Voto vencido:

              Hoje já não há dúvida de que a introdução, pela Lei 122/2015, dos n.ºs 3 e 4 do art. 989 do CPC, criou um novo direito substantivo do progenitor que está a pagar as despesas do filho maior. Tais normas não têm, por isso, nada a ver com a legitimidade processual para a cobrança de pensões fixadas ao filho maior.

            (neste sentido, já o voto de vencido [publicado aqui, com outros elementos] no ac. do TRP de 16/06/2016, proc. 422/03.5TMMTS-E.P1 [sendo que o voto de vencido não se reporta a esta questão, sobre a qual não houve divergência, porque o próprio acórdão do TRP reconhece que o art. 989/3 do CPC criou um direito substantivo do progenitor e não do filho]), a declaração de voto no ac. do TRL de 04/04/2019, proc. 769/15.8T8LRS.1.L1, e o estudo de Daniela Pinheiro da Silva, Alimentos a filho maior, Almedina, Junho 2019)

             É certo que não foi este o objectivo visado pelo legislador, que tentou resolver um problema processual pela importação de um regime que vigorava em França. Só que o legislador incorreu no erro de copiar um artigo do Código Civil francês (art. 373-2-5) que atribui um direito ao progenitor e que não trata da legitimidade processual para este exercitar o direito do filho [pelo que, a dar-se relevo à vontade do legislador, essa vontade seria a vontade do legislador francês; mas o que interessa é antes a vontade da lei e essa só pode ser a da lei francesa já que a vontade da lei portuguesa decorre, notoriamente de um acto falhado do legislador português].

             Erro do legislador que acabou por criar um direito substantivo importante (do progenitor, não do filho) que não deve ser perdido nem adulterado com a sua interpretação como um direito processual para exercitar um direito do filho maior.

            E deveria ser por via deste direito que o progenitor, que está a pagar mais do que a sua parte na obrigação, devia acautelar a sua posição, via mais natural e lógica, agora que ela existe, do que a de pretender exercer o direito do filho maior.

               Mas quando ele não siga aquela via, e pretenda cobrar do outro progenitor aquilo que pagou da parte da obrigação alimentar devida por este, o problema que existia continuou a existir e tem de continuar a ser resolvido nos mesmos termos do direito anterior à Lei 122/2015.

                Sendo que esse problema processual tem uma base substantiva.

             É que, relembre-se, o direito à pensão é do filho (veja-se, com referências suficientes, o ac. do TRC de 12/06/2012, proc. 21-E/1997.C1; há outros acórdãos em que se segue posição contrária, mas sem fundamentação legal e com invocação de doutrina que aponta em sentido contrário, isto é, precisamente, de que o direito é do filho), que é maior, pelo que já não é representado pelo progenitor. E muito estranho seria que um direito do filho maior pudesse ser exercitado por um seu progenitor (como se aquele não tivesse ainda capacidade de exercício de direitos e continuasse a ser representado pelo progenitor).

               Pelo que, o que pode ser exercitado é apenas o direito do progenitor ao valor da parte das pensões por ele paga a mais e este só existe no caso de se ter sub-rogado no direito do filho maior, através do comprovado pagamento das pensões e apenas no limite deste pagamento (artigos 589, 590, 592 e 593 do CC).

        A construção da possibilidade da sub-rogação, a considerar-se que a obrigação alimentar dos progenitores para com os filhos não será solidária (o que parece resultar dos artigos 513/1 e 2010/1 do CC), para colmatar o facto de o interesse moral não preencher o requisito do interesse directo exigido pelo art. 592 do CC, passará pelo recurso às normas, com os respectivos pressupostos, do art. 477 do CC ou do art. 472 do CC, ou talvez por considerar que aquele interesse directo resulta das normas do art. 2010/2 do CC, quando os pressupostos daquelas se verificarem (estas vias de fundamentação resultam do que é dito por Maria João Romão Carreiro Vaz Tomé, no CC anotado, Direito da Família, coordenação de Clara Sottomayor, Almedina, 2020, páginas 1080-1082, especialmente anotações 5II e 6 ao art. 2010, e por Rute Teixeira Pedro, em anotação ao art. 2010 do CC anotado, vol. II, Almedina, coordenação Ana Prata, 2017, páginas 917-918, em conjugação com a posição já invocada de Paulo Olavo Cunha quanto à sub-rogação no voto de vencido no ac. do TRL de 2019).

              E a exigência da verificação processual dos pressupostos da sub-rogação levará a que o direito dos filhos não seja arbitrariamente postergado pela actuação dos progenitores (por exemplo, com o progenitor que apenas pagou a sua parte nos alimentos dos filhos, a reclamar do outro, para si, o pagamento da outra parte; sendo que não há base legal para presumir que um progenitor pagou a parte do outro apenas porque o diz ter feito. Até porque, e é o que na maior parte das vezes se verificará, pode não ter tido condições económicas para o fazer, tendo sido os filhos que sofreram privações pela falta de pagamento da pensão, pelo que o que é justo é que sejam eles, nestes casos, a exigir esse pagamento, para eles).

              Ora, no caso dos autos considero que não há elementos para dizer que estejam alegados ou indiciados os pressupostos da sub-rogação ou que os filhos não serão prejudicados com a exigência, pelo progenitor exequente, do pagamento, para si, daquilo que era devido aos filhos.

              Pelo que confirmaria a decisão recorrida.

              Pedro Martins