Proc. 225/13.9TVLSB-B do Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 13

              Sumário:

       I – A apreciação da nota discriminativa das custas de parte, referida no art. 25 do RCP, não é de conhecimento oficioso, nem quanto à sua tempestividade, nem quanto à conformidade da sua elaboração com as normas legais aplicáveis.

       II – No momento em que o tribunal tiver que apreciar a admissibilidade da reclamação da parte contra a nota discriminativa das custas de parte, poderá ter que usar do princípio da boa fé e do instituto do abuso de direito para controlar sumariamente o valor de tal nota, tendo em consideração que, por erro ou por má fé, esse valor pode não corresponder, por ser muito superior, ao valor que seria devido de acordo com as normas legais, assim dificultando ou impossibilitando o exercício do direito da contraparte de reclamar de tal nota (pois que, para o fazer, terá que, regra geral, depositar a totalidade do valor dela – art. 26-A/2 do RCP).

   III – Nesse caso, o tribunal deverá/poderá limitar o valor que a contraparte terá de depositar, tendo em consideração o valor que sumariamente tiver achado como o valor que provavelmente seria obtido de acordo com as normas legais.

   IV – Tendo em consideração esta possibilidade de controlo judicial mínimo, a norma do art. 26-A/2 do RCP não é materialmente inconstitucional.

 

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

 

   A 03/12/2018, a acção a que este recurso respeita, foi julgada improcedente, condenando-se o autor nas custas.

        A 10/12/2018, a ré veio requerer, entre o mais, a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente.

       Tendo tal requerimento sido indeferido, a ré procedeu ao pagamento da taxa de justiça remanescente a 13/01/2019 (como se vê no requerimento de 25/02/2019 e da cota de 12/03/2019).

      A 11/06/2019 foi proferido acórdão do TRL confirmando a sentença de 1.ª instância que tinha absolvido os réus dos pedidos formulados pelo autor.

   O autor reclamou desse acórdão, arguindo nulidades, que foram indeferidas por acórdão do TRL de 29/10/2019. Este acórdão foi notificado através de cartas elaboradas a 30/10/2019.

     A 30/11/2019, a ré fez um requerimento a dar conhecimento da nota discriminativa das custas de parte (1 – Taxa de justiça Contestação e Alegações: 7267,50€. 2 – 50% do somatório das taxas de justiça pagas pelas partes: 3633,75€. Total 10.901,25€) enviada ao mandatário do autor por carta registada com data de 29/11/2020.

        A 13/12/2019, o autor vem reclamar contra tal nota, dizendo:

      As partes foram notificadas a 30/10/2019 do acórdão do TRL. A nota de custas de parte foi enviada ao autor por carta de 29/11/2019. Encontrava-se, portanto, há muito expirado o prazo de 10 dias após o trânsito previsto pelo CPC. Não havendo já lugar a qualquer pedido de custas de parte que possa ser validamente apreciado. Deste modo, deverá ser ordenado o desentranhamento do requerimento apresentado pela ré, por extemporâneo. Sem conceder, também se dirá que o valor está mal calculado. Com efeito, os pagamentos efectuados não seguem a doutrina constante do acórdão do Tribunal Constitucional relativo ao remanescente da taxa de justiça, o que se deixa alegado.

          A 18/12/2019, a ré respondeu que:

        Efectivamente a notificação do acórdão do TRL tem a data de envio de 30/10/2019. Com a dilação de 3 dias, a recepção da notificação vai dar a sábado dia 02/11/2019, pelo que o 1.º dia dos 10 dias do prazo de recurso é 05/11/2019. A contagem do prazo de recurso termina a 14/11/2019, a que acrescem os 3 dias de multa, que são o dia 15, 18 e 19/11/2019. Termos em que o 1.º dia para requerer o pagamento das custas de parte é o dia 20/11/2019; sendo o prazo de 10 dias o mesmo terminava a 29/11/2019, data em que foi enviada a nota de custas de parte. O autor foi assim notificado dentro do prazo, sendo que a ré teria ainda 3 dias com multa para poder efectuar o pedido. No que respeita ao remanescente da taxa de justiça, ela foi paga pela ré, conforme notificação recebida do tribunal, em data anterior ao acórdão do Tribunal Constitucional, pelo que deverá o referido montante ser integralmente pago pelo autor. Termos em que o pedido é tempestivo, pelo que não existe razão alguma para o mesmo ser desentranhado, devendo antes o autor proceder ao seu pagamento.

              A 20/12/2019,foi proferido o seguinte despacho:

    Considerando que não foi dado cumprimento ao disposto no art.26-A/2 do RCP (artigo aditado pela Lei 27/2019, de 28/03) não se admite a reclamação.

              A 21/01/2020, o autor vem interpor recurso deste despacho, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

      1. O depósito da totalidade da nota de custas de parte [art. 26-A/2 do RCP] apenas se impõe quando, cumulativamente, a nota discriminativa de custas de parte é tempestiva e a contraparte apresenta reclamação que versa concretamente sobre os valores peticionados [neste sentido, para normas antigas de teor idêntico, entre outros, o ac. do TRC de 06/10/2015, 1466/14-7T8CBR-E.C1, e o ac. do TRG de 09/02/2017, proc. 473/10.3TBVRL-B.G1] pelo que, no caso, concreto o tribunal deveria ter apreciado a tempestividade da nota apresentada pela ré.
      2. Pelo que o despacho ora em crise deverá ser substituído por outro que aprecie a reclamação apresentada pelo autor, pelo menos na questão da tempestividade da nota discriminativa de custas de parte apresentada pela ré.
      3. A norma do art. 26-A/2 do RCP será inconstitucional por não existirem nem funcionarem mecanismos de controlo jurisdicional sobre lapsos inadvertidos mas grosseiros ou manipulações malévolas da nota discriminativa e justificativa das custas de parte apresentada pela parte.
      4. Pelo que não deverá ser aplicada, devendo tribunal apreciar a reclamação apresentada pelo autor sem exigir o depósito do valor da nota.

              A ré não apresentou contra-alegações.

                                                                 *

              Questões a decidir: se a norma que se extrai do art. 26-A/2 do RCP não é aplicável ao caso; para a hipótese de se considerar que não é aplicável, fica então por decidir se a reclamação do autor devia ter sido admitida e se devia ser julgada procedente; ou, para o caso se de considerar que é aplicável, importa decidir se a mesma é inconstitucional e não deve ser aplicada.

                                                                 *

              Os factos que interessam à decisão destas questões são os que constam do relatório deste acórdão.

                                                                  I

                                 Do depósito da totalidade do valor da nota

              O art. 26-A do RCP, aditado pelo artigo 6 da Lei 27/2019, de 28/03, e em vigor a partir de 27/04/2019, portanto antes dos factos em causa nestes autos e por isso já com aplicação ao caso (o que, correctamente, o autor não discute e por isso aqui também não se vai discutir – para ampla fundamentação da aplicação no tempo do novo regime, veja-se o ac. do TRP de 09/01/2020 citado abaixo), tem o seguinte teor na parte que interessa:

         1 – A reclamação da nota justificativa é apresentada no prazo de 10 dias, após notificação à contraparte, devendo ser decidida pelo juiz em igual prazo e notificada às partes.

         2 – A reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota.

         […]

         4 – Para efeitos de reclamação da nota justificativa são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, as disposições relativas à reclamação da conta constantes do artigo 31.º

              O que o tribunal recorrido tinha que decidir era a questão de saber se devia apreciar a reclamação do autor contra a nota discriminativa de custas de parte que lhe tinha sido enviada pela ré.

              O art. 26-A/2 do RCP impunha-lhe que só o fizesse se o autor tivesse cumprido a condição prevista nele.

              A norma que dele se extrai não contém mais nenhum pressuposto, entre eles o relativo à tempestividade do envio da nota, nem poderia/deveria conter porque o artigo não se refere à nota mas à reclamação.

              Das questões relacionadas com a nota trata o art. 25 do RCP e seria incongruente que fosse num outro artigo, o 26-A do RCP, que se estivesse a impor a verificação oficiosa do pressuposto negativo da tempestividade do envio da nota.

              Para que o juiz possa apreciar a reclamação contra a nota, o art. 26-A/2 do RCP impõe uma dada condição e o juiz só a pode dispensar se tiver razões para considerar inconstitucional essa imposição, o que é questão de que se tratará à frente.

              Seja como for, a tese dos acórdãos invocados pelo autor é a de que a reclamação que não abranja a discussão dos valores que constam da nota, não é uma reclamação prevista no art. 26-A/2 do RCP e por isso não se impõe, quanto a ela, a condição aí prevista. Por isso é que ambos os acórdãos dizem que tendo a parte invocado tão-somente a intempestividade da apresentação da nota discriminativa, não estavam obrigados a depositar o valor total da nota.

            Ora, mesmo que se seguisse esta tese, o caso não cai dentro dela, porque a reclamação do autor não trata só da tempestividade do envio da nota, pois que inclui também a discussão dos valores contidos na nota.

       Em suma, a apreciação da reclamação do autor dependia do preenchimento da condição prevista no art. 26-A/2 do RCP e tal só pode ser afastado se se concluir pela inconstitucionalidade da norma que impõe essa condição.

                                                                 II

                                     Do (não) conhecimento oficioso

             O autor, no entanto, implicitamente, levanta outra questão, qual seja a do conhecimento oficioso da observância do prazo previsto no art. 25 do RCP para o envio da nota discriminativa (e, por extensão, da sua elaboração em harmonia com as normas legais).

              Pressupõe que assim é (isto é, que é de conhecimento oficioso), e por isso crítica o facto de o tribunal recorrido não ter verificado oficiosamente a tempestividade do envio da nota, mas não o tenta demonstrar.

            Ora, para que o juiz tivesse que apreciar oficiosamente essa questão, ter-se-ia de considerar que não estava na disponibilidade do autor, querendo, pagar a nota. Mas essa indisponibilidade não resulta de nenhuma norma. De resto, nem os acórdãos invocados pelo autor seguem tal posição e só tratam da tempestividade do envio da nota porque aproveitam a reclamação do autor. Daí que não exista qualquer jurisprudência que sugira que o juiz, quando uma nota discriminativa é junta ao processo, deva ir ver se ela é tempestiva ou se está elaborada de harmonia com as normas legais.

              O que existe é jurisprudência contrária; por exemplo, o ac. do TRP de 09/01/2020, proc. 9323/14.0T8PRT-A.P1:

I – Tendo a nota discriminativa e justificativa de custas de parte sido apresentada na vigência da redacção conferida ao RCP pela Lei 27/19, de 28/03, aplica-se ao respectivo incidente a que dá origem o disposto no artigo 26-A, do RCP (introduzido por aquela Lei).

II – Não depositando a reclamante o valor referido nesse artigo 26-A, do RCP, não tem o tribunal de convidar a reclamante a efectuar esse pagamento nem tem de apreciar oficiosamente a nota discriminativa e justificativa de custas de parte.

e o ac. do TRL de 15/09/2020, proc. 249/19.2T8FNC.L1-7:

I. O incidente de reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte só se inicia com a apresentação da reclamação à nota de custas, que impõe a apreciação pelo juiz.

II. Não havendo reclamação, ao tribunal não compete pronunciar-se sobre a nota discriminativa e justificativa de custas de parte, seja quanto ao seu conteúdo, seja quanto à sua tempestividade.

III. O nº 2 do art. 26.º-A do RCP, que condiciona a apreciação da reclamação à nota discriminativa e justificativa de custas de parte ao depósito da totalidade do valor da nota, não é materialmente inconstitucional.

                                                                 III

                                             Da constitucionalidade

              O autor desenvolve assim as suas alegações de recurso nesta parte:

k) Sem conceder, o autor defende também que a norma do art. 26-A/2 do RCP é inconstitucional por violação do art. 20 da Constituição da República Portuguesa.

l) A norma agora em causa será inconstitucional porquanto confere à parte que elabora a nota de custas de parte a faculdade de definir, sem qualquer controlo judicial, o montante que a parte contrária tem de depositar para que a sua reclamação seja apreciada.

m) Não poderá permitir-se a uma das partes, sem qualquer controlo prévio, a definição do montante que a parte contrária terá de pagar para exercer o seu direito.

n) A admitir -se este entendimento, estava encontrada a forma de privar a parte contrária de reclamar da nota de custas de parte ou de tornar o exercício desse direito excessivamente oneroso, já que bastaria atribuir a tal nota um valor excessivamente alto.

o) É precisamente o que sucede no caso vertente, já que para exercer o direito a reclamar da nota de custas de parte, o autor teria de depositar um montante equivalente a mais de cem unidades de conta.

p) Conforme refere Salvador da Costa, «O depósito da totalidade do montante constante da nota justificativa das custas de parte como condição da admissão da respectiva reclamação é susceptível de constituir entrave à realização da justiça do caso concreto» — cf. Salvador da Costa, RCP, anotado e comentado, Almedina, 2012, 4.ª ed., pág. 582. O artigo 20 da CRP, sob a epígrafe «Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva», consagra um direito fundamental, representando uma norma – princípio estruturante do Estado de Direito democrático — cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, Coimbra Editora, 2007, 4.ª ed., vol. I, pág. 409.

q) Havendo jurisprudência do Tribunal Constitucional a entender que, em casos semelhantes, não se poderá falar em falta de controlo prévio porque há mecanismos – sobretudo o controlo oficioso da nota – a verdade é que este caso é um exemplo que essa faculdade – o conhecimento oficioso – nem sequer funciona para o elemento mais básico da nota – a sua tempestividade – quanto mais para outros aspetos mais complexos.

r) Outro argumento que tem sido invocado – o da obrigatoriedade da secretaria elaborar e enviar conta às partes – também não tem já cabimento, tal como o caso concreto o demonstra.

s) Ou seja, os dois principais argumentos que têm sido utilizados para defender que este regime não permite uma utilização abusiva do mecanismo de depósito para inibir a parte de poder defender o seu direito, são colocados em crise neste caso concreto: são meramente teóricos e de facto não existem.

t) Falhando assim um dos critérios impostos pela jurisprudência do próprio TC: “importa garantir que a solução legal quanto à elaboração da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, prosseguindo um fim legítimo, permite à instância judicial controlar minimamente o equilíbrio entre o montante peticionado a título de custas de parte e as circunstâncias concretas, relativas à lide e à complexidade da respetiva tramitação, e à própria parte, prevenindo hipóteses de, por lapsos inadvertidos mas grosseiros ou manipulações malévolas, impor custos indevidos e imprevisíveis à parte vencida.” (cfr ac. do TC de 15/10/2014).

u) Pelo que norma do art. 26-A/2 será inconstitucional por não existirem nem funcionarem mecanismos de controlo jurisdicional sobre a nota discriminativa e justificativa das custas de parte apresentada pela parte.

              Decidindo:

    Sobre esta questão, do ponto de vista substancial/material, pronunciaram-se recentemente três acórdãos do Tribunal Constitucional – 370/2020, 461/2020, 462/2020 da 1.ª secção – aderindo a um anterior, o 678/2014, da 2.ª secção – não julgando inconstitucional a norma constante do n.º 2 do artigo 26.º-A do RCP, aditada pela Lei 27/2019, de 28/03, nos termos da qual a reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota.

              No mesmo sentido da não inconstitucionalidade, para além dos já citados acórdãos do TRP de 09/01/2020, proc. 9323/14.0T8PRT-A.P1 e do TRL de 15/09/2020, proc. 249/19.2T8FNC.L1-7, veja-se ainda o ac. do TRE de 27/02/2020, proc. 502/14.1T8PTG-A.E1

              Mas os acórdãos de 2020 do TC aderem ao primeiro sem terem em conta que um dos argumentos materiais do ac. 678/2014 não pode ser utilizado e que o segundo não é exacto.

              O primeiro é o relacionado com o art. 30/2 da Portaria 419-A/2009 – que impunha que com a notificação da decisão que ponha termo ao processo, deve a secretaria remeter às partes uma nota descritiva com os seguintes elementos: a) Indicação das quantias efectivamente pagas a título de taxa de justiça; b) Indicação das quantias efectivamente pagas a título de encargos -, e não pode ser utilizado pois que esta obrigação deixou de existir com a revogação do art. 30/2 pela Portaria 82/2012, de 29/03.

              O segundo é o relacionado com a aplicação subsidiária à reclamação da nota justificativa das disposições relativas à reclamação da conta constantes do artigo 31 do RCP, de acordo com a previsão do artigo 33/4 da Portaria 419-A/2009, agora art. 26-A/4 do RCP. Ora este preceito, transcrito acima – repete-se: “Para efeitos de reclamação da nota justificativa são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, as disposições relativas à reclamação da conta constantes do artigo 31.º” – diz respeito à reclamação da conta, não aos poderes oficiosos do tribunal para, antes da reclamação, mandar reformar a conta se esta não estiver de harmonia com as disposições legais. Ou seja, como já se defendeu/demonstrou acima, o tribunal não controla oficiosamente a observância do prazo do envio da nota discriminativa nem a observância, na sua elaboração, das disposições legais.

              Neste sentido, veja-se Salvador Costa, Alteração do regime das custas pela Lei 27/2019, de 28/08, pág. 7, estudo publicado no blog do IPPC a 15/04/2019:

         “[…]

         Há quem interprete este normativo no sentido da aplicação à reclamação da nota das custas de parte, subsidiariamente, o disposto no n.º 4 do referido artigo 31.º, que se refere à reclamação da conta.

         Todavia, tendo em conta a estrutura da reclamação da conta e a da nota de custas de parte, inexiste fundamento para a aplicação subsidiária de alguma das normas do mencionado artigo 31.º, salvo a da primeira parte da alínea a) do n.º 3.

         Assim, não tem apoio legal, o entendimento, com base no normativo ora em análise, no sentido de que a nota de custas de parte é suscetível de correção ou de reforma oficiosa, além do mais, porque aquele normativo remissivo não se reporta ao da reforma oficiosa da conta que consta do n.º 2 do artigo 31.º deste diploma.”

                                                                 *

              Apesar disto – isto é, apesar de o autor ter parcialmente razão na consideração de que, os controlos invocados pelo TC não existem realmente -, considera-se que o juízo de constitucionalidade daqueles quatro acórdãos do TC e dos 3 dos tribunais da relação é o correcto.

             O controlo judicial prévio não se faz nos termos descritos no ac. do TC de 2014, mas não é por isso que se deixa de fazer.

          É que também o exercício dos direitos processuais está sujeito ao controlo do princípio da boa fé e do instituto do abuso de direito (arts. 334 e 762 do CC e 8, 542 e 543 do CPC e Menezes Cordeiro, Litigância de má fé, abuso do direito de acção e culpa in agendo, Almedina, 2006, por exemplo, págs. 83 a 88, e Pedro de Albuquerque, Responsabilidade processual por litigância de má fé, abuso de direito e responsabilidade civil em virtude de actos praticados no processo, Almedina, 2006, págs. 67 a 82), e, por isso, se uma nota discriminativa de custas de parte se revelar manifestamente desconforme com as normas legais, traduzindo-se, por erro ou má fé, na criação de dificuldades ou impossibilidades ao exercício do direito de reclamação pela outra parte, por desadequação evidente do valor obtido com o valor devido por aplicação das regras legais, naturalmente que o tribunal deverá fazer o necessário para evitar aquele resultado, quer oficiosamente, quer por sugestão da parte, designadamente não impondo o depósito de todo o valor indicado na nota, mas apenas do que seja correspondente ao valor devido. Ou seja, o argumento de que a parte que elabora a nota discriminativa pode, por erro ou de má fé, agravar substancialmente o valor devido, com isso impedindo ou dificultando que a parte contrária possa reclamar da nota, por ter, face ao art. 26-A/2 do CPC, de depositar um valor fora das suas possibilidades, não é razão para considerar a norma que se extrai de tal art. 26-A/2 inconstitucional, porque o controlo pela instituto do abuso de direito e do princípio da boa fé, também está presente no exercício de direitos processuais.  

              Assim, apesar de o controlo não se fazer nos termos indicados pelo acórdão de 2014 do TC, não é por isso que ele não existe.

              Sendo assim e com esta adaptação (ou seja, tendo em conta que o controlo existe à mesma, embora não seja exercido nos termos referidos pelo TC), a fundamentação do acórdão do TC de 2014 continua a convencer de que a norma do agora art. 26-A/2 do RCP não é inconstitucional, tendo em conta o demais que aí é dito, ou seja:

10. […]

[…] a legitimidade do fim visado pela norma […], enquanto instrumento destinado a, por um lado, «garantir que o custeamento do processo corra efetivamente por conta de quem lhe deu causa e não por conta do Estado e da Comunidade», e, por outro, […] «não só (…) garantir o pagamento das custas, mas ainda (…) moderar e razoabilizar, quanto a elas, o regime processual de reclamações e recursos, de forma a evitar o seu uso dilatório».

[…] a norma contida no artigo 20º da Constituição (mormente, a resultante do disposto no seu º 1) não contém nenhum imperativo de gratuitidade da justiça. Sendo o direito, que aí se consagra, de acesso ao tribunal, um direito pluridimensional […], ampla será, também, a liberdade de conformação do legislador ordinário quanto à disciplina das custas que o exercício de tal direito, inevitavelmente, acarretará.

Certo é, no entanto, que essa liberdade terá limites, sempre que se demonstrar que os custos da utilização da máquina judiciária, fixados pelo legislador como correlativo da criação e afetação, por parte do Estado, de importantes meios ao fim de “realização da justiça”, são, pela sua dimensão, de tal modo excessivos ou onerosos que acabam por inibir o acesso que o cidadão comum deve ter ao juiz e ao tribunal. Quanto a este ponto, tem também sempre dito o Tribunal que o teste da proporcionalidade se deve fazer tendo em conta a exigência de um “equilíbrio interno ao sistema” que todo o regime de custas, pela sua razão de ser, terá que perfazer. (Assim, vejam-se, entre outros, os Acórdãos nºs 552/91, 467/91 e 1182/96 […]

E foi a propósito da alegada rutura do equilíbrio interno ao sistema, pelo excesso, coenvolvida na exigência, para reclamar da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, do prévio depósito do montante indicado nessa mesma nota, que o Tribunal considerou que tal só ocorreria, caso o processo da respetiva elaboração não fosse controlado.

[…]

11. No caso sub iudicio, é igualmente aplicável esta doutrina sobre os limites do equilíbrio interno do regime de custas. Com efeito […], importa garantir que a solução legal quanto à elaboração da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, prosseguindo um fim legítimo, permite à instância judicial controlar minimamente o equilíbrio entre o montante peticionado a título de custas de parte e as circunstâncias concretas, relativas à lide e à complexidade da respetiva tramitação, e à própria parte, prevenindo hipóteses de, por lapsos inadvertidos mas grosseiros ou manipulações malévolas, impor custos indevidos e imprevisíveis à parte vencida. 

[…]

Em primeiro lugar, cumpre ter presente que das três rubricas que devem constar da nota discriminativa e justificativa das custas de parte segundo o artigo 25.º, n.º 2, do RCP – taxa de justiça, encargos e honorários e despesas de mandatário ou agente de execução –, o valor de duas delas é, desde logo, indicado pela secretaria do tribunal [actualmente não é assim, mas o valor consta do processo e é facilmente apurável e controlável – parenteses deste ac. do TRL] e o valor da terceira encontra-se perfeitamente balizado [… no que se refere aos honorários e despesas de mandatário ou agente de execução, rege, por remissão contida no artigo 32.º, n.º 1, da mesma Portaria, o limite fixado no artigo 26.º, n.º 3, alínea c), do RCP: «50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora».]

Ou seja, a margem para lapsos ou manipulações quantitativas não verificáveis antes de qualquer reclamação é objetivamente muito limitada. Ademais, o custo máximo imputável a custas de parte é, em larga medida, antecipável a partir do cálculo da taxa de justiça aplicável e do tipo de processo, permitindo, desse modo, e se existir uma situação de risco real de comprometimento de acesso à justiça, mobilizar atempadamente o apoio judiciário, em especial, na modalidade de dispensa, total ou parcial, de taxa de justiça e demais encargos com o processo (cfr. o artigo 16.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho). 

[…]

Os dois aspetos considerados – a predeterminação normativa do valor máximo admissível das custas de parte num dado processo e a necessidade de dar conhecimento simultâneo ao tribunal e à parte vencida da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, […] – constituem um controlo mínimo suficiente para assegurar que a sujeição da reclamação daquela nota ao depósito prévio do respetivo valor não rompe o equilíbrio interno do regime de custas, neste domínio específico das custas de parte. Consequentemente, atentos os valores coenvolvidos em tal regime, mormente o da moderação e racionalização das reclamações, a sujeição em causa [depósito do valor indicado na nota – TRL], não pode ser considerada excessiva, pelo que a mesma sujeição não viola o princípio da proporcionalidade.»

                                                                 *

              Em suma, entende-se que o art. 26-A/2 do RCP não impede que o tribunal possa apreciar, mas apenas sumariamente, se os valores indicados na nota discriminativa têm um mínimo de correspondência com os valores pagos no processo pela parte que elaborou a nota, isto para efeitos de admitir, num caso de evidente desconformidade, a reclamação contra a nota, mesmo sem o depósito, pelo reclamante, da totalidade do valor indicado na nota, pois que, de outro modo, se poderia vir a criar a situação de, por lapso ou má-fé, se impor ao reclamante um custo desmesurado, indevido e imprevisível para o exercício do seu direito a reclamar da nota.

              O controlo aprofundado dos valores da nota e o controlo da sua tempestividade, esse já terá que ser feito apenas com base no que conste da reclamação da parte, sob pena de o regime legal para a reclamação da nota (que não incluiu a sua apreciação oficiosa, como já referido) não fazer qualquer sentido, como, extensamente, é demonstrado pelo ac. do TRP de 09/01/2020, proc. 9323/14.0T8PRT-A.P1, já citado acima (em síntese: se o tribunal tivesse que conhecer oficiosamente da tempestividade e da conformidade dos valores, para que é a lei teria previsto o incidente da reclamação da nota e a necessidade do depósito do valor da mesma?).

                                                                IV

                                 Do controlo sumário dos valores da nota

     Em consequência, entende-se que se deve apreciar, mas só sumariamente (o controlo mínimo de que fala o TC, sob pena de inconstitucionalidade), a conformidade da nota com as disposições legais aplicáveis.

             Ora, basta percorrer o processo electrónico no citius, para se ver que a ré pagou todas as quantias que diz ter pago (com uma diferença aparente de 0,40€ que este acórdão, para continuar na análise sumária da questão, não esteve a conferir de novo).

       Note-se, que não se trata de este tribunal se estar a substituir ao tribunal recorrido neste controlo sumário. Sendo ele um controlo sumário, qualquer tribunal recorrido o poderá fazer implicitamente, em questão de segundos, confrontando o valor da nota com o valor da acção e passando à frente se não vir nenhuma desarmonia manifesta com o valor devido, sem deixar rasto desse controlo no processo. Portanto, não é certo que o tribunal recorrido não o tenha feito.

                                                                 *

          Quanto ao valor da taxa de justiça remanescente, questão que aparece na reclamação da nota, o autor estará a referir-se a um acórdão do TC (que não identifica) que se pronunciou sobre a questão mas sem aplicação ao caso concreto, visto que no caso dos autos a taxa de justiça não foi dispensada nem reduzida, apesar da ré até ter feito um requerimento nesse sentido, vindo, na sequência do indeferimento do por ela requerido, a pagá-la na totalidade.

            Assim sendo, o facto de se exigir o depósito da totalidade da nota não representaria, para o reclamante, qualquer sacrifício desproporcionado, pois que tal valor, corresponde, em princípio àquilo que ele terá de pagar à ré por ter ficado totalmente vencido na acção e no recurso e a questão de eventual dificuldade económica está precludida, por, ou não ter pedido apoio judiciário ou por não lho ter sido deferido.

              Pelo que, em suma, não há que apreciar a reclamação contra a nota, visto que o autor não depositou a totalidade do valor em causa, sem que houvesse razão para a dispensa desse depósito no caso dos autos (sendo que, à cautela, sempre teria que ter feito um depósito com o valor que entendesse ser devido de harmonia com as normas legais, tendo em consideração aquilo que constava no processo como tendo sido pago pela ré, o que levaria, como já se viu, a que constatasse que os valores coincidiam).

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                Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.

          O reclamante perde as suas custas de parte, por ter decaído no recurso.

              Lisboa, 22/10/2020

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto