Processo 10998/17.4T8LRS Juízo Local Cível de Loures – Juiz 1

             

              Sumário:

              Uma acção de resolução do contrato de arrendamento com base em factos verificados em 2016-2017, não diz respeito a factos posteriores, verificados a 2018 ou 2019, pelo que não interessa, na impugnação da decisão da matéria de facto, estar a discutir a verificação destes últimos.

 

         Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

 

           A 20/10/2017, J intentou a presente acção comum contra A pedindo a declaração judicial de cessação, por resolução, de contrato de arrendamento, e consequente despejo.

           Alega, em síntese, que o locado padece de falta de higiene, gerando-se insalubridade integradora das alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 1083 do Código Civil.

            Citada, a ré contestou, por impugnação.

          Em função do decesso do autor, declararam-se habilitadas no seu lugar a viúva e suas filhas.

              Iniciada a audiência final, constatou-se a pendência de incidente de intervenção principal do cônjuge da ré. Citado, o interveniente declarou aderir à contestação da ré, aceitando os autos no estado em que se encontravam.

              (utilizou-se, neste relatório, no essencial, o relatório da sentença recorrida)

        Depois de realizada a audiência final, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente.

           As autoras recorrem para que sejam aditados alguns factos aos provados e para que seja revogada a sentença e substituída por outra que decrete a resolução do contrato com o consequente despejo do prédio arrendado.

              A ré contra-alegou defendendo a improcedência do recurso (e o réu aderiu a estas contra-alegações).

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              Questões que importa resolver: se devem ser aditados alguns factos aos provados; e se perante os factos provados, com os aditados, devia ter sido decretado a resolução do contrato.

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              Estão dados como provados os seguintes factos com interesse para a decisão daquelas questões:

  1. Pela apresentação 10 de 21/05/1997, foi registada a favor do autor e cônjuge a aquisição do prédio inscrito na matriz sob o artigo 7.
  2. O autor acordou com a mãe da ré o arrendamento habitacional da fracção correspondente ao 1.º andar direito.
  3. A mãe da ré faleceu.
  4. Por carta datada de 25/05/1998, recebida, a ré comunicou ao autor: “Venho por este meio dar conhecimento do falecimento da m/ mãe, ocorrido a 03/05/1998. Residindo na casa há 47 anos, o arrendamento transmitiu-se-nos termos do artigo 85 do Regime do Arrendamento Urbano (…).”
  5. A ré habita na fracção em função do arrendamento.
  6. A ré casou com JC a 28/07/1998.
  7. Na data da propositura [da acção], a renda correspondia ao montante de 159,50 € mensais.
  8. Em data indeterminada de 2017, o autor foi contactado pela Unidade de Saúde Pública de L, questionando sobre a situação da ré.
  9. Na sequência, o autor deslocou-se ao locado.
  10. No dia em que o autor se deslocou ao locado, a casa encontrava-se muito desarrumada e com bastante roupa amontoada, caixotes espalhados pelo chão.
  11. Existia alguma loiça suja na cozinha na sequência das refeições efectuadas pela família naquele dia.
  12. A filha da [ré] mudou-se para o locado, transportando os seus pertences, que se mantiveram nos corredores, dificultando o trânsito.
  13. Por mensagem de correio electrónico de 03/07/2017, a mandatária do autor comunica à USP “(…) no passado dia 30/06 conseguimos, ao abrigo da faculdade dos senhorios visitarem o locado, visitar o andar arrendado à [ora ré], assim como o andar imediatamente por debaixo deste, onde reside uma idosa, sozinha. (…)”.
  14. No dia 17/11/2017, havia um excesso de objectos de vária ordem (roupas, mobiliário, objectos decorativos, entre outros) em todos os compartimentos do locado.
  15. A cozinha encontrava-se desarrumada e com alguma loiça suja acumulada.
  16. Por escrito intitulado “Parecer”, datado de 04/12/2017, a USP de L declarou “Assunto: Reclamação de insalubridade habitacional motivada pela acumulação de resíduos e objectos de vária ordem no interior da habitação […], pertencente à [ora ré] (…) No dia 17/11/ 2017, como agendado previamente, realizou-se vistoria à habitação (…) Não se verificou a presença de cheiros incómodos. Em todos os compartimentos verificou-se um excesso de objectos de vária ordem (roupas, mobiliário, objectos decorativos, entre outros). A cozinha encontrava-se desarrumada e com alguma loiça suja acumulada. (…) houve uma evolução positiva em relação à ultima vistoria, realizada em 30/09/2016. Possuem um canídeo (…) A [ora ré] referiu que foi à consulta médica do dia 07/11/ 2017, mas ainda não tinha comprado os medicamentos por insuficiência económica. (…) Face ao exposto, considera-se que não se trata, de momento, de uma situação de risco para a Saúde Pública, e que justifique o encaminhamento do processo para o Ministério Público, pelo que se propõe manter o acompanhamento periódico da mesma.”
  17. Por mensagem de correio electrónico de 03/07/2017, a mandatária do autor solicitou relatório sobre o estado do locado às autoridades de saúde e autarquia.
  18. Por mensagem de correio electrónico de 18/07/2017, a mandatária do autor solicitou a intervenção das autoridades de saúde no locado.
  19. Por mensagem de correio electrónico de 18/07/2018, CR declarou “(…) Em análise do processo existente, verificou-se que o mesmo teve início em Junho de 2016, sendo que nas várias visitas domiciliárias realizadas ao longo de 2016 houve melhorias na situação. (…).”
  20. O prédio padece de infestações de baratas.
  21. O autor procedeu a desinfestação.
  22. A D-Lda, emitiu factura e recibo a favor do autor, datado de 10/10/2017, com descritivo “Desinfestação de baratas”, no valor de 190,80€.
  23. A ré padece de doença de acumulação compulsiva.
  24. A ré é titular de cartão de doente do CHPL.
  25. A ré tem consultas médicas marcadas.
  26. A ré é pensionista.
  27. Em 2017, auferia uma pensão mensal de 230,26 €.
  28. A ré é proprietária de canídeo, declarando-o às autoridades competentes.
  29. Constam dos autos fotografias, documento 10 junto com a petição inicial, e em sede de audiência.

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                                 Da impugnação da decisão da matéria de facto

              As autoras impugnam a decisão da matéria de facto, enumerando 12 factos que deviam ter sido dados como provados, sem os relacionarem com os 9 (de 16) factos que o tribunal considerou não provados e que transcrevem, sendo que o primeiro destes começava assim: “No dia em que o autor se deslocou ao locado […]” e o primeiro do das autoras começa com Quando a técnica social FD se deslocou ao locado […]”, estando 6 dos restantes factos subordinados a este começo.

              Dizem então as autoras:

         “Ora, se é certo que relativamente ao falecido autor tal poderá não ter sido considerado como provado, já relativamente às condições do locado há que considerar provado, após reapreciação da prova gravada, o que as testemunhas declararam, conforme segue:”

              Depois continuam:

         “Considera a sentença impugnada que “… no sentido alegado pelo autor, pronunciou-se, apenas, a testemunha FD, inexistindo outros meios probatórios que sustentem o seu relato, nos seus termos”;

         Ora, de per si, o depoimento de FD, registado como ficheiro audio 20190301095100, técnica de acção social da Câmara Municipal de L […] seria suficiente para a prolação de uma diferente decisão sobre a matéria de facto. […]

         […]

         Sendo certo que, o mesmo é corroborado pelas duas testemunhas vizinhas dos réus, conforme abaixo melhor se explicita.

         Porém, no mesmo sentido o teriam demonstrado os documentos e relatórios juntos aos autos de internamento compulsivo que correm termos sob o número 653/17.0Y2LRS (1479/17) na Procuradoria do Juízo Local Cível de L, cuja junção aos presentes se requereu oportunamente e por diversas vezes, mas que, com referência ao mesmo, o Tribunal recorrido se limitou a solicitar informação sobre o estado do processo, indeferindo tudo o mais requerido.

         Pelo que, desde já se requer, ao abrigo do disposto no artigo 662/2 do CPC, que seja oficiado à Procuradoria [da República] do Juízo Local Cível de L, para juntar aos autos as fotografias do interior da casa dos Réus e de todos os relatórios de inspecção/vistoria/visita/acompanhamento social que se mostrem juntos àqueles autos, fundamentais para a realização da justiça, quer os que tenham ocorrido antes da propositura da presente acção, quer no seu decurso, quer após o encerramento da produção de prova, vg. no ano de 2019.

         E, bem assim, seja oficiado ao Quartel de Bombeiros de L que venha juntar aos autos todos os relatórios de inspecção e vistoria realizados ao locado nos anos de 2017, 2018 e 2019 ou seja, os que tenham ocorrido antes da propositura da presente acção, no seu decurso, e após o encerramento da produção de prova;

         As autoras julgam saber, sem certeza, que, após a audição da última testemunha, foi realizada pelos Bombeiros nova vistoria, não tendo as autoras acesso ao relatório em virtude de se tratar do interior da casa dos Réus e os Bombeiros só fornecerem tal documentação a terceiros, mediante uma ordem judicial nesse sentido.

         A testemunha FD declarou que acompanha a família desde 2016, mas que, antes desta data, a família dos réus, já era acompanhada pelos serviços da saúde pública, conforme ficheiro audio 20190301095100.

         Em diversas deslocações efectuadas ao locado, e não apenas a deslocação de Novembro de 2018, a Técnica Social da Câmara Municipal de L, verificou que […]”

              E depois as autoras passam a fazer referência ao depoimento desta testemunha, algumas entre aspas, sem nunca dizerem que se trata da transcrição do depoimento da testemunha – podendo pois ser apontamentos tirados durante o julgamento pela mandatária das autoras, sem nenhuma garantia de correspondência com a gravação – e, se tal fosse o caso, sem indicarem as passagens da gravação de tal depoimento. Entre essas referências contam-se aquelas, extensas, que são feitas a uma deslocação ocorrida no dia 18/11/2018 e uma outra em Dezembro posterior, sendo que nenhuma das outras referências está temporalmente concretizada (em 2016, 2017, 2018 ou 2019).

              Depois as autoras fazem iguais referências aos depoimentos das testemunhas MS e AK – “que residem no prédio, respectivamente uma no andar de baixo e outra no andar ao lado, depoimentos registados nos ficheiros áudio 20190301103027 e 20190301105619” -, sem que conste, quanto a elas, qualquer precisão temporal – algumas podem ter ocorrido poucos dias antes do julgamento – e também sem qualquer localização na gravação dos depoimentos, isto no caso de serem transcrição dos mesmos e não simples apontamentos.

          Tudo o que antecede consta do próprio corpo das alegações do recurso.

              Decidindo:

      Do exposto resulta, por um lado, que as autoras não deram cumprimento mínimo às exigências feitas pelo art. 640/1-b-c-2-a do CPC para que a impugnação da decisão da matéria de facto pudesse ser conhecida.

              As autoras não relacionam os meios de prova que indicam com os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, nem a decisão que, em substituição de cada ponto que consideram incorrectamente julgado, devia ter sido proferida. Nem indicam, quanto mais com exactidão, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.

         Formalmente, bastaria isto para que a impugnação da decisão da matéria de facto tivesse que ser rejeitada de imediato.

              Mas, substancialmente, a situação é mais grave.

              Desde logo, porque as autoras até admitem que a decisão quanto aos pontos de facto dados como não provados poderá estar certa… relativamente ao autor. Ou seja, que aquilo que por ele foi relatado relativamente à visita que tinha feito à fracção arrendada, poderá não ter ficado provado.

           Ou seja, segundo resulta do recurso das autoras, outros factos poderão ter ficado provados, não aqueles que o autor alegava.

              Por outro lado, o que as autoras dizem que ficou provado refere-se também, de forma indeterminada, a períodos posteriores ao da propositura da acção. Assim, mesmo que viesse a ser dado como provado o que elas agora dizem, tal não poderia ser relacionado necessariamente com os factos alegados pelo autor aquando da propositura da acção.

              Ora, os processos judiciais têm a ver com pedidos/pretensões que se referem a direitos que se afirmam ter, com base em factos constitutivos desses direitos ocorridos logicamente antes de os direitos terem nascido e, por isso, necessariamente antes da propositura das acções (é o que decorre, entre outros, dos artigos 552/1-d-e, 5/1, 581/3-4, todos do CPC). Tudo o que ocorreu posteriormente não tem qualquer relevância para a formação do direito invocado em juízo. Pode corresponder a um novo direito, mas esse não é objecto desta acção. Dito de outro modo: uma agressão ocorrida em 2018 depois da propositura da acção em 2017, pode ser um facto constitutivo do direito a uma indemnização, ou do direito ao divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, mas não do direito à indemnização que se estava a discutir na acção já proposta que diz respeito a um facto ocorrido em 2016 ou 2017.

         Dito de outro modo: os direitos que as partes pretendem ver reconhecidos em tribunal têm que ter os seus pressupostos preenchidos na data da propositura de uma acção. Ou seja, ninguém pode meter uma acção e esperar que os factos constitutivos do seu direito se venham a verificar no decurso da acção (como se a demora processual fosse um facto constitutivo do direito: neste sentido, ac. do STJ de 30/04/1997, BMJ 466, páginas 472 e seg, lembrado por Nuno Salter Cid, obra e local citados abaixo).

            Assim, por exemplo, a maior e melhor parte da doutrina e da jurisprudência sempre defendeu que não se podia intentar uma acção de divórcio litigioso baseada na separação de facto por mais de um ano, sem que esse prazo de um ano já estivesse verificado na data da propositura da acção (hoje a questão põe-se em relação ao divórcio sem consentimento, por separação de facto por mais de um ano: arts. 1781/-a e 1782, ambos do CC).

             [assim, por exemplo, Miguel Teixeira de Sousa: “esse prazo (…) deve estar completamente decorrido à data da propositura da acção de divórcio, porque sem o decurso daquele prazo a separação de facto não pode ser invocada como causa do divórcio (ac. RP de 11/10/1979, BMJ. 291/538)” (O Regime Jurídico do Divórcio, Almedina, 1991, pág. 84); Abel Pereira Delgado, O Divórcio, Petrony, 1980, pág. 69 (é um prazo de carácter substantivo, pelo que há-de verificar-se à data do pedido => acórdão do STJ de 1/3/1979, publicado no BMJ. 285/324); Pais do Amaral, Do Casamento ao Divórcio, Cosmos, Direito, 1997, pág. 96 (: o prazo deve estar completo no momento da propositura da acção, por se tratar de um elemento constitutivo do direito ao divórcio); Ferreira Pinto, Causas do Divórcio, Almedina, 1980, pág. 122; Acórdão do STJ de 24/10/2006, proc. 06B2898; Rute Teixeira Pedro, anotação 4 ao art. 1781, no CC anotado citado, pág. 682; e, principalmente, Nuno de Salter Cid, Desentendimentos conjugais e divergências jurisprudenciais, Lex Familiae, RPDF, ano 4, n.º 7, 2007, págs. 18 a 23, que desenvolve a questão e relembra muitos autores e artigos que vão todos neste sentido, indicando e criticando acórdãos que vão em sentido contrário, bem como o aproveitamento incorrecto que eles faziam do então art. 663 do CPC, também neste ponto com várias indicações de doutrina no mesmo sentido; bem como, entre muitos outros, os acórdãos do TRL de 15/05/2012, proc. 9139/09.6TCLRS.L1-7; de 22/10/2013, proc. 16/11.1TBHRT.L1-7; de 17/12/2015, proc. 425/13.1TMLSB.L1-2; e de 10/05/2018, proc. 29812/15.9T8LSB.L1-2]

               Mesmo a hipótese prevista no art. 611/1 do CPC, de aproveitamento de factos posteriores à propositura das acções – que, de qualquer modo pressupõe a dedução desses factos em articulados supervenientes (como resulta dessa hipótese e do disposto no art. 588 do CPC), articulados supervenientes que não existem no caso dos autos -, não tem aplicação às situações normais em que o direito que está em discussão respeita a um direito já necessariamente constituído. O art. 611 do CPC não pode servir para dar procedência às acções com base em causas de pedir diferentes das invocadas.

            Como diz Alberto dos Reis, lembrado por Nuno Salter Cid (obra e local citados): “Aqui temos um caso nítido em que a lei substancial obsta a que o facto superveniente [constitutivo] exerça influência sobre o julgamento a proferir. […]; [….] tanto pela letra como pelo espírito da disposição é óbvio que os requisitos requeridos pelo artigo hão-de verificar-se no momento em que se apresenta em tribunal o pedido de divórcio […] Logo, se não existirem nesse momento, o juiz tem de indeferir o pedido.”

            Assim sendo, torna-se claro que a acção, que dizia respeito a um direito de resolução nascido antes da propositura da acção, não se pode basear em factos  que eventualmente tenham ocorrido depois da propositura da acção, ou no decurso da acção até à sentença e, menos ainda, depois da sentença.

              Ora, é isto que as autoras pretendem.

              Mas, ainda há o seguinte:

              A instrução, no processo civil português não é uma actividade de investigação de factos. É, sim, uma actividade de investigação da verdade das afirmações de facto que as partes fizeram (ou deviam ter feito) nos articulados respectivos. Ou seja, pressupõe-se que as partes cumpriram com os seus deveres de diligência de investigação de factos (fora do processo) para poderem fundamentar e comprovar as afirmações de factos que viessem a fazer no processo.

              Como diz Castro Mendes: “A investigação processual não é uma actividade de descoberta da verdade sobre certo evento ou complexo de eventos, mas uma actividade de confirmação ou prova de um certo número de afirmações previamente feitas sobre os mesmos eventos; não se destina à aquisição de conhecimentos novos, mas à demonstração da verdade de factos já alegados em juízo, e que só resta confirmar – à prova, em suma. O art. 2404 do Código Civil de 1867, numa definição que se pode considerar basicamente correcta, define prova como a ‘demonstração da verdade dos factos alegados em juízo’” (Direito Processual Civil, AAFDL, III, 1982, pág. 185).

              Tendo em conta isto e o que antecede, conclui-se que as autoras não podiam pedir ao tribunal recorrido, e muito menos ao tribunal da relação, que estivesse a fazer uma investigação dos factos ocorridos depois da propositura da acção. Desde logo porque tais factos não tinham nenhum interesse e, depois, porque, o autor não tinha, logicamente, feito nenhuma afirmação sobre factos que ainda não podiam ter ocorrido.

              Assim sendo, é irrelevante tudo o que as testemunhas possam ter dito sobre os factos posteriores à propositura da acção; são irrelevantes todos os factos que não se possam dizer, por indeterminação da sua formulação, que ocorreram antes da propositura da acção; e é completamente indiferente para o resultado da acção estar-se a fazer prova sobre factos que ocorreram depois da propositura acção; pelo que, nem que fosse só por aqui, não tem qualquer sentido as diligências de prova que as autoras requereram nas alegações do recurso, sobre factos que não tinham sido alegados e que são indiferentes à sorte da acção.

              Em suma, a impugnação da decisão da matéria de facto, por um lado, não observa as exigências legais para ser apreciada e, por outro lado, tem como objectivo que se dêem como provados factos que não teriam qualquer relevância para a decisão da acção.

              Por tudo isto, também são indeferidos os requerimentos de prova feitos pelas autoras, sem sequer indicarem a base legal que lhes permitisse fazer esses requerimentos.

                                                                 *

                                 Do recurso sobre matéria de direito

              A sentença recorrida, depois de dizer que, perante os factos provados, estamos perante um contrato de arrendamento para fim habitacional, com regime actualmente previsto nos artigos 1022 e seguintes, e 1092 e seguintes do Código Civil, e que, estando em causa a aplicação de normas relativas ao direito de resolução, o regime aplicável era o em vigor à data dos factos e da propositura da acção por força do art. 59 do novíssimo regime do arrendamento urbano (resultante da Lei 31/2012, de 14/08, sucessivamente alterado pelas Leis 79/2014, de 19/12, 42/2017, de 14/06, 43/2017, de 14/06, 12/2019, de 12/02 e 13/2019, de 12/02) e, v.g., dos acórdãos do STJ de 22/05/2012, proc. 66/03.1TBCLB.C2.S1, e de 08/04/2014, proc. 667/05.3TBCBT.G1.S1, considerou que os factos dados como provados não eram suficientes para concluir pelo preenchimento da previsão do art. 1083/1-2-a-b-c do CC:

1 – Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.

2 – É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente quanto à resolução pelo senhorio:

a) A violação de regras de higiene, de sossego, de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio;

b) A utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública;

c) O uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina, ainda que a alteração do uso não implique maior desgaste ou desvalorização para o prédio.

              Isto porque:

         “no caso em apreço, a factualidade provada não ostenta a reiteração e densidade necessária ao preenchimento das normas invocadas pelas autoras. Não se revela apta à quebra da confiança inerente à boa-fé na execução contratual – artigo 762/2.” É que, “a cláusula geral exposta no intróito do artigo 1083/2, tributária da inexigibilidade inerente aos contratos duradouros, impõe um juízo objectivo de proporcionalidade e razoabilidade na aplicação de todas as alíneas (sobre a questão, v. acórdãos do STJ, de 13/02/2014, proc. 43/09.9TCFUN.L1.S1, e de 20/11/2014, proc. 1612/04.9TBFAF.G1.S1).”

              Ora, perante os únicos factos que este TRL pode considerar (factos 10, 11, 12, 14 e 15 – o facto 20 refere-se a todo o prédio, não só à fracção ocupada pela ré, e a responsabilidade dele era imputável à esfera jurídica do autor como até decorre dos factos 21 e 22), a conclusão tirada pelo tribunal recorrido é certa, tanto que as autoras só com base na pretensão da alteração da matéria de facto é que conseguiam arranjar maneira de dizer o contrário.

              Assim sendo, o recurso tem de improceder.

                                                                 *

              Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.

            Custas, na vertente de custas de parte, pelas autoras, que foram quem decaiu no recurso.

              Lisboa, 05/11/2020.

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

             2.º Adjunto