Voto de vencido

              I – Para a procedência de uma acção para pagamento da indemnização pela verificação de um risco segurado, o autor tem de alegar e provar a celebração do contrato de seguro e a verificação do sinistro

         [o que o autor fez provando a celebração de um contrato de seguro que cobria o risco de ficar desempregado e por isso sem rendimentos para pagar o empréstimo, e que veio realmente a ficar desempregado].

              II – Para evitar a procedência da acção, isto é, para evitar o pagamento da indemnização, a seguradora tem de alegar e provar a existência de uma cláusula de exclusão da cobertura do risco e o preenchimento da previsão dessa cláusula no caso.

         [cláusula que, no caso, era a 9.ª do contrato, prevendo várias hipóteses em que, apesar de desemprego, este risco ficava excluído.

            no sentido dos dois conjuntos de afirmações que se fizeram nestes dois §§, veja-se o ac. do TRL de 18/04/2013, proc. 2212/09.2TBACB.L1-2:

            I – Ao tomador de seguro cabe a alegação e o ónus da prova da verificação do risco coberto. À seguradora cabe a alegação e o ónus da prova da verificação de uma cláusula de exclusão do risco (como facto impeditivo do direito daquele – art. 342/2 do CC.

         No texto do acórdão acrescenta-se: À ré seguradora cabe a alegação e o ónus da prova da verificação de uma situação excluída do risco (como facto impeditivo do direito do autor – art. 342/2 do CC)

         No mesmo sentido – de que o ónus da prova da ocorrência de uma situação prevista numa cláusula de exclusão da cobertura cabe às rés seguradoras – aquele ac. do TRL cita, apenas por exemplo, os acs. do TRC de 03/05/2011 (1922/07.3TBPMS.C1, que cita no mesmo sentido o ac. do STJ de 14/12/2004, CJSTJ.III, pág. 146), do TRL de 17/03/2011 (2360/08.6YXLSB.L1-2) e do STJ de 03/02/2009 (08A3947).

         Este último tem o seguinte sumário na parte que interessa: VI – O risco de morte resultante de doença pré-existente, bem como outros riscos excluídos da cobertura contratual do seguro de vida, traduzem-se em factos ou causas impeditivas do efeito jurídico dos factos articulados pela embargante, que à seguradora ou à embargada, como defesa por excepção, competiria demonstrar, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 342.º, n.º 2, do CC, e 493.º, n.º 3, do CPC.

         No seu texto, este acórdão do STJ diz: “a cláusula 3ª das condições gerais do contrato de seguro, consagra um elenco de situações cuja cobertura o mesmo exclui, designadamente, o risco de morte resultante de doença pré-existente ou de doença ou lesão provocada por factos que sejam consequência da ingestão de estupefacientes não sujeita a prescrição médica. Porém, este e outros riscos excluídos da cobertura contratual do seguro de vida traduzem-se em factos ou causas impeditivas do efeito jurídico dos factos articulados pela embargante, susceptíveis de obstar a que o direito desta se tenha, validamente, constituído, mas que à chamada ou à embargada, como defesa por excepção, competiria demonstrar, e não aquela, como autora, fazer a prova da inexistência de qualquer uma dessas causas de exclusão, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 342/2, do Código Civil, e 493/3, do CPC.” 

         No mesmo sentido, o ac. do STJ de 03/10/2013, proc. 2212/09.2TBACB.L1.S1, diz: I – Em contrato de seguro automóvel com cobertura facultativa de danos próprios, causados entre outros, por choque, a seguradora responde perante o seu segurado por quaisquer danos causados pelo embate do veículo, em circulação, em qualquer corpo fixo, desde que se não prove qualquer actuação dolosa do segurado (ou de pessoas por quem ele responde) na eclosão de tal embate. II – Sendo o ónus de prova precedido pelo ónus de alegação, este deve ser cumprido com a afirmação dos factos impeditivos […]

         Veja-se também o acórdão do TRL de 20/09/2018, proc. 1409/16.3T8AMD.L1-2: I – No âmbito de um contrato de seguro automóvel abrangendo os danos próprios (relativos, designadamente, a choque e colisão) à seguradora/R. competirá alegar e provar os factos que constituem as exclusões previstas nas Condições Gerais, por se tratar de factos impeditivos do direito do A. à indemnização, o que a R. não fez, limitando-se a tecer algumas insinuações/sugestões não concretizadas em alegação de factos. II – Ao A. incumbia-lhe fazer a prova dos factos constitutivos do direito á prestação por parte da R. – desde logo a prova dos factos que, atentas as cláusulas do contrato celebrado com esta, determinariam o pagamento da indemnização, ou seja, a prova do sinistro, dos danos e do nexo de causalidade entre o sinistro e esses danos, o que ele logrou fazer.

         Maria Inês Oliveira Martins, Contrato de seguro e conduta dos sujeitos ligados ao risco, Almedina, 2018, págs. 34 a 49, lembra, entretanto, com desenvolvimento [do que o que se segue tenta ser apenas uma síntese despreocupada a aflorar a questão], que isto não quer dizer que o proponente do contrato de seguro possa descrever as cláusulas de cobertura do risco e as cláusulas de exclusão como queira, de modo a lançar sobre o aderente o ónus da prova de factos que caberia logicamente à seguradora.]

              III – Para que uma cláusula de exclusão possa ser considerada parte integrante do contrato de seguro celebrado por adesão, sem prévia negociação individual das respectivas cláusulas, e possa, por isso, ser oposta ao segurado, a seguradora tem de alegar e provar a comunicação de tal cláusula.

         [é o que resulta claramente do disposto nos arts. 4, 5/1-3 e 8/-a da LCCG. É àquele que se quer aproveitar das cláusulas contratuais gerais que compete o ónus da prova das comunicações devidas. Apenas por exemplo, veja-se o ac. do STJ de 24/03/2011, 1582/07.1TBAMT-B.P1.S1: VII – O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe à parte que utilize as cláusulas contratuais gerais (art. 5/3). Deste modo, o utilizador que alegue contratos celebrados na base de cláusulas contratuais gerais deve provar, para além da adesão em si, o efectivo cumprimento do dever de comunicar (cf. art. 342/1 CC), sendo que, caso esta exigência de comunicação não seja cumprida, as cláusulas contratuais gerais consideram-se excluídas do contrato singular (art. 8-a)). Neste sentido, também, o ac. do STJ de 24/11/2016, proc. 7531/12.8TBMTS-A.P1.S1 e toda a doutrina e acórdãos referidos a seguir, a propósito do § IV, que têm isto como pressuposto implícito, embora por vezes o deixem expressamente afirmado]

              IV – Comunicar uma cláusula de exclusão da cobertura de um seguro celebrado por adesão, não é dar o contrato para as mãos do possível aderente e esperar que ele a leia, pelo que é irrelevante que se diga (a sentença e o acórdão) que o aderente leu o contrato (note-se que, para além disso, tal facto não consta dos factos discriminados como provados na sentença recorrida). A leitura do contrato não é, por outro lado, equivalente à comunicação nem a substitui.

            [Seguindo o ac. do TRL de 14/09/2017, proc. 9065/15.0T8LSB-2, que decidiu no mesmo sentido, veja-se:

              Como diz Pedro Caetano Nunes – que chama a atenção para a distinção entre a aceitação das cláusulas (art. 4 da LCCG), a sua comunicação (art. 5 da LCCG) e a sua informação (art. 6 da LCCG) -:

             “[…] o art. 5 da LCCG da LCCG não pode ser interpretado no sentido de apenas exigir do predisponente que não perturbe uma eventual investigação das cláusulas contratuais gerais pelo aderente. Afasto-me da perspectiva doutrinária que, ao interpretar o art. 5 da LCCG, apenas realça o aspecto da cognoscibilidade. Ao não perturbar uma eventual investigação das cláusulas contratuais gerais, o predisponente não está a contribuir, de todo, para a diminuição dos custos de investigação e da assimetria de informação do aderente. Estará apenas a não agravar esses custos de investigação e essa assimetria de informação [acresce que a referência no art. 5/2 da LCCG à “extensão e complexidade das cláusulas é dificilmente compatibilizável com a perspectiva doutrinária de mera exigibilidade da não perturbação da investigação das cláusulas contratuais gerais pelo aderente. Como interpretar esta proposição normativa, se o que apenas se exige é um comportamento passivo de não perturbação? Será que se pretendeu apenas significar que tal comportamento passivo poder ser mais ou menos dilatado no tempo, em função da variação do tempo de leitura do clausulado? “Leia à vontade que nós estamos abertos o dia todo!” – será apenas isto que o legislador quis exigir do predisponente (ou dos seus auxiliares de negociação)?].

          […]

          O art. 5 deve ser interpretado no sentido de onerar o predisponente com especiais exigências de comunicação que tornem saliente a presença das cláusulas contratuais gerais mais desfavoráveis para o aderente, contribuindo, de forma relevante, para a diminuição dos custos de investigação e da assimetria de informação do aderente” (Comunicação de cláusulas contratuais gerais, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor CFA, Vol. II, Almedina, 2011, págs. 529/530).

         No mesmo sentido, Ana Afonso escrevendo sobre o dever de comunicação e depois sobre o de informação, esclarece:

          “Naturalmente, impõe-se o cumprimento dos deveres de comunicação e de informação que oneram o proponente de cláusulas contratuais gerais nos termos definidos nos arts. 5 e 6 da LCCG. A eficácia de qualquer cláusula contratual depende de ter sido comunicada integral, adequada­mente e com a devida antecedência. Atendendo ao especial modo de contratar que está em causa é imprescindível di­minuir os custos do aderente no acesso à informação e a as­simetria no poder de a obter e de a utilizar favoravelmente. Sobre o utilizador de cláusulas contratuais gerais recaem pois deveres de comunicação agravados em relação àqueles cujo desrespeito poderia fundamentar responsabilidade por violação da boa-fé na celebração de um contrato negociado. Cumprir o dever de possibilitar o conhecimento completo e efectivo do clausulado contratual geral requer uma comuni­cação oral complementar capaz de evidenciar a presença de cláusulas mais desfavoráveis para o aderente ([…]). O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao predisponente (art. 5. n.º 3, da LCCG), o que significa que não é o aderente quem terá de demonstrar que não lhe foi concedida oportunidade de tomar conhecimento efectivo do clausulado, mas antes o proponente quem terá de provar que cumpriu a obrigação que sobre ele impendia, sob pena de as cláusulas desconhecidas serem excluídas do contrato singular [art. 8 alínea a), da LCCG]. Ademais, o utilizador de cláusulas gerais terá de contribuir activamente para a aclaração do conteúdo do contrato, devendo não só prestar os esclarecimentos que sejam solicitados pelo aderente como também por sua própria iniciativa fomentar o esclarecimento ou elucidação sobre a assunção de obrigações, restrições de direitos ou desvantagens que possam resultar da execução do contrato (art. 6 da LCCG).

         Em nota lembra que:

     “neste sentido, sublinhando que o cumprimento do dever de co­municação vai além da inclusão do clausulado contratual geral no processo comunicativo da formação do contrato, ver PEDRO CAETANO NUNES [no estudo citado acima]. Ver também ANA PRATA, Contratos de adesão, cit., pp. 206 e segs, que sublinha: “o desconhecimento, a incerteza ou o engano acerca de disposições contratuais por parte do aderente – que não sejam devidos a culpa deste – significam que aquela obrigação não foi pontualmente cumprida” (p. 239). Para FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos – I – Conceito. Fontes. Formação, Coimbra, Almedina, 2008, pp. 186-187, o regime de inserção de cláusulas gerais em contratos singulares só é verdadeiramente especial enquanto reforça, quanto ao conteúdo (imposição do dever de esclarecer independente de um concreto juízo de boa fé) e aos efeitos (ineficácia das cláusulas), o dever de informação pré-contratual” [Cláusulas contratuais gerais proibidas em contrato de abertura de crédito, em anotação ao AUJ 2/2016, de 13/11/2015, processo 2475/10.0YXLSB.L1.S1-A, nos CDP 54, Abril-Junho 2016, pág. 62].

         E numas das muitas concretizações do dever de comunicação que refere, Jorge Morais de Carvalho diz:

          “quanto mais complexo for o contrato, em termos de qualidade e quantidade de cláusulas, mais se exige do predisponente no que respeita ao modo de comunicação, devendo, em geral, ser salientadas as cláusulas mais desfavoráveis para o aderente.” (Manual de direito de consumo, 2016, 3ª edição, Almedina, pág. 75).

         E o recente ac. do STJ de 04/05/2017, proc. 1961/13.5TVLSB.L1.S1 lembra que:

          “[…]

VIII. Na verdade, o objecto de tal dever de informação, legalmente imposto com base no respeito pelo princípio da boa fé, não é propriamente cada uma das cláusulas inseridas no negócio concreto, atomisticamente considerada, pressupondo antes uma explicação consistente acerca da funcionalidade do negócio, como um todo, e o devido esclarecimento da contraparte acerca dos riscos financeiros em que incorre, perante uma alteração significativa do quadro económico, desfazendo o eventual equívoco do outro contraente acerca da real natureza do negócio, face à globalidade do conteúdo respectivo.”

         Tudo isto serve para demonstrar que não basta para cumprimento dos deveres de comunicação que o aderente tenha tido o contrato na sua disponibilidade, que tenha tido oportunidade de o ler, não se sabe durante quanto tempo. O dever de comunicação é por isso mais denso do que aquele que resultaria, por exemplo, do art. 227 do CC, tendo, entre o mais, que tornar “saliente a presença das cláusulas contratuais gerais mais desfavoráveis para o aderente”.

          No mesmo sentido, diz o Prof. Júlio Gomes (no voto de vencido ao ac. do STJ de 09/07/2015, processo 1728/12.8TBBRR-A.L1.S1):

          “Os deveres de comunicação e de informação não se reduzem, estamos em crer, a um dever de prestar esclarecimentos se os mesmos forem solicitados (que corresponde apenas a uma faceta do dever de informação prevista no n.º 2 do artigo 6.º). Aliás sem essa comunicação prévia o leigo muitas vezes nem sequer sentirá necessidade de pedir mais esclarecimentos. […] Em suma, o leigo muitas vezes não sabe sequer o suficiente para se aperceber das cláusulas ou de todas as cláusulas que lhe são prejudiciais.”

            Ou como diz Almeno de Sá (aqui citado através do ac. do STJ de 02/12/2013, proc. 306/10.0TCGMR.G1.S1):

          “não basta a mera invocação de um ‘dever saber’ que recairia sobre o cliente, quer no que concerne à normal utilização de condições gerais pelo proponente nos contratos que habitualmente celebra, quer no que respeita ao conteúdo dessas condições. […] não é o cliente quem deve, por iniciativa própria, tentar efectivamente conhecer as condições gerais, é ao utilizador que compete proporcionar-lhe condições para tal. […] e antes que a contraparte se vincule de forma definitiva” (CCG e Directiva sobre cláusulas abusivas, 2ª edição, Almedina, 2001, págs. 241/242).

         Entretanto, note-se que o facto utilizado pelo acórdão – qual seja, o de que o autor leu o contrato – não consta dos factos discriminados como provados e o acórdão não explica como é que pode aproveitar tal facto sem que ele conste da lista dos factos provados, tal como exigido por lei: art. 607/3-4 do CPC; note-se que o autor pode não ter contra-alegado por saber que, não constando dos factos provados aquele facto, ele não podia ser utilizado para reverter o resultado da sentença contra si; o aproveitamento, num acórdão, de factos que não constam da parte da sentença dedicada aos factos provados, tem que ter uma fundamentação acrescida, para demonstrar que esse aproveitamento é inequívoco e a contraparte não é prejudicada com isso, designadamente que ela não é apanhada de surpresa pelo aproveitamento de um facto retirado de uma amálgama de outros factos referidos na motivação da decisão de facto ou na fundamentação de direito).

              V – Não se provando a comunicação da cláusula da exclusão, ela não faz parte do contrato e por isso não pode ser oposta ao segurado/autor, pelo que a seguradora não podia evitar o pagamento da indemnização. Assim, a acção tinha de proceder e o recurso contra a procedência da acção estava destinado, necessariamente, ao naufrágio.

              VI – Mesmo que se tivessem provados factos que permitissem a conclusão da comunicação da cláusula de exclusão, tal cláusula ainda não faria parte do contrato e, por isso, não poderia ser oposta ao autor, sem que a seguradora alegasse e provasse que a tinha informado/esclarecido ao autor.

            [é o que resulta claramente do disposto nos arts. 6/1-2 e 8/-a da LCCG, o que aliás é desenvolvido no arts. 18/-c e 21/2 da Lei do contrato de seguro, falando este último artigo num especial dever de esclarecimento, com, entre o mais, o dever de chamar a atenção do tomador do seguro para o âmbito da cobertura, nomeadamente exclusões.

           Apenas por exemplo, veja-se o já citado ac. do STJ de 24/03/2011, 1582/07.1TBAMT-B.P1.S1, agora quanto à informação: VIII – Para além da exigência de comunicação adequada e efectiva, surge ainda a exigência de informar a outra parte, de acordo com as circunstâncias, de todos os aspectos compreendidos nas cláusulas contratuais gerais cuja aclaração se justifique (art. 6/1) e de prestar todos os esclarecimentos razoáveis solicitados (art. 6/2).”

         Ou seja, uma coisa é o dever de comunicação e outra é o dever de informação (neste sentido, Almeno de Sá, Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas, 2ª edição, Almedina, 2001, págs. 59 a 69; Pedro Caetano Nunes, Comunicação de cláusulas contratuais gerais, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Carlos Ferreira de Almeida, Vol. II, Almedina, 2011, págs. 529/530; e Jorge Morais de Carvalho, obra citada, especialmente págs. 178 a 191 e notas 516 e 517).

         A violação de qualquer deles, dá origem à exclusão das cláusulas não comunicada e/ou informadas de que o predisponente se queira prevalecer frente ao segurado.

         E o ónus da prova de o aderente ter sido informado/esclarecido das cláusulas de exclusão é da seguradora/predisponente das cláusulas.

         É certo que o art. 5/3 da LCCG só fala do ónus da prova do cumprimento do dever de comunicação; mas, naturalmente, essa regra (que nem sequer tinha de ser formulada expressamente) tem de ser estendida ao cumprimento do dever de informação.

         Neste sentido, com ampla fundamentação, veja-se José Manuel de Araújo Barros, Cláusulas Contratuais Gerais, Coimbra Editora, 2010, páginas 94 e 95, explicando até que em relação a este ónus da prova (da informação/esclarecimento) tem havido menos divergências do que em relação ao ónus da prova da comunicação e daí talvez a necessidade do aditamento do n.º 3 do art. 5 reportado apenas ao dever de comunicação.

         Por ser evidente, isto nem sequer é normalmente discutido, sendo afirmado como algo de óbvio; neste sentido, veja-se o ac. do STJ de 28/04/2009, 2/09.1YFLSB, citado pelo ac. do TRL de 28/06/2012, proc. 2527/10.7TBPBL.L1-2: “o ónus da prova de que foi cumprido o dever de informação compete ao proponente das ccg” (arts. 342/1 do CC).

         E também, ainda por exemplo, o ac. do STJ de 13/09/2016, proc. 1262/14.1T8VCT-B.G1.S1:

          II – O cumprimento das prestações impostas pelos arts. 5 e 6 da LCCG – cuja prova onera o predisponente – convoca deveres pré-contratuais de comunicação das cláusulas (a inserir no negócio) e de informação (prestação de todos os esclarecimentos que possibilitem ao aderente conhecer o significado e as implicações dessas cláusulas), enquanto meios que radicam no princípio da autonomia privada, cujo exercício efectivo pressupõe que se encontre bem formada a vontade do aderente ao contrato e, para tanto, que este tenha um antecipado e cabal conhecimento das cláusulas a que se vai vincular, sob pena de não ser autêntica a sua aceitação.]

         E ainda o ac. do STJ de 04/05/2017, proc. 1566/15.6T8OAZ.P1.S1:

          III – Sendo o contrato de seguro de renovação periódica, o regime instituído pelo DL 72/2008, de 16/04, em vigor desde 01/01/2009, passou a ser-lhe aplicável (com as ressalvas previstas no artigo 3º) desde a primeira renovação, posterior a essa data, incluindo o dever que recai sobre o tomador do seguro de informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas (artigo 135º, n.ºs 1 e 2, do DL 72/2008). IV – Não tendo a seguradora comprovado ter observado esse dever, quer quanto ao pai do autor (segurado inicial), quer em relação ao autor, que lhe sucedeu, nessa posição, não pode prevalecer-se das atinentes cláusulas contratuais referentes à não actualização automática do objecto do seguro e à aplicação da regra da proporcionalidade, eximindo-se, com base nas mesmas, ao pagamento da totalidade do valor do seguro (€49 879,79), deduzido da franquia acordada (10%).

         No mesmo sentido, isto é, de que o ónus da prova do cumprimento do dever de informação incumbe, também aqui, à entidade predisponente, vai ainda Ana Filipa Morais Antunes, comentário à Lei das CCG, Coimbra Editora, 2013, pág. 156, comentário 4.

         E David Falcão, Lições de direito de consumo, Almedina 2019, pág. 96, nota 241, realça que apesar de não resultar directamente do diploma, tem sido entendimento da jurisprudência que o ónus da prova do cumprimento do dever de informação cabe ao proponente e cita, para além do ac. do STJ de 2016 citado acima, ainda o ac. do STJ de 15/02/2017, proc. 1776/11.5TVLSB.L1.S1.

              VII – No caso dos autos, está expressamente dado como provado que o aderente não foi informado da cláusula de exclusão [é o que resulta dos factos provados sob 20 e 21]. Logo, a cláusula não faz parte do contrato e não podia ser oposta ao autor.

         [A sentença recorrida diz isso expressamente: “Ensina Jorge Morais Carvalho (Manual de Direito do Consumo, Almedina, 2013, p. 68) que a necessidade de explicação deve ser feita de acordo com as circunstâncias, tendo em conta um destinatário normal, relevando a natureza e a condição da pessoa do outro contraente, incluindo o nível cultural revelado durante a negociação. As circunstâncias incluem (…) o grau de conhecimento do contrato e das cláusulas, exigindo-se mais esclarecimentos quanto mais difícil possa ser a compreensão das questões jurídicas e não jurídicas abrangidas pelas cláusulas e, em segundo lugar, a relevância de determinadas cláusulas no equilíbrio do contrato, devendo o aderente ser especialmente esclarecido (de forma clara e categórica) a relação a estas. (…) A prestação dos esclarecimentos solicitados pela contraparte não exonera o predisponente do dever de prestar esclarecimentos no que respeita às cláusulas menos claras, mesmo que tal não lhe seja solicitado.

         Segundo o artigo 8/-b [da LCCG], as cláusulas em relação às quais não tenha sido cumprido o dever de esclarecimento consideram-se sempre excluídas do contrato.

         Na situação dos autos, resultou provado [o que consta de 20 e 21]. Na verdade, não ficou o tribunal convencido, tendo em conta as declarações que aquele prestou, que aquele vendedor tivesse os conhecimentos necessários a prestar informação clara sobre o accionamento do risco de desemprego, nomeadamente quanto a natureza voluntária ou involuntária do desemprego (Aliás, o vendedor José Luís, por não ser profissional de seguros, mostrou no depoimento evidentes lacunas na compreensão e explicação do produto que era comercializado, satisfazendo-se com facultar as próprias condições contratuais gerais). Neste sentido, poder-se-ia sustentar que a empresa seguradora não garantiu que o produto que comercializava era susceptível de ser convenientemente entendido pelos beneficiários, lato sensu, do seguro, violando o dever de esclarecimento.”]

              VIII – Como a cláusula de exclusão não faz parte do contrato, não interessa fazer a interpretação dela, sendo irrelevante tudo o que se diga a propósito. Dito de outro modo: não faz sentido estar a interpretar uma cláusula que não se pode dizer que faz parte do contrato.

          IX – A circunstância de a sentença se ter tido que pronunciar sobre um pedido de declaração de inexistência da cláusula de exclusão e de ter absolvido a ré desse pedido (não fazendo, por isso, a declaração de inexistência da cláusula) é irrelevante, porque o que faz caso julgado é apenas a decisão de não declarar a inexistência da cláusula. Pelo que não está decidido que ela faça parte do contrato.

              X – Ou seja, limitando-se a decisão daquele pedido a não declarar a inexistência da cláusula, tal não resolve a questão prejudicial que está na base da pretensão da seguradora (e por isso não pode haver caso julgado na vertente da autoridade do caso julgado). O pedido do autor procede se tiver provado – como provou – a celebração do contrato de seguro com a cobertura do desemprego e a verificação do sinistro e se a seguradora não conseguir provar que a cláusula de exclusão foi comunicada e informada/explicada. Ora, a decisão de não declarar a inexistência da cláusula não é a decisão positiva de declarar que ela existe por ter sido comunicada/informada/esclarecida, pelo que não há um caso julgado com a autoridade de declarar que a cláusula faz parte do contrato.

              XI – Tudo isto pode ser visto ainda de outra perspectiva e de modo a afastar outro argumento implícito do acórdão, que é a falta de uso, pelo autor, da faculdade da ampliação do objecto do recurso, prevista no art. 636 do CPC. Sendo a matéria daquele pedido – o que foi decidido em sentido negativo ao do autor – correspondente a uma defesa antecipada do autor à matéria da excepção que o autor já sabia que a ré ia deduzir na contestação, o autor não tinha que recorrer daquela decisão, porque a matéria a que se reportava, como matéria de excepção, tinha que ser provada pela ré, se ela quisesse que a acção improcedesse ou que o recurso procedesse. Ou seja, para que a seguradora pudesse não pagar a indemnização do sinistro, tinha que provar que a cláusula da exclusão fazia parte do contrato, pelo que não tinha que ser o autor a recorrer de uma decisão que não dava como provados os factos (impeditivos) necessários à exclusão, nem decidia que a cláusula fazia parte do contrato. Nenhuma das hipóteses do art. 636/1-2 do CPC se verifica, pelo que o autor não pode ser censurado por não ter impugnado a sentença, naquela parte, nem pode sofrer consequências negativas por não o ter feito.

         [um facto impeditivo, constitutivo de matéria de excepção a ser alegada e provada pela seguradora, não pode ser considerado um fundamento do pedido do autor; por outro lado, ‘fundamento’, para os efeitos do art. 636/1 do CPC, é uma causa de pedir – neste sentido, expressamente, Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, CPC anotado, vol. III, Coimbra Editora, 2003, pág. 35, para norma idêntica (684-A) do CPC antes da reforma de 2013 – e no caso dos autos o pedido do autor só tem um fundamento complexo: a celebração do contrato de seguro e a verificação do risco coberto]

              XII – Em suma, não havendo este caso julgado, o acórdão tinha que decidir, como passo necessário para a procedência do recurso, se a cláusula fazia ou não parte do contrato. Ora, a matéria de facto provada permite as conclusões seguras de que não há prova [e tinha de haver] de que a cláusula de exclusão tenha sido comunicada, e de que há prova segura de que não foram informadas/esclarecidas ao autor, pelo que a seguradora não provou a matéria de excepção e, por isso, a acção tinha de proceder e o recurso de improceder.

         XIII – Mas, para além disso, se se forem procurar os fundamentos da decisão daquela questão desfavorável para o autor, o que resulta deles é que a sentença não declarou a inexistência da cláusula porque considerou que, apesar de não ter sido cumprido o dever de informação/esclarecimento e de, por isso, o resultado dever ser o da exclusão da cláusula, no caso tal não se justificaria porque o autor/aderente teria entendido correctamente o teor da cláusula, no sentido de que estão excluídas do risco as situações de revogação do contrato de trabalho, mas não as situações de despedimento por extinção do posto de trabalho (e como não era este o caso, a cláusula não se preenchia). Ora, o acórdão chegou à conclusão oposta ao da sentença, isto é, considerou que a cláusula pretendia excluir, do âmbito do risco “desemprego”, todas as situações em que o trabalhador celebrasse acordo de revogação do contrato de trabalho, mesmo em circunstancialismo que, nomeadamente, poderia ter fundamentado a cessação do contrato na sequência de processo de despedimento colectivo ou de extinção de posto de trabalho. Tendo o acórdão recorrido chegado a um resultado oposto ao da sentença, quanto à interpretação da cláusula, não podia, ao mesmo tempo, aceitar o resultado oposto a que a sentença tinha chegado, isto é, de que o autor tinha entendido correctamente a cláusula e fazer dele fundamento para a decisão a conceder provimento ao recurso.

         [Com efeito, depois de dizer o que foi transcrito em VII, isto é, depois de reconhecer expressamente que não tinha sido cumprido o dever de informação, a sentença recorrida acrescenta: “Esta conclusão [da violação do dever de esclarecimento] parece-nos, porém, irrelevante. É que entendemos que o autor leu a exclusão constante no artigo 9 das condições gerais e compreendeu corretamente o seu sentido: que estão excluídas do risco as situações de revogação do contrato de trabalho, mas não as situações de despedimento por extinção do posto de trabalho. Uma vez que a dúvida não esclarecida não criou uma situação de erro sobre o objeto da cláusula, não há que excluí-la do contrato. Esta interpretação das declarações negociais é a que melhor se coaduna com o ordenamento jurídico no seu todo e com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, pode deduzir do comportamento do declarante (artigo 236 do Código Civil). Este sentido é refletido no artigo 11 do DL 446/85, de 26/10, que dispõe que na dúvida quanto ao sentido das cláusulas contratuais, prevalece o sentido mais favorável ao aderente. É este o sentido mais favorável ao aderente e o sentido que, a nossos ver, deve prevalecer. Assim sendo, devendo aquelas cláusulas contratuais de ser interpretadas em conformidade com a posição do autor, não há que determinar a sua exclusão do contrato, pelo que o pedido é improcedente nesta parte.”

            Por sua vez, o acórdão diz: “Com efeito, na sentença recorrida o tribunal a quo considerou que a cláusula foi comunicada ao A., que a leu, e interpretou corretamente o seu sentido, pelo que a falta de explicação era irrelevante. Ora, se assim é, embora o sentido que o tribunal a quo atribuiu à cláusula seja, como se viu, incorreto, mantém-se o juízo do tribunal a quo, de que a falta de explicação da cláusula é irrelevante, não havendo que a excluir do contrato”].

         XV – Tudo isto conduz ao resultado contraditório de, por um lado, o acórdão julgar a acção improcedente, porque a cláusula de exclusão não foi declarada inexistente e entender que a situação de facto preenchia a previsão de tal cláusula, quando a sentença recorrida considera que a cláusula seria declarada inexistente se a questão tivesse relevo, só não a tendo declarado inexistente por interpretar a cláusula de exclusão em sentido oposto ao do acórdão; e de, por outro lado, o acórdão julgar preenchida a previsão de uma cláusula de exclusão sem demonstrar que ela faz parte do contrato e sabendo (porque a sentença o diz expressamente) que os factos provados impunham a conclusão de que ela não foi integrada no contrato. Contradição que resulta particularmente clara da última parte transcrita do texto do acórdão: mantém-se o juízo do tribunal a quo que se diz expressamente que é incorrecto e é com base nesse juízo incorrecto que se considera que não há que excluir a cláusula e se dá procedência ao recurso.

              XVI – Em suma: tendo o autor provado a celebrado de um contrato de seguro que cobria o risco de ele ficar desempregado (e por isso sem poder pagar as prestações da compra de um veículo) e que veio a ficar desempregado, e não tendo a seguradora provado ter comunicado, nem informado ou esclarecido da existência de uma cláusula que excluía a cobertura daquele risco em dados casos, razão pela qual a seguradora não se podia prevalecer dessa cláusula de exclusão, a acção tinha necessariamente de proceder, pelo que o recurso devia ter sido julgado improcedente.

               Pedro Martins