contrato promessa. 125: E nessa qualidade, quer para garantia da ré de que teria fracções autónomas para exploração turística, quer para garantia do autor de que a ré lhe tomaria tais fracções em exploração, pagando a acordada renda mensal, 126: foi celebrado o referido contrato.”

         Estas afirmações, nos termos em que foram feitas, não admitem sequer a hipótese académica de se equacionar ter existido uma “promessa de cessão de exploração”.

         Se atentarmos a estas afirmações tão categóricas, verificamos que tanto o autor como a ré reconheciam aquele como “proprietário” dos apartamentos, pois que é essa a qualidade referida nos 124 e 125. É precisamente à qualidade de proprietário/possuidor dos apartamentos a que a ré se refere. Porque para “garantir” que na abertura do empreendimento turístico a ré teria “fracções autónomas para exploração” era imperativo que contratualizasse as cessões de exploração com os diversos proprietários que financiaram a construção do hotel, de modo a que pudesse ser-lhe concedida a competente licença de utilização turística do empreendimento por parte da autoridade administrativa competente.

         Seria possível existir o contrato-promessa sem o contrato de cessão? Não cremos. E é fácil explicar porquê. É que o contrato-promessa é omisso relativamente ao alojamento turístico e por isso houve necessidade de alterá-lo em 04/03/2004 para que o autor prestasse consentimento nessa cessão de exploração. Isto consta expressamente da escritura de compra e venda. Na qual consta também que a “locação turística” só é possível ao abrigo de “contrato de cessão de exploração”.

         Ora por que razão se fez reportar o contrato de 04/03/2004 a 01/01/2004, data em que foi outorgado o título constitutivo do empreendimento turístico?

         Os efeitos retroactivos deveram-se precisamente com a criação do Hotel, cujo título constitutivo foi depositado em 26/01/2004 e cujo artigo 29 do regulamento de administração do Hotel exigia essa contratualização com os proprietários.

         Isso porque a existência de um “empreendimento turístico” pressupõe a existência de um determinado número de unidades de alojamento. Ora, quando a entidade exploradora não é proprietária da totalidade das fracções autónomas – como era o caso – houve necessidade de assegurar que o proprietário cedesse a exploração à entidade exploradora, como veio a acontecer.

         Para as fracções do autor constituírem “unidades de alojamento” do Hotel era condição sine qua non que ele “cedesse” a exploração turística dos mesmos à ré (entidade que os iria explorar).

         Ou seja, a exploração das unidades de alojamento por parte da ré, enquanto entidade exploradora do empreendimento turístico, exigia o assentimento dos diversos proprietários/possuidores na cessão de exploração das respectivas unidades de alojamento.

         Esta realidade é corroborada pelas afirmações prestadas pela testemunha IP (advogada e assessora da administração da ré), que nem sequer foram tidas em consideração pelo tribunal a quo:

#00:03:43.38# Mandatário da Ré – Sim, Senhora! O que lhe pergunto é se, quando foi trabalhar para a R, em 2004, se o Hotel já tinha iniciado, digamos assim, a exploração, se já estava em funcionamento, ou se só começou em funcionamento depois de a Sr.ª Dr.ª lá ter entrado, digamos assim? Em funções.

#00:04:03.31# Testemunha – Não! Já estava. Já estava a trabalhar.

#00:04:06.50# Mandatário da Ré – Já estava.

#00:04:07.74# Testemunha – Já estava, já. Sim!

#00:04:09.61# Mandatário da Ré –Tem ideia desde quando é que o Hotel estava concluído e tinha começado a trabalhar, digamos assim, a receber hóspedes, a receber turistas, no fundo?

#00:04:20.32# Testemunha – É assim: o Hotel abriu em 2003, em Abril de 2003.

#00:04:25.72# Mandatário da Ré – Abril de 2003?

#00:04:27.43# Testemunha – É sim.

#00:04:29.29# Testemunha – Sim, Senhora!

#00:04:30.12# Testemunha – E nós começámos… Peço desculpa. Nós começámos logo a trabalhar, começámos com uma garantia da TUI de [Imperceptível], em que nós, durante seis meses, tínhamos à volta de 60%, só da TUI. Portanto, foi muito fácil. Nós começámos [Imperceptível], os apartamentos estavam todos em exploração precisamente por isso.

#00:04:49.53# Mandatário da Ré – Quando diz “nós começámos”, a Dr.ª. ainda lá não estava. Como é que sabe isso?

#00:04:54.00# Testemunha – Eu não estava, mas é assim…

#00:04:57.18# Mandatário da Ré – Ia lá, foi o seu marido que lhe contou, como é que…?

#00:05:00.04# Testemunha – Abriu em Abril – não é? -, em [Imperceptível] falava com o meu marido sobre isso… No mês de agosto, eu vim de férias de Coimbra para baixo, e agarrei logo naquilo ali, durante dois/ três meses, porque as coisas não estavam, a nível de contabilidade, e [Imperceptível] tomar conta daquilo. E aí inicio o meu trabalho no Hotel, a partir daí, estive lá sempre.

#00:05:26.21# Mandatário da Ré – Sim, Senhora! Portanto, o Hotel… Portanto iniciou em Abril de 2003 e os apartamentos começaram aí a ser explorados, digamos assim…

#00:05:36.58# Testemunha – [Imperceptível – interrompendo o Sr.. Mandatário]. Nós…

#00:05:39.03# Mandatário da Ré – Começaram a entrar turistas…

#00:05:39.68# Testemunha – [Imperceptível] garantia. E nós começámos logo com uma garantia da TUI, está a perceber?…

#00:05:44.85# Mandatário da Ré – Sim!… Portanto, a TUI começou a colocar-vos lá turistas, pessoas, a partir dessa altura que o Hotel abriu, é isso?

#00:05:55.17# Testemunha – Sim! Nós, quando abrimos o Hotel, já tínhamos [Imperceptível] a garantia da TUI, percebe? Porque foi a partir de Abril. Nós tivemos a garantia, que era de 6 meses – era mais ou menos de Abril a fins de Setembro/Outubro -, depois diminui um bocadinho, ali, porque [imperceptível] ajustamentos com a TUI, em que no verão teríamos menos clientes deles, e teríamos mais alguns [imperceptível]. Mas isso já foi uma estratégia [imperceptível – conjuntural?], que eu arranjei. Agora, o Hotel abriu já [imperceptível – ruído na sala]… houve uma fase do Hotel, já foi feita um bocado [imperceptível – à imagem?] daquilo que a TUI precisava, porque era um grupo grande, que vinha com muitas famílias, durante [imperceptível – seis? três?] meses ocupava à volta de 60% das unidades do Hotel, e nós já fizemos, tipo um supermercado, lavandaria, pronto… Há muita coisa à imagem da TUI.

#00:06:45.54# Mandatário da Ré – Hum, hum. Nós sabemos que o Sr. A, que é aqui parte, também, neste processo, já tinha um contrato promessa de compra e venda de dois apartamentos, concretamente o 102 e o 127, e que em 2004, em Março de 2004, celebrou com a R um outro contrato, um contrato que as partes chamaram de “cessão de exploração”. Nesta altura a Dr.ª IP já estava em permanência no Hotel, ou ainda… ou estes contratos, e designadamente o do Sr. A, ainda é anterior à sua… ao seu trabalho, digamos assim, mais diário?

#00:07:35.98# Testemunha – Sim. [imperceptível] sim. Embora eu conheça o contrato, conheço a situação, mas já foi anterior.

#00:07:40.74# Mandatário da Ré – Ah!

#00:07:41.43# Testemunha – Eu, nessa altura ainda não estava permanentemente lá.

#00:07:45.24# Mandatário da Ré – Sim, Senhora!

#00:07:46.05# Testemunha – Quando o contrato foi feito.

#00:07:46.11# Mandatário da Ré – Sim, Senhora! O que lhe quero perguntar, muito concretamente, é se antes de o Sr. A ter celebrado, com a R, este contrato, se os apartamentos 102 e 127 já estavam em exploração.

#00:08:05.26# Testemunha – Já, sim Senhor.

#00:08:06.59# Mandatário da Ré – Antes!… Portanto, desde…

#00:08:08.01# Testemunha – Antes [imperceptível – de tudo?].

#00:08:08.13# Mandatário da Ré –Desde o princípio?…

#00:08:10.03# Testemunha – Desde o princípio. Desde a abertura do Hotel. O Hotel abriu em 2003, em Abril, com os apartamentos todos à exploração. Eu sabia que havia clientes – que me foi dito pelos Administradores -, que havia clientes que eram promitentes compradores, à altura. Pronto, estavam em vias de comprar alguns apartamentos, não sabia quais, mas quando o Hotel abriu, abriu em completa exploração.

#00:08:30.06# Mandatário da Ré – A Dr.ª consegue dizer, com mais alguma firmeza, em que data, de 2004, é que começou a trabalhar diariamente, portanto, como trabalhadora do… assessora de direcção, no Hotel?

#00:08:49.55# Testemunha – É assim: eu, data, data, data, não. Eu comecei em 2004, mas como a minha profissão também era estar em Coimbra, eu ia e vinha – não é? -, portanto eu… fui… O primeiro

         Do que tem vindo a ser exposto tiram-se desde já duas conclusões inexoráveis. A primeira é a de que resulta óbvio que a própria ré reconhecia o autor como proprietário e possuidor dos apartamentos. Desde logo pelo simples facto de o autor já ter pago quase a totalidade do preço dos dois apartamentos no momento em que cedeu à ré a exploração dos mesmos.

         A segunda é a de que os apartamentos em causa sempre estiveram à exploração turística por parte da ré. Nem é crível ou sequer equacionável que fosse de outra maneira.

         Ora se a acção declarativa 100/05, em que o autor peticionou a declaração de resolução do contrato-promessa, por que motivo a ré não procedeu à denúncia do contrato de cessão?

         Chegados até aqui, será coerente aceitar a declaração de ciência da testemunha IS com foro de exclusividade e tomá-la como válida e verdadeira quando o seu depoimento foi manifestamente titubeante e contraditório ao ponto de ter respondido “não seiquando interrogada sobre o preço da escritura de compra e venda?

         Será concebível, razoável e verosímil, por consentâneo com as próprias regras da experiência comum que a própria sentença recorrida refere, que se aceite que o depoimento de uma testemunha que não tem qualquer razão de ciência sobre os factos aqui discutidos sirva para demonstrar que o autor nunca deu à exploração da ré os seus apartamentos?

         Há, nisso, arbitrariedade que não quadra bem com o princípio da livre apreciação da apreciação da prova testemunhal.

         Não é racional a sentença dar nota de que o depoimento da testemunha F “padecer” de falta de credibilidade, também, por a mesma ter admitido não ir ao local desde 2005 e nada saber para além do que o seu pai lhe disse e dos documentos que leu e que se encontram nos autos, fazendo prevalecer o depoimento de um pessoa que não tem conhecimento directo sobre o que foi contratualizado entre autor e ré.

         De igual modo também não é racional e aceitável que a declaração dessa pessoa possa “derrogar” o que é admitido pela própria ré no seu articulado (contestação).

         O autor considera que a resposta mais óbvia para a questão de B vai no sentido de que houve erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto no que respeita à entrega à ré dos apartamentos para exploração turística.

              Contra isto, a ré tinha começado por dizer o seguinte:

         O autor pugna no recurso pela ilegalidade da decisão do tribunal recorrido que aditou aos temas da prova, mas na sua impugnação sobre a matéria de facto só defende uma única coisa – que o facto B (o mesmo que o tribunal recorrido aditou, quanto a isso se insurgindo), deveria ter-se considerado como provado. Ou seja, não queria esse aditamento, mas pede afinal que o facto seja provado!

              E agora ré continua:

         Sustenta o autor que “entrega à ré” constitui um conceito de direito que não podia ser dado como provado. Não se compreende o alegado, tanto mais que o tema de prova são as questões pertinentes para a decisão da causa nas diversas soluções plausíveis e saber se por efeito daquele contrato dos autos o autor entregou para exploração à ré as ditas fracções não é um conceito de direito.

      Para seguidamente descontextualizar e truncar o alegado pela própria ré na contestação, pretendendo colocar nas palavras da ré que esta teria aceite que o autor fosse proprietário e nessa qualidade tivesse celebrado com ele um contrato definitivo de cessão de exploração.

         É o contrário de tudo o que foi alegado na contestação. Nunca a ré reconheceu o autor como proprietário, que não era – e por isso celebrou com ele uma “promessa de garantia de cessão de exploração”, no interesse de ambos e já antes tendo sido explicitadas nesta resposta as razões desse interesse comum.

         Prosseguindo o autor com a afirmação, incompreensível, de que não poderia existir contrato promessa de compra e venda sem contrato de cessão de exploração. É, de facto, ininteligível esta conclusão. A inversa, sim, é verdadeira: porque existe contrato promessa de compra e venda e o autor é promitente adquirente das fracções, pode também ser promitente cedente das mesmas para exploração futura.

         Tendo, até, o arrojo de mencionar a escritura pública de compra e venda, dada como assente em 14 da sentença recorrida, que mencionaria “contrato de cessão de exploração”. Esquecendo-se, todavia, de referir que o que aí consta declarado por ambas as partes é que as fracções só podem vir a ser exploradas turisticamente mediante contratos de cessão de exploração a celebrar por acordo das partes.

         Não sendo tal declaração de cariz obrigatório nessa escritura, a sua existência e teor só pode significar uma coisa: que ambas as partes reconheceram não existir qualquer vínculo contratual de cessão de exploração presente e que aceitaram que tal exploração futura estaria dependente de contratos de cessão a celebrar por acordo.

         Para arrematar com um falso facto: o que que o artigo 29 do Regulamento de Administração exigiria essa contratualização com os proprietários. É falso. O artigo 29 desse Regulamento permite a contratação com os proprietários.

    Sendo certo que, como decorria do regime jurídico dos empreendimentos turísticos (artigo 30/1 do Decreto Regulamentar 36/97, de 25/09), 70% das unidades de alojamento deviam estar afectas à exploração turística do empreendimento, não a totalidade (ao contrário do que alega, sem base).

         É neste conjunto de equívocos factuais e jurídicos que o autor suporta a sua impugnação da matéria de facto.

         De que se apresenta mais uma evidência: a fls. 14 do recurso, o autor afirma que para garantir que na abertura do empreendimento turístico a ré teria fracções autónomas para exploração era imperioso de contratualizasse as cessões de exploração. O erro é patente, pois o empreendimento abriu em Abril de 2003 com as fracções em exploração e o contrato dos autos, de fls. 21 a 23, é de Março de 2004. Ele não terá servido, portanto, para garantir que na abertura do empreendimento a ré teria fracções para exploração (facto impossível).

         Bem como outra: sem nunca o ter alegado – por não ser verdade – diz agora o autor (fls. 16) que todos os contratos de cessão de exploração obedeceram à mesma forma.

         Para, por fim, confundir as declarações prestadas pela testemunha IS, que revelou conhecer como cliente os factos que relatou, de forma isenta e credível.

      Que todos foram considerados do mesmo modo pela sentença recorrida, ao contrário do que, sem qualquer razão, atira para o ar o recorrente.

         Aqui chegados, a verdade é que o autor, no seu depoimento, deu por pressuposto que os apartamentos estavam, em exploração, mas nunca afirmou que foi ele quem os deu em exploração à ré por efeito do contrato de fls. 21 a 23 dos autos.

       Já o seu filho e testemunha F, no seu depoimento (acima identificado), afirmou que:        

          MA – Então a primeira pergunta que tenho que fazer exactamente a… ao Sr. F é se, digamos, o seu pai entregou ou não as fracções em questão para exploração… para a Autora para que esta explorasse estas fracções de… enfim… eu diria que, desde o contrato que existe de 2004 e se esse contrato vigorou ou não até à data? Ou até quando é que vigorou esse contrato de cessão de exploração… É a primeira pergunta que tenho que fazer, forçosamente, porque inverteram-se um bocadinho a ordem das perguntas, não é? Depois lá ver a segunda, do pagamento ou não pagamento… que parece-me que está resolvida por si, digo eu… (?) está resolvida porque a R não contestou portanto, estará resolvida por si.

          T – Bem… o meu pai comprou dois apartamentos na R e era para exploração turística, ou seja, não era para nós frequentarmos os apartamentos. Contudo, fui lá uma vez de férias e inclusive um dos apartamentos quando eu ia estava ocupado, e cederam-me outro apartamento com a mesma tipologia para eu poder ficar. Isto em relação aos apartamentos, portanto, eu fui lá uma vez em 2005, e nunca mais lá fui.

          MA – O que eu estou a perguntar é se foi… tá bem… não estou a perguntar se foi ou se não foi, o que eu lhe estou a perguntar é se houve essa cedência desses aparamentos para a exploração da R… ou não houve essa exploração…

          T – Houve houve! E houve um contrato… de promessa…

          MA – E se conhece o contrato, por qual esses apartamentos foram cedidos à R?

          T – Conheço.

          MA – Conhece o contrato? E foram cedidos à R?

          T – Foram cedidos à R. A prova é que eu só fui uma vez lá em 14 anos.

          MA – Agora diga-me só uma coisa, pronto… foram cedidos à R… esse contrato vigorou sempre ou não vigorou? Ou seja, se vigorou só até determinada data, ou se vigorou sempre, se tem vigorado sempre, como é que tem sido a relação com…?

          T – Eu parto do princípio que vigorou sempre porque a R mandou uma carta em Setembro do ano passado a cancelar o contrato. Portanto, se não havia contrato, não havia necessidade de enviar uma carta a cancelar o contrato. Portanto, para mim o contrato era válido. Para mim…

          MA – E em que data é que a R lhe enviou essa… ?

          T – Creio que foi em Setembro de 2018, a dizer que contrato caducava a 31 de Dezembro de 2018.

          MA – Muito bem. Portanto, vigorou sempre esse contrato de cessão de exploração…

          …

          T – Nunca mais lá fui. Só fui lá em 2005.

          MA – Só lá foi em 2005, portanto, não sabe se estava em exploração ou não os apartamentos…

          T – À partida estavam em exploração, e daí nós não irmos lá.

          MJ – Portanto, não sabe nada a partir de 2005. É isso?

          T – Saber sei! Sei que o meu pai tinha o contrato, mas nós não íamos lá de férias.

          MJ – Mas sabe, sabe… vamos lá ver. Mas sabe porque o senhor seu pai lhe disse, ou sabe porque o senhor ouviu alguma coisa com os seus próprios ouvidos? Ou viu com os seus próprios olhos, que o fizeram concluir nesse sentido? Tá a perceber o que eu estou a dizer? O que sabe foi porque o senhor seu pai lhe disse ou foi porque o senhor viu…?

          T – O meu pai tinha os apartamentos à exploração, logo nós não íamos para lá.

          MJ – Oiça, oiça o que lhe estou a perguntar… o senhor disse “eu sei que os apartamentos estiveram em exploração sempre pela R”, e o que eu lhe pergunto é como é que sabe isso?

          T – Com base num contrato que o meu pai tem, e mostrou…

          MJ – Não, não é isso que estou a dizer. A análise do contrato eu faço sozinha. O que eu estou a perguntar é como é que o senhor sabe que os apartamentos estiveram sempre à disposição da R para os explorarem turisticamente? Foi o senhor seu pai que lhe disse ou o senhor viu alguma coisa?

          T – O meu pai sempre me disse que tava a exploração…

          MJ – Pronto, foi o seu pai que lhe disse, é isso que eu queria saber.

          T – Sempre me disse que tava à exploração.

          …

          T – Vi o contrato de exploração.

          MJ – Pronto. O contrato eu já lhe expliquei que o contrato é para eu analisar.

          T – Pois de resto eu não fui lá portanto não posso…

          MJ – Pois, é isso…que preciso que me diga. É que não sabe. Não sabe nada a partir de 2005, a não ser o que o senhor seu pai lhe disse.

         Já as testemunhas indicadas pela ré foram unânimes em afirmar que as fracções dos autos (apartamentos 102 e 127) entraram em exploração em Abril de 2003, na abertura do empreendimento, e que se mantiveram em exploração por conta da ré até Setembro de 2013, data em que foram encerradas para serem entregues ao autor na escritura pública de compra e venda que foi realizada em 23/09/2013. E que desde então ficaram encerradas, sem qualquer exploração turística, durante anos, até que em 2018, no final do ano, primeiro uma imobiliária para eventual venda e depois o autor nelas compareceu, colocou pilhas no ar condicionado, introduziu fechadura, etc.

              E depois, para confirmar que assim é, a ré passa a transcrever passagens dos depoimentos das suas testemunhas [transcrição que, aqui, se faz apenas em parte – TRL]:

         – IS [um outro promitente comprador de 3 fracções (2 para ele e uma para o pai), com contactos com outros, que conta a mesma sequência de contratos, ou seja, contrato-promessa, contrato de cessão e contrato de compra e venda (este logo em 2004) e diz que só depois deste é que começou a receber a retribuição e diz que foi assim também com os outros de que tem conhecimento;

         Testemunha IP, assessora da administração, a trabalhar no próprio Hotel, em 2004 [o Hotel abriu em Abril de 2003; tinham uma garantia de 60% da TUI; os apartamentos estavam todos em exploração precisamente por isso. Sabia que havia clientes, foi-me dito pelos administradores, que eram promitentes compradores na altura, que estavam em vias de comprar alguns apartamentos. MR – As pessoas que celebraram contratos com a R, contratos para a exploração das unidades de alojamento, portanto, dos apartamentos do hotel, começaram a receber rendas pela exploração, as rendas que foram negociadas, começaram a recebê-las logo que fizeram esses contratos de cessão de exploração, ou sempre no momento em que fizeram as escrituras? T – Não não… MR – O que é que determinava o vencimento, digamos assim, desse dever de pagamento das rendas? Era o contrato ou era a escritura? T – Era a compra, depois da escritura. […] MR – Nessa altura, a partir do momento em que o autor adquiriu os apartamentos, os apartamentos ficaram à exploração pela R? T – Não… a partir do momento… em 2013, eu soube porque a administração comunicou que o Sr. A era proprietário dos apartamentos em 2013, quando fez a escritura, a partir daí os apartamentos deixaram de estar à exploração da R. […] MR – E […] quando é que… portanto… o autor passou a utilizá-los, não passou, como é que foi? T – Não não… durante estes anos todos, portanto, até 2018, mais ou menos, que apareceram lá umas pessoas da ERA e de outras… para ver… segundo o que as empregadas de limpeza me disseram e a recepção… acho que havia um apartamento que estava à venda… o 127… foi tudo aquilo que foi dito. Não, os apartamentos ficaram fechados, e o senhor só voltou a utilizar o apartamento… foi agora em 2019 porque até foi lá e pediu para mudar a fechadura e não sei quê. E visitou o apartamento nomeadamente agora em Setembro, teve lá uma semana, eu tive a ocasião de presenciar porque estava lá na altura de férias. Até aí, o senhor… os apartamentos estavam fechados;

         Testemunha FP: Governanta no Hotel, desde 12/04/2004; o Hotel já estava a funcionar; no final de um Verão de um ano que não pode precisar foi-lhe dito que não poderíamos entrar mais naquele apartamento (depois do advogado da ré lhe perguntar diz que se está a referir aos dois apartamentos) porque tinha sido vendido. À partida já mais ninguém entrou. No final de 2019, aí em Janeiro, Fevereiro [sic] o autor esteve no Hotel a ver os apartamentos;

         Testemunha RC – empregada de quartos no Hotel há 15 anos; desde que o autor comprou os apartamentos, em Setembro de 2013, eles ficaram fechados. Vou a ver o autor em 2019 a recepção ligou-me… para que eu não achasse estranho ver pessoas de fora que iam tirar fotografias a esse apartamento que estava à venda. Princípios de Dezembro a meio de Dezembro…;

         Testemunha AS – Empregada de andares, no Hotel, desde Abril de 2003. Depois de o autor comprar os apartamentos em 2013 a governanta mandou-a fazer a limpeza quando saiu o último cliente e fechar porque aquilo tinha sido comprado e já não estava à exploração. Manteve-se assim até Dez2018, quando o autor lá foi para ver os apartamentos para os vender. Nunca mais lá entrou, a não ser para prevenção da Legionella

              E a ré conclui:

         Pelo que, bem andou o tribunal recorrido, com base na prova documental e testemunhal produzida nos autos, em dar como não provado que o autor, na sequência do acordo celebrado com a ré, tenha dado a esta as fracções dos autos para que esta efectuasse a sua exploração, de 2009 a 2017.

              Decidindo:

          Note-se que não pode estar aqui (na parte da sentença recorrida relativa aos factos), a questão de direito da interpretação do contrato referido em 4, mas sim a questão de facto, pelo que se trataria apenas de saber se se provava o acto material de entrega, pelo autor, à ré, pondo na disponibilidade dela, das fracções em causa, para que a ré pudesse efectuar a exploração delas.

           Quanto à referência aos anos de 2009 a 2017 resulta de um lapso de entendimento, pelo tribunal recorrido, do decorrido no decurso do processo: o autor tinha deduzido um pedido referente ao período de Março de 2004 a Junho de 2014 (data da petição); a ré excepcionou a prescrição referente ao período de 2004 a 2008; o saneador-sentença de 2018, julgou procedente a prescrição referente ao período de 2004 a 2008 e o autor acatou o decidido pelo que considerou não se justificar a parte do pedido referente ao período de 2004 a 2008, e, quando ampliou o pedido, até 2017, deixou de lado aquele período, ficando de pé, com a ampliação, o período de 2009 a 2017. Como é evidente daqui não decorre qualquer alegação de um acto de entrega do imóvel para exploração de 2009 a 2017.

              Ora, a fundamentação da decisão recorrida revela que o tribunal recorrido não se pronunciou sobre nada disto, mas sim sobre quando é que se iniciaria a exploração das fracções pela ré por conta do autor, e que respondeu a isto com base em considerações de Direito, ou seja, com base na consideração de que “só quem é dono de alguma coisa é que a pode ceder, seja para que finalidade for”, pelo que, concluiu, a exploração só se poderia iniciar depois de o autor se tornar proprietário e por isso não se tinha provado que tal tivesse ocorrido antes.

          Compreende-se, perante tudo isto, que as considerações da impugnação da decisão, pelo autor, girem todas à volta de questões de Direito, mas isso não pode levar a que, nesta parte, a questão seja resolvida como se fosse questão de direito e não de facto (as questões de direito, levantadas pelo autor, aqui, serão, pois, tomadas em conta mais à frente).

            O mesmo se diga de toda a extensa fundamentação da contra-alegação da ré. Para além de que a crítica que a ré dirige ao autor, por contradição, não atenta que não é a alegação de facto que o tribunal deu como não provada, que o autor quer agora que seja dada como provada, mas uma coisa com um sentido diferente, que se traduz na interpretação daquilo que decorria do contrato. E que, por isso, como já se disse, se trata, de uma discussão de Direito, de algum modo justificada, porque foi o tribunal recorrido que, na fundamentação da decisão impugnada, se baseou em considerações de Direito. Pelo que não há qualquer contradição na argumentação do autor.

              Mas aqui há que acrescentar que, para além disso, a ré se põe a discutir matéria de facto que não vem ao caso, pois que ela, nem subsidiariamente – embora o pudesse fazer: art. 636/2 do CPC -, impugnou a decisão da matéria de facto, pelo que não interessa, a nível dos factos, se a exploração deixou de ser feita depois da compra e venda ou o que é que o autor fez em 2019.

              Posto isto, e tratando apenas da questão de facto posta no tema de prova em causa, há que reconhecer que o autor não invoca quaisquer elementos probatórios que possam comprovar qualquer acto de entrega das fracções, pelo autor.

              Assim, a alegação que está em causa em B, entendida em termos de facto, não pode ser dada como provada, sem que tal implique que se aceite a fundamentação da decisão recorrida que, sendo, no essencial, de direito, será considerada mais à frente.

         Posto isto, em suma, e pelo que se disse, considera-se improcedente esta impugnação da decisão da matéria de facto.

              Entretanto, registe-se, desde já, que por força dos dois primeiros depoimentos que a ré invoca, das suas testemunhas IS e IP, fica em causa uma das argumentações principais da ré, como se verá à frente, qual seja, a de que, depois da celebração do contrato de compra de 2013 teria sido necessário celebrar um novo contrato de cessão de exploração. Pois que elas não dizem que era necessário celebrar novo contrato de cessão, para que os até aí promitentes-compradores passassem a receber as rendas, o que demonstra a artificialidade da construção da ré.

                                                                 *

                                 Do recurso sobre matéria de direito

              A fundamentação da improcedência da acção, dada pela sentença recorrida, é a seguinte (em síntese e com simplificações):

         O contrato celebrado entre autor e ré em 04/03/2004, não é um contrato de cessão, mas um contrato-promessa de cessão, porque o autor, à data, não era proprietário das fracções autónomas (apenas as adquiriu em 23/09/2013), mas mero promitente-comprador.

         Não sendo o autor o titular das fracções em causa, não podia validamente ceder a sua exploração, sob pena de estar a ceder a exploração de coisa alheia, o que lhe estava legalmente vedado – art. 892 do CC, aplicável por via do previsto no art. 939 do CC.

         Não se vendo que interesse pudesse a ré ter em adquirir um direito à exploração de um imóvel que já tinha o direito a explorar, por ser proprietária do mesmo, o único sentido “normal” das declarações constantes do contrato é o prometer ceder a exploração das fracções, posto que apenas após a aquisição delas, o autor estaria em posição de o fazer validamente.

         Pelo que o contrato-promessa não confere ao autor o direito ao recebimento de quaisquer rendas pela exploração, mas somente o direito de celebrar um contrato definitivo de cessão de exploração a partir da aquisição das fracções (ou seja desde 23/09/2013). Ora, não resultou provado, ou foi sequer alegado, que [depois dessa data] tenha sido celebrado qualquer contrato […] de exploração turística das fracções.

              O autor diz o seguinte contra a sentença:

6.ª A sentença resolveu voltar a trazer para o debate uma questão que já se encontrava configurada e julgada definitivamente quer pelo STJ, na acção 100/05, quer a configurada e julgada na sentença da acção 1896/08, esta última confirmada pelo ac. do TRL de 06/07/2017.

7.ª No ac. do STJ ficou assente que o contrato de cessão de exploração estava em vigor.

8.ª E a sentença confirmada pelo ac. do TRL ficou definitivamente assente que […] que o regime aplicável no que toca ao pagamento das estadias do autor nos seus apartamentos aplicar-se-ia o regime de “encontro de contas” previsto naquele contrato.

9.ª Sendo certo que, a referida sentença, foi proferida após a escritura de compra e venda celebrada entre autor e ré, a qual foi junta àqueles autos.

          Estas conclusões resumem, bem, o que o autor diz em parte do corpo das alegações quanto a esta matéria, mas deixam no tinteiro a parte restante que é a seguinte:

         Ou seja, mesmo depois da escritura, o tribunal da acção 1896/08 veio a entender que para haver encontro de contas teria de haver, necessariamente, o direito do autor em receber da ré rendas pela exploração dos seus apartamentos. Caso assim não fosse seria impossível proceder-se a qualquer encontro de contas.

         Portanto, a vigência daquele contrato significa que os apartamentos do autor sempre estiveram à exploração turística por parte da ré.

         Nem de outra maneira seria possível, pois a emissão da licença de utilização turística do empreendimento exigia, como condição sine qua non, que as unidades de alojamento fossem cedidas para exploração por partes dos respectivos proprietários ou possuidores.

         Daí a necessidade da celebração do contrato de cessão de exploração que aqui está em causa, com efeitos reportados a 01/01/2004 e que certamente a ré terá “registado” na Direcção-Geral de Turismo.

         A este propósito o autor entende que a sentença recorrida aplicou erradamente as normas que constam do artigo 236 do Código Civil, pois a conclusão a tirar é precisamente a contrária: autor e ré reconheciam que aquele era o “proprietário” dos apartamentos após a celebração do contrato-promessa. E como tal a ré sabia que necessitava do consentimento do autor para explorar os apartamentos a partir do momento em que o empreendimento turístico abrisse as suas portas.

         Mais, apesar de o autor não ser proprietário de iure dos apartamentos antes de 2013, o certo é que agiu, e a própria ré reconheceu isso, como se tivesse essa qualidade.

         Ora a sentença recorrida descuidou por completo deste aspecto e acabou por fazer tábua rasa do instituto jurídico da posse tal como vem caracterizado no artigo 1251 do CC, ao contrário do que já havia sido decidido pelo tribunal da acção 1896/08.

         Os princípios e valor subjacentes ao imperativo de aplicabilidade desse instituto serão porventura os mesmos que estão subjacentes à consagração da proibição do enriquecimento sem causa – a que corresponde necessariamente o empobrecimento injustificado de alguém.

         Chegados a este ponto, conclui-se facilmente que a sentença recorrida conferiu uma vantagem à ré alcançada através de um claro sacrifício económico causado ao autor (empobrecimento).

         Sejamos muito claros: aquando da celebração do contrato de cessão de exploração o autor já havia pago a quase totalidade do preço da venda dos apartamentos (80% do valor dos mesmos ou seja o equivalente a 383.076,78€ e assentiu que os mesmos fossem explorados pela ré; esta por sua vez dispunha e sempre dispôs (porque nunca denunciou esse contrato) do instrumento contratual que lhe permitia explorar os apartamentos e que lhe era exigido por lei e pela Direcção-Geral de Turismo. Se efectivamente os explorou ou não, isso é um problema alheio ao autor e que só diz respeito à ré.

         E, aliás, tendo em conta que a ré explora um empreendimento turístico, este facto só poderia ser comprovado com os registos de check in e check out do próprio empreendimento.

         É que uma unidade de alojamento difere e muito de uma fracção autónoma, figura característica da propriedade horizontal. Desde logo, por uma questão material e muito óbvia que seria escusada vir à colação: num empreendimento turístico, a entidade exploradora tem na sua posse as chaves de cada um dos apartamentos que compõem o empreendimento. Assim, nem sequer seria necessário que o autor “disponibilizasse” à ré os apartamentos para exploração, pois a mera celebração do contrato de cessão de exploração permitia que a ré fizesse essa exploração.

         E isto tanto é verdade que na acção 1896/08 resultou como facto provado que o autor se deslocava ao apartamento 102, solicitava na recepção o respectivo cartão que lhe permita o acesso ao referido apartamento e à saída procedia à entrega do mesmo.

              A contra-argumentação da ré já foi transcrita acima na discussão da matéria de facto, já que as partes misturaram os factos com o direito e a ré não tem nenhuma parte específica das contra-alegações dedicada ao direito.

                                                                 *

              A fundamentação da sentença recorrida está errada como decorre de duas constatações: (i) a falta de legitimidade material de um contraente não tira ao contrato a natureza que ele tem, o que pode fazer é tornar nulo o contrato, como decorre do art. 892 do CC citado pela própria sentença recorrida; (ii) a sentença está em contradição com o já decidido no despacho saneador, que valia no processo enquanto não fosse revogado: o tribunal não pode, a meio do processo, decidir parte da acção com base no pressuposto da legitimidade do contraente e de que o contrato é um contrato de cessão de exploração, e, no fim, decidir a parte restante com base na ilegitimidade do contraente e de que o contrato é um contrato-promessa de cessão de exploração; mais: a contradição não é só com o decidido no saneador-sentença, mas com o decidido na acção 1896/08, aquela que foi invocada na saneador-sentença como tendo feito caso julgado sobre parte do objecto do processo.

         A ré diz que a sentença recorrida em momento algum ofende a força ou a autoridade de caso julgado nesses autos. Nestes autos está em apreciação o direito do autor a rendas pela alegada cedência de exploração à ré das fracções (como resultado do contrato de fls. 21 a 23). No processo 1896/08 estava em causa o direito da ré ao pagamento de serviços de alojamento turístico prestado ao autor, nos anos de 2004 a 2008. E no processo 100/05 estava em causa a vigência, ou não, entre as partes, do contrato-promessa de compra e venda celebrado em 2000.

              A ré tem parcial razão, isto é, na parte em que põe em causa que o decidido (a parte decisória) naquelas acções tenha a autoridade do caso julgado: na acção 100/05, por força do acórdão do STJ, ficou apenas decidida a improcedência quer da acção quer da reconvenção, considerando que não se tinha verificado quer da parte da ré quer da parte do autor um incumprimento definitivo do contrato-promessa que permitisse ao autor ficar pedir da ré o dobro do sinal ou a ré ficar com o sinal entregue pelo autor.

             Daqui (100/05) não decorre a resolução de qualquer objecto que fosse pressuposto das questões a decidir na acção (453/14) de que este recurso trata e muito menos que o STJ tenha decidido, ao contrário do que o autor diz, que o contrato de cessão estava em vigor. O mesmo se diga quanto à decisão 1896/08 pois o que aí foi decidido (o que consta da decisão) quanto ao crédito reconhecido à autora não é pressuposto do que está em causa nestes autos.

              De qualquer modo, repare-se que foi o decidido na acção 100/05 que levou a que as partes celebrassem o contrato-prometido na lógica da subsistência do contrato-promessa e que foi, por isso, que a nova sentença de 2015, proferida na acção 1896/08, partiu da subsistência do contrato-promessa, pressuposta no acórdão do STJ de 2013, para alterar o decidido anteriormente, em 2010. Em 2010 tinha-se considerado que o contrato-promessa tinha sido resolvido em 2005, pelo que o contrato de cessão já não podia valer ou ter eficácia a partir de então (embora a tivesse tido até então e como contrato definitivo e não de promessa de cessão) e, em 2015, considerou-se que o contrato-promessa afinal tinha permanecido em vigor, e com ele o contrato de cessão que, assim, passava a ser o título da cessão da exploração, pela ré, das fracções do autor, também para o período posterior a 2004, o que levava à procedência da pretensão da ré à condenação do autor a pagar-lhe uma quantia decorrente da ocupação de uma das fracções.

              Posto isto, diga-se que o facto de não poder ser invocada a autoridade da parte decisória da sentença da acção 1896/08, não tira razão ao saneador sentença em considerar que o decidido na acção 1896/08, tendo em conta os fundamentos da sentença, não pode permitir que, reconhecendo-se à ré um direito de crédito contra o autor com base na subsistência do contrato de cessão (que não era, por isso, um contrato-promessa) e calculado precisamente nos seus (do contrato) termos, se venha agora decidir nesta acção que, afinal, por um lado o contrato era nulo, por falta de legitimidade; e, por outro, que o contrato de cessão era um contrato-promessa, sem eficácia, ou que não estava em vigor ou que tinha cessado a sua vigência.

              Assim, Miguel Teixeira de Sousa, diz que “[r]elações sinalagmáticas  também podem fundamentar a atribuição do valor de caso julgado a certos fundamentos de facto da decisão. Assim, se, por exemplo, o autor pede a condenação do réu na entrega do automóvel comprado, a validade do contrato de compra e venda não pode ser questionada na acção em que o vendedor pede o cumprimento da prestação sinalagmática, isto é, o pagamento do preço […]” (Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 1997, 2.ª edição, pág. 582 = 1.ª edição, 1996, pág. 343).

              No mesmo sentido, diz Lebre de Freitas, que “o caso julgado há-de poder ser invocado quando a sua não extensão aos fundamentos possa gerar contradição entre os fundamentos de duas decisões que seja susceptível de”, entre outras situações, “romper a reciprocidade entre o direito e o dever abrangidos pelo sinalagma (ex.: condenado o vendedor a entregar a coisa vendida, o que pressupõe a validade do contrato não é admissível julgar-se, em acção seguidamente proposta para obter o pagamento do preço, que este é indevido por o contrato ser nulo). […]” (CPC anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, 2017, pág. 596).

              Aliás, a ré, tendo defendido que a existência da acção 1896/08 era uma causa prejudicial a esta, pelo que esta devia ser suspensa, à espera que aquela acção decidisse se o contrato-promessa produzia efeitos entre as partes (apesar de o STJ já ter decidido que sim, o que, para a ré, é irrelevante) e a apreciação dos efeitos dele sobre o contrato de cessão celebrado a 04/03/2004, não devia (por força de um dever de coerência) poder vir agora defender que nada do aí decidido tinha valor neste processo.

              Assim, por força da extensão do caso julgado aos fundamentos do decidido na acção 1896/08, considera-se que nesta acção a ré tem que aceitar que o contrato de cessão era um contrato definitivo e que não se tinha verificado qualquer fundamento para a sua cessação ou modificação ou perda de eficácia.

                                                                 *

              De qualquer modo, vai-se ver melhor a questão – à cautela, porque o decidido no saneador-sentença ainda não transitou, e assim se demonstra que as conclusões a que se chegou acima podem ser obtidas autonomamente, quer em relação a ele quer em relação ao decidido na acção 1896/08.

              Antes ainda, importa transcrever, na parte que interessa, as normas a que, quer o autor quer a ré se foram referindo, expressa ou implicitamente, do regime jurídico da cessão de exploração turística, tal como resultava das normas em vigor à data do contrato de cessão que está em causa nos autos:

              Do Decreto-Lei 167/97, de 04/07, com as alterações do DL 305/99, de 06/08, e do DL 55/2002, de 11/03:

              Artigo 27 – Alvará de licença ou de autorização de utilização turística

             1 — Concedida a licença ou a autorização de utilização turística, o titular requer ao presidente da câmara municipal a emissão do alvará que a titula, o qual deve ser emitido no prazo de 30 dias a contar da data da recepção do respectivo requerimento.

                […]

               Artigo 28 – Funcionamento dos empreendimentos turísticos

      1 — O funcionamento dos empreendimentos turísticos depende apenas da titularidade do alvará de licença ou de autorização de utilização turística, emitido nos termos do disposto no artigo anterior, o qual constitui, relativamente a estes empreendimentos, o alvará de licença ou autorização de utilização previsto nos artigos 62 e 74 do Decreto-Lei 555/99, de 16 de Dezembro.

              […]

             Artigo 44 – Exploração dos empreendimentos turísticos

            1 — A exploração de cada empreendimento turístico deve ser da responsabilidade de uma única entidade.

       2 — A unidade de exploração do empreendimento não é impeditiva de a propriedade das várias fracções imobiliárias que o compõem pertencer a mais de uma pessoa.

     3 — Só as unidades de alojamento podem ser retiradas da exploração dos empreendimentos turísticos e apenas nos casos e nos termos estabelecidos no regulamento previsto no n.º 3 do artigo 1.

        4 — As unidades de alojamento que tiverem sido retiradas da exploração de um empreendimento turístico não podem ser objecto de outra exploração comercial, turística ou não.

             Artigo 45 – Fracções imobiliárias

      1 — Para efeito do disposto no presente diploma, são consideradas fracções imobiliárias as partes componentes dos empreendimentos turísticos susceptíveis de constituírem unidades distintas e independentes, devidamente delimitadas, e que constituam ou se destinem à constituição de unidades de alojamento ou a instalações, equipamentos e serviços de exploração turística.

        2 — As unidades de alojamento dos empreendimentos turísticos só constituem fracções imobiliárias quando, nos termos da lei geral, sejam consideradas fracções autónomas ou como tal possam ser consideradas.

             Artigo 46 – Relações entre proprietários

          1 — Sem prejuízo do disposto no presente diploma e seus regulamentos, às relações entre os proprietários das várias fracções imobiliárias dos empreendimentos turísticos é aplicável o regime da propriedade horizontal, com as necessárias adaptações resultantes das características do empreendimento.

           2 — A entidade titular do alvará de licença ou de autorização de utilização turística do empreendimento ou, se este ainda não tiver sido emitido, do alvará de licença ou de autorização para a realização de operações urbanísticas deve elaborar um título constitutivo da composição do empreendimento, no qual são especificadas obrigatoriamente:

     a) As várias fracções imobiliárias que o integram, por forma que fiquem perfeitamente individualizadas;

       b) O valor relativo de cada fracção imobiliária, expresso em percentagem ou permilagem do valor total do empreendimento, nos termos a estabelecer em regulamento;

            c) A menção do fim a que se destina cada uma das fracções imobiliárias;

            […]

       Do Decreto regulamentar 36/97, de 25/09, com as alterações do Decreto Regulamentar 16/99 de 18/09

              Artigo 2 – Grupos

               Os estabelecimentos hoteleiros podem ser classificados nos seguintes grupos:

              a) Hotéis;

              b) Hotéis-apartamentos (aparthotéis);

              […]

             SUBSECÇÃO II – Exploração

             Artigo 30 – Afectação à exploração turística

          1 — Nos hotéis-apartamentos pelo menos 70% das unidades de alojamento devem estar afectas à exploração turística do empreendimento.

       2 — Para efeito do disposto no número anterior, consideram-se integradas na exploração turística as unidades de alojamento do hotel-apartamento disponíveis para ser locadas dia a dia a turistas pela entidade exploradora do mesmo.

          3 — As unidades de alojamento não se consideram retiradas da exploração turística pelo facto de ter sido reservado aos respectivos proprietários o direito de as utilizarem em proveito próprio por um período não superior a 90 dias em cada ano, nos termos estabelecidos em contrato celebrado entre estes e a entidade exploradora do hotel-apartamento.

           SUBSECÇÃO III – Hotéis-apartamentos com pluralidade de proprietários

          Artigo 31 – Âmbito

      As disposições do presente capítulo são aplicáveis aos hotéis-apartamentos cujas fracções imobiliárias sejam propriedade de pessoas diversas.

          Artigo 32 – Título constitutivo

         No caso dos hotéis-apartamentos referidos no artigo anterior, deve ser elaborado um título constitutivo da sua composição.

         […]

        A matéria passou a ser regulada pelo DL 39/2008, de 07/03/2008, com a entrada em vigor das portarias nele previstas (que por isso não tem aplicação aos autos; todas estas indicações são dadas pelo sítio do Diário da República).

            Antes era regulado pelo DL 49399, de 24/11/1969, Decreto 61/70, de 24/02, e Decreto Regulamentar 14/78, de 12/05 de Maio, que é lembrado pelo acórdão do TRL de 24/03/2009, proc. 111/06.9TCFUN.L1-1, citado pela sentença recorrida: “I – Adquirida uma fracção autónoma mobilada e cedida depois, contratualmente, para ser integrada num empreendimento turístico e aí explorada na actividade hoteleira, o caso não é de arrendamento nem de cessão de exploração de estabelecimento comercial. II – Esta realidade negocial reconduz-se antes a uma cessão de unidades habitacionais ou apartamentos para exploração como alojamento turístico, no âmbito de um estabelecimento hoteleiro, com regime legal próprio [o acabado de referir] […].

            A este propósito e em anotação ao ac. do STJ de 13/02/1996, proc. 82312, na revista o Direito, ano 128, 1996, III-IV, págs. 416-417, Galvão Telles explicava, na parte que mantém actualidade:

         “[…] A modalidade dos apartamentos turísticos, como complexo, verifica-se quando determinada entidade explora globalmente com habitualidade, certo mínimo regulamentarmente definido de apartamentos independentes, de interesse turístico, integrados num ou mais edifícios ou blocos, dando neles alojamento dia a dia, ou por períodos não excedentes a 30 dias, com o apoio de serviços de limpeza, lavagem de roupas e portaria-recepção.

         A entidade exploradora do conjunto não necessita de ser proprietária dos vários apartamentos. Pode sê-lo de todos ou só de alguns ou algum ou até de nenhum. Quando não seja dona do mínimo de apartamentos exigido, terá de encontrar, entre os titulares de apartamentos integrados no mesmo ou mesmos edifícios ou blocos, quem se disponha a proporcionar-lhe a exploração desses apartamentos, para se atingir pelo menos aquele mínimo. Só então a exploração global será possível.

         Ora, o meio negocial previsto para este fim é justamente o convénio pelo qual o titular de certo apartamento cede a sua exploração turística à entidade exploradora do todo.

         […]

         Semelhante convenção não se configura como arrendamento, porque este visa proporcionar a utilização de um espaço físico, e naquele cede-se um elemento imaterial, o próprio direito à exploração, que o interessado abdica de exercer por si e transfere a outrem.”

                                                                 *

              Posto isto,

                                     Da legitimidade ou da falta dela

              Quando o contrato de cessão de exploração foi celebrado entre a ré e o autor, já este tinha celebrado com a ré um contrato-promessa de compra e venda das duas fracções a explorar e pago 4/5 do preço, estando previsto para pouco depois a celebração do contrato prometido e o pagamento da parte do preço em falta. Por isso, é natural que ambos considerassem que o autor era proprietário do imóvel, o que era verdade do ponto de vista económico – deste ponto de vista o autor era 4 vezes mais proprietário do que a ré e ambos tinham a expectativa de que pouco depois o autor adquirisse a parte restante e se tornasse mesmo proprietário, jurídico e não só económico, das duas fracções. Compreende-se assim que a ré lhe reconhecesse legitimidade material para lhe dar a cessão da exploração das fracções, contra o pagamento de uma retribuição anual. E que, em dois processos judiciais, cada um deles em duas instâncias (por duas vezes na acção 1896/08 e por uma vez nesta acção 453/14 considerado o saneador-sentença e o ac. do TRL de 26/05/2020), os tribunais (em duas sentenças e um saneador sentença da 1.ª instância e em dois acórdãos) já tenham considerado, por 5 vezes, não haver qualquer problema com a legitimidade material do autor para ceder a exploração das fracções à ré, isto apesar de não ter havido dúvidas de que o autor era então apenas um promitente-comprador do imóvel. A ré, sendo a proprietária formal das fracções, ao aceitar celebrar com o autor o contrato de cessão, está-lhe a reconhecer legitimidade para o efeito.

              Conjugando-se na pessoa dos dois contraentes a propriedade total das duas fracções, na medida em que o autor era proprietário económico de 4/5 delas e a ré proprietária e proprietária económica de 1/5 delas, os dois têm completa legitimidade para decidir entre si sobre a exploração das duas fracções, pelo que o contrato, que tem por objecto a regulação dos interesses de ambos quanto a essa exploração, não tem quaisquer problemas a nível da legitimidade.

              Assim, não havia razão para invocar as normas do artigo 892 do CC, aplicável por força do art. 939 do CC.

              Para além disso, se se entendia que ocorria qualquer nulidade por falta de legitimidade, então tinha que se considerar que nas circunstâncias da celebração do contrato, nenhuma das partes poderia opor à outra a nulidade do mesmo, o que decorre do próprio art. 892, 2.ª parte, do CC, porque ambas sabiam que o proprietário (jurídico) das duas fracções não era o autor, tendo celebrado o contrato mesmo assim, de forma perfeitamente consciente (como diz Jorge Morais Carvalho, CC anotado coordenado por Ana Prata, Almedina, 2.ª edição, pág. 1144: o regime [do art. 892 do CC] não é aplicável se ambas as partes souberem que o vendedor não tem legitimidade).

              Mais ainda, tendo as partes celebrado, posteriormente, o contrato de compra e venda prometido, qualquer falta de legitimidade estaria sanada (artigos 895 e 897/1 do CC).

              E ainda: a legitimidade no contrato de compra e venda comercial é regulada em termos diversos da lei civil, pois que em comércio é permitida a venda de cousa que for propriedade de outrem (art. 467/2 do Código Comercial, lembrado por Jorge Morais Carvalho, na obra e local citados acima), pelo que, sendo a cessão, pelo menos quanto à ré, comercial (art. 2 e 13/2 do CCom) ao contrato seria aplicável a lei comercial (art. 99 do CCom) pelo que a falta de legitimidade nem se colocaria (para aqueles que de outro modo a pensassem colocar; quanto à questão da comercialidade e regime aplicável, viu-se Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, vol. I, 12.ª edição, Almedina, especialmente páginas 69 a 74, 97 a 103 e 106 a 108). 

                                                                 *

                                 Contrato de cessão ou contrato-promessa

              A ré diz que o contrato de cessão não era um contrato definitivo, mas apenas um contrato-promessa (para além de ser uma garantia da cessão da exploração e uma modificação do contrato-promessa).

              Quanto ao contrato ser algo mais do que um simples um contrato de cessão, é uma conclusão que se tem de aceitar (o que não quer dizer, ao contrário do defendido pela ré, que se esteja perante três contratos…), pois que ele, de facto, como o próprio autor dizia, alterava o contrato-promessa (compare-se o objecto mediato dos dois contratos, para se constatar que as fracções são outras; e veja-se o que consta do contrato de compra e venda que faz referência a tal alteração para efeitos de identificação das fracções) e por outro lado, ambas as partes consideram que ele era também uma garantia da cessão da exploração (havendo divergência apenas quanto à garantia de quê: a ré diz que era promessa-garantia de que viria a ser celebrado um contrato de cessão a partir do momento em que fosse celebrado o contrato de compra e venda; o autor entende que era garantia da continuação da cessão já contratada e em vigor).

              Mas quanto a ser ou não um contrato definitivo de cessão, e não uma simples promessa de cessão, veja-se:

              Por inúmeras razões, as partes às vezes celebram contratos que qualificam como contratos-promessa, quando claramente são contratos-definitivos. Este comportamento é usual, como se pode ver, apenas por exemplo, nos acórdãos do STJ de 27/04/2017, proc. 1054/12.2TVPRT.P1.S1 (que no início da sua fundamentação lembra que “5. As instâncias coincidiram na qualificação da relação contratual, controvertida entre as partes, como sendo um contrato definitivo de cessão de exploração de estabelecimento comercial, apesar de, no documento em que se consubstancia tal negócio, aparecer denominado como de mera promessa de cessão: na verdade, atendendo ao facto de tal relação contratual ter sido imediata e efectivamente executada por ambas as partes considerou-se que – na intenção das partes – se tratou de celebrar, desde logo, um negócio definitivo.”), do STJ de 18/01/2018, proc. 473/14.4T8LRA.C1.S1 (: II – Não obstante a denominação dada pelas partes ao referido acordo, estando em causa um contrato definitivo de arrendamento celebrado em 12-07-2009 (e não um contrato promessa) […]”) e do TRL de 19/03/2009, proc. 499/09-2 (: “Com efeito, julga-se ser de acompanhar a decisão recorrida quando conclui que estamos perante um contrato definitivo de cessão de exploração, e não perante um simples contrato-promessa de cessão com início de execução do contrato prometido. A celebração do contrato-promessa foi justificada com a urgência de ser iniciada a actividade no estabelecimento e com a falta de alvará, mas, quase três anos depois, a situação mantinha-se inalterada e, embora o réu tenha alegado que insistiu pela realização da escritura, nada foi, a esse propósito discutido. A própria autora parece encarar o contrato como uma cessão de exploração, um contrato que teve em vista, e regulou a cessão da exploração do estabelecimento, e só formalmente se lhe refere como um contrato-promessa de cessão”), tanto assim que a lei sente, por vezes, a necessidade de equiparar expressamente as situações, como se pode ver, por exemplo, no estatuído no art. 14/2, do DL 168/97, de 04/07, com a redacção introduzida pelo DL 57/2002, de 11/03 [a que se refere o ac. do STJ de 27/04/2017], “ao prescrever, em disposição legal imperativa, que a existência de alvará de licença ou de autorização para utilização carece de ser obrigatoriamente mencionado, quer nos contratos definitivos, quer nos contratos promessa que envolvam a transmissão, sob qualquer forma jurídica, do estabelecimento destinado às referidas actividades, sob pena de nulidade dos mesmos.”

              Não importa muito, pois, o nome que as partes deram ao contrato, mas sim o que resulta das cláusulas contratuais acordadas e o comportamento posterior das partes, isto é, o título não se sobrepõe ao conteúdo efectivo do contrato.

              Mas, não importando, a verdade é que, no caso, o título do contrato aponta claramente no sentido de se tratar de um contrato definitivo e não de um contrato-promessa. E isso de acordo com o que também resulta das cláusulas contratuais, que apontam inequivocamente no sentido da celebração de um contrato definitivo de cessão, no qual se regula o regime de cessão da exploração entre os outorgantes, pois que em nenhuma das suas cláusulas consta qualquer promessa seja do que for, designadamente uma qualquer obrigação de celebrar no futuro um outro contrato de cessão.

              Quanto ao subtítulo do contrato – contrato-promessa de garantia de cessão de exploração –, é muito mais lógica a explicação que o autor dá para ele, em parte corroborada pela ré: tratava-se de garantir que, após a celebração da compra e venda, o autor continuaria a ceder a exploração e a ré continuaria a fazer a exploração, o que resultaria da forma como o contrato estava a ser celebrado, já com as partes a assumirem as posições que iam ter no futuro.

                                                                 *

            A ré diz que em Março de 2004, não precisava de qualquer contrato com o autor para explorar turisticamente as referidas fracções, de que era a proprietária e que já estavam em exploração desde a abertura do empreendimento, em Abril de 2003.

        Mas, 1º – Não está provado que em Abril de 2003 o Hotel já estivesse em funcionamento – o facto 3 o que diz é que a exploração se iniciou em 2003, não diz em que momento do ano de 2003. 2.º – Não está de acordo com a lógica das coisas que o Hotel tenha entrado em funcionamento em Abril de 2003, quando só tinha licença para o efeito em Janeiro de 2004. 3.º – Não é certo que a ré não precisasse do contrato, isto num dos sentidos possíveis de tal necessidade, qual seja, o de que já ultrapassava o limite mínimo dos 70%, pois que não há qualquer facto provado que diga que ela já tinha os 70%. 4.º – Noutro dos sentidos possíveis – qual seja, o de a ré não precisar do contrato porque era proprietária das fracções – há que não esquecer que a ré só tinha, economicamente, 1/5 do valor das fracções e que o resto era do autor. Daí que ela sentisse a necessidade da garantia do contrato. Se a ré aceita a necessidade de uma garantia, não tem sentido dizer que não precisava do contrato que servia de garantia. Em suma, tem sentido dizer, como diz o autor, que a ré precisava de celebrar o contrato, pois que tinha toda a conveniência em fazê-lo, de modo a contribuir para manter o mínimo exigido por lei de 70%: a disponibilidade das fracções para o exercício da actividade que exercia, de que ela já não era proprietária económica na sua maior parte, tinha logicamente que ter um contrato em que o promitente-comprador já proprietário económico de 4/5 das fracções, lhe desse legitimidade para o efeito.

              Mas, mais do que a necessidade, o que está em causa é uma simples questão de lógica das coisas e da experiência comum da vida; não faz sentido alguém explorar uma coisa de que outra é proprietária económica em 4/5, tirando rendimentos dessa exploração de 50.000€ por ano, e dizer que faz essa exploração por conta e proveito próprios e não do proprietário daqueles 4/5 e isso apesar de haver um contrato a dizer que essa exploração é por conta deste. A repetição desta tese, pela ré, demonstra a artificialidade da construção.

                                                                 *

Da falta de prova da entrega e da disponibilidade

              Porque foi aditado um tema de prova no decurso da audiência final e a sentença não deu como provado nenhum facto relacionado com tal tema de prova, ou melhor, considerou que não ficou provada a entrega, a sentença e a ré entendem que não se provou que o autor tivesse dado à ré a disponibilidade das fracções para a exploração.

              Mas o aditamento do tema de prova e a discussão desta matéria como matéria de facto vai contra a lógica da posição assumida pelas partes e inerente ao processo e não está correcto.

              Num contrato de locação, o senhorio obriga-se a proporcionar a outrem o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição (art. 1022 do CC). Ele fica por isso, depois da celebração do contrato, obrigado a entregar ao locatário a coisa locada (art. 1031/-a do CC) e o locatário a pagar a retribuição (art. 1038/-a do CC). Num contrato de compra e venda, também por exemplo, com a celebração do contrato, o vendedor tem a obrigação de entregar a coisa e o comprador a obrigação de pagar o preço (art. 879/-b-c do CC).

              Normalmente as coisas passam-se como foi pressuposto no despacho que aditou o tema de prova: o locador invoca a celebração do contrato, diz que o locatário está a usar a coisa e que não paga a renda Logicamente está a alegar, implicitamente, que cumpriu a obrigação da entrega da coisa ao locatário. Também normalmente o vendedor virá dizer que vendeu a coisa, a entregou e o comprador não pagou o preço acordado.

              Mas, para a eficácia do contrato, isto é, para o surgimento das obrigações do locador (de entregar a coisa) e do locatário (de pagar a retribuição), o locador não tem de provar que cumpriu a obrigação de entregar a coisa. O contrato não é um contrato real quoad constitucionem. O cumprimento das obrigações não tem a ver com a constituição ou com a eficácia do contrato. O mesmo se passa com o contrato de compra e venda.

              Pelo que não é obrigatório que seja como se pressupôs na decisão do aditamento do tema de prova: A pode dizer que vendeu y a B por 100 e que B não pagou os 100. B poderá vir excepcionar a não entrega de x por A e A terá, então sim, de vir excepcionar o cumprimento da sua obrigação (e o ónus da prova do cumprimento é de A). Também C poderá vir dizer simplesmente que arrendou y a D por 500 e que este não lhe paga a renda devida. Se D vier dizer que C não lhe entregou o imóvel arrendado e que por isso não tem de pagar a renda a C, este terá, então sim, de vir alegar que cumpriu a sua obrigação, excepcionando o cumprimento (que terá de ser ele a provar). De outro modo: o objecto da acção em que A ou C pedem o cumprimento da obrigação de B ou de D, não abrange necessariamente a alegação e prova do cumprimento da obrigação de A ou de C.

              Dito de outro modo, veja-se José João Abrantes, A excepção de não cumprimento do contrato no direito civil português, Almedina, 1986, pág. 149 [o sublinhado foi colocado por este TRL]:

        “Explicitando melhor: o autor da acção tem direito à prestação, sendo esse um direito incondicionado, que não vê a sua existência condicionada à execução da obrigação assumida pelo seu titular.

         Só que na esfera jurídica do réu existe um contra-direito que lhe permite destruir ou paralisar tal direito do autor. O demandado tem um direito subjectivo ao cumprimento simultâneo, direito esse que é disponível, ou seja, que está na sua disponibilidade exercer ou não. Ele pode renunciar tacitamente à faculdade de exigir tal simultaneidade de cumprimento, não alegando a excepção.

         Se não a alegar, o juiz não pode substituir-se-lhe oficiosamente. Daí deriva, por exemplo, que o réu pode ser condenado, ainda que o autor não tenha cumprido. […].”

              Assim, nestes casos em que o locador ou o vendedor nada dizem quanto ao cumprimento da sua obrigação, se o locatário ou o comprador vierem dizer que a coisa não lhes foi entregue, estão a excepcionar o não cumprimento da obrigação do locador ou do vendedor. Estes, se tiverem cumprido a sua obrigação, terão de contra-excepcionar o cumprimento (e são eles que o terão de provar).

              Mas se o locatário ou o comprador não dizem nada quanto à entrega, a questão não se coloca, ou seja, o cumprimento da obrigação do autor/locador/vendedor não se chega a colocar.

              Assim, não é verdade que sempre que haja obrigações sinalagmáticas, o autor tenha que alegar e provar o cumprimento da sua obrigação, ao contrário do que está pressuposto no despacho de aditamento, que ainda entendeu, como resulta da fundamentação do despacho e do tema aditado, que ‘disponibilização’ é a mesma coisa que ‘entrega’.

              Ora, o caso dos autos é um caso nítido em que o autor não tinha que alegar e provar o cumprimento da sua obrigação, pois que a ré nunca discutiu que tinha a disponibilidade efectiva das fracções para fazer a sua exploração. O que ela discute é a que título está nessa disponibilidade, invocando que a detém a outro título que não o invocado pelo autor. Assim, a questão da entrega não se discute.

              Do que decorre que não tinha sentido estar a introduzir um tema de prova quanto à entrega das fracções [que, ao contrário do que diz a ré nas contra-alegações do recurso, não foi objecto da reclamação contra o despacho de fixação dos temas de prova]: não há dúvida de que a ré estava a explorar as duas fracções (como aliás foi dado como provado em 3, sem qualquer impugnação) e que as teve sempre na sua disponibilidade; o que importa é saber a que título fez a exploração, ou melhor, se o fez ao abrigo do título invocado pelo autor, ou seja, através do contrato de cessão de exploração (porque é apenas isto que importa à procedência da acção; a versão da ré, nesta parte, não tinha relevo: provando-se a do autor, a versão da ré não se podia provar; não se provando a do autor, a acção já, só por isso, improcedia, sendo irrelevante que se provasse ou não a versão da ré), através do qual o autor diz ter dado à ré, para exploração, a disponibilidade das fracções em causa.

              Assim sendo, o tema de prova aditado na audiência final não era necessário (embora nada impedisse o tribunal de fazer esse aditamento, como a ré o demonstra, com desenvolvimento, noutra parte das contra-alegações, a cujas razões se poderia aditar que já antes da reforma de 2013 do CPC se admitia, sem qualquer dificuldade, que o juiz, mesmo depois de findo o julgamento, aditasse quesitos à base instrutória e reabrisse a fase de instrução e de julgamento para os quesitos aditados, pelo que, por maioria de razão se teria de entender assim depois daquela reforma, o que não se desenvolve aqui por ser desnecessário), e, por isso, a falta de prova de factos relacionados com ele não tem nenhum relevo.

                                                                 *

              Das consequências da celebração do contrato de compra e venda

              A ré diz que teria de ser celebrado um contrato de cessão depois da celebração do contrato de compra e venda. E que o contrato de cessão era garantia disso. A ré teria a garantia (e podia demonstrá-la ao Turismo de Portugal – daí os efeitos a 01/01/2004, considerando o depósito do título constitutivo) de que quando alienasse aquelas fracções as mesmas se manteriam em exploração turística, concorrendo para o limite mínimo de 70% das unidades de alojamento (artigo 30 do Dec. Regul. 36/97, de 25/09). O autor teria a garantia de que quando as adquirisse as poderia dar à exploração, para rendimento, que a ré estava obrigada a isso (a tomar em exploração por conta do autor), não podendo por exemplo dizer quer não as queria porque já possuía o mínimo de 70% das unidades em exploração.

              Mas tal corresponde, na prática, a dizer que o contrato de cessão não teve qualquer eficácia: nem serviu de título de cessão para o período anterior a 2013, nem serviu de título de cessão para o período posterior a 2013. Nem servia, nestes termos, ao contrário do que a ré diz, de promessa ou de garantia de nada, porque as partes não se obrigaram a celebrar o contrato de cessão depois da compra e venda.

              Mas tendo em conta tudo o que já foi dito, as conclusões correctas são as contrárias: no contrato as partes reconheceram-se as qualidades futuras que assumiriam definitivamente com o contrato prometido, o autor de proprietário das fracções (que já o era, do ponto de vista económico, quase na totalidade) e a ré de simples cessionária da exploração que o autor lhe fazia naquela qualidade. Por isso, a celebração do contrato de compra e venda não era, também ao contrário do sugerido pela ré, uma condição de eficácia do contrato de cessão, mas antes de confirmação e de validação do mesmo (como aliás já foi visto acima, o que serve para demonstrar a lógica e a coerência da construção, contra a artificialidade da construção contrária da ré), assim garantindo (realmente – e daí o subtítulo do contrato) a cessão da exploração mesmo depois de o autor ter passado a ser proprietário (pleno) das fracções e garantindo-a para as duas partes: o autor não poderia dizer que, agora, como proprietário, já não queria ceder a exploração, porque, já tinha assumido querê-lo como assumido proprietário; a ré não poderia dizer que a situação era diferente, porque já tinha assumido que, materialmente, a situação era a mesma.

              Ou seja, como o contrato estava redigido como se o autor já fosse proprietário, ele já servia de demonstração de que a ré tinha a autorização do proprietário das fracções para as explorar. Não seria necessário celebrar outro.

                                                                 *

              A ré na contestação diz que depois do contrato de compra e venda entregou as fracções ao autor. Esta afirmação poderia ser vista como a alegação de uma causa de extinção do contrato, mas para tal teria que ter sido alegado, ainda, que o autor tinha aceitado essa entrega. Estaríamos perante a revogação tácita do contrato (art. 406/1 e 217/1 do CC).

              Está-se a falar do assunto, porque se se pudesse ver aqui uma alegação de uma causa de extinção do contrato, posterior ao período de 2013 – que não teria sido considerada no saneador sentença – a questão teria de ser agora considerada (podendo levar a que se determinasse a revogação parcial da sentença recorrida para que se apurassem os factos necessários à resolução da mesma: art. 662/2-c do CPC).

              Mas o que a ré fez foi alegar que por carta expedida por si em 02/10/2013, e recebia pelo autor, a ré declarou ao autor que “não estando tais unidades de alojamento em exploração turística, encontram-se na livre e total disponibilidade de utilização de V. Exª (v. doc.1 da contestação, aceite pelo autor).” E que o autor, por carta datada de 15/10/2013, respondeu à ré transcrevendo, da carta antecedente da ré, [a parte] “não estando tais unidades de alojamento em exploração turística…” e colocou-se à disposição para falar pessoalmente sobre este assunto.

              Ora, daqui não decorria a alegação de que tivesse havido qualquer entrega pela ré e muito menos aceitação dessa entrega pelo autor, ou seja, algo que pudesse ser visto como a apontar, claramente, para a revogação do contrato de cessão. A transcrição parcial da carta da ré, na carta do autor, servia manifestamente fins de identificação da carta e do assunto a que se estava a referir. E se a ré, apesar de ter a disponibilidade das fracções, não fez a exploração delas a partir de 2013, o problema é dela.

                                                                 *

              Na contestação a ré diz que o contrato não era renovável, pelo que só teria durado um ano. É mais um argumento da ré que demonstra a artificialidade da construção da ré: tendo em consideração as cláusulas 3 e 4 é evidente que o contrato era renovável e vigoraria enquanto não fosse denunciado não obstante os seus termos nalgumas frases, em contradição com outros noutras frases, mais especificamente em C [: 3.ª A) O presente contrato tem início em 01/01/2004. B) A renda anual a título de retribuição pela cedência da exploração é de 9000€. C) A renda será liquidada em Janeiro do ano seguinte a que respeitam os rendimentos. 4.ª Este contrato tem a duração de 1 ano e poderá ser denunciado por qualquer das partes com a antecedência mínima de 90 dias do seu termo, por meio de carta registada.]

              Daí que a ré até excepcione a prescrição das retribuições devidas por serem prestações periodicamente renováveis (art. 40 da PI).

              E daí – da renovação – que a ré tenha direito (reconhecido pela sentença 1896/08) a créditos pelo período de 2004 a 2008.

                                                                 *

              Posto isto,

              O contrato dizia respeito à cedência da exploração das duas fracções. Está em vigor desde 01/01/2004. A retribuição devida era de 9000€ anuais por cada fracção. Pelo que o autor teria o direito às retribuições vencidas desde então.

              No decurso do processo e face ao decidido no saneador-sentença o autor veio reduzir o pedido e ao mesmo tempo ampliá-lo, restando, em consequência, um pedido de rendas, de 2009 a 2017.

              A ré excepciona a prescrição das rendas e dos juros, como prestações periodicamente renováveis: art. 310/-g do CC. Ou seja, das retribuições vencidas até 01/01/2009 e dos respectivos juros de mora.

              Já foi decidido, no saneador sentença, a prescrição das retribuições até à de 2008 e dos respectivos juros.

              A questão não se coloca em relação a nenhuma das outras.

                                                                 *

              Quanto aos juros:

              Eles são devidos desde a data da entrada em mora (art. 804, 805/2-a e 806/1 do CC), ou seja, desde a data em que a renda devia ser paga, em 01 de Janeiro de cada ano (tendo em conta o facto 4/3A). Os juros devidos são os juros legais (art. 806/2 do CC). Já acima se viu que ao contrato é aplicável a lei comercial e isso, pelo menos, pela comercialidade subjectiva do acto por via de a ré ser uma sociedade comercial, pelo que a taxa de juros é a comercial (art. 102 do CCom). No entanto, o autor só pediu juros civis e o tribunal está limitado pelo pedido (art. 609/1 do CPC). Os juros civis são de 4% ao ano (art. 559/1 do CC e Portaria 291/03, de 08/04).

                                                                 *

              Quanto ao abuso de direito:

              Em termos substanciais – e por agora simplificados – constata-se o seguinte:

              A ré recebeu pela venda das duas fracções ao autor, antes de 2004, 383.000€. As fracções valiam, no total, 478.750€. Ou seja, a ré recebeu 4/5 do preço das fracções.

              Apesar disto, diz ter explorado por conta própria, de 2004 a 2013, as duas fracções.

              Pela utilização, pelo autor de uma das fracções, por períodos, durante 2004 a 2008, a ré tem um crédito reconhecido, crédito que ela dizia ter o valor de 206.000€, sendo que, em relação a dois desses anos, a ré dizia que esse crédito era superior a 50.000€/ano.

              Supondo, por isso, um rendimento anual, por cada fracção, de 50.000€, não se pode dizer que haja algo de escandaloso, de injusto ou sequer de simples desequilíbrio, no facto de o autor, proprietário económico de 4/5 das fracções, querer que a ré lhe pague, por ano, o valor de 9000€ (18% dos 50.000€) que diz ter sido acordado como o valor anual da renda por fracção. E muito menos depois de o autor, com a celebração do contrato prometido, ter passado a ser o proprietário (agora já de Direito).

*

            De qualquer modo, o argumento da ré, quanto ao abuso do direito era este: como o autor considerou o contrato-promessa resolvido e considerava o contrato de cessão dependente do contrato-promessa, a sua pretensão actual, baseada no contrato de cessão, é um abuso de direito (art. 334 do CC).

              Ora, esta acção foi proposta depois do acórdão do STJ que considerou que nenhuma das partes tenha incumprido definitivamente o contrato-promessa e depois da sentença proferida na acção 1896/08 que o condenou a pagar uma quantia à ré porque o contrato de cessão e de promessa estavam em vigor e baseada naquele; assim sendo, não há na pretensão do autor qualquer abuso de direito.

                                                                 *

                Ainda: a ré diz que o autor, durante os anos de 2004 a 2013, não cumpriu com a sua obrigação para com a ré: a celebração do contrato definitivo de compra e venda. Os contratos-promessa e o de cessão estavam dependentes e coligados entre si. Pelo que o autor não pode exigir da ré que cumpra as obrigações de pagamento de renda que resultariam do contrato dependente ou coligado de cessão (art. 428 do CC).    

                As prestações sinalagmáticas do contrato de cessão são as de o autor entregar as fracções para a ré fazer a exploração deles e de a ré pagar a retribuição. Ou seja, a sinalagmaticidade entre a obrigação de pagar a retribuição é com aquela obrigação e não com a obrigação de celebrar o contrato prometido.

            De outra perspectiva, tendo-se já chegado à conclusão de que a ré teve as fracções em seu poder, podendo-as utilizar para a exploração cedida, não pode ser invocada a excepção do não cumprimento para evitar a procedência da exigência da retribuição.

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            Por fim, dizia a ré na contestação que, pelo menos ela, quando celebrou o contrato de cessão, estava segura de que o autor não recusaria a celebração do contrato de compra e venda. Se a ré imaginasse que o autor não iria celebrar nessa altura o contrato, nunca teria com ele celebrado o contrato de cessão. A ré encontrava-se, portanto, em erro sobre os motivos determinantes da sua vontade negocial, o que se invoca nos termos do disposto no artigo 252 do CC, já que as circunstâncias vigentes à data em que esse contrato foi celebrado se alteraram profunda e imprevisivelmente, pelo que tem direito à resolução do contrato de cessão ou, pelo menos, à sua modificação, passando a vigorar apenas quando for judicialmente afirmado que deverá vigorar entre as partes, por juízos de equidade, só sendo o autor credor da ré relativamente a prestações que se vençam após esse momento (art. 437/1 do CC), já que de outro modo se verificará uma excessiva onerosidade na posição da ré.

              Isto era matéria da reconvenção e ela já foi decidida no saneador-sentença pelo que não resta nada para apreciar.

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              Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se a sentença recorrida, que se substitui por esta que condena a ré a pagar ao autor as rendas das duas fracções, no valor de 9000€ anuais, de 2009 a 2017 (inclusive), no total de 162.000€ [= 9000€ x 2 x 9], acrescido de juros legais civis (por ora de 4%) sobre aquelas rendas, desde a data de vencimento de cada renda, no dia 1 de Janeiro do ano seguinte a que respeitar, sendo a primeira em 01/01/2010.

              Custas da acção, na vertente de custas de parte, pelo autor e pela ré, na proporção do decaimento (para a qual se terá de ter em conta que o valor do pedido do autor era de 294.643,94€ = 176.983,16€, acrescidos de 38.480,78€ de juros; + a ampliação do pedido relativamente às rendas de 2014 a 2017, isto é, mais 9000€ x 4 x 2 = 72.000€, mais 7180€ de juros vencidos destas rendas de 2014 a 2017).

              Custas do recurso, na vertente de custas de parte, pela ré (que decaiu totalmente no recurso, já que o recurso dizia respeito unicamente às rendas de 2009 a 2017 e respectivos juros de mora).

              Lisboa, 18/06/2020

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto