Processo do Juízo Local Cível de Lisboa

             

              Sumário:

              O autor pede, em 2011, a nomeação de patrono para intentar uma acção, na qual quer a condenação do Estado no pagamento de uma indemnização. O facto ilícito seria a qualificação feita por um agente da PJ, como crime de extorsão, dos factos denunciados por um terceiro contra o autor, num processo de 1994. O autor diz só ter tido conhecimento desse facto com uma sentença proferida em 2011. O desconhecimento, pelo autor, da autoria da qualificação é irrelevante (artigo 498/1 do CC). E não foi alegado qualquer facto, não imputável à incúria do autor, ocorrido entre 1994 e 2011, que pudesse justificar esse desconhecimento durante todo esse período e, por isso, que pudesse levar à suspensão do prazo de prescrição ao abrigo do artigo 321/1 do CC.

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

              Em 15/09/2016, A intentou uma acção junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, sob a forma de processo ordinário, contra o Estado Português, pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe uma indemnização de 30.500€, acrescidos de juros de mora até efectivo e integral pagamento.

              Alegou para o efeitojá tendo em conta uma PI aperfeiçoada em consequência de um despacho proferido para o efeito –, em síntese, que:

  1. Em 16/11/1994, o autor intentou contra JMAM uma acção cível no Tribunal Judicial de Sintra, que correu termos no 1.º juízo Cível, 2.ª secção, com o n.º 6426/94, assente na falta de pagamento de 4 cheques, emitidos sobre o BF&B.
  2. A 05/04/1995, foi proferida sentença naquele processo, absolvendo o réu JMAM.
  3. Pela mesma factualidade, foi o autor citado para prestar declarações no DIAP de Lisboa, no âmbito de queixa-crime apresentada contra ele por JMAM na Polícia Judiciária de Lisboa, nos autos que correram sob o n.º 14692/94.4JTLSB, por factos qualificados na referida denúncia como “extorsão”.
  4. O autor desconhece a identificação do agente que procedeu à elaboração do auto de denúncia, bem como a data em que foi elaborado o auto de notícia.
  5. O autor sentiu-se incomodado com o referido processo-crime, tendo, para mais, ficado sujeito a TIR durante anos, até o findar do processo, o qual terá ocorrido em 1998, dado não ter sido notificado do despacho de arquivamento.
  6. Desta forma, a 13/10/1998, o autor apresentou junto do DIAP de Lisboa queixa-crime, por denúncia caluniosa contra JMAM, tendo o inquérito corrido na 4.ª secção do DIAP, sob o n.º 14364/98.5TDLSB.

    7/8. Todavia, o referido inquérito foi arquivado por despacho de 27/10/1999, tendo o autor apresentado reclamação e requerido abertura de instrução, que foi rejeitada a 02/05/2000, pelo Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa por extemporaneidade.

  1. O autor procurou, ainda, sem sucesso, reabrir o inquérito, conforme despacho de 13/02/2006, confirmado por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07/11/2006.
  2. Face ao conteúdo da denúncia referida em 3, a 21/07/2009 o autor intentou acção declarativa de condenação com processo sumaríssimo contra JMAM, pedindo a condenação deste último no pagamento de indemnização no valor de 3.000€, bem como em despesas tidas, a apurar em sede de execução da sentença, acrescida de custas legais, a qual correu termos no Juízo de Pequena Instância Cível de Sintra sob o n.º 21656/09.3T2SNT.
  3. O tribunal de Sintra, tendo embora considerado como provados os factos constantes dos artigos 1 a 8 da presente PI, considerou a acção improcedente, por não provada.

   12/13. Com efeito, ao apurar a existência de um facto voluntário e ilícito, praticado por JMAM, considerou o tribunal [na sentença de 28/09/2011 – como resulta do documento junto pelo autor] que “apenas se apurou ter aquele apresentado queixa-crime contra o réu em 1994. Da participação feita na ocasião lê-se “(…) começou a ser abordado por um individuo desconhecido,  que se identificou como o denunciado, o qual lhe exigiu o pagamento dos quatros citados cheques, alegando que a PJ já estava à procura do ora participante e o assunto em tribunal, exigindo-lhe, pressionando-o que pagasse  tal quantia. (…) Que não tem assim qualquer tipo de divida emergente de tais cheques, estando o denunciado com o seu comportamento a procurar extorquir ao depoente tal quantia.” “Os factos imputados por JMAM não traduzem a existência de qualquer crime. Era lícito ao autor encetar diligências judiciais para a realização do que entendia ser o seu direito, o que, aliás, fez (cfr. factos provados n.ºs 1 a 6). Por outro lado, não foi feita qualquer prova susceptível de permitir concluir ter JMAM apresentado a queixa em apreço distorcendo os factos e para atingir o bom nome, a honra e a dignidade do autor, como o mesmo pretende. Por último, tenha-se ainda em atenção que a qualificação feita por factos narrados por JMAM à autoridade policial não lhe pode ser imputada. Na verdade, a queixa criminal foi feita por denúncia oral, sendo certo que não se provou ter o preenchimento da “classificação da infracção” (onde se lê “extorsão”) ter sido feita por JMAM. Deste modo, e já por esta via, não se demonstra a existência de qualquer facto ilícito perpetrado por JMAM. […]”

  1. O certo, porém é que tal auto de denúncia determinou que o autor fosse constituído como arguido e sujeito a termo de identidade e residência.
  2. Tendo ficado, assim, limitado nos seus direitos, liberdades e garantias, o que lhe acarretou prejuízos de índole financeira e pessoal.
  3. Com efeito, a denúncia apresentada atingiu o bom nome, a honra e a dignidade do autor, a qual, não foi desenvolvida por JMAM, conforme foi expresso na sentença referida de 11 a 13, pelo que claramente que a sentença refere que a responsabilidade de palavras insultuosas relativamente ao autor foi da autoridade policial.
  4. Por outro lado, o autor, encontrando-se em situação de carência económica, viu a sua estabilidade física e social afectadas, agravada por aquela sentença, desresponsabilizando JMAM, já responsável pela perda patrimonial tutelada pelos cheques, não o tendo igualmente considerado responsável pelas expressões injuriosas usadas no referido auto de denúncia.
  5. O autor, em virtude de toda esta factualidade, tem sofrido danos não patrimoniais que correspondem aos seguintes padecimentos: cefaleias, dores de cabeça, distúrbios do sono, tonturas e vertigens, formigueiros, perda de memória e alteração na visão, provavelmente provenientes de stress pós-traumático, provocado pela factualidade.

              Na parte da petição sob a epígrafe ‘do direito’ o autor ainda escreve:

         […]

  1. No caso em apreço, o facto voluntário foi a qualificação da denúncia de JMAM como crime de coacção pela autoridade policial que documentou a queixa apresentada, e devidamente expressa em sentença.

         […]

  1. Está em causa a conduta ilícita da autoridade policial, directamente desconhecida pelo autor, a qual ofendeu a honra e o bom nome do autor enquanto arguido ao qualificar os actos como crime de extorsão, tendo o inquérito sido arquivado.
  2. Já na vigência do Decreto 48051, se entendia que “O conceito de ilicitude que se colhe no transcrito art. 6 do DL 48051 é mais abrangente que o estabelecido no art. 483 do Código Civil uma vez que neste o dever de indemnizar só nasce se o facto ilícito decorrer de uma violação, com dolo ou mera culpa, de uma disposição legal destinada a proteger os interesses de terceiros, ao passo que naquele se considera ilícito não só o acto que viole estas disposições legais, mas também aquele que viole as normas regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.” […]

         […]

  1. Com efeito, cabe à autoridade policial receber a denúncia dos factos apresentados mas não a qualificação dos mesmos, a qual deverá ser apurada em sede de inquérito, não se podendo substituir ao denunciante nas palavras a utilizar, conforme a magistrada judicial decidiu na sentença […] 21656/09.3T2SNT.
  2. Assim, a atitude autoridade policial, constituindo facto ilícito, é também culposa, sendo censurável no plano ético, porquanto uma administração zelosa teria atuado em conformidade com as normas aplicáveis.

         […]

              Num terceira parte, sob a epígrafe ‘da extemporaneidade da acção’, o autor escreveu:

  1. O apoio judiciário foi concedido na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento da compensação de patrono, atribuição de agente de execução, por despacho de 01/09/2011, conforme ofício da Segurança Social que se anexa.
  2. A nomeação do actual patrono só teve lugar a 16/062016, conforme ofício da Ordem dos Advogados, que se anexa.
  3. Tendo sido constituídas duas vicissitudes para prorrogação do prazo de propositura da acção, conforme documento que se junta como n.º 8, e cujo teor se considera reproduzido.
  4. Pelo que a acção foi intentada dentro dos prazos legais.

              Em 15/12/2016, o TACL absolveu o réu da instância, depois de no texto do despacho considerar que a PI era inepta por ininteligibilidade da causa de pedir. E decidiu também que as custas seriam “pelo autor, sem prejuízo do apoio judiciário de que venha a beneficiar (devendo para o efeito juntar o respectivo comprovativo, uma vez que o documento junto se reporta a 01/09/2011).”

              O autor recorreu deste saneador-sentença e disse ter apoio judiciário, reafirmando o que já tinha escrito na parte final da PI.

              Por despacho de 16/02/2017, o TACL determinou a notificação do autor para juntar aos autos comprovativo da concessão do apoio judiciário sob pena de desentranhamento do requerimento do recurso.

              O autor reclamou contra este despacho.

              Por despacho de 15/05/2017, foi determinada “a notificação do autor para, em 10 dias, juntar o comprovativo da concessão do benefício do apoio judiciário ou efectuar o pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da reclamação […], sob pena de desentranhamento da mesma […].”

              A 16/05/2017, o autor juntou de novo os documentos referidos na III parte da PI.

              Por despacho de 05/06/2017, foi determinado que se fizesse uma série de diligências de prova para se comprovar se o autor gozava de apoio judiciário, delas resultando que o pedido de protecção jurídica, para este processo, tinha sido feito a 25/08/2011 e deferido a 01/09/2011.

              Por despacho de 25/07/2017 o recurso foi admitido e foi mandado citar o réu para os termos do recurso e para os da causa.

              O Estado contra-alegou, entre o mais defendendo a improcedência do recurso.

              Por decisão singular de 0/11/2017, o Tribunal Central Administrativo do Sul revogou o despacho recorrido, por considerar que não se verificava a ineptidão da PI.

              A 07/03/2018, o autor, na sequência de um despacho de 20/02/2018, que não ficou desmaterializado, veio dizer que:

1/ Na acção interposta, está em causa a qualificação da denúncia de JMAM como crime de coacção [sic] pela autoridade policial que documentou a queixa apresentada.

2/ O erro judiciário, conforme resulta do n.º 1 do art. 13 da Lei 67/2007, de 31/12, tem por objecto “danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto”.

3/ Deste modo, estando em causa um acto da autoridade policial, deve ser considerada como competente a jurisdição administrativa, nos termos da al. h) do n.º 1 do art. 4 do ETAF.

              A 29/04/2018, o TACL declarou-se incompetente em razão da matéria para conhecer do litígio, cabendo tal competência à jurisdição comum; determinou, entre o mais, que o autor fosse notificado nos termos e para os efeitos do art. 142/2 do CPTA.

              A 13/07/2018, o autor requereu a remessa do processo para o tribunal judicial da comarca de Lisboa, o que foi feito a 29/10/2018.

              A 04/12/2018, o Estado contestou, excepcionando a prescrição do eventual direito do autor – pois que, pelo menos desde a prolação da sentença de 28/09/2011 proferida no processo 21656/09, tem conhecimento da invocada qualificação dos factos pela PJ no processo 14692/94.4JTLSB e, portanto, tem conhecimento do invocado facto gerador de responsabilidade civil e dos danos que reclama, e a acção apenas foi proposta em 15/09/2016 – e impugnando “todos os factos alegados pelo autor, seja porque desconhece, sem obrigação de saber, da sua veracidade, seja porque são meramente conclusivos”, dizendo em relação a parte deles que tal ocorre “uma vez que, a este respeito, os documentos juntos com a PI, por se tratarem de meras fotocópias não autenticadas ou certificadas, não têm a virtualidade probatória pretendida pelo autor.”

              O autor foi convidado a responder à excepção e fê-lo repetindo, no essencial, aquilo que já tinha dito na PI, como defesa antecipada, quanto à extemporaneidade da acção.

              A 19/02/2020, o tribunal deu procedência à excepção peremptória da prescrição, absolvendo o réu do pedido.

              O autor interpôs recurso desta decisão, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que são, no essencial, uma mera repetição das alegações [transcrevem-se apenas as úteis, sendo as anteriores simples descrição do decidido]:

VI Resulta do art. 33/4 da Lei 34/2004, que “a acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono”.

VII. Tendo sido deferido apoio judiciário em Setembro de 2011, não haviam passado três anos desde 28/09/2011.

VIII. A Lei de apoio judiciário inibe ao beneficiário autonomia na escolha de patrono, acto administrativo que, por via de formulação legal, está acometido aos Conselhos Regionais da Ordem dos Advogados.

IX. O autor não pode ser prejudicado no seu direito pela interposição tardia da acção.

X. Embora a presente acção tenha sido interposta a 15/09/2016, tendo a nomeação do patrono oficioso ocorrido a 16/06/2016, foi pedida prorrogação do prazo para interposição da presente acção, a qual veio a ser deferido pela Ordem dos Advogados.

XI. A acção foi intentada em tempo, não se verificando a excepção da prescrição.

XII. Pelo exposto, o tribunal a quo violou os artigos 5 da Lei 67/2007 de 31/12, 498/1 do CC e 33 da Lei 34/2004, de 29/07.

              O réu contra-alegou no sentido da improcedência do recurso.

                                                                 *

              Questão a decidir: se o direito do autor está prescrito, e, se não estiver, que consequências haverá a tirar.

                                                                 *

              O tribunal recorrido deu como provado, em síntese, que:

  1. O autor intentou esta acção.
  2. O TACL absolveu o réu no saneador.
  3. O autor recorreu.
  4. O TCAL revogou o saneador-sentença.

     5/6/7. A súmula do que o autor alegou na PI de 15/09/2016, que fez, no que importa, com as seguintes partes retiradas da PI: “a qualificação dos factos denunciados pelo denunciante, na Polícia Judiciária como ‘extorsão’ e que deram origem ao processo 14692/94.4JTLSB” e a “conduta ilícita da autoridade policial, […] ao qualificar os actos como crime de extorsão, tendo o inquérito sido arquivado.”

              O tribunal recorrido fundamentou assim a decisão quanto à prescrição:

         O autor não indica a data concreta na qual terá sido apresentada a invocada denúncia na Polícia Judiciária, contudo, e de acordo com os factos alegados pelo autor, o pretenso facto ilícito, gerador da responsabilidade civil, terá ocorrido em 28/09/2011 – data da prolação da decisão no processo 21656/09.3T2SNT.

         Nos termos do disposto nos artigos 5 da Lei 67/2007, de 31/12, e 498/1 do CC, é de 3 anos o prazo de prescrição aplicável à responsabilidade civil extracontratual do Estado.

         Tal prazo conta-se a partir da “data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete”, mesmo que desconheça a pessoa do responsável e a extensão integral dos danos.

         No caso dos autos, o autor, pelo menos desde a prolação da sentença proferida no processo 21656/09, tem conhecimento da invocada qualificação dos factos pela PJ, no processo 14692/94.4JTLSB e, portanto, tem conhecimento do invocado facto gerador de responsabilidade civil e dos danos que reclama.

         Apenas, em 15/09/2016, foi proposta a presente acção, sem que tenha havido qualquer causa de interrupção ou suspensão do prazo de prescrição.

         Verifica-se assim, que se encontra prescrito o direito invocado pelo autor, pelo que se absolve o réu do pedido, por verificada a excepção de prescrição – cfr. os artigos 304/1 do CC e 576/1-3 do CPC.

                                                                 *

              Os factos: a decisão recorrida dá certos factos como provados; esses factos correspondem, no essencial, àquilo que poderia ser o relatório da sentença: trata-se da narração do que aconteceu no processo e do que foi alegado pelo autor na PI. Depois, ao decidir, utiliza, na fundamentação, um facto (uma data) que resulta de documento que foi apresentado pelo autor com a PI.

            O réu desvalorizou (o que é diferente de impugnar), de forma genérica, quase todos documentos juntos pelo autor, mas serviu-se daquele facto invocado pela sentença, que decorre do documento junto pelo autor, pelo que não há dúvida que aquele facto está provado.

              Por outro lado, face ao disposto no art. 368 do CC – as reproduções fotográficas ou cinematográficas, os registos fonográficos e, de um modo geral, quaisquer outras reproduções mecânicas de factos ou de coisas fazem prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exactidão – e ao facto de o réu se ter limitado a desvalorizar os documentos, sem dizer que eles fossem inexactos, eles podem fazer prova dos factos alegados pelo autor na medida em que deles resultarem, nos termos do art. 376 do CC. Ora, os documentos em causa (os que estão num doc. do processo electrónico com a data 09/04/2019, mas também com os dois ofícios de 23/04/2019, enviando certidão do processo 21656/09, onde foram juntos outros documentos, que também não foram impugnados pelo réu) são fotocópias de peças processuais, pelo que pelo menos provam o que neles está escrito, independentemente de serem verdadeiras as afirmações que lá são feitas. O que é suficiente para considerar provado o que vai ficar a constar dos primeiros 5 pontos que se descriminarão.

              O autor, ao contra-alegar, utilizou outros factos que já alegava na petição inicial, à guisa de defesa antecipada contra a excepção de prescrição e de justificação para o atraso na propositura da acção. O réu aceita que estejam provados o essencial daqueles factos e não impugnou, nem desvalorizou, os documentos que o autor juntava para prova deles.

              Por fim, das diligências feitas pelo TACL, já referidas acima, decorre que o pedido de nomeação de patrono foi feito a 25/08/2011.

              O que é suficiente para a prova dos restantes 3 pontos.

              Importa, por isso, refazer a discriminação dos factos provados, tendo em consideração que aos acórdãos dos tribunais de recurso é aplicável o disposto no art. 607/4, por força do art. 663/2, ambos do CPC, isto é, entre o mais, na fundamentação da sentença, o juiz […] toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito […]”

              Os factos que importam à decisão desta acção são então os seguintes:

  1. Num processo com n. de 1994, JMAM apresentou uma queixa-crime contra o autor por factos qualificados na referida denúncia como “extorsão”.
  2. A 13/10/1998, o autor apresentou queixa-crime, por denúncia caluniosa, contra JMAM, por este ter apresentado aquela denúncia. Nessa queixa escreveu, entre o mais:

            Os factos descritos pelo ora denunciado perante o Sr. Agente da PJ, a verificarem-se, seriam susceptíveis de integrar a prática pelo ora denunciante de um crime de extorsão. Os factos constantes da queixa apresentada pelo ora denunciado foram por si propositadamente distorcidos de forma a falsear a verdade dos factos. […] Os autos de inquérito seguiram os seu termos […] Por despacho de fls. o delegado do MP ordenou o arquivamento destes autos, por não se ter apurado quaisquer elementos susceptíveis de fundamentar tão grave acusação. O certo é que no âmbito deste inquérito, o ora denunciante foi constituído arguido e ficou sujeito durante mais de um ano à medida de coacção de termo de identidade e residência, limitadora dos seus direitos e liberdades constitucionais, o que lhe acarretou inevitáveis prejuízos de natureza pessoal, social e profissional. E tal sucedeu porque o ora denunciado apesar de ter plena consciência da falsidade da imputação dos factos e sem ter requerido qualquer diligência de prova para comprovar as suas falsas alegações, e apenas com o intuito malicioso de atingir o bom nome, a honra e dignidade do ora denunciante, confirmou a sua queixa e expressou a sua vontade de prosseguir o procedimento criminal contra o ora denunciante, tendo conseguido tal desiderato.

  1. O inquérito originado pela queixa referida em 2 foi arquivado por despacho de 27/10/1999, tendo o autor apresentado reclamação e requerido abertura de instrução, que foi rejeitada a 02/05/2000, pelo Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa por extemporaneidade.
  2. A 21/07/2009, o autor intentou acção declarativa contra JMAM, pedindo a condenação deste no pagamento de indemnização no valor de 3.000€, a qual correu termos no tribunal Sintra sob o 21656/09.3T2SNT.
  3. A 28/09/2011, o tribunal de Sintra, considerou a acção improcedente, nela dizendo, entre o mais aquilo que está transcrito nos artigos 12 e 13 da PI do autor.
  4. A 01/09/2011 foi deferido o requerimento de protecção jurídica feito pelo autor – que tinha sido feito a 25/08/2011 -, na modalidade, entre outras, de nomeação e pagamento da compensação de patrono, para propor acção, num ofício da Segurança Social com a referência 151272/2011.
  5. Esta acção – que tem o fim de obtenção de uma indemnização pela qualificação como extorsão dos factos denunciados por JMAM – foi intentada a 15/09/2016.

                                                                 *
                                                     Da prescrição

              O art. 498/1 do CC, dispõe que “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.”

              Esta norma é aplicável à responsabilidade civil extracontratual do Estado, quer por força do antigo art. 5/1 do DL 48051, de 21/11/1967, quer por força do actual art. 5 da Lei 67/2007, de 31/12.

              Registe-se: o prazo conta-se a partir do conhecimento do direito embora com desconhecimento da pessoa do responsável.

              Antunes Varela, diz que “fixou-se o prazo da prescrição em três anos, a contar do momento que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu” remetendo, em nota, para os acórdãos do STJ de 27/11/1973, RLJ 107, pág. 296 e segs, e de 09/03/1976, RLJ 110, pág. 53, ambos anotados por Vaz Serra, e ainda para o de 06/10/1983, BMJ 330, pág. 495 (Das obrigações em geral, Almedina, 9.ª edição, 1998, pág. 649).

              A interpretação da posição de Antunes Varela, com base numa edição posterior (2000, pág. 626) é feita por Gabriela Páris Fernandes assim: “Antunes Varela considera suficiente, para que se considere que o lesado ‘tem conhecimento do direito que lhe compete’ e se inicie o prazo curto de prescrição, que o lesado se torne conhecedor da existência, em concreto, dos pressupostos que condicionam a responsabilidade civil como fonte da obrigação de indemnizar, ainda que, do ponto de vista intelectivo, desconheça, por ignorância da lei, a existência do seu direito.”

              Acrescenta esta autora que “A jurisprudência, revelando a preocupação de ater-se a um critério que apele a um mínimo de objectividade (cfr., neste sentido, ac. do STJ de 27/11/1973, já citado), tem decidido que o prazo curto de prescrição estabelecido no n.º 1 do art. 498 se conta a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu (ac. do STJ de 27/11/1973, já citado, e ainda, a título ilustrativo, o ac. do STJ de 06/10/1983), mais esclarecendo que o momento em que se inicia o prazo curto de prescrição é aquele em que sejam conhecidos do lesado os pressupostos da acção de indemnização, traduzidos nos seus elementos fácticos e não o reconhecimento judicial da verificação do facto lesivo e sua qualificação, v.g., como facto ilícito em acção que, para este último efeito, tenha sido proposta (cfr., acórdãos do STJ de 18/04/2002, 03/11/2005, 04/11/2008, 23/02/2010). […]”.

              Quer isto dizer que a jurisprudência não tem seguido a posição contrária de que dá conta esta autora, como é, por exemplo, para além da de Vaz Serra, a de Júlio Gomes, que diz: “o conhecimento do direito pelo lesado, a que se refere o art. 498/1 do CC, não se confunde, como muito bem destacou Vaz Serra (anotação ao ac. do STJ de 27/11/1973, RLJ 3532, ano 107, páginas 298 e seguintes, pág. 299) com o conhecimento da verificação dos pressupostos da responsabilidade: ‘se ele [o lesado] conhece a verificação dos pressupostos da responsabilidade do lesante, mas não sabe que tem direito de indemnização, não começa a correr o prazo da prescrição de curso prazo […] se o lesado não tem conhecimento do seu direito de indemnização, não pode, praticamente, exercê-lo.” (Comentário ao CC, Parte Geral, UCE, 2014, pág. 753).

              Ou, como dizem Ribeiro Faria, Miguel Pestana Vasconcelos e Rute Teixeira Pedro: “Mas três anos, como diz a lei, a partir da data em que o lesado teve conhecimento ‘do direito que lhe compete’. Daí a questão de saber se basta o conhecimento dos pressupostos do direito ou se é necessário que o lesado tenha consciência do direito à indemnização. O texto da lei parece inculcar a segunda interpretação. O texto e até o seu espírito. Pois que, se o lesado não tem conhecimento do seu direito, não pode, logicamente, exercê-lo (cf. Vaz Serra, RLJ. 107 (1975) 299).” (Direito das Obrigações, vol. I, 2.ª edição, 2020, Almedina, pág. 503, nota 1300).

              Repete-se, com o acórdão do STJ de 05/05/2020, proc. 1414/18.5T8CHV.G1.S1, que a jurisprudência tem aceitado a posição de Antunes Varela e não a destes autores, ou seja, para que se considere que o lesado ‘tem conhecimento do direito que lhe compete’ e se inicie o prazo curto de prescrição, é suficiente que o lesado se torne conhecedor da existência, em concreto, dos pressupostos que condicionam a responsabilidade civil como fonte da obrigação de indemnizar, ainda que, do ponto de vista intelectivo, desconheça, por ignorância da lei, a existência do seu direito.”

              Posto isto,

              A 13/10/1998, o autor apresentou queixa-crime por denúncia caluniosa contra JMAM, por este ter apresentado a denúncia referida em 1 (facto 2).

              Com o que o autor escreve naquela queixa, transcrita na parte que interessa no facto 2, o autor está a revelar que já a 13/10/1998 – data da queixa que fez – teve conhecimento dos pressupostos do direito à indemnização que agora está a exercer: o facto ilícito e culposo e os danos que lhe provocou (incómodo), o que implica o respectivo nexo de causalidade.

              Assim, o início do prazo contar-se-ia, pelo menos, desde 13/10/1998.

                                                                 *

                                           Da pessoa do responsável

              O autor, no entanto, sugere que só com a sentença de 28/09/2011 teve conhecimento que a pessoa responsável pelos factos seria outra que não o por ele então accionado e a sentença e o réu aceitam, embora por falta de elementos para outra data, começar a contar o prazo a partir, pelo menos, desta data.

              Diga-se antes de mais que esta construção do autor – como outras (não é verdade, por exemplo, que o tribunal de Sintra tenha considerado como provados os factos constantes dos artigos 1 a 8 da PI, ao contrário do que o autor diz em 11 da PI; também não é verdade que aquilo que o autor diz em 33 da PI seja “… conforme [com o que] a magistrada judicial decidiu na sentença” do Tribunal de Sintra) – não está certa. Se o autor pediu, para aquela que veio a ser esta acção, a nomeação de patrono em 25/08/2011 então não foi com base na sentença de 28/09/2011 que pode ter decorrido o seu conhecimento da pessoa responsável contra a qual já tinha decidido agir antes da sentença.

              De qualquer modo diga-se que quanto ao desconhecimento da pessoa do responsável, já se viu que a lei diz que tal é indiferente para o início do prazo.

              Antunes Varela esclarece: “A lei tornou ainda o início da contagem do prazo independente do conhecimento da pessoa do responsável. Essa parte do preceito tem, no entanto, de ser entendida em termos hábeis. Se o lesado só tiver conhecimento da identidade do responsável depois de verificada a lesão, o prazo de 3 anos para a propositura da acção não se conta desse conhecimento, como anteriormente [isto é, no direito anterior ao CC de 1966 – parenteses deste TRL], mas a partir da data em que o lesado teve conhecimento do seu direito” e remete de novo para o já citado acórdão do STJ de 27/11/1973 e anotação de Vaz Serra (pág. 650).

              E ainda mais à frente: “Se, porém, no momento em que finda o prazo, ainda não for conhecida a pessoa do responsável, sem culpa do lesado nessa falta de conhecimento, nada impedirá a aplicabilidade ao caso do disposto no art. 321 [do CC]” (pág. 651).

              O artigo 321/1 do CC tem o seguinte teor: A prescrição suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo.”

              Quanto a isto, diz Gabriela Páris Fernandes: “O n.º 1 do artigo 498 determina, ainda, que o prazo curto de prescrição de três anos se conta a partir da data em que o lesado tem conhecimento do direito que lhe compete, «embora com desconhecimento da pessoa do responsável, contrariando a solução proposta por Vaz Serra nos trabalhos preparatórios do Código – 1959a: 38-39 e 64 – e afastando-se, quanto a este aspecto, da solução consagrada no § 852, al. 1, BGB (na redacção e numeração originárias), que inspirou, em geral, o artigo 498.º e em que o início do prazo de prescrição de curto prazo depende do conhecimento pelo lesado da pessoa do responsável (para uma crítica severa à solução consagrada na redacção definitiva do n.º 1 do artigo 498., dispensando a necessidade de conhecimento do responsável, cfr. Sá Carneiro, 1968: 160). A razão que preside à solução legal – admitindo o início do prazo curto de prescrição, ainda que o lesado desconheça a pessoa do responsável – é a de impedir que o prazo de prescrição se prolongue por incúria do lesado em identificar o responsável (Pires de Lima/ Antunes Varela: 1987: 503). Sendo esta a razão de ser da lei, entende a doutrina que, se no final do prazo de prescrição não for conhecida, sem culpa do lesado, a pessoa do responsável, deve aplicar-se o disposto no artigo 321.º, que determina a suspensão do prazo de prescrição durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior ou em consequência de dolo do obrigado, no decurso dos últimos três meses do prazo […]” (a autora cita a seguir doutrina e jurisprudência neste sentido).

              Mas a qualificação dos factos, só por si, é irrelevante. Os factos objectos da queixa-crime não passam a ser diferentes devido à qualificação como um determinado crime. O que leva à existência do processo-crime contra o autor são os factos que lhe eram imputados, não a qualificação deles, e a imputação daqueles factos foi feita por JMAM e não pelo agente da PJ responsável pela qualificação.

              Pelo que não haveria razões para alterar a conclusão a que acima se chegou quanto ao início do prazo da prescrição.

                                                                 *              

              Mas se o facto de que o autor agora pretende ser indemnizado é a qualificação formal dos factos como crime de extorsão feita pelo agente da PJ, num processo de 1994, então não há nenhuma razão, a não ser a sua incúria, que possa justificar o facto de, até 2011 [data em que a acção destes autos se teria de considerar proposta – questão que não se desenvolve aqui por não ter interesse a demonstração; se não fosse esta data, a outra seria a de 2016, o que ainda desfavoreceria mais o autor] não ter investigado quem era a pessoa responsável por ela.

              Pelo que, também por aqui não se justifica a modificação da conclusão a que acima se chegou quanto ao início do prazo da prescrição, pois que não há razão para aplicar o art. 321/1 do CC.

                                                                 *

Do prazo

              Por força do art. 498/3 do CC, se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.

              A acção respeita a um facto ilícito que corresponde a um crime – denúncia – com um prazo de prescrição de 5 anos (artigos 408/1 e 117/1-c do CP na versão anterior a 1995, ou 365/1 e 118/1-c do CP na versão posterior a 1995, tal como publicadas no sítio da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa).

              Logo, o prazo de prescrição em causa, no caso, tem a duração de 5 anos.

           Da pendência do processo-crime

              Seguindo o acórdão do STJ de 22/05/2018, proc. 2565/16.6T8PTM.E1.S2, que reitera jurisprudência sobre a questão (assim os acs. do STJ de 22/01/2004, proc. 03B4084, de 10/02/2004, proc. 04A4284, de 13/10/2009, proc. 206/09.7YFLSB, de 22/05/2013, proc. 2024/05.2TBAGD.C1.C1, de 27/01/2016, proc. 2522/11.9TBVFX.L1.S1 – todos eles já citados pela autora referida acima), uma vez iniciado um procedimento criminal com a notícia do crime, o prazo de prescrição apenas começa a correr, nos termos do art. 306/1 do CC, com o desfecho do inquérito, portanto, com a dedução da acusação contra o arguido em tais autos, momento a partir do qual o direito pôde ser exercido na acção civil, ou com o arquivamento definitivo do mesmo, ou com o despacho que remete as partes civis para os meios comuns.

              Isto porque o art. 71 do CPP consagra o princípio da adesão da acção civil à acção penal que, mais do que uma mera interdependência das acções, arrasta o pedido de indemnização civil de perdas e danos para a jurisdição penal e porque, não obstante as diversas salvaguardas à obrigatoriedade de o direito à indemnização ser exercido no procedimento penal, plasmadas no art. 72 do CPP, assiste ao lesado o direito de aguardar o termo do inquérito criminal, com o seu arquivamento ou com a dedução da acusação, se, perante qualquer das situações abarcadas em tais ressalvas, não quiser recorrer, logo, à acção cível em separado (aqui ainda se esteve a citar passagens do referido acórdão).

              O autor deduziu um processo-crime em 1998 e só há notícia de que este findou em data indeterminada mas fixável entre 27/10/1999 e 02/05/2000 (factos 6 a 8).

              Assim, o prazo de 5 anos iniciou-se, pelo menos, a 03/05/2000 e, não sendo alegadas nenhumas outras causas de interrupção ou suspensão desse prazo, terminou a 02/04/2005.

              Pelo que, independentemente das vicissitudes do pedido de nomeação de patrono, quando este foi feito, em 25/08/2011, já o prazo de prescrição estava decorrido.

                                                                 *

              Assim, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, embora com diferente data de início da contagem do prazo e prazo diferente.

              Sem custas, visto que o autor beneficia de dispensa do pagamento delas.

              Lisboa, 14/01/2021

              Pedro Martins (o signatário consigna que mudou de posição quanto à solução do caso, depois da discussão do projecto em colectivo, pois que, antes, não tinha dado relevo à queixa-crime de 1998 para a questão da prescrição e tinha considerado a acção manifestamente improcedente, sendo que esta questão se deixou de pôr com a decisão daquela).

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto