Processo do Juízo Local Cível de Lisboa

              Sumário:

              I – Quando os réus seguradora e banco tomador de seguro de grupo não provam a comunicação das condições contratuais que a ré seguradora pretende opor ao aderente/segurado, elas consideram-se excluídas do contrato (artigos 5/1-2 e 8/-a da LCCG).

              II – O mesmo acontece se eles não provam o cumprimento do dever de informação (artigos 6/1 e 8/-b da LCCG).

              III – A declaração assinada por um aderente, numa folha onde não constam quaisquer condições contratuais, de “que lhe foram dadas a conhecer todas as condições que regulam este contrato de seguro”, não tem valor nem como simples princípio de prova do cumprimento dos deveres de comunicação e de informação.

              IV – Aquele regime da LCCG prevalece sobre o regime dos artigos 78, 79 e 87 da LCS, por força do seu artigo 3.

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

              AA intentou a presente acção comum contra a Companhia de Seguros (= ré), e contra o Banco (= réu), pedindo que:

         seja declarado nulo e excluído dos contratos singulares o artigo 1, ponto 1.1, 5-a-b-c do contrato crédito hipotecário junto sob documento 1, bem como o artigo 1 das condições particulares, relativo a furto e roubo, do contrato casa, junto sob documento [2], por violação do dever de informação previsto no regime geral das cláusulas contratuais gerais e dos princípios de boa fé e da proporcionalidade;

         a ré seja condenada a pagar ao autor 40.722,61€ correspondentes ao valor dos danos sofridos em virtude do sinistro ocorrido a 05/02/2017 e cuja indemnização a ré garante ao abrigo dos contratos de seguro celebrados, bem como no pagamento de juros vincendos à taxa legal aplicável desde a citação até integral pagamento;

              Para tanto alegou, em síntese, que é proprietário de um imóvel; a 12/03/2016 celebrou com os réus um contrato de seguro designado crédito hipotecário, mediante o qual a ré se obrigou a indemnizar o autor dos danos no edifício, bem como um contrato de seguro multirriscos, designado casa, ao abrigo do qual a ré se obrigou a indemnizar o autor pelos danos no conteúdo do imóvel; o autor tem destinado o imóvel a arrendamento de curta duração, do que deu conhecimento à ré aquando da celebração do contrato, solicitando de forma expressa que estivessem cobertos os danos causados pelos arrendatários, nomeadamente furtos; no dia 05/02/2017, constatou que haviam desaparecido bens do imóvel e que a remoção dos bens causou danos no imóvel, tudo no valor total de 40.722,61€; deu notícia do que antecede à GNR e comunicou-o à ré no próprio dia; a ré fez uma peritagem; a 02/03/2017, a ré comunicou ao autor que não assumiria a reparação dos danos reclamados, ao abrigo de qualquer dos contratos, por não encontrarem acolhimento na apólice contratada; isto porque, segundo a ré, em sede de peritagem, não foi verificado nenhum dos pressupostos necessários para a activação da cobertura de furto ou roubo (escalamento, arrombamento e/ou chave falsa), tendo o furto sido realizado por arrendatários e a chave entregue pelo autor; quanto ao seguro casa, a ré acrescentou que não tinham sido identificados quaisquer vestígios de entrada forçada no local, pelo que a ocorrência constitui uma exclusão da apólice: “capítulo III exclusões gerais: nunca ficam garantidos, mesmo que se tenha verificado a ocorrência de qualquer risco coberto por esta apólice, os prejuízos que derivem directa ou indirectamente de: (e) relações contratuais e/ou pessoais.”

              O autor acrescenta que ambos os contratos de seguro celebrados contemplam a reparação dos danos em apreciação, pois que, mesmo estando em causa furtos qualificados por dadas circunstâncias (escalamento, arrombamento e/ou chave falsa) e não simples furtos, no processo-crime, concluído o respectivo inquérito, foi proferido despacho de arquivamento, não tendo sido possível identificar os autores do crime, e tão pouco os métodos utilizados; sem prescindir, admitindo, por hipótese, que a prática do crime tenha sido da autoria dos arrendatários, a reparação pelos danos sempre estaria garantida ao abrigo do disposto na alínea (b) da cláusula 5 do contrato em causa: pela natureza e extensão dos danos provocados, será de concluir que a intenção dos arrendatários teria sido furtar e não arrendar o imóvel para férias; e não colhe a exclusão alegada pela ré, uma vez que apenas estão excluídos os furtos ou roubos praticados por pessoas ligadas ao segurado por contrato de trabalho, verbal ou escrito.

              Acrescenta ainda que os contratos violam o direito de informação a que têm direito os respectivos destinatários, havendo discrepância entre o título (furto, sem mais) e o corpo das normas de cobertura dos dois seguros (que prevêem furtos qualificados); a omissão no título é susceptível de conduzir em erro os destinatários dos contratos, como sucedeu com o autor que ficou convencido que os contratos garantiam a reparação dos danos em caso de qualquer furto.

              Ainda: o autor celebrou os contratos em apreço, junto do balcão do réu banco; foi o gestor de conta do autor, quem, no exercício das suas funções ao serviço do réu banco, promoveu a celebração dos contratos de seguro; consta da declaração de seguro crédito que o seguro era extensível a arrendamento de casas; o mesmo se prevendo no certificado de seguro referente ao seguro casa; os réus não informaram, como era seu dever, que somente o furto qualificado estava coberto pelo seguro e que a responsabilidade extensível a arrendamento respeitava a responsabilidade civil, isto é, danos sofridos pelos arrendatários, e não a danos causados pelos arrendatários, conforme o solicitado pelo autor.

              Mais: os contratos foram apresentados ao autor pelo réu; o autor limitou-se a subscrever os respectivos clausulados, sem qualquer negociação individual prévia, tendo apenas solicitado, no âmbito das condições particulares, que fossem garantidos os danos causados pelos arrendatários; o conteúdo das condições particulares foi previamente elaborado pela ré, sem que o autor as pudesse influenciar; trata-se de contratos sujeitos à disciplina da lei das cláusulas contratuais gerais (cfr. artigos 1/1-2 e 2 do LCCG); ao abrigo do disposto no artigo 6 da LCCG “o contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique”; na ausência dos esclarecimentos referidos acima, o autor entendeu que, tanto o edifício, como o respectivo conteúdo, estavam segurados em caso de furto e danos causados pelos arrendatários; o autor não tem qualquer formação jurídica; ao ler as condições particulares do seguro e não lhe tendo sido explicadas de forma cabal, perfeita, as causas de exclusão, o autor celebrou os contratos de seguro na convicção de que a responsabilidade pelos danos em caso de furto ou roubo, em quaisquer circunstâncias, seria assumida pela ré; ao condicionar o pagamento da indemnização às circunstâncias previstas nas cláusulas dos contratos, sabendo os réus que o imóvel objecto do contrato se destina a arrendamento, é retirada a utilidade prática à cláusula geral de responsabilidade; ou seja, apenas o furto praticado por terceiros, não arrendatários, e nas circunstâncias das supras mencionadas alíneas, estariam cobertos pelo contrato de seguro, quando não foi essa a vontade manifestada pelo autor junto dos réus; o imóvel encontra-se ocupado todo o ano por arrendatários, o que os réus bem sabiam; a conduta dos réus consubstancia desrespeito das regras de boa fé e dos deveres de informação referenciados nos artigos 5, 6, 15 e 16 da LCCG; em consequência e ao abrigo do disposto nas alíneas (a) a (c) do artigo 8 da LCCG, deverão ser excluídas dos contratos singulares; tais cláusulas, além de violarem o dever de informação que impende sobre a ré, são também estabelecidas em proveito exclusivo da seguradora, numa flagrante violação dos princípios da boa fé e proporcionalidade; sabendo o referido acima, ao limitar a responsabilidade à prática de furto qualificado, a ré pretende e consegue diminuir o seu risco, diminuindo de modo desequilibrado as garantias e a aplicabilidade das cláusulas em questão, que se encontram por isso feridas de nulidade; o réu é tomador nos contratos e foi mediador deles.

              A ré (seguradora), contestou, em duas partes: na 1.ª parte, subordinada à expressão ‘por excepção’, diz, em síntese:

              Entre a ré e o autor foram celebrados os seguros crédito e o seguro casa/recheio que se regem pelas condições contratuais juntas pelo autor nos documentos 1 e 2; nos termos dessas condições, o segurado/autor transferiu para a ré o risco de furto, tal como definido nas apólices, isto é, um furto qualificado por arrombamento, escalamento ou chaves falsas; sendo que no seguro casa, consta expressamente, entre o mais, que não ficam garantidos por esta apólice: (a) os desaparecimentos, as perdas ou extravios, bem como as subtracções dos bens seguros, quando não se verifique arrombamento, escalamento, utilização de chaves falsas, violência ou ameaças físicas; (b) os furtos ou roubos cometidos por pessoas ligadas ao segurado por contrato de trabalho.

              Ambas as apólices invocadas nos autos são seguros de grupo, cujo tomador é o réu, pelas quais o autor aceitou os termos contratuais das respectivas apólices que lhe foram apresentadas pelo tomador, aplicando-se as regras legais referentes aos seguros de grupo.

              O autor participou um sinistro à ré por alegado furto. Tendo em conta o teor da participação do autor à GNR e a averiguação feita por uma empresa designada pela ré, o imóvel não apresentava sinais de arrombamento, sendo que as chaves que o autor forneceu aos clientes a quem arrendou o imóvel lhes davam acesso ilimitado a toda a casa. Não se verificam, pois, nem foram alegados, factos que integrem o conceito contratual de furto e, pela versão do autor, verificam-se factos directos que o afastam, pelo que a ré considerou que, não se verificando nenhum dos requisitos previstos nas apólices, o sinistro não tinha enquadramento contratual em ambas as apólices. Ao contrário da versão que apresenta na PI, no sentido de não saber quem realizou os actos do furto, o autor apresentou queixa contra o arrendatário alegado agente do furto e não contra desconhecidos. A ré não tem qualquer informação de que tivesse sido pedida a cobertura para furto por parte de arrendatários, como diz o autor. O autor ao arrendar a casa a um cidadão espanhol, desconhecido, a quem não pede identificação e a quem não passa um simples recibo pelo valor recebido, o que lhe era imposto em termos fiscais, coloca a moradia e os alegados bens de recheio numa situação de risco acrescido de furto, que o mesmo consentiu e aceitou; pois, mesmo que o arrendatário tivesse praticado quaisquer factos integradores de crime, se tivesse agido de forma cautelar e com a prudência de um homem médio, podia agir criminalmente contra ele, o que só não é possível porque não foram solicitados elementos e documentos de identificação do arrendatário. Não é porque os autos foram eventualmente arquivados que passa o sinistro dos autos a ser coberto – o autor tem de fazer prova do sinistro dos autos. A ré não atribui a autoria do crime a ninguém em particular, não tem de o fazer, nem recusou o sinistro por causa do arquivamento.

              Tendo em conta que o furto participado pelo autor ocorre em consequência e no âmbito de um arrendamento com entrega de chaves da moradia e portões automáticos pelo segurado, não se verifica qualquer das circunstâncias previstas nas apólices para a cobertura de furto ou roubo, não estando assim o sinistro dos autos coberto pelas apólices invocadas.

              A título cumulativo, sempre se alega que, mesmo que houvesse enquadramento, a apólice de recheio doc.2 exclui expressamente os prejuízos que derivem directa ou indirectamente de relações contratuais ou pessoais – cf. capítulo III, exclusões gerais – 3 parágrafo alínea (e), o que é o caso, tendo em conta que o autor relatou que o furto foi levado a efeito pelo arrendatário a quem entregou a chave da moradia.

              Na  2.ª parte, subordinada à expressão ‘por impugnação’ a ré aceita alguma matéria de facto e impugna outra, parte por não ser verdadeira, parte porque não tem conhecimento dela nem o dever de a conhecer. Assim, entre o mais, diz que: não consta na apólice de recheio, como alega o autor, que o seguro era extensível a arrendamento de casas. O que consta é que o autor é proprietário do imóvel em regime de arrendamento, o que releva apenas para a cobertura de responsabilidade civil do proprietário ext arrendamento de casas, o que nada tem a ver com a cobertura de furto levado a cabo por eventuais arrendatários a quem o local de risco foi cedido.

              Na parte que diz respeito à ré – continua – o autor nunca lhe solicitou quaisquer esclarecimentos ou informações adicionais ao que lhe foi informado pelo gerente de conta, no balcão do réu. De acordo com o art. 4 do DL 176/95 de 26/07, o dever de informação recai exclusivamente sobre o tomador de seguro, neste caso, o réu. Ou seja, no seguro de grupo, o dever de informar o segurado sobre o âmbito das coberturas e exclusões, bem assim, das obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações ao contrato, recai sobre o tomador do seguro – o banco – e não sobre o segurador. Pelo exposto, à ré não pode ser imputada qualquer falta ao nível do dever de explicação e esclarecimento das apólices; de resto, a imposição de que a ré tinha de mencionar furto qualificado não faz sentido, pois a cobertura de furto está definida e explicada de forma clara e acessível ao homem médio; aliás, se constasse furto qualificado, tal qualificação é mais dúbia para o homem médio do que tal como consta na apólice. A ré não está obrigada a seguir as definições de furto em sede de qualificação penal do crime. Não há fundamento para declarar como viciadas, por nulidade, as cláusulas de furto das apólices dos autos, tendo em conta que, seja por aplicação das cláusulas contratuais gerais, art. 6/2, seja pelo art. 4/5 do DL 176/95, o autor não solicitou esclarecimentos sobre a cobertura em questão. Em termos da sua apreensão, a cobertura de furto, transcrita, da sua simples leitura, o que se exigia ao autor quando celebrou as adesões, decorre em concreto e com simplicidade o que está coberto e no caso da apólice de recheio consta também o contrário da cláusula, ou seja, as situações que não estão cobertas na cobertura de furto ou roubo. Perante a ré, para além de não terem sido solicitados esclarecimentos às coberturas em causa nos autos também não foi solicitado pelo autor que era sua vontade cobrir os roubos levados a cabo por arrendatários ou que pretendia fazer um seguro específico para o alojamento local.

              De seguida, a ré põe em causa parte dos danos e dos furtos e dos valores em causa, bem como das facturas e documentos conexos, bem como a propriedade de alguns dos bens; e ainda diz que de acordo com a avaliação condicional que o perito da ré fez e estimativas, e sem prejuízo da matéria de excepção, os valores peticionados estão acima dos preços médios de mercado, sendo que, para o edifício, a provar-se os danos reclamados, o que não se concede, tais danos não ultrapassam o valor de 16.000€ e para os danos do recheio, tais danos não ultrapassam 12.000€. Na avaliação que o perito fez, constatou na apólice de recheio/conteúdo, o valor em risco, 20.000€, de acordo com os bens que ficaram no local, é superior ao valor do capital seguro, 15.000€, pelo que, existe uma situação de infra seguro. Por todo o já exposto, a ré não está obrigada a indemnizar o autor nas quantias peticionadas, nem a pagar juros sobre essas quantias.

              O réu (banco) contestou, dizendo que: o autor é cliente do réu desde 31/08/2006; no âmbito da sua relação comercial com o banco, o autor solicitou ao banco a concessão de um financiamento para aquisição do imóvel; o empréstimo solicitado, no valor de 400.000€ foi aprovado, em 18/01/2016; dos termos, condições e garantias exigidos para a concessão do empréstimo, transmitidas por escrito ao autor, constava expressamente: a) hipoteca do imóvel; b) seguro de vida; c) seguro multirriscos; na última página da carta, sob o título de notas importantes, é referido: “caso estes seguros sejam contratados noutra seguradora que não a ré deverão ser apresentadas, previamente, as respectivas apólices. O seguro contratado pelo autor, apólice documento 2 da PI, não é obrigatório para a concessão do empréstimo, apenas o que é junto como documento 1 (seguro crédito).

              “11. Em 16/03/2016, a ré enviou ao autor as condições contratuais do seguro casa, então celebrado, conforme documento 2 […]. 12. As condições contratuais do seguro crédito hipotecário, foram remetidas ao cliente/autor pela ré logo após a celebração da escritura – 09.03.2016. 13. O autor subscreveu o boletim de adesão ao seguro de vida e ao seguro crédito hipotecário, em 25/11/2015, conforme documento 4. 14. O boletim de adesão vai acompanhado da nota de informação prévia, com as informações relativamente aos seguros a subscrever, a qual é entregue ao cliente no acto da subscrição, sendo o documento total composto de 14 folhas, conforme cópia que protesta juntar. 15. Como se verifica pela página 5/14 do documento 4, o qual está assinado pelo autor, e que tem directamente a ver com o seguro crédito hipotecário, é referido: ‘O 1º proponente declara também que recebeu a ‘nota de informação prévia’, disponibilizada junto ao boletim de adesão, e que lhe foram dadas a conhecer todas as condições que regulam este contrato de seguro”. 16. Existindo um campo – o n.º 8 – para observações – o ora autor nada escreveu. 17. Portanto, logo em 25/11/2015, o autor teve acesso às condições gerais e particulares do seguro crédito hipotecário, não tendo as mesmas sido objecto de reclamação ou de qualquer esclarecimento ou aditamento, pela sua parte, junto do réu, nomeadamente, não foram feitas quaisquer observações, por escrito, neste boletim de adesão. 18. O mesmo se passou relativamente ao seguro casa, subscrito em 16/03/2016, e cujas condições foram entregues ao autor, pela ré. 19. Não tem o réu conhecimento de quaisquer esclarecimentos ou reclamações que lhe tenham sido a si dirigidas, quanto a este outro seguro.”

              O réu sabia que o imóvel se destinava a arrendamento, desconhecendo, porém, tratar-se de arrendamento de curta duração ou alojamento local; não é verdade que o autor tivesse solicitado um seguro que cobrisse os furtos causados pelos arrendatários na propriedade ou eventuais roubos por parte dos arrendatários, na sua propriedade; os dois contratos de seguro foram celebrados através do réu, sendo o Sr. AC o gestor de conta do autor, à data; aceita alguns dos factos alegados pelo autor e impugna outros, por não corresponderem à verdade ou impugna por desconhecimento; não houve violação do dever de informação, por parte do réu, relativamente ao autor, contrariamente às suas afirmações. Conclui pela improcedência da acção no que a si diz respeito.

              “Por uma questão de gestão processual”, o autor foi notificado “para, querendo, no prazo de quinze dias, se pronunciar quanto à matéria das contestações dos réus, sob pena de, nada dizendo, se poderem considerar confessados os factos.”

              O que o autor fez em 19/05/2018.

              Quanto à contestação da ré, diz: não é verdade o que a ré diz sobre os factos relatados pelo autor na participação às autoridades policiais e à ré; o locatário seria sobre quem recaiam as suspeitas e nessa medida a GNR elaborou a participação contra o mesmo, o que não significa que tenha sido o locatário a praticar o furto em causa, nem tal foi possível apurar em sede de inquérito; repete a sua versão dos seguros que contratou ou tentou contratar e do que se convenceu ter contratado, dizendo não ser verdade o que a ré diz a propósito; diz ter feito prova do sinistro e que as rés é que não fizeram prova do que alegam para não assumir a responsabilidade pelo sinistro; a ré diz que não o faz, mas a verdade é que declina a responsabilidade do sinistro com fundamento no facto do furto ter sido praticado pelo locatário; a única obrigação do autor ao abrigo dos contratos celebrados é participar o sinistro e fornecer os elementos que forem solicitados pela seguradora, o que o autor cumpriu; conclui pela improcedência das excepções peremptórias que diz terem sido invocadas pela ré.

              E acrescenta: a ré diz que o autor nunca solicitou quaisquer esclarecimentos ou informações adicionais, mas o dever de informação é dos réus aquando na celebração dos contratos de adesão que oferecem aos consumidores; o autor em momento algum foi informado que estava a aderir a um seguro de grupo e que a obrigação de informação era apenas do réu; a ré enquanto seguradora está obrigada ao dever de informação aos segurados; o dever de informação não se esgota na prestação de esclarecimento ou informações solicitadas pelos consumidores, concretiza-se ainda, ao abrigo do art. 6/1 da LCCG, nas informações que “de acordo com as circunstâncias, a outra parte, dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique”.

              Quanto à contestação do réu, o autor diz que conforme referido pelo réu as condições contratuais do seguro [casa] foram remetidas ao autor sete dias após a realização da escritura, sendo que a celebração do referido seguro é obrigatória para a concessão do empréstimo e outorga da escritura; pelo que a comunicação do contrato de adesão em causa não foi realizada “de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência”, em manifesta violação do disposto no artigo 5/2 da LCCG.

              O boletim de adesão ao seguro de vida e ao seguro crédito subscrito a 25/11/2015 e junto sob documento 4 com a contestação do réu, não contem 14 páginas, mas apenas 4; não é assim verdade que o autor tenha recebido qualquer “nota de informação prévia” ao contrário do alegado pelo réu, pelo que o autor fica inibido de se pronunciar sobre o alegado pela réu sobre a sua declaração assinada, cabendo-lhe apenas dizer que todos os documentos lhe foram dados a assinar, sem qualquer explicação sobre o respectivo conteúdo, condições acordadas ou demais esclarecimentos. Não foi informado que no alegado campo 8, para observações, deveria fazer constar um pedido de informação. Razão pela qual não apresentou qualquer reclamação ou pedido de esclarecimento. Até porque sendo o seguro em causa obrigatório para a concessão do empréstimo, reclamar ou recusar qualquer uma das condições, redundaria na não concessão de tal empréstimo. Também o contrato do seguro casa foi enviado muito após a subscrição das condições particulares ao balcão. Houve assim uma ostensiva inobservância do dever de informação que impendia sobre os réus.

              Realizada a audiência final, foi depois proferida sentença dando procedência à acção.      

              A seguradora recorreu – para que a sentença seja revogada e substituída por outra que a absolva dos pedidos formulados contra ela – terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

  1. Ao nível factual não consta matéria adequada a considerar-se qualquer violação do dever de informação, ou seja, não constam nem foram provados factos que indiquem que o autor foi induzido em erro e que pensava que estava coberto todo e qualquer furto.
  2. Na falta de prova dos pontos 2, 3 e 4 dos temas de prova, o que devia constar expressamente na sentença, não podia o Sr. juiz considerar a vontade do autor na fundamentação, o que determina clara e forte contradição entre a matéria de facto dos autos e a fundamentação da sentença.
  3. Pois, na matéria de facto que consta na sentença não consta expressamente como provados os pontos 2, 3 e 4 dos temas de prova, mas o juiz considera na fundamentação que o autor ficou convencido que os contratos de seguro celebrados garantiam a reparação dos danos em caso de furto e/ou roubo e que o seguro cobria os danos e subtracções pelos arrendatários.
  4. De resto, existe prova testemunhal contrária à tese do autor sobre as suas motivações no momento da contratação, o que obriga a retirar da sentença qualquer motivação do autor na realização do seguro dos autos.
  5. Invoca-se o depoimento de AC, testemunha comum ao autor e réus, que ficou gravado na sessão de 23/10/2019, minutos 02:10 até 22:17, cujos excertos relevantes estão transcritos no corpo do recurso.
  6. Pelo exposto, do depoimento desta testemunha, retira-se que o autor não mencionou expressamente que pretendia fazer o seguro de furto ou roubo para acautelar as subtracções dos arrendatários ou que no momento da contratação foi falado que o autor estava convencido que o seguro garantia a reparação dos danos de quaisquer furtos, sem condições ou requisitos.
  7. O teor das declarações de parte do autor, mesmo que não acompanhem este depoimento, ficam prejudicadas pelo interesse na causa, como diz o juiz na sentença, ou seja, que só devem ser valoradas na parte em que não sejam opostas à prova testemunhal.
  8. Pelo exposto, deve ser alterada a sentença, com menção expressa de que não ficaram provados os factos que constam nos temas 2, 3 e 4 dos temas de prova e, em consequência, retirar da fundamentação qualquer menção à vontade do autor no momento da contratação, seja que foi induzido em erro e que se convenceu que estava cobertos todos os furtos ou roubos.
  9. O tribunal errou na aplicação do DL 446/85 de 25/10, pois, invoca tal diploma de forma genérica para decidir pela exclusão dos vários requisitos da cláusula do artigo 5 das condições particulares da apólice.
  10. Porém, não enquadra qualquer das situações de exclusão previstas no artigo 6 e seguintes desse diploma, e interpreta de forma genérica o clausulado da apólice à luz dos artigos 203 e 204 do Código Penal.
  11. Na fundamentação consta que “a simples menção de furto ou roubo, e não de “furto qualificado” é susceptível de conduzir em erro os destinatários dos contratos de seguro.
  12. E mais à frente “… tudo levando a crer ao autor que nas “palavras” furto ou roubo, uma vez que este destinava o imóvel a arrendamento, que o seguro cobria os danos e subtracções pelos arrendatários ou por qualquer outras pessoas, como sucedeu com o autor, que ficou convencido que os contratos de seguro celebrados garantiam a reparação dos danos em caso de furto e /ou roubo.”
  13. Da factualidade dos autos, a ré entende que o autor não provou a sua versão sobre ter-se convencido de que estava a incluir as subtracções dos arrendatários e de todo e qualquer furto.
  14. Assim, a sentença contém erro de interpretação da apólice de seguro multirriscos dos autos – art. 1, ponto 5 Furto ou Roubo – e do diploma que prevê as cláusulas contratuais gerais, que foram violados, nomeadamente, artigo 6 e seguintes e artigo 10.
  15. Por fim, tratando-se de seguros facultativos, o tribunal não pode impor um determinado clausulado e forçar a integração dos artigos 203 e 204 do CP, pois, tem de respeitar o princípio da liberdade contratual, que também foi violado cf. artigo 405 do Código Civil.
  16. Sem qualquer vontade singular e expressa do autor, não podia o juiz invocar as definições do CP de furto ou roubo, pois, estava vinculado a aplicar as apólices de multirriscos dos autos.
  17. De resto, o autor reconhece que lhe foram entregues as cláusulas da apólice, o que determina que foi cumprido o dever de comunicação.
  18. Em termos de informação, da simples leitura da cláusula retira-se que é necessário existir arrombamento, para se considerar furto. Portanto, não tendo o autor solicitado quaisquer esclarecimentos, nem tendo a ré recusado tais esclarecimentos, a cláusula terá necessariamente de se considerar plenamente válida.
  19. E, aplicando-se as cláusulas de furto ou roubo das apólices dos autos, atenta a prova de que não ocorreu arrombamento, não tem enquadramento contratual o sinistro causa de pedir nos presentes autos.

              O autor contra-alegou defendendo a improcedência do recurso, no essencial pelas razões que já constam da PI.

                                                                 *

              Questões que importa decidir: se devem ser excluídos da fundamentação de direito da sentença alguns factos que nela constam; se deve ser alterada a decisão da matéria de facto; se as condições contratuais invocadas pela ré não deviam ter sido consideradas excluídas do contrato; e se, em consequência, a ré não devia ter sido condenada no pagamento.

                                                                 *

              Estão dados como provados os seguintes factos [em vez do actual conteúdo dos pontos 3 e 5, que pretende sintetizar os contratos referidos em 3 linhas de texto, mas dando-os por reproduzidos, este TRL descreve-os e transcreve-os na medida do necessário; em vez do actual conteúdo dos pontos 47 a 51 que pretendem resumir o teor dos documentos 74 e 75, não impugnados, este TRL consigna, ao abrigo dos artigos 663/2 e 607/4 do CPC, o teor real dos mesmos, na parte que interessa]:

         1/ O autor é proprietário do prédio urbano para habitação, moradia unifamiliar de 2 pisos, tipo T3, com garagem, logradouro e piscina, sito em X.

         2/3 A 12/03/2016, o autor e os réus celebraram um contrato de seguro que se dá por inteiramente reproduzido sob documento 1

          No cabeçalho de tal documento – elaborado a 09/03/2017 – consta: multirriscos – condições contratuais – apólice N.º – ré – crédito hipotecário

          A 1.ª página é uma carta datada de 09/03/2017 assinada pela ré, em papel da ré, dizendo ao autor que nas páginas seguintes irá encontrar as condições do contrato que celebrou.

          Na parte I, condições particulares, capítulo I, dados identificativos consta:

          Tomador do Seguro Banco

          Aderente [autor]

          Mediador BANCO

          Credor Hipotecário

          Declara-se que neste seguro tem interesse a entidade abaixo referida:

          BANCO

          Domicílio de cobrança

          Este contrato será cobrado pelo sistema de débitos directos, através do NIB 001 [que é o nib do autor, como se vê no boletim de adesão]

          Bens seguros e capitais: os capitais indicados correspondem ao valor máximo indemnizável pela [ré] por sinistro e anuidade de seguro.

          Bem – Edifício – Cobertura pelo valor de reconstrução – Capitais: 342.533€.

          O contrato cobre o furto ou roubo – Limites de indemnização: valor seguro; Franquia – sem franquia

          Ainda na parte I, capítulo II, objecto e âmbito do contrato, consta:

          Art. 1 – ÂMBITO DAS COBERTURAS:

          A ré, garante uma indemnização ao Segurado, até aos limites estabelecidos nas Condições Particulares e sem prejuízo das exclusões gerais previstas no Artigo 3º (Exclusões), pelos sinistros decorrentes de:

          Ponto 1.1 – Definição das coberturas:

          […]

         5. FURTO OU ROUBO

      Garante o furto ou roubo (tentado, frustrado ou consumado), praticado no interior do local ou locais de risco e que deverá caracterizar-se pelas circunstâncias mencionadas em algumas das seguintes formas:

         a) Praticado com arrombamento, escalamento ou chaves falsas;

        b) Cometido sem os condicionalismos anteriores, quando o autor ou autores do crime se introduziram no local ou nele se esconderam com intenção de furtar;

        c) Praticado com violência contra as pessoas que habitem ou se encontrem no local do risco ou através de ameaças com perigo iminente para a sua integridade física ou para a sua vida, ou pondo-as, por qualquer maneira, na impossibilidade de resistir.

           Para efeitos da garantia deste risco, entende-se por:

        Arrombamento: O rompimento, fractura ou destruição no todo ou em parte de qualquer elemento ou mecanismo, que servir para fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente, na habitação segura ou lugar fechado dela dependente, ou de móveis destinados a guardar quaisquer objectos;

          Escalamento: A introdução na habitação segura ou em lugar fechado dela dependente, por telhados, portas, janelas, paredes ou por qualquer construção que sirva para fechar ou impedir a entrada ou passagem e, bem assim, por abertura subterrânea não destinada a entrada.

          Chaves falsas:

          – As imitadas, contrafeitas ou alteradas;

          – As verdadeiras, quando, fortuita ou sub-repticiamente estejam fora do poder de quem tiver o direito de as usar;

          – As gazuas ou quaisquer instrumentos que possam servir para abrir fechaduras ou outros dispositivos de segurança.

             6. DETERIORAÇÕES IMOBILIÁRIAS POR FURTO OU ROUBO

          Garante os danos em portas, fechaduras ou vidros, no decurso ou em consequência de furto ou roubo coberto pelo presente contrato, com o limite de até 5% do valor dos bens seguros, se outro limite não for fixado nas Condições Particulares.

           O pagamento da indemnização será feito ao Segurado mediante prova de que efectuou o pagamento dos danos de sua conta e na medida em que estes não se encontrem abrangidos por qualquer outra garantia ou Contrato de seguro subscrito pelo Segurado ou pelo proprietário.

           O ponto 1.2 CLÁUSULA PARTICULAR

            SEGURO DE GRUPO COMERCIALIZADO PELO BANCO

          A presente Condição Particular aplica-se unicamente ao Seguro de Multirriscos ré Crédito Hipotecário, comercializado como um Seguro de Grupo Contributivo, exclusivamente aos Balcões do Banco, disponibilizado apenas aos seus clientes e expressamente sujeito às seguintes cláusulas, para além das previstas nas Condições Gerais e Particulares do Contrato:

           Definições

          a) Tomador de Seguro: A entidade que subscreve o Contrato de Seguro de Grupo Contributivo com a ré – Banco;

    b) Aderente: Pessoa ou entidade que adere e subscreve o presente Contrato de Seguro e que se responsabiliza pelo pagamento dos prémios do seguro – Cliente Banco;

      c) Seguro de Grupo: seguro de um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao Tomador de Seguro por um vínculo ou interesse comum, que não seja o interesse de segurar;

      d) Seguro de Grupo Contributivo: seguro de grupo em que os Segurados (ou Aderentes) contribuem no todo ou em parte para o pagamento do Prémio;

      e) Adesão: Acto voluntário do Aderente, em que manifesta o seu acordo, aceita os termos contratuais e subscreve um Seguro de Grupo, que lhe é apresentado pelo Tomador de Seguro.

          Âmbito do Contrato

       O Seguro de Grupo Multirriscos ré Crédito Hipotecário está sujeito a todas as cláusulas constantes das respectivas Condições Contratuais.

      Para os efeitos previstos no número anterior e relativamente à sua própria Adesão contratual, cada Aderente assume todos os direitos e obrigações que, nas referidas Condições Contratuais, se referem tanto ao ‘Tomador de Seguro’ como ao ‘Segurado’.

         Ao Banco são aplicáveis as demais disposições legais em vigor referentes ao Seguros de Grupo, bem como o direito de resolver ou alterar o presente Contrato, mas apenas globalmente e nunca relativamente a uma ou mais Adesões.

          […]

          Artigo 3.º EXCLUSÕES [este artigo vai da página 22 a 26 do contrato, ainda na parte I, sempre das condições particulares]

          […]

        […], também não ficam garantidos em caso algum os seguintes danos:

       […]

        3. Quanto à cobertura de Furto ou Roubo prevista no n.º 5 do Artigo 1º:

      a) O desaparecimento, as perdas ou extravios bem como as subtracções de qualquer espécie, furtos ou roubos cometidos por pessoas ligadas ao Segurado por Contrato de trabalho, verbal ou escrito, ou por qualquer outra pessoa que com ele coabite, bem como por qualquer dos seguintes familiares, independentemente de coabitação: […]

          Parte II – Condições gerais

          […]

          Capítulo III

          […]

          Art. 10 – seguro em garantia

          […]

       3. As indemnizações devidas em consequência de sinistro coberto pelo presente contrato serão pagas ao credor hipotecário ou diretamente ao Tomador do Seguro ou Segurado, desde que para o efeito haja consentimento do credor.

         4/5 A 16/03/2016, o autor e os rés celebraram também o contrato de seguro que se dá por inteiramente reproduzido sob documento 2:

          No cabeçalho de tal documento consta: multirriscos – condições contratuais – apólice Nº – ré – Casa

          A 1.ª página é uma carta datada de 16/03/2016 assinada pela ré, em papel da ré, dizendo ao autor que nas páginas seguintes irá encontrar as condições do contrato que celebrou.

          Na 5.ª página consta, entre o mais:

          Condições Particulares – Especificidades do seu Contrato

          Dados gerais

          Tomador de Seguro: Banco

          Aderente do Seguro: [autor]

          Segurado Proprietário: [autor]

          Mediador: Banco [mesma morada e nif do tomador]

          […]

          Características do risco:

          Uso: Proprietário – Em Regime de Arrendamento

          […]

          Modalidade Contratada e Capitais Seguros

          Capitais Seguros:

          Conteúdo Imóvel 15.096,80€

          […]

          RC Proprietário – Ext Arrendamento Casas 50.000,00€

          […]

          RC Vida Privada 50.000,00€

          Coberturas e Franquias, entre o mais:

          Furto/Roubo Conteúdo:15.096,80€ franquia: 150€

          RC proprietário – Ext arrendamento casa – Edifício/50.000€ Franquia 150€

          Domicílio de Cobrança

          Este contrato será cobrado pelo sistema de débitos directos SEPA, através do Nº de conta IBAN PT utilizando como referência a ordem de cobrança 00 no BANCO.

          Cláusulas

          […]

          Seguro de Grupo Contributivo

          […]

          DEFINIÇÕES

          Tomador de Seguro: A entidade que subscreve o Contrato de Seguro de Grupo Contributivo com a ré – Banco;

          Aderente: Pessoa ou entidade que adere e subscreve o presente Contrato de Seguro e que se responsabiliza pelo pagamento dos prémios do seguro – Cliente Banco;

          Seguro de Grupo: Seguro de um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao Tomador de Seguro por um vínculo ou interesse comum, que não seja o interesse de segurar;

          Seguro de Grupo Contributivo: Seguro de grupo em que os Segurados (ou Aderentes) contribuem no todo ou em parte para o pagamento do Prémio;

          Adesão: Acto voluntário do Aderente, em que manifesta o seu acordo, aceita os termos contratuais e subscreve um Seguro de Grupo, que lhe é apresentado pelo Tomador de Seguro.

             […]

          Condições Particulares – Garantias do seu Contrato

          Capítulo I: Objecto e Âmbito do Contrato

          Em caso de sinistro abrangido pelas coberturas contratadas na presente Apólice (sem prejuízo das exclusões gerais previstas no Capítulo III – Exclusões), a ré garante uma indemnização ao Segurado, até aos limites estabelecidos nas Condições Particulares. […]

          1. Garantias do tipo de coberturas Edifício e/ou Conteúdo

          […]

          Furto ou Roubo

          Definições

          Furto

          A subtracção intencional sob a forma tentada ou consumada dos bens seguros realizada por terceiros sem o emprego de violência ou intimidação contra pessoas.

          Roubo

          A subtracção sob a forma tentada ou consumada dos bens seguros realizada por terceiros mediante o emprego da violência ou intimidação contra pessoas.

          Arrombamento

          O rompimento, fratura ou destruição, no todo ou em parte, de qualquer elemento ou mecanismo que sirva para fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente, na habitação segura ou lugar fechado dela dependente, ou de móveis destinados a guardar quaisquer objetos.

          Escalamento

          A introdução, na habitação segura ou em lugar fechado dela dependente, por telhados, portas, janelas, paredes ou por qualquer construção que sirva para fechar ou impedir a entrada, ou passagem, e bem como por abertura subterrânea não destinada a entrada.

          Chaves Falsas

          As imitadas, contrafeitas ou alteradas; as verdadeiras, quando, fortuita ou sub-repticiamente, estejam fora do poder de quem tiver o direito de as usar; as gazuas ou quaisquer instrumentos que possam servir para abrir fechaduras ou outros dispositivos de segurança.

          O que está coberto pela Apólice

          Estão garantidas as perdas ou danos causados aos bens seguros em consequência de Furto ou Roubo (tentado, frustrado ou consumado), praticado no interior do local ou locais de risco, e que deverá caracterizar-se por alguma das circunstâncias a seguir mencionadas:

              a) com arrombamento ou escalamento de portas, janelas, montras, telhados, paredes, sobrados, tectos ou qualquer outra construção que dê acesso ao local de risco ou mediante a utilização de chaves falsas (desde que existam garantias que a porta estava trancada);

        b) com acção constrangedora por meio de violência ou ameaças físicas exercidas sobre o Segurado, qualquer pessoa do seu agregado familiar, qualquer empregado ou outras pessoas que se encontrem no local de risco.

        c) os bens em garagem e arrecadação, desde que os locais sejam de acesso exclusivo do Segurado e os mesmos estiverem devidamente fechados (como, por exemplo, numa box).

          O que não está coberto pela Apólice

          Não ficam garantidos por esta apólice:

        a) os desaparecimentos, as perdas ou extravios, bem como as subtracções dos bens seguros, quando não se verifique arrombamento, escalamento, utilização de chaves falsas, violência ou ameaças físicas;

      b) os furtos ou roubos cometidos por pessoas ligadas ao Segurado por contrato de trabalho, verbal ou escrito, ou por qualquer outra pessoa que com ele coabite, bem como por qualquer dos seguintes familiares, independentemente de coabitação: […]

        c) Os objectos ar livre, em anexos não fechados, tendas ou autocaravanas.

          […]

          1. Garantias do tipo de coberturas Edifício

          Responsabilidade Civil – Extensão Arrendamento de Casa

          O que está coberto pela Apólice

          Garante, em extensão da cobertura de “Responsabilidade Civil Proprietário de Imóvel”, os danos legalmente imputáveis ao Segurado, na qualidade de locador do imóvel identificado nas Condições Particulares, com base em responsabilidade civil extracontratual decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causadas ao arrendatário e às pessoas que com ele coabitem em comunhão de mesa e habitação, em consequência de sinistro ocorrido no imóvel arrendado desde que a causa das lesões provenha exclusivamente do referido imóvel ou dos bens e equipamentos nele existentes, designadamente os danos causados:

          […]

          No Capítulo III Exclusões Gerais [ainda nas condições particulares – este capítulo tem quase duas páginas de texto, com 76 linhas de texto, com centenas de exclusões que é possível extrair delas] encontra-se o seguinte §:

          Nunca ficam garantidos, mesmo que se tenha verificado a ocorrência de qualquer risco coberto por esta Apólice, os prejuízos que derivem directa ou indirectamente de:

          […]

         e) relações contratuais e/ou pessoais;

          […]

         6/ O autor tem destinado o imóvel, objecto do contrato de seguro, a arrendamento de curta duração.

         8/ Trata-se de um imóvel com o valor patrimonial de 326.296,05€, conforme caderneta predial junta e se dá por inteiramente reproduzida sob documento 3.

         9/ Recheado com mobiliário e equipamento de qualidade.

         10/ Razões pelas quais o preço praticado pelo arrendamento é elevado, tratando-se de turismo de luxo.

         11/ No dia 05/02/2017, a responsável pela limpeza do imóvel deslocou-se ao mesmo a fim de prepará-lo para os arrendatários que fariam o check in às 15h, quando constatou que grande parte do recheio havia desaparecido.

         12/ Assim como os mais diversos equipamentos eléctricos.

         13/ Verificou ainda que o soalho, portas e componentes eléctricos, tais como tomadas e interruptores, leds e equipamento de ar condicionado, haviam desaparecido.

         14/ Após contacto da responsável pela limpeza do imóvel dando-lhe conta do sucedido, o autor deslocou-se no mesmo dia a Lagos, tendo verificado que alguém havia destruído grande parte do imóvel, arrancando e levando todo o soalho da casa, os focos do tecto, todas as luzes da escada interior, bem como as tomadas e interruptores, loiças sanitárias, torneiras, máquinas de ar condicionado, entre outros bens.

         15/ A remoção dos bens furtados causou danos na própria estrutura e estética do imóvel, nos termos que a seguir [nos pontos 16 a 18 – que este TRL considero reproduzidos, nos termos do art. 663/6 do CPC] melhor se descrevem, com os valores referidos em 19 e 20 [também dados por reproduzidos por este TRL]

         21 a 39 [descrevem-se os objectos furtados, locais onde se encontravam e respectivos valores – este TRL dá por reproduzidos tais pontos].

         40/ O valor total dos danos causados pelo sinistro foi de 40.722,61€.

         41/ O autor solicitou de imediato a intervenção das autoridades policiais, que se deslocaram ao imóvel e verificaram o estado do mesmo, tendo elaborado o auto de notícia junto e se dá por reproduzido, sob documento 69.

         42/ O autor comunicou o sinistro à seguradora no próprio dia 05/02/2017.

         43/ Na decorrência da participação apresentada pelo autor, a seguradora agendou a peritagem para dia 08/02/2017, que foi realizada, conforme documento junto e se dá por reproduzido sob documento 70.

         44/ Em cumprimento do pedido do Sr. Perito o autor procedeu ao envio da documentação solicitada, conforme correspondência electrónica junta e se dá por reproduzida sob documento 71.

         45/ O autor remeteu ainda 2 mensagens de correio electrónico ao Sr. Perito, às quais não obteve qualquer resposta, conforme documento que se junto e se dá por reproduzidos sob documento 73.

         46/ A 02/03/2017, a seguradora comunicou ao autor que não assumiria a reparação dos danos reclamados resultantes do sinistro, quer quanto ao seguro do edifício, quer quanto ao seguro do respectivo recheio, conforme mensagens electrónicas juntas sob documentos 74 e 75.     

         47 a 51. Quanto ao seguro de crédito, a ré disse (doc. 74):

          […T]emos a informar que os danos reclamados não encontram acolhimento na apólice contratada, pelo que não iremos assumir a reparação.

          Em sede de peritagem, não foi verificado nenhum dos pressupostos necessários para a activação da cobertura de Furto ou Roubo (escalamento, arrombamento e/ou chave falsa), tendo o furto sido realizado por arrendatários e a chave entregue por V. Exa – documento 74

         Quanto ao seguro multirriscos casa, a ré disse (doc. 75):

          Temos a informar que os danos reclamados não encontram acolhimento na apólice contratada, pelo que não iremos assumir a reparação.

          Foi apurado em sede de peritagem que o furto foi consumado pelos arrendatários, tendo a chave sido entregue por V. Exa. Tal ocorrência não apresenta enquadramento nos termos da apólice contratada, uma vez para além de não se encontrarem preenchidos os pressupostos exigidos pela apólice para accionamento da cobertura de Furto ou Roubo, não tendo sido identificados quaisquer vestígios de entrada forçada no local, a presente ocorrência constitui uma exclusão da presente apólice: “Capítulo III Exclusões Gerais: Nunca ficam garantidos, mesmo que se tenha verificado a ocorrência de qualquer risco coberto por esta apólice, os prejuízos que derivem directa ou indirectamente de: e) relações contratuais e/ou pessoais”.

         52/ O processo-crime referente ao sinistro do caso em apreciação correu termos no Departamento de Investigação e Acção Penal – Secção de Faro sob o número 25/17.7GALGS.

         53/ Concluído o respectivo inquérito, foi proferido despacho de arquivamento junto e se dá por inteiramente reproduzido sob documento 78 [trata-se de uma notificação de 18/05/2017 em que se comunica ao autor, na qualidade de denunciante, de que foi proferido despacho de arquivamento no inquérito acima referenciado, originado numa queixa apresentada contra DESCONHECIDOS, nos termos do art. 277 do Código de Processo Penal, sem prejuízo da sua reabertura se surgirem novos elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados no retendo despacho – art. 279/1 do CPP].

         54/ Não tendo sido possível identificar os autores do crime.

              Não há nenhuma alegação de facto dada como não provada.

                                                                 *

              A fundamentação de direito da sentença foi a seguinte:

         Depois de sintetizar de novo a PI, de dizer qual era “a questão nuclear da presente acção”, de citar várias cláusulas dos contratos de seguro, de expor as posições da ré e de expor as características das ccg, o tribunal recorrido escreve:

         Ora, o recurso à definição legal prevista no artigo 203 do Código Penal, ao abrigo do qual, para preenchimento do tipo de crime, bastará que alguém com ilegítima apropriação para si ou outra pessoa, subtraia coisa móvel ou animal alheios.

         Apenas na alínea (f) do artigo 204 do CP se encontram previstos os pressupostos exigidos no art. 1/5 do documento 1, como circunstâncias que qualificam o crime.

         Ou seja, a lei penal distingue entre furto simples (artigo 203) e furto qualificado (artigo 204), os contratos de seguro sub judicie não fazem tal distinção, havendo discrepância entre o título e o corpo do art. 1/5, ponto A, do documento 1, e do artigo 1, capítulo I (pág. 16) do documento 2.

         Apesar do título daquelas cláusulas contratuais mencionar “FURTO ou ROUBO”, na verdade apenas o furto qualificado está coberto, uma vez já é necessário que o furto seja praticado nas circunstâncias previstas nas alíneas (a) a (c) (correspondentes à alínea f do artigo 204 CP) para que o seguro repare os danos decorrentes desse sinistro.

         Ora, a simples menção de furto ou roubo, e não de “FURTO QUALIFICADO” é susceptível de conduzir em erro os destinatários dos contratos de seguro em causa, uma vez que estes, de acordo com o conhecimento geral, não têm de possuir, como não tem o autor, conhecimentos técnico jurídicos, mas de leigos, pois, a inclusão daquele conceito jurídico – FURTO QUALIFICADO -, era suficiente para alertar os destinatários de especificidades da cláusula e levar estes a pedir esclarecimentos aos seguradores, tudo levando a crer ao autor que nas “palavras” furto ou roubo, uma vez que este destinava o imóvel a arrendamento, que o seguro cobria os danos e subtracções pelos arrendatários ou por qualquer outras pessoas, como sucedeu com o autor, que ficou convencido que os contratos de seguro celebrados garantiam a reparação dos danos em caso de qualquer furto e/ou roubo.

         Assim, sem necessidade de mais considerações a acção terá de proceder.

                                                                 *

              Da utilização na fundamentação da sentença de factos não dados como provados

              Nas conclusões 1 a 10 a ré põe em causa, entre o mais, que, na sentença, se tenha utilizado a parte que consta sublinhada dois parágrafos acima.

              A ré tem razão.

              O juiz, na fundamentação de direito da sentença, só pode utilizar factos que tenham sido dados como provados ou que, pelo menos, relativamente aos quais, ao invocá-los, diga porque é que os tem como provados ou seja, como é que eles estão provados.

              E o mesmo tem de fazer o tribunal de recurso.

              Ora, não tendo aqueles factos – os sublinhados acima na parte final da transcrição da fundamentação da sentença – sido dados como provados formalmente pelo tribunal recorrido, nem tendo esse tribunal invocado a razão por que os tinha como provados, este tribunal de recurso só os poderia utilizar caso pudesse dizer, mesmo oficiosamente, que eles estavam admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, ou eram extraíveis, de outros, através de presunções legais (art. 663/2 e 607/4 do CPC). Isto, para além de outra hipótese que é a de, no caso, o autor ter impugnado a decisão da matéria de facto, ao abrigo do art. 636/2 do CPC, relativamente àqueles factos que o tribunal recorrido utilizou na fundamentação de direito sem antes os ter dado como provados. Mas o autor não fez isso, apesar de ter dito que aquela matéria estava provada.

              Portanto, na fundamentação de direito, tem de se retirar aquela parte sublinhada acima.

                                                                 *

                                 Da impugnação da decisão da matéria de facto

              Naquelas conclusões 1 a 10, a ré vai ainda mais longe e diz que na decisão da matéria de facto deviam constar, como não provados, os pontos 2, 3 e 4 dos temas de prova, ou noutra variante, que não ficaram provados os factos que constam nos temas 2, 3 e 4 dos temas de prova.

              Na audiência prévia realizada a 31/01/2019, foram identificados os seguintes temas de prova, entre outros:

         2 – Porque destinava o imóvel a arrendamento de curta duração, o autor solicitou, de forma expressa e categórica, que ficassem cobertos os danos causados ao imóvel pelos arrendatários.

         3 – O autor ficou então convencido que o imóvel estaria garantido em caso de danos causados pelos arrendatários, conforme havia solicitado.

         4 – Os réus não informaram, como era seu dever, que somente o furto qualificado estava coberto pelo seguro.

              Estando os temas de prova formulados daquele modo, a ré pode discutir, realmente, se essas alegações de facto – porque é disso que se trata – deviam ter sido dadas como não provadas.

              Note-se que o autor não impugnou, subsidiariamente, a decisão sobre essas alegações de facto, pelo que não se trata também de saber se essas alegações de facto devem ser dadas como provadas, mas apenas de saber se se deve dizer que elas não foram provadas.

              A ré diz que elas deviam ser dadas como não provadas porque do depoimento de AC, testemunha comum ao autor e réus, retira-se que o autor não mencionou expressamente que pretendia fazer o seguro de furto para acautelar as subtracções dos arrendatários ou que no momento da contratação foi falado que o autor estava convencido que o seguro garantia a reparação dos danos de quaisquer furtos, sem condições ou requisitos e o teor das declarações de parte do autor, mesmo que não acompanhem este depoimento, ficam prejudicadas pelo interesse na causa, ou seja, só devem ser valoradas na parte em que não sejam opostas à prova testemunhal.

              O autor responde invocando o depoimento de uma outra testemunha AF e o que consta das condições particulares – nas quais está escrito “em regime de arrendamento” e “extensível ao arrendamento”-; diz que, quando as recebeu, convenceu-se, naturalmente, que aquela indicação mais não era que a concretização da sua vontade contratual manifestada junto do réu banco, que lhe vendeu os seguros em causa, celebrados com a ré.

              E quanto ao depoimento da testemunha AC o autor diz (transcrevendo várias passagens do depoimento) que a testemunha nem sequer soube esclarecer a referência a ‘ext arrendamento’ constante das apólices de seguro, tal como não soube os moldes em que foram celebrados os contratos de seguro.

              Conclui que é patente que o autor não foi devidamente informado sobre as condições e real alcance das coberturas das apólices que contratou, pois nem a própria pessoa encarregue da negociação, que levou a cabo em nome das rés, dispunha ou tinha capacidade para transmitir essa informação.

              Decidindo:

              Ora, quanto ao depoimento do Sr. AC, o gestor da conta do autor e que foi quem tratou, com o autor, da papelada dos três seguros (incluindo o seguro de vida), dele decorre que, para além do seguro multirriscos crédito hipotecário, que incluía furtos e danos, que era obrigatório o autor fazer, o autor ainda quis celebrar um outro, voluntário, que também cobria o furto e danos, o que indicia uma preocupação acrescida com os furtos e danos de que fosse vítima.

              Quanto do depoimento da testemunha AF, relativamente ao qual a ré nada diz, dele decorre inequivocamente que o autor celebrou o seguro casa precisamente para o cobrir do risco de coisas que fossem feitas pelos arrendatários: partirem uma televisão, levarem um quadro, etc.

              Quer isto dizer que estes dois depoimentos de prova apontam para a prova das duas alegações de facto que estão em causa nos temas de prova 2 e 3, pelo que, ao contrário do que a ré pretende, o tribunal recorrido não os devia ter dado como não provados.

              Quanto ao tema de prova 4, do que a testemunha AC diz – e lembre-se que foi ela que tratou da papelada dos contratos – decorre claramente que ela não informou o autor de que era somente o furto qualificado que estava coberto pelo seguro, pelo que, também ao contrário do que a ré pretende, o tribunal recorrido não devia ter dado como não provada a alegação de facto que corporiza o tema de prova 4.

              Pelo que é improcedente a pretensão da ré de alteração da decisão da matéria de facto.

              Como é evidente, nada disto evita que, a seguir – neste acórdão -, se possa vir a colocar outra situação, que é a de, quando se estiver a discutir uma questão de direito, não haver factos para a decidir, apesar de as partes os terem alegado, porque as respectivas alegações não foram dadas como provadas nem como não provadas; aí, se estiverem em causa factos essenciais ou factos instrumentais dos quais se pudessem retirar factos essenciais necessários à decisão da questão, terá eventualmente de se determinar a produção de prova sobre eles, para que a questão de direito possa ser decidida (artigos 662/2 e 636/3, ambos do CPC).

                                                                 *

             Do recurso sobre matéria de direito

              O autor aderiu a dois contratos “celebrados com os réus”, para cobrir, entre outros, os riscos de furto e de danos num imóvel do autor, sendo seguradora a ré. Na vigência dos contratos, foram furtadas coisas do imóvel e com isso foram provocados danos no imóvel que o autor pretende ver ressarcidos.

              A ré não pôs em causa que se tenha verificado um furto, nem agora, no recurso, põe em causa que tenham sido furtados os bens dados como provados e os seus valores, bem como os dos danos provocados. Dos factos provados (11 a 15, 41, 43, cartas 47 a 51 e 54) conclui-se pela verificação do desaparecimento dos bens e dos danos provocados, o que implica o desapossamento dos bens relativamente ao autor, passando a posse deles para outrem, com desconhecimento do autor, o que tudo aponta para a ilegítima intenção de apropriação naquele desapossamento, o que corresponde a um furto (art. 203 do CP) com danos, e a ré, também nas cartas que envia ao autor (factos 47 a 51), não põe em causa o furto (veja-se ainda o facto 54 também não impugnado pela ré neste recurso).

              Portanto, a prova do risco de furto – se for este, sem mais, que está coberto pelos contratos celebrados -, que incumbia ao autor fazer, está feita. Aliás, a participação do furto à GNR, conjugada com aqueles factos (a constatação do estado do imóvel pela responsável de limpeza e pela GNR), sem prova, pela ré, da verificação de circunstâncias que pusessem em causa o furto, depois do inquérito por ela efectuado (factos 43 e 47 a 51) – antes pelo contrário, tendo ela concluído pela existência de um furto -, seria suficiente para o efeito (a discussão sobre a suficiência destes elementos de prova, pode ver-se, por exemplo, nos acórdãos do TRL de 22/11/2018, processo 18262/17.2T8LSB, com referência a vários outros, do TRP de 10/07/2019, proc. 1521/17.1T8AMT.P1, e do TRG de 12/03/2020, proc. 564/18.2T8FAF.G1: IV- Estando em causa a problemática da prova do furto no âmbito dos contratos de seguro contra esse mesmo risco, havendo apresentação de uma queixa de furto após comunicação pela GNR da localização do veículo em questão na via pública e desprovido de diversas peças, é de aceitar em primeira aparência – isto é, baixando o grau de prova normalmente exigido para a demonstração de um facto – demonstrada a existência de um furto; V- Ao demandado que queira afastar essa primeira aparência não cabe demonstrar a existência de fraude – o que corresponderia à exigência da prova do contrário do facto provisoriamente fixado –, mas tão-só produzir prova sobre factos que tornem duvidoso, questionável, no caso concreto, o raciocínio lógico-conclusivo em que assentou a convicção inicial – mostrando existirem indícios que põe em causa a máxima invocada; […]).

              A ré entende, no entanto, que não tem de pagar os capitais correspondentes porque as condições contratuais tinham uma definição de furto que era um furto qualificado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas (no essencial, o furto qualificado do art. 204 do CP) e o furto que o autor participou à GRN não corresponde às coberturas dos seguros contratados. Mais, o furto, nos termos participados, seria da responsabilidade de um arrendatário do imóvel do autor e por isso até estariam preenchidas as previsões de exclusões daqueles seguros.

              Com isto a ré está a pretender opor ao autor a previsão dos riscos cobertos tal como se encontram descritos nas condições dos contratos de seguro celebrados, bem como a previsão de cláusulas de exclusão também aí previstas.

              Se estas cláusulas que a ré está a opor ao autor fossem aplicáveis, ter-se-ia que discutir se a interpretação que a ré faz de tais cláusulas é a mais correcta ou se, principalmente tendo em conta os factos alegados pelo autor na PI, essas cláusulas não se teriam de interpretar de outro modo (como, por exemplo, se fez no ac. do TRL de 24/05/2018, processo 2098/16.0T8SXL.L1-2, em que, por exemplo, no furto se subentendeu um abuso de confiança).

              Mas isso são problemas que se colocam só depois de se saber se tais cláusulas fazem parte dos contratos.

                                                                 *

              Da inclusão das cláusulas contratuais gerais nos contratos

              A inclusão de cláusulas contratuais gerais nos contratos depende, para além da sua aceitação (art. 4 da LCCG), da sua comunicação e informação ao aderente.

              Ou seja, por um lado, qualquer ccg só será incluída realmente no contrato, caso tenha sido comunicada, adequada e efectivamente, ao aderente. É o que resulta dos artigos 5/-1-2 e 8/-1-a da LCCG.

                                            Da comunicação das ccg

              E isto quer dizer que a comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência (art. 5/-2 da LCCG).

              Por outro lado, qualquer ccg só será incluída no contrato se, para além de comunicada, o predisponente tiver informado, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique, bem como se lhe tiver prestado todos os esclarecimentos razoáveis solicitados – arts. 6 e 8/-b da LCCG.

              Como diz, Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e directiva sobre cláusulas abusivas, 2.ª edição, Almedina, 2001, páginas 233-237:

         “[e]m termos genéricos, as cláusulas contratuais gerais passam a fazer parte integrando de um contrato se a proposta em que se inserem for aceite pela contraparte do utilizador (por isso mesmo se explicita na lei que as condições gerais inseridas em proposta de contratos singulares se incorporam nestes, para todos os efeitos, pela aceitação – art. 4). Importa, porém acentuar que a sua real integração no contrato está ainda condicionada pela verificação de certos pressupostos. Designadamente torna-se necessário que o utilizador as comunique na íntegra à contraparte, sendo certo que tal diligência deve processar-se em termos de possibilitar o seu efectivo conhecimento pelo cliente que use de comum diligência (cfr. art. 5, n.ºs 1 e 2).

         É possível detectar, neste pressuposto aparentemente unitário, duas exigências analiticamente decomponíveis: a comunicação integral das cláusulas e a necessidade de proporcionar à contraparte a possibilidade de uma exigível tomada de conhecimento do respectivo conteúdo. […]

         Pretende-se, assim, criar os pressupostos de uma incorporação consciente das condições gerais no contrato singular. Não basta, neste contexto, a pura notícia da ‘existência’ de cláusulas contratuais gerais, nem a sua indiferenciada ‘transmissão’.

         […O] que a lei exige é que as cláusulas contratuais gerais sejam comunicadas na íntegra à contraparte do utilizador […]. Torna-se necessário que as condições gerais sejam transmitidas, na conclusão do contrato ou na fase a ela conducente […].”

              Seguindo o ac. do TRL de 14/09/2017, proc. 9065/15.0T8LSB-2, acrescente-se, com Pedro Caetano Nunes (Comunicação de cláusulas contratuais gerais, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor CFA, Vol. II, Almedina, 2011, págs. 529/530) – que parte da distinção entre a aceitação das cláusulas (art. 4 da LCCG), a sua comunicação (art. 5 da LCCG) e a sua informação (art. 6 da LCCG – que:

         “[…] o art. 5 da LCCG da LCCG não pode ser interpretado no sentido de apenas exigir do predisponente que não perturbe uma eventual investigação das cláusulas contratuais gerais pelo aderente. Afasto-me da perspectiva doutrinária que, ao interpretar o art. 5 da LCCG, apenas realça o aspecto da cognoscibilidade. Ao não perturbar uma eventual investigação das cláusulas contratuais gerais, o predisponente não está a contribuir, de todo, para a diminuição dos custos de investigação e da assimetria de informação do aderente. Estará apenas a não agravar esses custos de investigação e essa assimetria de informação [acresce que a referência no art. 5/2 da LCCG à “extensão e complexidade das cláusulas é dificilmente compatibilizável com a perspectiva doutrinária de mera exigibilidade da não perturbação da investigação das cláusulas contratuais gerais pelo aderente. Como interpretar esta proposição normativa, se o que apenas se exige é um comportamento passivo de não perturbação? Será que se pretendeu apenas significar que tal comportamento passivo poder ser mais ou menos dilatado no tempo, em função da variação do tempo de leitura do clausulado? “Leia à vontade que nós estamos abertos o dia todo!” – será apenas isto que o legislador quis exigir do predisponente (ou dos seus auxiliares de negociação)?].

         […]

         O art. 5 deve ser interpretado no sentido de onerar o predisponente com especiais exigências de comunicação que tornem saliente a presença das cláusulas contratuais gerais mais desfavoráveis para o aderente, contribuindo, de forma relevante, para a diminuição dos custos de investigação e da assimetria de informação do aderente”

              No mesmo sentido, Ana Afonso (Cláusulas contratuais gerais proibidas em contrato de abertura de crédito, em anotação ao AUJ 2/2016, de 13/11/2015, processo 2475/10.0YXLSB.L1.S1-A, nos CDP 54, Abril-Junho 2016, pág. 62) escrevendo sobre o dever de comunicação e depois sobre o de informação, esclarece:

         “Naturalmente, impõe-se o cumprimento dos deveres de comunicação e de informação que oneram o proponente de cláusulas contratuais gerais nos termos definidos nos arts. 5 e 6 da LCCG. A eficácia de qualquer cláusula contratual depende de ter sido comunicada integral, adequada­mente e com a devida antecedência. Atendendo ao especial modo de contratar que está em causa é imprescindível di­minuir os custos do aderente no acesso à informação e a as­simetria no poder de a obter e de a utilizar favoravelmente. Sobre o utilizador de cláusulas contratuais gerais recaem pois deveres de comunicação agravados em relação àqueles cujo desrespeito poderia fundamentar responsabilidade por violação da boa-fé na celebração de um contrato negociado. Cumprir o dever de possibilitar o conhecimento completo e efectivo do clausulado contratual geral requer uma comuni­cação oral complementar capaz de evidenciar a presença de cláusulas mais desfavoráveis para o aderente. O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao predisponente (art. 5. n.º 3, da LCCG), o que significa que não é o aderente quem terá de demonstrar que não lhe foi concedida oportunidade de tomar conhecimento efectivo do clausulado, mas antes o proponente quem terá de provar que cumpriu a obrigação que sobre ele impendia, sob pena de as cláusulas desconhecidas serem excluídas do contrato singular [art. 8 alínea a), da LCCG]. Ademais, o utilizador de cláusulas gerais terá de contribuir activamente para a aclaração do conteúdo do contrato, devendo não só prestar os esclarecimentos que sejam solicitados pelo aderente como também por sua própria iniciativa fomentar o esclarecimento ou elucidação sobre a assunção de obrigações, restrições de direitos ou desvantagens que possam resultar da execução do contrato (art. 6 da LCCG).

              Em nota, esta autora lembra que:

         “neste sentido, sublinhando que o cumprimento do dever de co­municação vai além da inclusão do clausulado contratual geral no processo comunicativo da formação do contrato, ver Pedro Caetano Nunes [no estudo citado acima]. Ver também Ana Prata, Contratos de adesão e ccg, Coimbra, 2010, pp. 206 e segs, que sublinha: “o desconhecimento, a incerteza ou o engano acerca de disposições contratuais por parte do aderente – que não sejam devidos a culpa deste – significam que aquela obrigação não foi pontualmente cumprida” (p. 239). Para Ferreira de Almeida, Contratos – I  Almedina, 2008, pp. 186-187, o regime de inserção de cláusulas gerais em contratos singulares só é verdadeiramente especial enquanto reforça, quanto ao conteúdo (imposição do dever de esclarecer independente de um concreto juízo de boa fé) e aos efeitos (ineficácia das cláusulas), o dever de informação pré-contratual.”

              Jorge Morais de Carvalho, Os contratos de consumo, Almedina, 2012, páginas 165 a 195, esp. pág. 180-181, diz que:

         O artigo 5, que tem por epígrafe Comunicação, não trata apenas de um problema de comunicação das cláusulas. Com efeito, o espirito da norma vai além da sua letra, abrangendo, em geral, a questão da conexão da cláusula com o contrato. Assim, estabelece-se que as cláusulas “devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes’, o que, interpretando segundo o espirito da norma, significa que durante o processo de celebração do contrato, devem ser integradas expressa ou tacitamente no conteúdo do contrato, sendo para tal necessário um acto de comunicação, sem o qual a outra parte nunca poderia tomar conhecimento da existência da cláusula.

         No entanto, o n.º 2 do artigo 5 exige mais do que a simples comunicação (ou conexão). A inserção de uma cláusula num contrato depende de que o conhecimento completo e efectivo das cláusulas ‘se torne possível […] por quem use de comum diligência.’

         […]

         Por outro lado, é necessário que a cláusula seja comunicada com a antecedência necessária em relação ao momento da celebração do contrato. […]”

              Numas das muitas concretizações do dever de comunicação que refere, Jorge Morais de Carvalho, no Manual de direito de consumo, 2016, 3ª edição, Almedina, pág. 75, acrescenta:

         “quanto mais complexo for o contrato, em termos de qualidade e quantidade de cláusulas, mais se exige do predisponente no que respeita ao modo de comunicação, devendo, em geral, ser salientadas as cláusulas mais desfavoráveis para o aderente.”

              O ac. do STJ de 24/03/2011, 1582/07.1TBAMT-B.P1.S1:

         I – As cláusulas contratuais gerais são um conjunto de proposições pré-elaboradas que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a propor ou aceitar.

         II – Para que as cláusulas se possam incluir nos contratos, necessária se torna a sua aceitação pelo aderente, pelo que ficam naturalmente excluídas do contrato as cláusulas contratuais gerais não aceites especificamente por um contraente, ainda que sejam habitualmente usadas pela outra parte relativamente a todos os seus contraentes.

         III – Mas, para além disso, mesmo que ocorra a aceitação, a lei impõe o cumprimento de certas exigências específicas para permitir a inclusão das cláusulas contratuais gerais no contrato singular. Essas exigências constam dos arts. 5 a 7 da LCCG, reconduzindo-se à (i) comunicação das cláusulas contratuais gerais à outra parte (art. 5); (ii) à prestação de informação sobre aspectos obscuros nelas compreendidos (art. 6) e (iii) à inexistência de estipulações específicas de conteúdo distinto (art. 7).

         IV – Como resulta do n.º 2 do art. 1.º, o regime consagrado no DL 446/85 (redacção introduzida pelo DL 249/99), também se aplica às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo, previamente elaborado, os destinatários não podem influenciar.

         V – Relativamente à comunicação à outra parte, a mesma deve ser integral (art. 5/1) e ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária, para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento efectivo por quem use de comum diligência (art. 5/2).

         VI – O grau de diligência postulado por parte do aderente, e que releva para efeitos de calcular o esforço posto na comunicação, é o comum (art. 5/2, in fine). Deve ser apreciado in abstracto, mas de acordo com as circunstâncias típicas de cada caso, como é usual no Direito Civil.

         VII – O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe à parte que utilize as cláusulas contratuais gerais (art. 5/3). Deste modo, o utilizador que alegue contratos celebrados na base de cláusulas contratuais gerais deve provar, para além da adesão em si, o efectivo cumprimento do dever de comunicar (cf. art. 342/1 CC), sendo que, caso esta exigência de comunicação não seja cumprida, as cláusulas contratuais gerais consideram-se excluídas do contrato singular (art. 8/-a).

              Aplicando o que antecede ao domínio do direito dos seguros, Margarida Lima Rego, Temas de Direito dos Seguros, Almedina, 2012, páginas 22-23, esclarece que:

         “A doutrina alemã alerta para uma discreta revolução operada pela nova lei em matéria de celebração do contrato. A norma em causa é a que se retira da primeira parte do § 71 VVG,” que corresponde, no essencial, ao n.º 1 do art. 21 LCS [é lapso de escrita: a autora está a referir-se ao art. 18/corpo – parenteses deste TRL]. Conclui a doutrina alemã pela inadmissibilidade, à luz da nova lei, do chamado «modelo da apólice», tradicionalmente seguido na celebração de contratos de seguro, de acordo com o qual o segurador apenas facultaria ao candidato a tomador do seguro uma súmula das condições do seguro antes de este preencher e entregar a sua proposta de seguro, e por vezes nem isso, só mais tarde, ao aceitar a proposta, remetendo a apólice ao tomador do seguro.

         Entre nós, no obstante ser prática relativamente generalizada no mercado segurador, esse modo de celebrar o contrato já não seria de admitir, atendendo, desde logo, às regras gerais de formação dos contratos, e em especial ao disposto nos arts. 4 e 5 LCCG. A nova lei vem reforçar essa proibição. Embora em grande parte o [art. 18 da] LCS venha suceder ao nº 1 do art. 179 RGES, que substituiu, a verdade é que este apenas exigia o fornecimento, ao candidato a tomador do seguro, das informações no mesmo preceito enumeradas, ao passo que [o art. 18 da] LCS se exige agora do segurador que este informe o candidato a tomador do seguro «das condições do contrato», entre as quais se contam as que o preceito, exemplificativamente, enuncia. As «condições do contrato» correspondem ao conteúdo do contrato na sua totalidade, o que aproxima a nova formulação do referido preceito da lei alemã.

         […O] segurador dev[e] informar  o candidato a tomador do seguro, antes de este emitir a sua declaração negocial, de todas as condições que irão integrar o contrato de seguro […]”

              Também em matéria de seguros, Maria Inês de Oliveira Martins, Contrato de seguro e conduta dos sujeitos ligados ao risco, Almedina, Set2018, especialmente págs. 685 a 722, especificamente páginas 696-714, diz:

         “[…] Trata-se aqui [dever de comunicação – art. 5 da LCCG] de um dever apontado, antes de mais, à função básica de suportar a própria formação do consentimento – o que exige que o clausulado seja comunicado na integra ao aderente, em termos tais que este seja colocado em condições de, com uso da normal diligência, tomar conhecimento efectivo do conteúdo do contrato. […] [p. 697]

         […]

         Trata-se, pois, de um dever com conteúdo bifronte: incumbe ao utilizador a comunicação integral do conteúdo das cláusulas e ainda proporcionar à contraparte a razoável possibilidade de tomar conhecimento do conteúdo das cláusulas sem que crie, em contrapartida, qualquer ónus de diligência para o aderente, a cuja maior ou menor inércia não vêm associadas consequências jurídicas.

         O primeiro dos vectores implica, desde logo, a comunicação individualizada das cláusulas, hoc sensu, dirigida ao contratante concreto, não bastando a sua comunicação genérica […] [p. 698].

         A consequência jurídica da violação dos deveres de comunicação e informação é a exclusão da cláusula não comunicada (art. 8/-a-b-c), vigorando, na parte afectada, as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos (art. 9/1). Vale isto por dizer que a cláusula afectada se deve ter por não escrita – diferença face ao regime do controlo do conteúdo do negócio que é geralmente justificada por nos encontrarmos aqui em sede pré-negocial. Excepcionalmente, todo o contrato é contudo havido como nulo se tal expurgação conduzir a uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais do mesmo ou a um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé (art. 9/2). O regime deverá ser dissuasor da violação dos deveres de comunicação e informação, sob pena de perder efectividade; e tratando-se de uma cláusula não cabalmente informada de que o segurador se queira prevalecer contra o segurado, a consequência jurídica à partida mais dissuasora do incumprimento será a manutenção do contrato, com expurgação da cláusula não comunicada. [p. 701]

         […] sendo o segurador livre de, de acordo com as suas práticas, aceitar ou não a cobertura do risco proposto, o que é certo é que todos os elementos relativos aos termos de tal cobertura, caso seja aceite, deverão ser de antemão dados ao conhecimento do segurado. […] [p. 704]

         Face a este conjunto, coloca-se desde logo a questão de saber se o tomador pode ser confrontado apenas no momento da celebração do contrato ou mesmo depois deste com o conteúdo normativo a que se vincula ou vinculou. A ser assim, estaríamos perante uma antinomia normativa face ao disposto no art. 5, n.º 2, da LCCG, na parte em que se impõe que a comunicação do clausulado seja realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência – disposição que inibe a inclusão de cláusulas no contrato quando o aderente só delas tome conhecimento em momento ulterior à celebração daquele. [pp. 704-705]

         Na economia da LCS, cabe, antes de mais, aos deveres de informação instituídos em sede pré-contratual obstar a tal resultado normativamente inaceitável. É no plano destes deveres que se assegura a cognoscibilidade do conteúdo contratual prévia à vinculação, devendo, pois, ser-lhes atribuída a densidade necessária ao efeito. Assim, o dever de informação por escrito, previsto nos arts. 18 a 21 da LCS tem por objecto não só os elementos inscritos no art. 18, como também aqueles a que se reportam as menções obrigatórias alinhadas no art. 37, e, parece-nos, deve ainda estender-se a todo o conteúdo do contrato, dando-se o devido relevo ao facto de o art. 18 criar um dever de informar das condições do contrato. Seria intolerável privar o tomador do conhecimento, prévio à celebração do contrato, dos respectivos pontos regulativos mais importantes; […] Quer-se com isto dizer que informação pré-contratual a prestar por escrito se deve reportar a todo o clausulado contratual […] Toda esta informação é, de resto, necessária para substanciar a proposta negocial apresentada pelo segurado. [p. 705]

         […]

         […] Decorre do exposto que o conteúdo destas cláusulas deverá ser objecto de informação prévia ao contrato, prestada por escrito ao tomador, nos termos dos arts. 18, 21 e 37, n 2, al. f), da LCS […] e 5 da LCCG. [p. 710]

         […]

         Nesta sede, poder-se-ia, contudo, objectar, afirmando que, dado o “corpo estranho” que o dever de informar introduz no sentido da tutela face a cláusulas contratuais gerais, deveria o regime da LCCG aqui ceder o passo. Tanto mais quanto, de outro modo, seria açambarcado em grande medida – sempre que estivessem em causa, como começámos por ver, cláusulas limitativas de direitos do aderente – o espaço normativo conferido pela LCS à tutela através do esclarecimento [pp 711-712]

         […]

         A consideração desta hipótese – que, diga-se à partida, não parece de perfilhar – dar-nos-á ensejo para reafirmar algumas considerações feitas acima.

         […O] que é certo é que o ordenamento dotou a parte mais frágil também desta tutela, não devendo ela ser-lhe subtraída sem que tal se funde em argumentos que, de modo probante, manifestem a desadequação das consequências em causa – tanto mais quanto é a própria LCS, no seu art. 3, a dar a primazia à LCCG; e quanto este último diploma se baseia, por sua vez, num princípio da prevalência do regime legal em concreto mais favorável ao aderente (art. 37) [[…] Já aquando da vigência do RJT se atendeu ao e rechaçou o argumento da especialidade da lei seguradora face à lei das cláusulas contratuais gerais – tratava-se de corpos normativos complementares, com o escopo comum de aumento, e não de diminuição da protecção do cliente de seguros (Arnaldo da Costa Oliveira, Cláusulas abusivas e o contrato de seguro, in congresso luso-hispano de direito de seguros, Almedina, 2009, págs. 223-242 e 229-230]. [pp. 712-713]

         Querendo o segurado manter o contrato em vigor, disporá apenas, à face da LCS, de remédios indemnizatórios. Não pode deixar de salientar-se que a mobilização de regimes de responsabilidade civil se mostra bastas vezes problemática para o lesado – que, ainda que a culpa se presuma, arca com o ónus da prova do dano e do nexo de causalidade entre ele e a falta ao dever. É sintomático que os diplomas que têm um dos seus pilares na tutela informativa de uma parte mais frágil recorram a remédios que não assentem na prova dos requisitos da responsabilidade pelo consumidor afectado – além da expurgação das cláusulas que caracteriza a LCCG, pense-se na faculdade conferida ao consumidor, nos quadros do regime jurídico das práticas comerciais desleais, de requerer a modificação do contrato segundo juízos de equidade (art. 14/1) ou de optar pela sua manutenção, reduzindo-o às cláusulas válidas (art. 14/2). [p. 713]

         […] De resto, a tendência para uma protecção do segurado mediante recusa de efeitos a cláusulas que o venham desproteger, tudo se passando como se a cláusula pura e simplesmente não existisse, é descortinável face a outros núcleos normativos que impõem deveres de informação ou de iniciativa contratual em matéria seguradora. Assim ocorre, como veremos, relativamente à violação dos deveres de informação do tomador no seguro de grupo contributivo, à face já do art. 4/3 do RJT e hoje do art. 87, n.ºs 2 e3 da LCS; e ocorre, bem assim à face do art. 9, n.º 2, do DL 222/2009. [p.713]

         […]

         Em termos de “law in action”, é, aliás, jurisprudência pacífica a incidência do regime dos deveres de informação previstos na LCCG sobre o segurador, sendo este o regime que a jurisprudência tem invocado e aplicado para retirar consequências da violação dos deveres de informação pelo segurador. Em suma: não há, pois, razões prático-normativamente procedentes para que não sejam tidos os dois regimes em causa como candidatos positivos à aplicação, podendo ser mobilizado aquele que em concreto se mostre mais favorável à parte mais frágil. [p.714]            

                                                                 *

                                             Da informação das ccg

              O que antecede vale, na sua maior parte, especificamente para o dever de comunicação.               Quanto ao dever de informação veja-se:

              O ac. do STJ de 24/03/2011, 1582/07.1TBAMT-B.P1.S1:

         “VIII – Para além da exigência de comunicação adequada e efectiva, surge ainda a exigência de informar a outra parte, de acordo com as circunstâncias, de todos os aspectos compreendidos nas cláusulas contratuais gerais cuja aclaração se justifique (art. 6/1) e de prestar todos os esclarecimentos razoáveis solicitados (art. 6/2).”

              Almeno de Sá, obra citada, págs. 61-62:

         “A esta necessidade de comunicar as condições gerais acresce, em certas situações, uma particular exigência de informação. Com efeito, o utilizador está obrigado a informar o seu parceiro contratual, de acordo com as circunstâncias, sobre determinados aspectos compreendidos nas condições gerais cuja aclaração se justifique (art. 6/1). Com a consagração desta específica exigência de informar, há um reforço da ideia de tentar pôr à disposição da contraparte os elementos necessários à formação de uma decisão negocial responsável. Trata-se de uma projecção particular, ainda que com especificidades, do dever pré-contratual de esclarecimento, que a boa fé faz recair, em geral, sobre os contratantes, estando, assim, em perfeita sintonia com o preceito fundamental contido no artigo 227.° do Código Civil.

         O que se visa aqui é que o utilizador clarifique aqueles concretos pontos do regulamento contratual predisposto que postulem, nas particulares circunstâncias do caso, uma advertência suplementar, de forma a que a contraparte tome consciência do seu significado e alcance no quadro global do programa Contratual. Saber quando é que se justifica, de facto, uma aclaração de certos aspectos do conteúdo regulativo predisposto, é sempre algo, todavia, que só poderá verdadeiramente dilucidar-se face ao condicionalismo da situação contratual em causa. De todo o modo, parece-nos que há-de desempenhar aqui um papel decisivo o particular objecto da regulação em jogo, em ligação com a sua relevância para a formação de uma decisão racional por parte do cliente (podem referir-se, a título de exemplo, as cláusulas que, num determinado contrato, tenham a ver com o modo de determinação dos juros efectivos a pagar pela contraparte do utilizador).

              Jorge Morais de Carvalho, obra citada, págs. 188-191:

         Passado o patamar da conexão das cláusulas com o contrato e o da comunicação das cláusulas de forma adequada e efectiva, o artigo 6 do DL 446/85 impõe ainda ao predisponentes – ou a alguém designado por este para esse efeitos – aquilo que é designado por dever de informação, podendo também ser designado, talvez com mais rigor, por dever de esclarecimento.

         Embora se possa considerar que já resulta do artigo 227 do CC, a consagração do regime neste diploma significa a sua aplicação efectiva. Com efeito, seria complexo extrair do artigo 227, analisado isoladamente, este dever da respectiva consequência em caso de incumprimento.

         O dever de esclarecimento existe em duas situações.

         Em primeiro lugar, a lei impõe o esclarecimento de todas as cláusulas que possam não ser claras (n° 1 do artigo 6), devendo a análise da necessidade de explicação ser feita “de acordo com as circunstâncias”. Portanto, a análise não é objectiva, tendo em conta um destinatário normal, colocado na posição daquele destinatário, relevando a natureza e a condição da pessoa do outro contraente, incluindo o nível cultural por este revelado durante a negociação. Assim, por exemplo, se o predisponente souber que a outra parte é analfabeta a necessidade de esclarecimento das cláusulas aumenta de forma significativa

         As circunstâncias incluem igualmente o grau de complexidade do contrato e das cláusulas, exigindo-se mais esclarecimentos quanto mais difícil possa ser a compreensão das questões jurídicas e não jurídicas abrangidas pelas cláusulas. Exemplos de contratos complexos são a generalidade dos contratos bancários ou de seguro, devendo o predisponente explicar com algum pormenor ao aderente os efeitos das cláusulas inseridas na declaração contratual.

         Em segundo lugar, quem recorre a cláusulas não negociadas individualmente tem o dever de prestar todos os esclarecimentos que lhe sejam solicitados pela contraparte. […]

         A prestação dos esclarecimentos solicitados pela contraparte não exonera o predisponente do dever de prestar esclarecimentos no que respeita às cláusulas menos claras, mesmo que tal no lhe seja solicitado.

         Não é suficiente, para o cumprimento do dever de esclarecimento, que o destinatário das cláusulas declare que lhe foram prestados os esclarecimentos relevantes, em especial se se tratar de um dos documentos (entre muitos outros) por este assinado.

         A alínea b do artigo 8 do DL 446/85 estabelece que se consideram excluídas dos contratos “as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo” […] apenas se considerando que o conhecimento é efectivo quando os esclarecimentos legalmente exigidos pelo artigo 6° são prestados. Em suma, as clausulas em relação às quais no tenha sido cumprido o dever de esclarecimento consideram-se sempre excluídas do contrato.”

          No mesmo sentido, diz Almeno de Sá (aqui citado através do ac. do STJ de 02/12/2013, proc. 306/10.0TCGMR.G1.S1):

            “não basta a mera invocação de um ‘dever saber’ que recairia sobre o cliente, quer no que concerne à normal utilização de condições gerais pelo proponente nos contratos que habitualmente celebra, quer no que respeita ao conteúdo dessas condições. […] não é o cliente quem deve, por iniciativa própria, tentar efectivamente conhecer as condições gerais, é ao utilizador que compete proporcionar-lhe condições para tal. […] e antes que a contraparte se vincule de forma definitiva” (obra citada, págs. 241/242).

              E no ac. do STJ de 02/06/2015, proc. 109/13.0TBMLD.P1.S1, lembra-se:

         “A pré-formulação unilateral da parte predisponente coloca, por via de regra, o «sujeito passivo» que a recebe numa situação de desigualdade, quer formal, quer substancial, que não é eliminada pelo acto, quase sempre de natureza mecânica, de não colocação imediata de dúvidas ou questões sobre o seu conteúdo, que pressupõe algum estudo e reflexão sobre o respectivo texto.

                                                                 *

                                                  Do ónus da prova

              O ónus da prova de o aderente ter sido informado/esclarecido das cláusulas de exclusão é da seguradora/predisponente das cláusulas.

              É certo que o art. 5/3 da LCCG só fala do ónus da prova do cumprimento do dever de comunicação; mas, naturalmente, essa regra (que nem sequer tinha de ser formulada expressamente) tem de ser estendida ao cumprimento do dever de informação.

              Neste sentido, com ampla fundamentação, veja-se José Manuel de Araújo Barros, Cláusulas Contratuais Gerais, Coimbra Editora, 2010, páginas 94 e 95, explicando até que em relação a este ónus da prova (da informação/esclarecimento) tem havido menos divergências do que em relação ao ónus da prova da comunicação e daí talvez a necessidade do aditamento do n.º 3 do art. 5 reportado apenas ao dever de comunicação.

              Por ser evidente, isto nem sequer é normalmente discutido, sendo afirmado como algo de óbvio; neste sentido, veja-se o ac. do STJ de 28/04/2009, 2/09.1YFLSB, citado pelo ac. do TRL de 28/06/2012, proc. 2527/10.7TBPBL.L1-2: “o ónus da prova de que foi cumprido o dever de informação compete ao proponente das ccg” (arts. 342/1 do CC).

              E também, ainda por exemplo, o ac. do STJ de 13/09/2016, proc. 1262/14.1T8VCT-B.G1.S1:

         II – O cumprimento das prestações impostas pelos arts. 5 e 6 da LCCG – cuja prova onera o predisponente – convoca deveres pré-contratuais de comunicação das cláusulas (a inserir no negócio) e de informação (prestação de todos os esclarecimentos que possibilitem ao aderente conhecer o significado e as implicações dessas cláusulas), enquanto meios que radicam no princípio da autonomia privada, cujo exercício efectivo pressupõe que se encontre bem formada a vontade do aderente ao contrato e, para tanto, que este tenha um antecipado e cabal conhecimento das cláusulas a que se vai vincular, sob pena de não ser autêntica a sua aceitação.]

              E ainda o ac. do STJ de 04/05/2017, proc. 1566/15.6T8OAZ.P1.S1:

         III – Sendo o contrato de seguro de renovação periódica, o regime instituído pelo DL 72/2008, de 16/04, em vigor desde 01/01/2009, passou a ser-lhe aplicável (com as ressalvas previstas no artigo 3º) desde a primeira renovação, posterior a essa data, incluindo o dever que recai sobre o tomador do seguro de informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas (artigo 135º, n.ºs 1 e 2, do DL 72/2008). IV – Não tendo a seguradora comprovado ter observado esse dever, quer quanto ao pai do autor (segurado inicial), quer em relação ao autor, que lhe sucedeu, nessa posição, não pode prevalecer-se das atinentes cláusulas contratuais referentes à não actualização automática do objecto do seguro e à aplicação da regra da proporcionalidade, eximindo-se, com base nas mesmas, ao pagamento da totalidade do valor do seguro (€49 879,79), deduzido da franquia acordada (10%).

              No mesmo sentido, isto é, de que o ónus da prova do cumprimento do dever de informação incumbe, também aqui, à entidade predisponente, vai ainda Ana Filipa Morais Antunes, comentário à Lei das CCG, Coimbra Editora, 2013, pág. 156, comentário 4.

              E David Falcão, Lições de direito de consumo, Almedina 2019, pág. 96, nota 241, realça que apesar de não resultar directamente do diploma, tem sido entendimento da jurisprudência que o ónus da prova do cumprimento do dever de informação cabe ao proponente e cita, para além do ac. do STJ de 2016 citado acima, ainda o ac. do STJ de 15/02/2017, proc. 1776/11.5TVLSB.L1.S1.

              Posto isto,

                                                  Aplicação ao caso

              No caso dos autos, o réu diz [no relatório deste acórdão consta tudo o que foi alegado pelo réu – artigos 11 a 19 da contestação – e só por ele, já que a ré nada disse sobre o assunto], relativamente ao seguro casa, que a ré, em 16/03/2016, enviou ao autor as condições contratuais, do contrato então celebrado.

              Quanto ao seguro crédito, o réu diz que as condições contratuais foram remetidas ao cliente/autor pela ré logo após a celebração da escritura (09/03/2016). O autor subscreveu o boletim de adesão ao seguro, em 25/11/2015. O boletim de adesão vai acompanhado da nota de informação prévia, com as informações relativamente aos seguros a subscrever, a qual é entregue ao cliente no acto da subscrição.

              Quanto a este seguro crédito, acrescenta que na página 5/14 do documento [boletim de adesão], o qual está assinado pelo autor, o réu invoca ainda a declaração que dele consta: “O 1º proponente declara também que recebeu a “nota de informação prévia”, disponibilizada junto ao boletim de adesão, e que lhe foram dadas a conhecer todas as condições que regulam este contrato de seguro” e que nele existe um campo para observações onde o autor nada escreveu.

              Por fim, diz que – ainda relativamente ao seguro crédito – o autor não reclamou das condições gerais e particulares nem fez qualquer [pedido de] esclarecimento ou aditamento junto de si.

              Quanto ao seguro casa – ao qual só agora volta – diz que o mesmo se passou [sendo que nada tinha dito quanto a este para além do já descrito], precisando que ele foi subscrito em 16/03/2016 e que o réu não tem conhecimento de quaisquer esclarecimentos ou reclamações que lhe tenham sido a si dirigidas.

              Assim, claramente, segundo o réu, o seguro casa foi subscrito em 16/03/2016 e as cláusulas foram enviadas ao autor nesse dia. Portanto, segundo o próprio réu, verificou-se primeiro a subscrição do seguro e só depois o envio das cláusulas. Logo, as cláusulas não foram comunicadas ao autor antes da subscrição, como tinham de ser.

              Quanto ao seguro crédito, foi subscrito no dia 25/11/2015 e no acto de subscrição foi entregue uma “informação prévia” e as condições contratuais foram enviadas/remetidas ao autor depois da celebração do contrato de empréstimo a 09/03/2016. Portanto, também segundo o próprio réu, primeiro verificou-se a subscrição e só depois o envio das cláusulas.

              Portanto, não há a alegação, relativamente a qualquer dos seguros, pelos réus, de que ao autor tenham sido comunicadas, antes da adesão, todas as cláusulas contratuais gerais dos dois contratos de seguro a que aderiu. Antes pelo contrário, quanto ao seguro casa, a ré diz que as cláusulas só foram remetidas ao autor depois da subscrição do contrato. E o mesmo aconteceu quanto ao seguro crédito.

              É certo que, quanto ao seguro crédito, o réu acrescenta que, no acto da subscrição, foi entregue ao autor uma informação sobre o contrato e ele assinou uma declaração de que lhe foram dadas a conhecer todas as condições do contrato. Mas dizer-se que a entrega da nota ocorreu no acto da subscrição não é dizer que ela foi entregue antes do acto da subscrição. Portanto, mesmo quanto à nota, os réus não dizem que o autor teve conhecimento dela antes de subscrever o boletim de adesão. Para além disso, já se viu acima, a entrega de um nota da informação prévia não corresponde nem substitui a entrega das condições gerais, na íntegra, ao aderente, antes da celebração do contrato.

                                                                 *

Da declaração assinada pelo autor e do seu valor

              Resta a questão da declaração assinada pelo autor:

              Note-se, antes de mais, que ela não consta depois das condições em causa, nem está numa folha ou conjunto de folhas que contenham as condições, mesmo que no seu verso, como é corrente nalguns outros contratos celebrados com recurso a cláusulas contratuais gerais. Ela está na página 5 do boletim e são duas linhas de texto inseridas num conjunto de 17 linhas de texto, que numa página igual à deste acórdão já são 23 linhas, nos termos que se seguem (com letras de metade do tamanho do das letras utilizadas neste parágrafo):

O 1º Proponente, ao assinar este boletim, garante ter declarado com exatidão todas as circunstâncias do seu conhecimento e relevantes para a apreciação do risco pela ré, independentemente de lhe serem questionadas no presente documento e declara nada ter omitido que possa induzir a Seguradora em erro na apreciação do risco proposto, ainda que esta tenha sido preenchida por terceiros e por si apenas assinada. Aceita que a ré, nos termos legais, invoque a anulação do contrato, em caso de incumprimento doloso, com possibilidade de retenção dos prémios pagos; ou que, em caso de incumprimento negligente, possa optar entre propor a consequente alteração do contrato e do respetivo prémio, ou fazer cessar o contrato, demonstrando que em caso nenhum cobre os riscos relacionados com o risco omitido ou declarado inexatamente. A ré apreciará a presente proposta, podendo aceitá-la ou recusá-la. A sua aceitação far-se-á sempre de forma escrita, definindo garantias, seus limites e franquias. O 1º Proponente declara também que recebeu a “Nota de Informação Prévia”, disponibilizada junto ao Boletim de Adesão, e que lhe foram dadas a conhecer todas as condições que regulam este Contrato de Seguro.

Elementos relativos ao Mediador Banco, registado como mediador de seguros ligado Nº, em 31 de Outubro de 2007, junto do Instituto de Seguros de Portugal – informações adicionais relativas ao registo disponíveis em http://www.isp.pt. Detém participações sociais superiores a 10% [em três companhias de seguro]. Não há qualquer participação social igual ou superior a 10% de qualquer seguradora no Banco. O Banco não está autorizado a receber prémios para serem entregues à Companhia de Seguros ré esgotando-se a sua intervenção com a celebração do contrato de seguro. O Banco tem a obrigação contratual de exercer a atividade de mediação de seguros exclusivamente para uma ou mais empresas de seguros. O Cliente tem o direito de solicitar informação sobre o nome da ou das empresas de seguros e mediadores de seguros com os quais o Banco trabalha e sobre a remuneração que o mediador receberá pela prestação do serviço de mediação. No presente contrato não intervêm outros mediadores de seguros. Poderão ser apresentadas reclamações contra o Banco na sua qualidade de mediador de seguros ligado ao Instituto de Seguros de Portugal. Sem prejuízo da possibilidade de recurso aos tribunais judiciais, em caso de litígio emergente da atividade de mediação de seguros exercida no território português, os Clientes podem recorrer aos organismos de resolução extrajudicial de litígios que, para o efeito, venham a ser criados.

              Ora, desde logo, esta declaração – que é também uma cláusula contratual geral -, deve-se considerar excluída do contrato, por força do art. 8/-c da LCCG, pois que é uma cláusula que, pelo contexto em que surge e pela sua apresentação gráfica, passa completamente despercebida a um contratante normal, colocado na posição do contratante real.

              Mas ela é ainda completamente inócua porque é uma simples referência a condições gerais, não a remessa para condições gerais que diga onde elas estão, como por exemplo, nos casos já referidos em que se diz que as ccg estão no verso da folha onde a declaração está escrita no rosto. Ora, mesmo quanto aos casos em que a declaração se refere a umas cláusulas que estão no verso da folha, situação que, por isso, como é evidente, é muito menos grave que a do caso dos autos – referência a ccg que nem sequer estão no verso da folha – já existe uma clara posição doutrinária e jurisprudencial, tomada a propósito do art. 8/-d da LCCG, que lhes atribuem, quando muito, o valor de simples princípio de prova, pelo que, quanto ao caso dos autos, ela nem sequer vale como esse simples princípio de prova.

              Neste sentido, por exemplo, Almeno de Sá em 2001 (já citado, págs. 238/240), a propósito de um caso em que na última linha de um documento de exportação estava uma referência às “condições gerais inscritas no verso” [repare-se que no caso dos autos, a declaração faz referência a condições que nem sequer se dão como transcritas seja aonde for], diz, para a hipótese de as condições gerais estarem de facto transcritas no verso, que: “repare-se, na verdade, que a “referência àquelas condições se encontra na última linha do documento, depois dos espaços reservados para a indicação do lugar e data da emissão e para a assinatura do exportador” [aderente], “impressa em caracteres sensivelmente mais pequenos e graficamente muito menos salientes que todo o restante texto do documento”, e acrescenta:

         “É legítimo questionar se, em tais circunstâncias, chegou a haver verdadeiramente “comunicação”, pois uma remissão para o verso, na última linha do documento – para lá, portanto, da própria assinatura da contraparte – e numa impressão gráfica substancialmente menos “visível” do que o resto do texto, não parece que seja suficiente, sem mais, para legitimar a inferência de que o utilizador transmitiu à contraparte a ideia de que o contrato ficava submetido a determinadas cláusulas contratuais. Tornar-se-ia necessário que a referência às condições gerais se apresentasse, no documento, de uma forma “aberta” e inequivocamente detectável, de modo a que o aderente se apercebesse, de facto, da sua existência e assim ficasse aberto o caminho para delas tomar efectivo conhecimento.

         Aliás, como princípio geral, pode dizer-se que uma remissão para o verso do documento, localizada para lá da linha prevista para a assinatura da contraparte, não parece suficiente para se terem as condições gerais como efectivamente comunicadas à contraparte, a não ser que tal inserção seja como que “compensada” por um particular realce ou destaque gráfico e assim possa ser tida como um elemento da proposta do contrato claramente reconhecível pelo cliente.”

         […]                          

         “Preocupámo-nos, até aqui, basicamente, com a comunicação em si, separando-a, para efeitos puramente analíticos, da sua adequação ao propósito que a justifica ou legítima. Todavia, como vimos, não basta, a mera “comunicação” para que as condições gerais se considerem incluídas no contrato singular. É ainda necessário que ela seja feita de tal modo que proporcione à contraparte a possibilidade de um conhecimento completo e efectivo do contrato.”

              Referindo-se também às situações frequentes em que as cláusulas contratuais gerais constam do verso da folha onde está feita uma declaração com referência às mesmas e aceitação delas (as quais se chamam cláusulas de confirmação ou confirmatórias), o que nem sequer chega a ser o caso dos autos como já referido, também porque, no caso não se diz que haja aceitação, Fernando Miguel Dias Simões num estudo de meados de 2004, publicado na Revista de Estudos Politécnicos, 2005, Vol II, nº 4, págs. 87-100, especialmente pág. 98, acessível em http://www.scielo.mec.pt/pdf/tek/n4/v2n4a06.pdf (consultado de novo a 13/01/2021), diz que sempre a tal cláusula seria aplicável a qualificação de abusiva com base na al. i) do nº. 1 do anexo à Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993 (Jornal Oficial nº L 095 de 21/04/1993, págs. 29 a 34) […] que refere que são consideradas abusivas as cláusulas que têm como objectivo ou como efeito “declarar verificada, de forma irrefragável, a adesão do consumidor a cláusulas que este não teve efectivamente oportunidade de conhecer antes da celebração do contrato”.

              Seguindo Almeno de Sá, continua Dias Simões (estudo citado, págs. 95/97):

         “Outro ponto controverso prende-se com a inclusão, na folha de rosto, de uma cláusula remetendo para as normas constantes do verso e confirmando a sua aceitação. Trata-se, como é óbvio, de um passo de cautela do disponente. Pois, sabendo que pode ser confrontado com a natural surpresa do aderente, pretende inserir, desde logo, uma espécie de cláusula de exclusão de responsabilidade pela sua inserção. A coberto da qual se poderá vir defender, dizendo: “mas o aderente até declarou conhecer e aceitar as cláusulas constantes do verso!”

         […]

         De facto, estamos – passe o grosseiro exagero – quase perante uma norma de reenvio, que torna aplicável ao contrato como que um regime de uma ordem jurídica estrangeira! Na verdade, à boa moda das normas de conflito de direito internacional privado, o disponente das cláusulas adverte – quanta boa fé! – a outra parte de que o regime aplicável ao contrato não é só aquele que ele tem perante os seus olhos, mas também um outro, escondido no verso da folha ou em anexo. Trata-se, muitas vezes, de um completo salto no desconhecido, de um cheque em branco…

         Esta não é, portanto, uma cláusula qualquer. Não é uma norma mais, e apenas, do contrato. É uma norma que remete para outras normas, que amplia o âmbito contratual, e lhe adiciona mais algumas disposições. Não será, por isso mesmo, exigível que seja realçada? […]

         É por este motivo que também estas cláusulas, sub-repticiamente inseridas no contrato, são excluídas do contrato. […]

         […]

         Podemos afirmar, absolutamente, que o aderente teve conhecimento desta cláusula de remissão, “afogada no magma tipográfico”? (A expressão, de rara eloquência, é de Carlos Alberto da MOTA PINTO, Contratos de Adesão: uma manifestação jurídica da moderna vida económica, in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XX (1973), n.ºs 2, 3 e 4, pág. 128). A Lei de Seguros do Quebec e da Califórnia impõem que certas cláusulas, especialmente importantes, devem ser impressas a vermelho. Alguns autores americanos, parafraseando as referências que também hoje já circulam nos maços de tabaco europeus, referem que nos contratos de adesão – e por maioria de razão, neste tipo de cláusulas – se devia avisar: “atenção, esta cláusula é perigosa para os seus interesses”.

         […]

         Retomamos aqui o pensamento de Almeno de Sá: “não basta a mera comunicação para que as condições gerais se considerem incluídas no contrato singular. É ainda necessário que ela seja feita de tal modo que proporcione à contraparte a possibilidade de um conhecimento completo e efectivo do clausulado.”

         Para mais, o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva das cláusulas recai sobre o utilizador – n.º 3 do art. 5º. Segundo o mesmo autor, “não é o aderente quem deve, por iniciativa própria, tentar efectivamente conhecer as condições gerais, é ao utilizador que compete proporcionar-lhe condições para tal”.

              Araújo Barros, obra citada, pág. 68, diz sobre tal tipo de cláusulas:

         “ Típica situação de gato escondido com rabo de fora. Desde logo, porque se impõe demonstrar que mesmo essa anotação foi comunicada. Depois, porque ainda que o aderente tenha tomado conhecimento desta, tal não significa que lhe tenham sido comunicadas as restantes cláusulas. […] A consciência da subscrição dessa menção, que também vale como um alerta, deverá seguramente ser valorado nos termos do n.º 2 do art. 5, podendo constituir um princípio de prova de ter sido cumprida a obrigação de comunicação, nomeadamente contribuindo para ajuizar da diligência do aderente. Mas nada mais do que isso. […]”

              E mais à frente:

         “Outra [questão] será a questão da sua [de tal cláusula] validade, que contende com o saber se a mesma não será proibida, nos termos do art. 21-e, por atestar conhecimentos das partes relativas aos contratos […], Mesmo que se entenda que tal cláusula é nula, como parece ser […]” [volta a referir a questão em anotação art. 21-e, pág. 314]

              Ou seja, com o tipo de cláusula em questão poderia quando muito defender-se, com este autor, que haveria um princípio de prova de ter havido comunicação que teria de ser corroborado por outros elementos de prova para se poder entender que ela tinha ocorrido mesmo. Mas isto se, entre o mais, o texto da cláusula fosse legível, estivesse minimamente realçado e não estivesse misturado com outros dizeres que nada tinham a ver com a questão, o que não é o caso.

              Mais à frente, págs.114 a 117, diz:

         O realce a dar a formulários inseridos depois [entendido este ‘depois’ como uma referência espacial, não temporal] da assinatura de algum dos contraentes dependerá da maior ou menor necessidade que se fizer sentir de desse modo estruturar o contrato. Assume particular importância nessa ponderação, como é óbvio, a medida em que do recurso a formulários possa resultar uma melhor apreensão do contrato na sua globalidade. Ou seja, em que a inserção depois da assinatura se justifique na estrutura e semântica do contrato em que se pretendem integrar. E depois ainda haverá que verificar se as obrigações conexas com o dever de comunicação do art. 5 foram respeitadas.

              Ou seja, para o autor, só num contexto muito específico, com uma justificação que tenha a ver principalmente com a melhor apreensão do conteúdo do contrato na sua globalidade, será de dar valor a CCG constantes, por exemplo, do verso dos documentos que se assinam no rosto. O que não é manifestamente o caso dos autos, em que nem no verso da folha com a declaração elas constam e nem mesmo se diz onde elas constam.

           Mais à frente, Dias Simões, no estudo citado, pág. 94, continua:

         “Num contrato, digamos, normal, ou seja, em que as partes tenham o tradicional equilíbrio, ou, quanto menos, um poder de negociação mínimo – que não existe nos contratos de adesão – é usual que, após a assinatura, constem do verso dos contratos normas adicionais? Não parece que, em verdade, possamos admitir que sim. O comportamento normal do declaratário é, lido o contrato, pensar no seu conteúdo e assinar. Fazem-se campanhas em prol da informação dos aderentes, para que estes leiam antes de assinar. E ainda lhes vamos exigir que investiguem, à cautela, se depois da assinatura também têm algo sobre o qual devem consentir? Melhor dizendo: para quê assinar a meio do consenso? É especialmente oneroso às empresas colocar a assinatura no final do contrato? Ou, à cautela, pedir ao aderente que assine na folha de rosto mas também no verso? De facto, se o verso serve para colocar cláusulas, também há-de ter espaço, ainda que mínimo, para uma assinatura… A não ser que não interesse ao disponente destas cláusulas que o aderente as conheça…

         Poderíamos adoptar quase um princípio de que quod non est in pacta, non est in mundo. O contrato é a expressão gráfica de um consenso de vontades. É o plasmar mecânico e gráfico de vontades. A tinta e o papel emprestam alguma certeza e objectividade perante futuros desentendimentos. Será de exigir que, endossado um cheque, se confirme se no verso não consta a inscrição “aceito que este cheque não tem cobertura?”

         […]

              Maria Raquel Guimarães, em As cláusulas contratuais gerais bancárias na jurisprudência recente dos tribunais superiores, II Congresso de Direito Bancário, 2017, págs. 205 a 207, quanto ao valor das cláusulas de confirmação ao referir a posição de Almeno de Sá (Em geral, não reconhecendo qualquer efeito às chamadas “cláusulas de confirmação” – independentemente de se encontrarem na frente ou no verso do documento – na medida em que permitem eliminar a exigência de proporcionar ao cliente o conhecimento do clausulado contratual, “instituindo uma verdadeira ficção de conhecimento ou aceitação”, cfr. Almeno de Sá, Direito bancário, cit., pp. 39-40) e do ac. do TRL de 28/06/2012 e quanto à questão das CCG no verso diz o seguinte:

         “Não nos parece, porém, que o princípio de auto-responsabilidade do aderente que acolhemos atrás conduza, nestes casos, ao entendimento de que o ónus da comunicação das cláusulas contratuais gerais pelo predisponente se encontra preenchido, ou que inverta o ónus da prova relativamente a essa comunicação. A remissão para outro local, que não o texto incluído antes da assinatura das partes, leva a que se torne mais difícil para o aderente conhecer todo o clausulado contratual, ainda que a remissão seja para o verso da folha, e, sobretudo, vem perturbar uma ideia de completude do texto contratual especialmente importante quando estamos perante um contrato que não foi negociado por uma das partes. É evidente que o programa completo de um determinado contrato pode resultar de diferentes documentos, abrangendo o consenso das partes relativo a cláusulas dispersas por textos vários ou até acordadas oralmente, dentro dos limites previstos nos arts. 221 e 222 do Código Civil. Porém, o legislador parece ter querido afastar o factor surpresa nos contratos de adesão como decorre da redacção do art. 8/-c do diploma que regula as cláusulas contratuais gerais. Considera este normativo excluídas “as cláu­sulas que, pelo contexto que surjam, (…) passem desapercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real”. Qual será o limite da admis­sibilidade de remissões feitas no texto para outros clausulados de modo a poder considerar-se que o contexto em que surgem é adequado? Poder-se­-á argumentar, na linha adoptada pelo [ac. de 20/10/2011 – citado acima – do] STJ, que a remissão expressa para outros locais, nomeadamente para as tabelas de preços disponíveis ao balcão, feita no texto, leva à inclusão dessas tabelas antes da linha correspondente à assinatura das partes? Há já muito tempo que os nossos tribunais responderam negativamente a esta questão mas, a adoptar a posição do acórdão de 20/10/2011, sempre se poderia dizer que o aderente não pode ignorar a declaração que assinou e, actuando com diligência, poderá conhecer o conteúdo de todo o contrato… “

              No mesmo sentido, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, Almedina, 2010, 9ª edição, nota 44 da pág. 34, depois de dizer que o ac. do TRL de 08/05/2003, publicado na CJ.2003, 3, págs. 73/75, tinha interpretado restritivamente a disposição do art. 8-d da LCCG, considerando-se não aplicável essa exclusão se o texto do acordo remeter para o formulário colocado depois da assinatura, refere que já no ac. do TRL de 13/05/2003 (mesma CJ, págs. 75/78), se considerou excluídas as cláusulas constantes de formulário colocado no verso do contrato, o que nos [ao autor] parece a interpretação correcta.

              O ac. do STJ de 13/01/2005, publicado na base de dados do IGFEJ sob o nº. 04B3874, diz:

         “Nem se diga que o facto de a parte assinada (a primeira página) fazer referência quer às condições especiais, nela contida, quer às condições gerais, constantes da parte não assinada (segunda página) obstaculiza o sancionamento previsto na alínea d do artigo 8 do DL 446/85, uma vez que o aderente, se tivesse usado da diligência normal, não podia deixar de conhecer o conteúdo integral do documento (cfr. ac. do TRL de 08/05/2003, CJ, 2003, tomo II, página 74).

         A ser assim entendido, manter-se-ia o risco que o legislador pretende evitar e, portanto, ficaria praticamente sem campo de aplicação o normativo sancionatório em apreço.

         É prática tradicional e segura a de que se deve assinar só o que se lê e é esta prática que o legislador claramente acolhe, na previsão de que – como acertadamente se argumenta nos acórdãos da Relação de Lisboa, de 21/1/2003 e de 13/5/2003, CJ, 2003, respectivamente, tomos I e III, páginas 70 e 75 e que estamos a seguir muito de perto – os contraentes apenas atentarão e tomarão consciência do conteúdo do contrato até ao ponto onde apõem, intervindo fisicamente, as suas assinaturas.

         Com a exclusão das cláusulas posteriores às assinaturas dos contratantes, sancionada pela alínea d do artigo 8 do DL 446/85, «ponderou-se que…o circunstancialismo exterior da celebração contratual é manifesto no sentido da inexistência de mútuo consenso das partes sobre o conteúdo das cláusulas» (Cláusulas Contratuais Gerais, página 28, de Almeida Costa e Meneses Cordeiro), ou, pelo menos, «haverá a suspeita de que tais cláusulas não foram lidas ou de que sobre elas não houve acordo» (Meneses Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I – Parte Geral, Tomo I, 2ª ed., página 436).”

              No mesmo sentido, veja-se o ac. do STJ de 07/03/2006 (06A038) referenciando e discutindo posições divergentes (embora o acórdão fale na nulidade das cláusulas, quando se trata antes de elas se terem como não escritas, não fazerem parte do contrato, não estarem nele incluídas, ou serem dele excluídas).

              No ac. do STJ de 15/05/2008 (08B357) decide-se, no âmbito de uma acção inibitória, que:

         “II – Nos contratos de adesão relativos aos cartões (de crédito e de débito) do banco Y, a assinatura do aderente localiza-se antes das cláusulas contratuais gerais que se encontram apostas em folha imediatamente a seguir; porém, consta dos mesmos contratos em local situado antes da assinatura do aderente, uma declaração em que o aderente afirma ter tomado conhecimento e aceitar as condições de utilização do cartão.

         III – A exigência legal de a assinatura se localizar após as cláusulas, para que estas sejam relevantes, sobrepõe-se ao conhecimento manifestado pelo aderente; daí que tais cláusulas, por localizadas após, para além, a seguir à assinatura do aderente, em violação do art. 8d), do DL 446/85, sejam inválidas e excluídas dos contratos, devendo o réu banco Y abster-se da sua futura utilização.”

                   E fundamenta-se com o seguinte:

         “Com esta declaração, situada antes da assinatura, poder-se-ia concluir que o aderente, ao subscrever o contrato, tem conhecimento do conteúdo dessas outras cláusulas, podendo determinar-se segundo o conteúdo dessas mesmas cláusulas.

         Porém, de tal declaração apenas se obtém a certeza de que o aderente declarou conhecer essas cláusulas; não que essa declaração corresponda efectivamente à realidade.

         E com a exigência de comunicação na íntegra, estabelecida no art. 5 daquele DL 446/85, pretende-se “assegurar que, após a leitura das cláusulas, o aderente possa aperceber-se, com exactidão, do seu alcance prescritivo” (Sousa Ribeiro em ob. cit., pág. 381) certo que é sobre o proponente que recai o dever de comunicação adequada e efectiva (art. 5º, n.º 3 do DL 446/85).

         A exigência de que a assinatura deve seguir-se a todas as cláusulas (art. 8º, al. d daquele DL 446/85) está para além do conhecimento efectivo pelo aderente — não é este conhecimento efectivo que aqui releva; o que releva é a localização das cláusulas para evitar adesões impensadas.

         O legislador, ao consagrar tal norma, para além da comunicação que impende sobre o predisponente, pretende exercer um controlo efectivo ao nível da formação do acordo de adesão, considerando que, independentemente do caso concreto e da sua comunicação, as cláusulas para poderem ser válidas devem anteceder a assinatura do aderente (cf. Acórdão do STJ de 27/3/2007, na Revista 279/2007) para afastar o risco de os aderentes apenas atentarem e tomarem consciência do conteúdo do contrato até ao ponto onde apõem, intervindo fisicamente, as suas assinaturas (Acórdão do STJ de 13/01/2005, na revista 3874/2004).

         E na verdade, com uma declaração deste tipo pode impedir-se que o aderente saiba, sem qualquer dúvida, quais as reais cláusulas a que fica sujeito, podendo ser um meio para um predisponente menos escrupuloso inserir no contrato cláusulas que não são objecto de apreciação e reflexão pelo aderente.

         Por isso, a exigência legal de a assinatura se localizar após as cláusulas para que estas sejam relevantes se sobrepõe ao conhecimento manifestado pelo aderente — aquela vontade manifestada naqueles termos pelo aderente cede pela necessidade de uma efectiva formação e consciencialização do conteúdo do proposto, certo que legalmente é considerado irrelevante o localizado após a assinatura, tendo em conta que as cláusulas não foram objecto de negociação.

         Daí que tais cláusulas por localizadas após, para além, a seguir à assinatura do aderente, em violação daquele art. 8º, al. d, sejam inválidas e excluídas dos contratos, devendo a ré Banco BA abster-se da sua futura utilização (art. 32º do DL 446785).”

              Ou como se diz no ac. do STJ de 07/01/2010 (08B3798):

         “5. Nos termos da al. d) do artigo 8º do Decreto-Lei nº 446/85, têm-se como não escritas as cláusulas contratuais que fisicamente se encontram no verso do documento, após as assinaturas dos contraentes, ainda que, antes dessas assinaturas, haja uma cláusula no sentido de que o mutuário declara ter tomado conhecimento e dado o seu acordo às que constam do verso.

         Significa este preceito que se têm como não escritas as cláusulas contratuais que fisicamente se encontram após qualquer uma dessas assinaturas (neste sentido, acórdão deste STJ de 03/05/2007 e de 15/05/2008, http://www.dgsi.pt, procs.nºs 06B1650 e 08B357).”

           E continua este acórdão:

         “A Relação, todavia, deu relevância a uma cláusula incluída nos contratos da qual resultava que o mutuário declarava ter tomado conhecimento e dado o seu acordo às cláusulas constantes do verso.

         Entende-se, no entanto, que tal cláusula não tem a virtualidade de afastar a sanção da exclusão das cláusulas posteriores à assinatura (neste sentido, o citado acórdão de 15/05/2008 e jurisprudência nele citado). A clara intenção de protecção do aderente, que aliás explica o acentuado formalismo adoptado pelo legislador, conduz a fazer prevalecer a presunção de que há fundadas razões para crer que possa não ter ponderado devidamente o significado das cláusulas posteriores ao acto que exprime a assunção, pelo declarante, da declaração que emitiu: a sua assinatura.”

           E depois de citar o ac. do STJ de 13/05/2005, conclui que:

         “a mesma lógica de protecção dos aderentes conduz ao conhecimento oficioso do vício em causa.”

              Também no ac. do STJ de 08/04/2010 (3501/06.3TVLSB.C1.S1) havia uma cláusula de confirmação, o que não impediu que as CCG postas em causa tivessem sido excluídas, não se dando, por isso, qualquer relevância àquela.

              No mesmo sentido, o ac. do TRL de 20/04/2010, proc. 215/10.3YRLSB-7, diz-se:

         […]

         IV – Tendo sido alegado pelo réu que lhe não “foram dadas a ler, e menos ainda a assinar” (sic) as Condições Gerais que integram o contrato, e não fazendo a autora prova da sua efectiva e adequada comunicação, tem de concluir-se pela falta de comunicação dessas cláusulas contratuais, omissão essa que gera a sua exclusão.

         V – Existe o risco de uma aceitação meramente aparente relativamente a cláusulas cujo local de inserção não garanta que sobre elas tenha incidido a atenção do contraente a quem são dirigidas, prevendo e admitindo o legislador que este apenas atente devidamente e tome consciência do conteúdo do contrato até ao ponto onde apõe, intervindo fisicamente, a sua assinatura.

         VI – São, assim, de considerar excluídas do contrato as cláusulas que no respectivo documento se encontram depois da assinatura do contraente a quem são dirigidas, embora antes desta assinatura figure a menção de que se encontram no verso e a elas é por este dado o seu acordo.

              Tal como o ac. do TRP de 23/02/2012 (359/06.6TBARC-A.P1) vai no mesmo sentido, dizendo, na esteira de Almeno de Sá, que:

         “De facto, o contrato insere uma cláusula desse teor, chamada cláusula de confirmação. Para justificar a sua global aceitação por parte do mutuário, o mutuante elimina, na prática, as exigências legais que sobre ele, como utilizador de cláusulas contratuais gerais, impendem quanto àqueles deveres de comunicação e informação. Não basta a existência de uma declaração de concordância ou aceitação do cliente. É necessário que o utilizador tenha procedido à efectiva comunicação das cláusulas contratuais gerais e lhe tenha conferido a possibilidade de um conhecimento real do seu conteúdo. Aquela cláusula, por infringir normas imperativas, sempre seria nula mas fica, em qualquer caso, destituída de qualquer relevância jurídica e, por isso, não surte quaisquer efeitos.”

            E o ac. do TRL de 28/06/2012, proc. 2527/10.7TBPBL.L1-2:

            I – Dar notícia de CCG (que estão na página que se assina ou no verso dela) não é fazer a comunicação das mesmas exigida pelo art. 5 da LCCG. E a falta dessa comunicação implica a exclusão de tais cláusulas contratuais gerais do contrato em causa [art. 8-a da LCCG]. 

            II – A cláusula em que o aderente declara conhecer e aceitar as CCG constantes do verso do documento que está assinar é uma cláusula de confirmação que não substitui a necessidade de comunicação de tais cláusulas, pelo que, não se provando esta, tais CCG serão excluídas também por força do art. 8-d da LCCG.

            E o ac. do TRL de 05/03/2013, proc. 2624/10.9YXLSB.L1-7:

            […]

            IV – Através da chamada «cláusula de confirmação» atesta-se que a contraparte do utilizador concorda com a inclusão no contrato de determinadas condições gerais, sem atender minimamente aos requisitos de incorporação legalmente exigidos, na medida em que faz derivar, de forma automática, da pura contratação do serviço, a aceitação pela contraparte das condições gerais em causa.

            V – Tem-se entendido que a exigência legal de a assinatura se localizar após as cláusulas para que estas sejam relevantes, se sobrepõe à declaração em que o aderente afirma ter tomado conhecimento e aceitar as condições, pelo que estas são inválidas e excluídas dos contratos.

              Mais recentemente, ainda no mesmo sentido da exclusão das CCG insertas depois das assinaturas, veja-se também:

              – o ac. do TRL de 05/05/2015, proc. 2107/08.7TBVIS.L1:

         II – Apesar da numeração das duas páginas do contrato de mútuo sugerir que a assinatura dos mutuários vem depois das “Condições Gerais” – o verso, que as contém, indica pág. 1, e a face, de que constam as assinaturas dos mutuários, indica pág. 2 – deve considerar-se irrelevante para esse efeito a paginação do documento, tendo em vista, além do mais, que a referida pág. 2 constitui a face por iniciativa da própria Ré financiadora (que juntou o documento aos autos) apondo nessa mesma página/face a indicação “Doc. 1”, sendo esta a que se apresenta mais apelativa, com maior destaque, pela cor, pela forma e até pela variação no tamanho das letras; III- Nessa medida, tem de entender-se que as “Condições Gerais” do contrato se encontram, de facto, colocadas depois das assinaturas dos mutuários e, por consequência, necessariamente excluídas do contrato por força da al. d) do art. 8 do DL nº 446/85, de 25.10, o que, no caso, gera a respectiva nulidade” [em nota remete-se ainda para o ac. do STJ de 7.1.2010, proc. 08B3798, e cita-se estas passagem, com sublinhado do ac: “devem ter-se como não escritas as cláusulas contratuais que fisicamente se encontram no verso do documento, após as assinaturas dos contraentes, ainda que antes dessas assinaturas haja uma cláusula no sentido de que o mutuário declara ter tomado conhecimento e dado o seu acordo às que constam do verso.]

              – o ac. do TRG de 04/02/2016, proc. 8732/12.4TBBRG-A.G1:

         “1. Nos termos da al. d do artigo 8 do DL 446/85, têm-se como não escritas as cláusulas contratuais que fisicamente se encontram no verso do documento, após as assinaturas dos contraentes, ainda que, antes dessas assinaturas, haja uma cláusula no sentido de que o mutuário declara ter tomado conhecimento e dado o seu acordo às que constam do verso” com muitos outros elementos no mesmo sentido.

              – o ac. do TRL de 13/10/2016, proc. 28382/15.2YIPRT.L1-2:

         […] IV – As CCG que constam do verso de uma folha, que o aderente assinou no rosto, consideram-se excluídas do contrato (art. 8-d da LCCG).

         Acrescentando-se ainda, para além do mais: Por último, quanto a uma cláusula que consta do rosto da folha, antes da assinatura da ré, diga-se que esta é a usual cláusula confirmatória, que se entende, em geral, que é proibida, por força do art. 21/1e) da LCCG: “São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que […] (e) Atestem conhecimentos das partes relativos ao contrato, quer em aspectos jurídicos, quer em questões materiais.” E por isso sem qualquer valor para afastar a exclusão das cláusulas contratuais gerais.

              Especificamente quanto à questão da cláusula de confirmação, veja-se ainda o ac. do STJ de 04/05/2017, proc. 1961/13.5TVLSB.L1.S1

             A inserção no documento de confirmação do contrato de permuta de taxa de juro, antes da respectiva assinatura, de uma cláusula de feição manifestamente pré determinada e padronizada, segundo a qual o aderente declara estar plenamente conhecedor do conteúdo e do risco da operação, confessando terem sido prestados pelo banco todas as informações e esclarecimentos solicitados para tomada consciente da decisão de contratar, nomeadamente o facto de o aderente, no caso de evolução desfavorável das condições de mercado, poder registar uma perda financeira líquida com a operação não pode  ter o efeito de desvincular o Banco do ónus de demonstrar o cumprimento adequado do dever de informação, cominado imperativamente pela norma do nº 3 do art. 5 do DL 446/85 – valendo apenas (nos casos em que tal cláusula não é absolutamente proscrita, por se estar no domínio das relações com consumidores) como elemento sujeito a livre apreciação das instâncias.

              Luís Poças, O dever de declaração inicial do risco no contrato de seguro, Almedina, 2013, na nota 135, pág. 51, embora não concorde, diz, citando Jacques Mestre, que “é entendimento, por ex., da jurisprudência francesa, que a subscrição de uma menção comprovativa segundo uma fórmula padronizada e inserta num formulário pré-elaborado não é adequada a demonstrar que o tomador tem conhecimento integral e efectivo das cláusulas aplicáveis ao contrato.”

                                                                 *

              Defendendo também a natureza abusiva das cláusulas confirmatórias, de confirmação ou menções comprovativas [por força dos arts. 19-d e 21-e da LCCG)], veja-se ainda:

              – Jorge Morais de Carvalho, obra citada, na pág. 187 [sendo que na pág. 183 já se tinha pronunciado sobre as declarações respeitantes ao cumprimento das exigências legais no que respeita à comunicação e ao esclarecimento] e Manual citado, págs. 76/77 (que invoca no mesmo sentido Ana Prata, Contratos de adesão e ccg, 2010, pág. 321, o ac. do TRP de 14/06/2007 e o ac. do TJUE de 18/12/2014);

              – Brandão Proença, Cláusula resolutiva expressa como síntese da autonomia e da heteronomia, texto junto à nota 40, pág. 312, nos estudos em homenagem a Heinrich Hörster, Almedina, 2012, referindo no mesmo sentido o ac. do STJ de 07/01/2010 (08B3798).

                                                                 *

              Como decorre do que antecede, este dever substantivo de comunicação a cumprir pelas seguradoras, desenvolve-se processualmente no ónus de provar o cumprimento desse dever como única forma de poder invocar as cláusulas de que se pretende prevalecer frente ao aderente, pois que de outra forma elas não fazem parte do contrato (não o integram realmente). O que implica a alegação desses factos – já que só se podem provar factos que se alegam -, mesmo se se entender que tal não corresponde a um ónus de alegação (a discussão faz-se em acórdãos citados por Araújo Barros, páginas 64-65, e Ana Filipa Morais Antunes, num § da pág. 133, obras citadas, defendendo o primeiro, com fundamentação, a posição de que há um ónus de alegação e de prova a cargo dos réus e a segunda apoiando-se na posição dos acórdãos que dizem que só há um ónus de prova).

              Ora, no caso dos autos já se viu tudo o que foi alegado pelos réus a propósito desta matéria e, por isso, pode-se agora concluir que os factos que a ré alegou não só não podiam conduzir à conclusão de que o dever de comunicação das cláusulas contratuais invocadas foi cumprido, como, até apontam em sentido contrário, isto é, de que ele não foi cumprido: as condições dos contratos de seguros não foram dadas a conhecer ao autor antes da celebração dos contratos, muito menos na íntegra; num deles – no noutro nem sequer isso – apenas no acto da subscrição do boletim de adesão foi dada a conhecer ao autor uma nota de informação e esta sempre seria insuficiente para o efeito, porque não corresponde ao conjunto, na íntegra, das condições do contrato; e, por último, a declaração assinada pelo autor deve ser também excluída do contrato e não teria nem sequer valor de princípio de prova.

              O autor, na PI, colocou a questão em termos de violação do direito de informação. Os réus, ao contestarem, colocaram a questão em termos de a ré ter cumprido o dever de comunicação e de, nas circunstâncias concretas, nada lhes ser reprovável a nível de cumprimento do dever de informação, porque o autor não lhes pediu quaisquer informações. O autor negou então que os réus tivessem cumprido o dever de comunicação. Como os réus não provaram terem cumprido o dever de comunicação, o dever de informação também não pode ter sido cumprido, pois que pressuponha o cumprimento do primeiro e isso não pode, como pretendem os réus, ser imputado ao autor.

              De qualquer modo, o que os réus alegavam a título de cumprimento do dever de informação, nunca poderia satisfazer aquilo que se pretende com o mesmo: os réus não diziam ter esclarecido o autor de pontos essenciais dos contratos, como os respeitantes à cobertura dos riscos e às exclusões (esclarecendo, por exemplo, a como é que se compatibilizavam referências simples a furtos, sem mais, e condições contratuais que apontavam para furtos qualificados); o que eles diziam é que: i/ as condições contratuais foram comunicadas ao autor e o autor não lhes pediu esclarecimentos; ii/ objectivamente os esclarecimentos não se justificavam, porque as cláusulas eram claras. Ora, afinal resulta que os réus não comunicaram as cláusulas e os esclarecimentos sempre seriam necessários, independentemente de eles serem solicitados pelo autor.

              Pondo a lei a cargo dos utilizadores das cláusulas o ónus da prova do cumprimento dos deveres de violação de comunicação e de informação, o facto de eles não terem sido cumpridos equivale, por força do art. 8/-a-b da LCCG, a considerar-se que eles não foram cumpridos e, por isso, à consequência da exclusão das cláusulas do contrato, pois que, de outro modo, a imposição daquele ónus não teria sentido.

                                                                 *

              A exclusão destas condições dos contratos não prejudica a subsistência deles: trata-se de excluir cláusulas invocadas pela ré para evitar o pagamento dos capitais seguros, o que não impede que o resto dos contratos permita a determinação das obrigações do autor e dos réus, entre elas a do autor pagar o prémio dos contratos (o que os réus não põem em causa que o autor tenha estado sempre a fazer) e a ré de estar obrigada a cobrir o risco de furto e de danos conexos que atinja os bens segurados, sem que a definição desse furto e danos conexos sofram as restrições decorrentes da redacção das cláusulas excluídas (art. 9 da LCCG).

                                                                 *

              Entretanto, do que antecede, resulta que está provado que o autor assinou aquela declaração – a da folha 5 do boletim de adesão apresentado pelo réu; a justificação apresentada pelo autor para não se pronunciar sobre ela não equivale a impugnação da mesma que, embora separada do resto dos documentos da contestação, lhe foi enviada antes da réplica, pelo que, esse facto deve ser acrescentado aos factos provados (art. 607/4 e 663/2 do CPC).

                                                                 *

              O autor, com o primeiro pedido formulado, transformou aquilo que seria a causa de pedir da não aplicação das cláusulas contratuais ao caso, por exclusão delas do contrato, num pedido autónomo. Trata-se de um procedimento usual de transformar causas de pedir em pedidos autónomos, dando origem a pedidos múltiplos correspondentes a acções complexas com mais de uma natureza.

              De qualquer modo, o pedido foi formulado e há que, com base no que foi dito para trás, tomar posição sobre ele.

              Ora, como já se viu, as cláusulas em causa devem ser excluídas, não só por violação do dever de comunicação, mas também com base na violação do dever de informação invocado pelo autor, pois que os réus não provaram que tivessem cumprido esse dever (arts. 5/1-2, 6/1 e 8/-a-b da LCCG).

                                                                 *

              O primeiro pedido foi formulado pelo autor com base no pressuposto de que esta acção incidental (art. 24 da LCCG) podia ser também uma acção inibitória do uso de cláusulas contratuais gerais nulas. Mas para esta ele não tem legitimidade: arts. 25 a 32 da LCCG. Isto não impede a procedência do pedido, pois que ele pode ser lido, já que se tratavam de dois contratos singulares, com referência apenas a estes e não a todos os que os réus celebrem.

                                                                 *

              O segundo pedido, que é a condenação da ré a pagar os capitais seguros, também deve proceder, porque, sendo as excluídas as cláusulas invocadas pela ré para evitar o pagamento, ela deixa de ter fundamento para isso.

              Isto se não proceder a outra excepção deduzida pela ré, o que passa a ser visto.

                                                                 *

              Da não responsabilização da ré pelo incumprimento do dever de comunicação

              A ré levanta esta questão, dizendo, entre o mais, que os contratos em causa eram contratos de seguro de grupo, cujo tomador é o réu; de acordo com o artigo 4 do DL 176/95 de 26/07, nos seguros de grupo, como é o caso, a obrigação de informação recai exclusivamente sobre o tomador de seguro, ou seja, o réu.

              O autor diz que em momento algum foi informado que estava a aderir a um seguro de grupo e que a obrigação de informação era apenas do réu.

              Antes de mais, a questão é que, como as cláusulas contratuais invocadas – as específicas da cobertura e de exclusão – não fazem parte do contrato, elas não podem ser opostas ao autor. O que, logo afastaria a procedência desta excepção.

              Mas, para além disto, a questão volta a ser a mesma que a tratada acima: o autor contratou dois seguros em que é seguradora a ré e ele é segurado. Os contratos serem ou não de seguros de grupo – que é o contrato que cobre riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar: art. 76 da LCS – depende das condições contratuais. Para que as cláusulas que tornam os contratos em contratos de seguro de grupo façam parte deles, os réus tinham o ónus de provar que elas tinham sido devidamente comunicadas e informadas ao autor. Ora, também quanto a estas cláusulas os réus não provaram ter comunicado e informado as cláusulas ao autor. Logo as cláusulas não fazem parte do contrato, pelo que não podem ser opostas ao autor. Assim, não há cláusulas contratuais que possam ser invocadas de modo a que se possa concluir que se está perante contratos de seguro de grupo, pelo que a ré não pode invocar o regime destes para evitar o pagamento dos capitais seguros.

                                                           *

Da oponibilidade da exclusão à seguradora

              A benefício da discussão, suponha-se, no entanto, que se pode dizer que estamos face a seguros de grupos. E, se se está a aceitar o que resulta das cláusulas contratuais, então adiante-se que o réu actuou como mediador da ré (vejam-se, neste sentido, nas condições transcritas as inúmeras referências a isso e veja-se também o que consta das linhas onde se encontra misturada a declaração assinada pelo autor no boletim de adesão invocado pelo réu e já acrescentado aos factos provados) e que se trata de seguros de grupo contributivos, o qual, segundo o art. 77/2 da LCS é o seguro de grupo em que do contrato resulta que os segurados suportam, no todo ou em parte, o pagamento do montante correspondente ao prémio devido pelo tomador do seguro.

              Para a decisão da questão, importa ter em conta ainda as seguintes normas:

              Os artigos 5 e 6 da LCCG põem a cargo do utilizador das cláusulas o cumprimento dos deveres de comunicação e de informação.

              O art. 78 da LCS – e não art. 4 do DL 176/95 invocado pela ré, pois que este DL está revogado há perto de 8 anos quando foram celebrados os contratos de seguro – dispõe que 1 – Sem prejuízo do disposto nos artigos 18.º a 21.º, que são aplicáveis com as necessárias adaptações, o tomador do seguro deve informar os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato, em conformidade com um espécimen elaborado pelo segurador. […] 3 – Compete ao tomador do seguro provar que forneceu as informações referidas nos números anteriores. 4 – O segurador deve facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato. 5 – O contrato de seguro pode prever que o dever de informar referido nos n.ºs 1 e 2 seja assumido pelo segurador.

              O art. 87 da LCS acrescenta: 1 – Adicionalmente à informação prestada nos termos do artigo 78.º, o tomador de um seguro de grupo contributivo, que seja simultaneamente beneficiário do mesmo, deve informar os segurados do montante das remunerações que lhe sejam atribuídas em função da sua intervenção no contrato, independentemente da forma e natureza que assumam, bem como da dimensão relativa que tais remunerações representam em proporção do valor total do prémio do referido contrato. 2 – Na vigência de um contrato de seguro de grupo contributivo, o tomador do seguro deve fornecer aos segurados todas as informações a que um tomador de um seguro individual teria direito em circunstâncias análogas. 3 – O incumprimento dos deveres previstos nos números anteriores determina a obrigação de o tomador do seguro suportar a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda das respectivas garantias, até à data de renovação do contrato ou respectiva data aniversária.

              O art. 79 da LCS dispõe que o incumprimento do dever de informar faz incorrer aquele sobre quem o dever impende em responsabilidade civil nos termos gerais.

              O art. 3 da LCS dispõe que o disposto no presente regime não prejudica a aplicação ao contrato de seguro do disposto na legislação sobre cláusulas contratuais gerais, sobre defesa do consumidor e sobre contratos celebrados à distância, nos termos do disposto nos referidos diplomas.

              Posto isto.

              Como já se viu acima (nesta parte, principalmente com recurso às passagens transcritas da obra de Maria Inês de Oliveira Martins que invoca outros autores e jurisprudência), a protecção que as normas da LCCG referentes aos deveres de comunicação e de informação dão ao aderente dos contratos celebrados com recurso a cláusulas contratuais gerais cumula-se com a protecção dada pelas normas da LCS referentes aos deveres aí chamados de informação e esclarecimento.

              Pelo que, estipulando aquelas (normas da LCCG) que as ccg não comunicadas se têm por excluídas do contrato, são estas que devem prevalecer sobre normas que prevêem uma tutela mais frágil do aderente, como aquelas que apenas excluem as ccg perante o tomador do seguro de grupo (art. 87/3 da LCS) ou que apenas fazem responder este pela violação de deveres de indemnização (art. 79 da LCS) mesmo que, hoje, facilmente, se possa falar num dever de indemnização pelo interesse contratual positivo, pelo que a responsabilidade civil poderia implicar a manutenção do contrato sem as cláusulas mas apenas perante o tomador.   

              Repare-se que o art. 3 da LCS dispõe que “o disposto no presente regime não prejudica a aplicação ao contrato de seguro do disposto na legislação sobre cláusulas contratuais gerais […] nos termos do disposto nos referidos diplomas” [isto é, nos termos da LCCG e não nos termos da LCS] e que a interpretação contrária que é feita, qual seja, a de que o regime da LCS prevalece sobre o regime da LCCG, contraria esta norma (a qual não contém a ressalva que consta, por exemplo, do art. 2 da LCS: “desde que não sejam incompatíveis com esses regimes.”)

              Por outro lado, no caso dos autos, como na maior parte destes casos, o tomador do seguro de grupo, o banco, é um mediador ligado à seguradora, actuando em nome e por conta da seguradora ré (artigos 5/-c-d e 8/-a-i do DL 144/2006, de 31/07) [actualmente, o Banco é um mediador de seguros que é um agente de seguros, e, por isso, actua em nome e por conta da seguradora – artigo 8/2 da Lei 7/2019 e artigos 4/1-c e 9/1-a do regime anexo a esta Lei].

              E embora isto não queira dizer que fosse realmente um representante da seguradora – o que resulta, a contrario, do artigo 17/1-a do regime do DL 144/2006, actualmente, 24/-a do regime da Lei 7/2019, pois que terá de ser celebrado um contrato com a seguradora que lhe dê esses poderes representativos -, no caso a questão não se coloca porque não se discute que o contrato entrou em vigor para a seguradora, o que sempre pressuporia a sua ratificação (art. 30/1 da LCS). Pelo que os actos que ele praticou produzem os seus efeitos na esfera jurídica da seguradora (arts. 30/1 da LCS e 258 do CC). Pelo que, é como se, no caso dos autos, tivesse sido a seguradora a celebrar o contrato com o autor. Assim sendo, a questão da não exclusão das normas, por o contrato ter sido celebrado por um tomador, não se coloca.

              Sendo assim, mesmo que se seguisse aquela que será referida adiante como a posição maioritária da jurisprudência sobre a questão, no caso dos autos, em que, repete-se, o réu banco actuou como mediador ligado à seguradora, no que se pode considerar como em sua representação, a exclusão das cláusulas pode ser oposta à seguradora. 

              [a jurisprudência maioritária é seguida no acórdão do STJ de 30/05/2019, proc. 532/17.1T8VIS.C1.S1, que faz referência a vários acórdãos, todos do STJ, no mesmo sentido, um de 2009, cinco de 2010, dois de 2011, dois de 2012, dois de 2013, dois de 2014 e três de 2016; a favor desta jurisprudência cita-se a posição de Margarida Lima do Rego, no Contrato de Seguro e Terceiros, Coimbra Editora, 2010, págs. 861 e 862 – que nessas páginas está a falar na alteração e cessação dos contratos de seguros colectivos e de grupo e faz a simples descrição das normas, sem discutir a questão, muito menos em conjugação com a questão das ccg e depois ressalva o abuso de direito – e Menezes Cordeiro, Direito dos Seguros, Almedina, 2013, pág. 731, em que o autor faz a simples descrição das normas; nas páginas 611-612, o autor defende a jurisprudência que, “perante normas especiais tão claras” tem entendido com grande consonância, que o art. 4/1-2 do DL 176, hoje 78/1-3 da LCS, prevalece sobre o art. 5 da LCCG, isto depois de ter dito que, no domínio dos seguros, os deveres de informação, constantes dos arts. 5 e 6 da LCCG devem ser compaginados com algumas normas especiais – isto já foi rebatido acima; note-se, de novo, que o art. 3 da LCS não tem a parte final que consta do art. 2 da LCS, ou seja, não faz a ressalva “desde que não sejam incompatíveis com esses regimes.”]

              Mas mesmo para outros casos em que não se pudesse invocar esta relação de representação voluntária, sempre se teria de ter em conta que se está perante um contrato comercial, em que o banco réu, no caso, não passa de um agente / preposto à frente da actividade comercial da ré seguradora de angariação de clientes para esta, pelo que, frente ao aderente (na relação externa) a sua actuação sempre implicaria a representação institutória da seguradora, ou seja, a vinculação desta à actividade do banco, pois que as regras internas (da relação subjacente), da relação entre a seguradora e o banco, desconhecidas do aderente, que afastassem essa representação, não lhe poderiam ser opostas, salvo se do registo comercial constasse o registo desse regime interno [que não se confunde com o registo do banco como mediador] de modo a poder ser oponível ao aderente (artigos 248 a 250 do CCom – está-se a tentar aplicar a posição que se pensa resultar das páginas sobre agência da obra de Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, A preposição, Almedina, 2017, páginas 371 a 385).  

              O que, aliás, aponta no sentido que parte da jurisprudência dá ao regime da LCS no que respeita às regras do contrato de seguro: elas destinam-se a reger a relação existente entre a seguradora e o tomador de seguro de grupo, não a relação entre o aderente e aquele que utiliza as condições contratuais.

              Em última análise, sempre se teria ainda de ter em conta a realidade económica subjacente à configuração jurídica formal da actividade económica do grupo da ré e do réu. O banco e a ré são partes integrantes de um único grupo económico. A utilização do conjunto das normas da LCS referente ao seguro de grupo, pelos membros de um grupo económico, que levasse à exclusão da obrigação de pagamento dos capitais seguros por um membro do grupo devido à actuação voluntária de um membro daquele mesmo grupo, e à protecção apenas temporária ou eventual, precária e reduzida do outro membro do grupo, em benefício patrimonial, por isso, do grupo, deveria ser afastada, nem que fosse por via do abuso de direito (art. 334 do CC), sob pena da actividade seguradora deixar de fazer sentido para todo este tipo de casos. Tal como se defende que, ao abrigo do abuso de direito, não deve ser permitido o uso do regime legal do instituto da personalidade jurídica para evitar a desresponsabilização ilegítima/abusiva dos membros de uma sociedade jurídica.

              Tendo em conta estas normas, no caso de seguros de grupo celebrados com base em cláusulas contratuais gerais, devem-se aplicar quer as regras da LCCG, quer as da LCS, pelo que a seguradora, que é a utilizadora das ccg continua a ter o dever de comunicação, na íntegra, antes da celebração do contrato, das ccg, e de informação delas, e o incumprimento, ou falta de prova do cumprimento desse dever, deve acarretar a consequência prevista no artigo 8/-a-b da LCCG, mais favorável ao aderente, e não as previstas nas normas da LCS.

              Passa a citar-se algumas posições que confirmam partes do que antecede, sendo que as de Maria Inês de Oliveira Martins, já citadas acima, servem para a fundamentação principal seguida neste acórdão, e as que se passam a citar, das págs. 714 a 721, especialmente págs. 718-719, servem, no caso, a segunda via da fundamentação adoptada, ou seja, aquela que, face a este caso concreto, também seria aceite pela jurisprudência dominante, pois que, no caso, como se disse acima, o réu actuou como mediador da ré e não se pode pôr em causa que o tenha feito como seu representante:

            “A esta questão [a de saber se em alguma circunstância se pode considerar que o tomador actua na qualidade de mediador de seguros], a sobredita jurisprudência [a dominante] responde negativamente. Rejeita-se que o tomador num seguro de grupo actue na qualidade de auxiliar comissário ou mediador do segurador – ainda que se reconheça que o sentido pratico-económico do seguro de grupo se possa aproximar da mediação, não se reconduz totalmente a ela, nem o ordenamento opera tal assimilação.

            Ora, desde logo, diga-se que não é de estranhar que a lei não crie de plano tal responsabilidade, porque nem em todas as constelações de seguro de grupo o tomador actua como angariador económico de clientela para o segurador. Se é isso que acontece nas hipóteses recorrentes em que o tomador é uma entidade bancária integrante do grupo a que pertence o segurador, os contra-exemplos não deixam de ser abundantes: basta pensar nas comuns situações em que o tomador é a entidade empregadora dos segurados.

            Porém, parece-nos que há aqui que distinguir. Quando o tomador é um mediador autorizado e o contrato de seguro que apresenta aos segurados integra o âmbito da sua actividade de mediador, não poderá deixar de se aplicar o regime jurídico correspondente. Com efeito, aqui, materialmente, há lugar a angariação de clientela e promoção de contratação; e o tomador tem todo o conhecimento técnico para assessorar os segurados na sua adesão a um clausulado em vez do outro. De outro modo, abrir–se-iam as portas a que o mediador se furtasse ao cumprimento dos seus deveres, mais estritos, de profissional, bastando-lhe sistematicamente apresentar clausulados de seguros de grupo. Teria então o melhor de dois mundos: escolhia o clausulado do segurador que mediasse e apresentava-se aos segurados não como mediador, mas como mero tomador. E tê-lo-ia também o segurador, que beneficiava das actividades de promoção da contratação no seu interesse, sem ser responsabilizável em conformidade. Tudo isto seria conseguido à custa da diminuição de garantias da parte prejudicada pela assimetria informativa. É resultado que não se pode acolher; pelo que, quando o tomador seja um mediador com poderes para actuar por conta do segurador, pode este ser chamado a responder.”

              Quanto ao mais, veja-se, do STJ (de 2018 a 2015):

  1. O ac. do STJ de 18/09/2018, proc. 838/15.4T8VRL.G1.S1:

         […]

    II. Pedra angular do regime jurídico dos contratos de adesão é o dever de informação a cargo predisponente, assim como o dever de agir de boa fé, deveres densificados no diploma que rege as ccg, como meio de protecção do contraente mais débil – o aderente.

         III. A interpretação que protege o consumidor segurado, como parte mais fraca, deverá considerar que, nos casos em que tiver sido demandada na acção a seguradora e o Banco tomador do seguro, e não conseguindo este (nem aquela, diga-se) provar que cumpriu o ónus de informar o aderente do contrato de seguro de grupo, ante a dialéctica discussão, é oponível pelo aderente, que para nada contribuiu nem violou o contrato, a falta de cumprimento do ónus de informação, e, consequentemente, deve ser excluído o clausulado em relação ao qual o tomador do seguro violou o dever de informação.

         […]

              No texto do acórdão escreve-se, entre o mais:

         Sendo a boa fé e o desejável equilíbrio das partes no contrato, valores que não podem ser postergados, devendo buscar-se uma interpretação que acolha a equação económica negocial, tendo em vista os interesses nela supostos, cumpre indagar se, sendo o contrato de seguro de grupo um contrato de adesão, no caso contributivo, estando a parte mais fraca – os aderentes ao grupo – entre dois protagonistas muito mais fortes negocialmente (banco e seguradora) com quem tem lidar e, não podendo influir quanto a ambos, no conteúdo dos contratos, se uma interpretação que salvaguarde a protecção do aderente, não será de procurar à luz mais intensa da regra da boa fé e da finalidade social e económica da triangulação contratual.

         Não deve negligenciar-se que, a partir do momento em que se dá a adesão, constitui-se uma relação trilateral: tomador do seguro, seguradora e aderente, sendo que este é aquele cuja posição contratual, mais fraca, não se coloca no mesmo patamar daqueloutros.

         Se a omissão do dever de informar for oponível pela seguradora ao aderente, por se considerar que sobre ela não recai qualquer sanção em virtude da omissão do dever de informação competir ao tomador do seguro (ao banco), a posição jurídica do aderente sofre duro revés.

         Se aos aderentes for oponível, pela seguradora, a omissão de informar violada pelo tomador do seguro – a entidade bancária – o contrato vale plenamente em relação aos aderentes, tal como se tivesse sido concluído com respeito total por aquele nuclear dever, cujo incumprimento apenas poderia responsabilizar civilmente o tomador e beneficiário do seguro e não a seguradora em relação a quem o aderente está mais próximo contratualmente após a adesão, sendo que é à seguradora que o aderente paga o prémio por ela calculado.

         Não se pode esquecer que, tratando-se de uma relação negocial complexa, imposta pelo interesse contratual do banco mutuante e da seguradora que, normalmente lhe está associada em ostensiva sinergia económica, o aderente fica entre dois colossos: não tem, como consumidor, protecção eficaz perante as duríssimas consequências advenientes de lhe ser oponível a violação contratual perpetrada pelo tomador e beneficiário do seguro.

         […]

         De notar que, no preâmbulo do vigente diploma sobre o contrato de seguro – DL. 72/2008 – se refere, numa lógica de protecção do aderente do contrato de seguro deste tipo, que: “Nos contratos de seguro de grupo em que os segurados contribuem para o pagamento, total ou parcial, do prémio, a posição do segurado é substancialmente assimilável à de um tomador do seguro individual. Como tal, importa realçar que da nova regulamentação deste tipo de seguro resulta que o facto de o contrato de seguro ser celebrado na modalidade de seguro de grupo não constitui um elemento que determine um diferente nível de protecção dos interesses do segurado e que prejudique a transparência do contrato”, o que, no nosso entendimento, e sob pena de o propósito do legislador pouco valer, se deve considerar que não é oponível ao aderente, pela Seguradora, a violação do devedor de comunicação de cláusulas que deveriam ter sido informadas e esclarecidas.

  1. O ac. do STJ de 10/05/2018, proc. 261/15.0T8VIS.C1.S2:

            III – A falta de comunicação da cláusula de exclusão pelo tomador do seguro aos aderentes tem como efeito a sua eliminação do conteúdo contratual, nos termos do art. 8/-a-b da LCCG), não podendo a seguradora prevalecer-se dessa falta para se eximir da sua responsabilidade de ressarcir pela ocorrência do risco sob cobertura, com fundamento no disposto no art. 4/-1-3 do DL 176/95.

              No texto do acórdão escreve-se, entre o mais:

         […A] presença, num contrato celebrado com recurso a cláusulas contratuais gerais, de dispositivos que não tenham sido devidamente comunicados ou informados não corresponde ao consenso real das partes: ninguém pode dar o seu assentimento ao que, de facto, não conheça ou não entenda.

         […]

         Que sentido faria que o segurado/aderente, parte mais débil no contrato, que paga o prémio do seguro à seguradora, sofresse as gravíssimas consequências económicas por uma falta cometida pela entidade tomadora do seguro, com quem a seguradora negociou o clausulado contratual apresentado ao aderente para subscrição?

         Compreende-se que, no contrato de seguro de grupo, compita ao tomador de seguro, em primeira linha, comunicar ao aderente todo o conteúdo contratual e a informação adequada ao completo conhecimento desse mesmo conteúdo. […] O que não se compreende é que a falta de comunicação de uma cláusula, ou a não informação sobre o seu alcance, possa resultar na desresponsabilização da seguradora. Não foi esta, certamente, a finalidade do legislador quando redigiu o artigo 4/2 do DL 176/95, pois, nessa hipótese, o investimento da confiança que o segurado realiza no momento em que celebra um contrato de seguro nunca teria a esperada contrapartida de quem recebe o prémio estabelecido para garantia do risco assumido no contrato, o que redundaria em flagrante injustiça.

         […]

         […U]ma das principais preocupações do legislador de 1995 foi deixar bem clara uma questão que, na altura, dividia as seguradoras e os tomadores de seguro: saber a quem competia a obrigação de informar os subscritores do contrato de seguro de grupo.

         É sob este ângulo que, quanto a nós, se deve interpretar a disposição do artigo 4, pois, como se defende no ac. TRG de 04/05/2017, “trata-se (…) de uma regulamentação que, mantendo incólumes os direitos do segurado, nomeadamente a protecção que lhe é conferida pelo regime jurídico das cláusulas contratuais gerais no confronto com a sua contraparte no contrato de seguro, define os direitos e obrigações do tomador do seguro e da seguradora no seu relacionamento recíproco”.

        3. O ac. do STJ de 29/11/2016, proc. 1274/15.8T8GMR.S1:

       IV – Se aos aderentes for oponível, pela seguradora, a omissão de informar violada pelo tomador do seguro – a entidade bancária – o contrato vale plenamente em relação aos aderentes, tal qualmente tivesse sido concluído com respeito total por aquele nuclear dever cujo incumprimento apenas poderia responsabilizar civilmente o tomador e beneficiário do seguro e não a seguradora em relação a quem o aderente está mais próximocontratualmente após a adesão, sendo que é à seguradora que o aderente paga o prémio por ela calculado.

         […]

         X. Na vigência do artigo 4 do DL 176/95, não tendo o banco tomador e beneficiário do seguro, provado ter cumprido o ónus de informação “sobre as coberturas exclusões contratadas”, não pode a seguradora, demandada como ré, e o banco que na acção foi interveniente principal, opor ao aderente do contrato de seguro de grupo do ramo vida, as cláusulas que não foram informadas, para se eximirem do pagamento do capital seguro, verificado o risco previsto.

4. O ac. do STJ de 14/04/2015, 294/2002.E1.S1:

         III – Estes contratos são, portanto, contratos de adesão, cuja formação ocorre em dois momentos distintos. Num primeiro momento, é celebrado um contrato entre a seguradora e o tomador do seguro e, num segundo momento, concretizam-se as adesões dos membros do grupo. O contrato de seguro é predisposto pela seguradora e pelo tomador e são estas entidades que modelam o seu conteúdo: o segurado, por virtude de um vínculo que o liga ao tomador, limita-se a aderir ao contrato objecto de predisposição.

         IV – O acto de adesão do segurado em relação às condições do contrato de seguro consubstancia uma manifestação de vontade de que é contraparte a seguradora, o que permite atribuir ao aderente uma protecção equivalente à do segurado num contrato de seguro individual, aplicando-se a LCCG para regular as relações entre o segurado e a seguradora.

         V – Os deveres de comunicação e esclarecimento, na íntegra, do conteúdo negocial estão previstos nos arts. 5 e 6 do DL 446/85 e resultam directamente do princípio da boa fé contratual consagrado no art. 227 do CC, estendendo-se a todas as partes dos contratos que tenham poder de impor cláusulas negociais ao consumidor.

         VI – O facto de o legislador ter fixado, no art. 4/1 do DL 176/95, deveres de informação a cargo do tomador de seguro, não significa que tenha querido onerar exclusivamente o banco com estes deveres e exonerar a seguradora, perante o aderente, dos deveres que já decorriam dos arts. 5 e 6 da LCCG.

              No texto do acórdão escreve-se, entre o mais:

        1. Na vida quotidiana dos cidadãos, quando adquirem habitação própria com recurso ao empréstimo bancário, o banco (mutuante) propõe aos mutuários a subscrição de um contrato de seguro de vida, para que, em caso de morte ou incapacidade do segurado, a quantia ainda em dívida seja paga pela seguradora ao banco.

         Estas propostas negociais adoptam o modelo de um contrato de adesão, cujas cláusulas os segurados não têm qualquer possibilidade de discutir ou negociar, e que, a mais das vezes, nem conhecem na sua totalidade, por falta de transparência das entidades envolvidas, Bancos e Seguradoras, normalmente ligadas por vínculos jurídicos e pertencentes ao mesmo grupo financeiro.

         Em face desta realidade socioeconómica, a lei (DL 446/85) vem em auxílio da parte mais fraca, o segurado, impondo às entidades com poder negocial para redigir unilateralmente estes contratos deveres de informação e de comunicação, bem como proibindo, através de uma enumeração exemplificativa, um conjunto de cláusulas contrárias à boa fé e ao equilíbrio das prestações.

         […]

         O regime jurídico das cláusulas contratuais gerais constitui um regime especial tutelador, em face do direito comum dos contratos. Este regime especial visa conter os efeitos disfuncionais da liberdade contratual e proteger determinada categoria de sujeitos, os aderentes, os quais se encontram integrados em formas estruturais que geram situações de poder a favor de organizações, numa situação que tipicamente os impossibilita de uma autotutela dos seus interesses. Estão, assim, desprovidos de qualquer poder negocial em relação à fixação do conteúdo dos contratos que assinam, sem possibilidade de negociar ou de fazer contrapropostas, e sem alternativas à aceitação formal de cláusulas redigidas pela contraparte, que encaram como uma «inevitabilidade» necessária para terem acesso a bens ou serviços essenciais à sua sobrevivência e qualidade de vida.  

         Dada a disparidade de poder entre as partes do contrato de adesão, assume um papel decisivo a garantia do “modelo de informação” ou “imperativo de transparência”, cuja finalidade é potenciar a formação consciente e ponderada da vontade negocial, parificando posições de disparidade cognitiva, quer quanto ao objecto, quer quanto às condições do contrato [Cf. Joaquim de Sousa Ribeiro, Direito dos Contratos, Estudos, Coimbra editora, Coimbra, 2007, p. 49.]

         Reconhece-se que a liberdade de contratar assenta em pressupostos cognitivos e que a necessidade de transparência e de informação, reportada à fase da formação da vontade, permite combater «a estrutural assimetria informativa entre as partes», e exige ao profissional «deveres positivos de informação, de acordo com parâmetros quantitativos e qualitativos capazes de afiançarem a integralidade, a exactidão e a eficácia de comunicação» [Ibidem, p. 61]. O princípio da transparência adequa-se, ainda, ao discurso argumentativo próprio do pensamento civilista, pois a sua função é instrumental à autonomia privada, permitindo criar condições para o seu exercício. O objectivo deste modelo é, assim, o de melhorar a qualidade do consentimento do consumidor, e também, corrigir o desequilíbrio das prestações, bem como promover a defesa da justiça interna do contrato [cf. Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, Coimbra, 1995, p. 423].

          A contratação em massa, dirigida a um conjunto indeterminado de destinatários, permite às empresas impor a sua vontade, e obter, para além da redução dos custos com a celebração dos contratos, outras vantagens económicas, através da deslocação indevida dos riscos para os aderentes e do aumento potencial das cláusulas abusivas. Diz-se a este propósito que «a parte mais forte ficou em condições de legislar por contrato, de uma maneira substancialmente autoritária» [Cf. Kessler/Gilmore, Contracts. Cases and Materials, 1970, apud Sousa Ribeiro, Cláusulas Contratuais Gerais e o paradigma do contrato, Coimbra, 1990, p. 193.]

         A moderna teoria dos contratos defende uma mudança de orientação no direito dos contratos, traduzida na passagem do paradigma do liberalismo económico, em que o contrato era visto como o resultado de interesses antagónicos negociados com dureza e egoísmo, para uma nova concepção de contrato baseada num princípio de respeito pelos interesses do outro e numa ética de cooperação e de solidariedade

         Este novo paradigma, resultante da crise do pensamento liberal sobre o contrato, exige às organizações utilizadoras de cláusulas contratuais gerais novos deveres destinados a suprir a desigualdade estrutural entre as partes dos contratos de adesão, entre os quais se destacam os deveres de comunicação e de informação previstos nos arts. 5 e 6 do DL 446/85, e, em geral, o dever de não lesar os interesses da contraparte e os deveres pré-contratuais de lealdade,  conselho, correcção, assistência e cooperação, decorrentes do art. 227 do CC.

         […]

         Quanto ao efeito da violação de qualquer um daqueles deveres, o art. 8 do prevê que se considerem excluídas do contrato as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do art. 5 (al. a); e as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo (al. b).

        1. A seguradora não coloca agora no recurso de revista a questão de saber se foi ou não cumprido o dever de informação em relação ao segurado, mas apenas a da titularidade deste dever, alegando que esse dever pertence ao banco, tomador de seguro, e não a si enquanto seguradora, pelo que não pode ser responsabilizada pelo incumprimento do Banco.

         […]

         Os deveres de comunicação e esclarecimento, na íntegra, do conteúdo negocial estão previstos nos arts. 5 e 6 do DL 446/85 e resultam directamente do princípio da boa fé contratual consagrado no art. 227 do CC, estendendo-se a todas as partes dos contratos que tenham poder de impor cláusulas negociais ao consumidor.

         No caso concreto, a fonte do dever de informação da seguradora, para além do princípio da boa fé, é a lei – artigos 5 e 6 do DL 446/85, – em virtude de o segurado praticar um acto de adesão, limitando-se a aceitar ou a rejeitar em bloco o contrato. Este acto de adesão do segurado é uma manifestação de vontade do aderente, o que significa que, nos contratos de seguro de grupo, em que existe um acto de adesão do segurado, estamos perante um contrato individual entre cada aderente e a seguradora. Sendo assim, é aplicável ao caso o DL 446/85 para regular as relações entre o segurado e a seguradora.

         O facto de o legislador ter fixado, no art. 4/1 do DL 176/95, deveres de informação a cargo do tomador de seguro, não significa que tenha querido onerar exclusivamente o banco com estes deveres e exonerar a seguradora, perante o aderente, dos deveres que já decorriam dos arts 5 e 6 do DL 446/85.

         A interpretação das normas, defendida pela seguradora, não se enquadra na finalidade das leis que visam a protecção do consumidor perante entidades com o poder de fixar unilateralmente as cláusulas dos contratos, que aquele se limita a subscrever. O que o legislador quis com o art. 4 do DL 176/95 foi sanar eventuais dúvidas que se colocassem a propósito dos deveres dos bancos, tomadores do seguro, e resolver conflitos nas relações internas entre bancos e seguradoras quanto aos seus direitos e deveres recíprocos, mas não afastar, em relação às seguradoras, o regime previsto no DL 446/85, pilar da defesa do consumidor na ordem jurídica.

         O facto de o contrato de seguro de grupo implicar a participação de uma terceira entidade, o tomador de seguro, que angaria clientes para a seguradora e funciona como intermediário na promoção dos contratos, não pode ser utilizado como argumento jurídico para diminuir as garantias do cidadão, nem para exonerar a seguradora – entidade que recebe os prémios dos mutuários e que com isso visa a obtenção de lucros – do cumprimento dos deveres de informação.

         […]

         Note-se que é a seguradora que recebe o prémio de seguro, não podendo a entidade que beneficia desta remuneração considerar-se isenta do dever de informar o segurado dos critérios de fixação do mesmo prémio e das circunstâncias em que se admite o aumento do mesmo ou uma alteração do risco de cobertura.

         Temos, portanto, de considerar, na análise desta questão, as características destes contratos de seguro de grupo como contratos de adesão, cujas cláusulas o segurado não tem possibilidade de discutir, mas apenas de rejeitar ou aceitar em bloco, bem como a relação jurídica e económica existente entre os bancos e as seguradoras, normalmente pertencentes ao mesmo grupo económico-financeiro.

         A realidade socioeconómica e psicológica associada aos contratos de seguro do ramo vida e o contexto em que são celebrados, quando ligados a um contrato de mútuo para habitação – bem essencial para a vida dos segurados – contribui, quer para reduzir a atenção do segurado sobre o conteúdo do contrato de seguro, visto como elemento meramente acessório em relação ao empréstimo, quer para a seguradora se aproveitar desta situação, inserindo cláusulas contratuais gerais prejudiciais aos interesses do segurado ou omitindo algumas das causas de exclusão de cobertura. Daí a necessidade de, como bem destaca o acórdão de 22/06/2005 (processo 1497/05-1), […] considerar o interesse dos aderentes que decorre naturalmente da ligação funcional entre o contrato de empréstimo, o contrato de seguro e o acto de adesão a este último, interesse esse cuja protecção é exigida pelos mais elementares princípios da boa fé, sob pena de a adesão ao contrato de seguro que o banco mutuante exige ao seu devedor, com o inerente encargo de suportar o custo do respectivo prémio, não passar de «simples artifício destinado a obter mais uma prestação a favor da seguradora, muitas vezes ligada ao grupo de que o banco faz parte».

         No mesmo sentido se decidiu no ac. do STJ de 02/12/2013, […], proferido no processo 306/10.0TCGMR.G1.S1.

         Entendemos, em consequência do exposto, que o dever de comunicação ou de informação deve estender-se também à seguradora, por força dos artigos 5 e 6 do DL 446/85, e do princípio da boa fé, que impõe deveres acessórios de informação, lealdade e cooperação.

         O facto de a seguradora não ter contacto directo com o aderente não a dispensa deste dever de comunicar ao segurado os requisitos e condições da obrigação de segurar.

         Ora, não se provou que a seguradora tivesse remetido ao consumidor, nem sequer ao Banco, as condições do contrato de seguro. Por isso, o Banco também não estava em condições de cumprir as suas obrigações por facto imputável à Seguradora.

         […]

         […] O acto de adesão do segurado em relação às condições do contrato de seguro consubstancia uma manifestação de vontade de que é contraparte a seguradora, o que permite atribuir ao aderente uma protecção equivalente à do segurado num contrato de seguro individual [Cf. Bigot-Gonçalves, Les Assurances de Groupe, Presses Universitaires d’Aix-Marseille, 2009, p. 204].

         Neste contexto jurídico, verifica-se uma conexão e interligação funcional entre as várias relações jurídicas em causa, que alteram a fisionomia e a estrutura da relação jurídica entre o banco e a seguradora, regulada em função da protecção dos interesses do aderente.

         […] se considerarmos […] que a seguradora não tem o dever de informar o banco nem o segurado acerca destas cláusulas, como aquela em discussão nos autos, fica sempre em aberto à seguradora a possibilidade de aparecer com cláusulas surpresa e assim se eximir da sua obrigação de segurar, prejudicando o segurado. Na prática, as seguradoras e os bancos poderiam fazer uso desta estratégia para, em última análise, cobrarem aos cidadãos, aquando do empréstimo para habitação, uma taxa extra, a título de prémio de seguro, sem em contrapartida oferecerem qualquer garantia de protecção aos cidadãos. E a ordem jurídica não pode aceitar este resultado contrário à finalidade da lei e à boa fé enquanto princípio geral de direito, fonte de deveres acessórios de conduta.

         A previsão legal do dever de informação a cargo do tomador de seguro não significa que o legislador tenha querido excluir a seguradora de idêntico dever. Não se trata, portanto, de fazer repercutir na esfera jurídica da seguradora o incumprimento do banco, como alega a seguradora, mas sim de imputar à seguradora a titularidade de deveres de informação e o incumprimento destes, a título pessoal.

         A intenção do legislador, dada a particular vulnerabilidade do aderente, não pode deixar de ter sido a de reforçar o dever de informação de uma das partes do contrato de seguro de grupo – o banco – e não a de dispensar a seguradora de um dever que, de qualquer forma, já resultava dos arts 5 e 6 do DL 446/85 e do princípio da boa fé consagrado nos arts 227, 239 e 762/2 do CC.

         Também não releva o argumento da seguradora, segundo o qual o DL 176/95 constitui direito especial em relação ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, que prevalece sobre este segundo a regra o direito especial derroga o regime comum ou geral. A classificação de uma norma como norma especial não é um dado apriorístico, mas pressupõe uma prévia interpretação da mesma, de acordo com os cânones de interpretação fixados na lei (art. 9 do CC): o elemento gramatical ou letra da lei, o elemento racional, que abrange a occasio legis (conjuntura económico-social que presidiu à elaboração da lei) e a ratio legis (a finalidade ou razão de ser da lei), e o elemento sistemático enquanto unidade da ordem jurídica e coerência valorativa da mesma.

         Ora, o contexto em que a norma foi elaborada e a razão de ser da lei – o aumento da protecção do consumidor e das garantias de transparência – indicam claramente a funcionalização da relação jurídica entre o banco e a seguradora à protecção dos interesses da parte mais fraca do contrato, conforme resulta do preâmbulo do diploma (DL 176/95), que afirma «A importância da informação do consumidor no novo quadro da actividade seguradora».

         A prossecução deste objectivo implica necessariamente um reforço da protecção do aderente e não a sua diminuição, pelo que não podemos considerar o DL 176/95 como uma lei especial que derroga o diploma que fixa o regime das cláusulas contratuais gerais, enquanto lei geral ou comum. Até porque não se pode considerar que o DL 446/85 seja lei geral ou comum, sendo antes uma lei especial em relação ao regime comum dos contratos e que o derroga. Estaríamos, então, apenas perante duas leis especiais em relação ao regime geral dos contratos e cuja interpretação e aplicação deve ser harmonizada, sem que nenhuma delas afaste a outra.

         [….]

              E dos tribunais da relação:

  1. O ac. do TRC de 12/10/2020, proc. 1531/19.4T8PBL.C1:

         V- Nos contratos de seguro de grupo, por obrigação decorrente do art.78 da LCS, cabe ao tomador do seguro a obrigação de informar, que nos contratos individuais é da seguradora (art.18) e com a mesma extensão, ocorrendo uma substituição desta por aquele.

         VI- Tal substituição determina que o incumprimento do dever de informação e esclarecimento se repercute na seguradora, porque, sendo ela a contraente que recorra a cláusulas contratuais gerais e pertencendo-lhe  o espécimen do contrato criado e fornecido por si, sendo ela contraente do mesmo contrato de que faz parte o tomador e o aderente,  e não salvaguardando para si o dever de informar a pessoa segura de todas ou algumas cláusulas do contrato, a falta do mesmo e único dever de informação por parte do tomador do seguro só pode ter como consequência o considerar-se cláusula nula e excluída.

  1. Ac. do TRP de 27/09/2018, proc. 849/17.5T8FLG.P1:

            II – A obrigação que, nos seguros de grupo, nos termos primitivamente estabelecidos no artigo 4/1 do DL 176/95, e ora constantes do artigo 78/1 da LCS, impende sobre o tomador, de informar «os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato, em conformidade com um espécimen elaborado pelo segurador», tem uma eficácia confinada às relações deste com o tomador, não valendo como uma transferência de tal dever, que desresponsabilize o segurador perante os segurados, impedindo estes de lhe oporem a exclusão de cláusula não informada.

  1. Ac. do TRP de 08/03/2018, 18664/15.9YIPRT.P1:

         VI – A (eventual) intermediação do mediador, em nome e por conta da seguradora, no uso dos poderes que lhe são conferidos, faz repercutir sobre esta todos os efeitos jurídicos decorrentes do contrato, assim também as consequências que resultem da omissão do cumprimento pelo mediador de deveres de comunicação e de informação.

              No texto do acórdão escreve-se:

         Note-se que, na definição dada pelo DL 144/2006, o agente de seguros é a pessoa que exerce a actividade de mediação de seguros em nome e por conta de uma ou mais empresas de seguros ou de outro mediador de seguros, nos termos do ou dos contratos que celebre com essas entidades.

         A obrigação de comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais insertas em contrato de seguro é da seguradora, mesmo que para o efeito recorra a um representante.

         […]

         Caberia à ré o ónus da prova de que o seu mediador deu cumprimento aos referidos deveres.

  1. Acórdão do TRG de 04/05/2017, proc. 493/14.9TBGMR.G1:

         No seguro de grupo contributivo a seguradora não pode opor ao aderente as cláusulas de exclusão ou limitação de riscos não comunicadas ou sobre as quais este não foi devidamente informado, mesmo quando, no silêncio do contrato, o dever de informação recaia, primordialmente, sobre o tomador do seguro, nos termos do artigo 78/1 da LCS.

9. Ac. do TRG de 15/09/2014, proc. 17/13.5TCGMR.G1:

1. Estando perante uma situação de seguro de grupo em que é invocada a existência de uma cláusula contratual geral e a sua não comunicação prévia e respectiva explicação do teor a um aderente, o ónus da prova relativamente a tal facto impende sobre o tomador do seguro, de acordo com a repartição do ónus da prova – artigo 4 do DL 176/95 – artigo 78 da LCS (com o mesmo âmbito do anterior) e pelo artigo 342 do CC.

2. O contrato de seguro de grupo que tenha um clausulado elaborado apenas pela Ré Seguradora aceite pelo Banco tomador e que o apresenta para a aceitação pelos aderentes ao Seguro de Grupo, e em que os aderentes nada possam opor e/ou modificar nesse clausulado, deve qualificar-se como um contrato de adesão, sendo regido pelo conjunto de normas que se aplicam a este tipo de contratos, entre os quais, a LCCG.

3. Apesar de impender sobre o Banco, enquanto tomador do seguro, a obrigação geral de comunicação e explicação das cláusulas do contrato, essa obrigação não desonera a Seguradora de cumprir a sua obrigação de comunicar e explicar as condições gerais do contrato de seguro de grupo ao aderente, uma vez que ela é a responsável primeira por essa comunicação no âmbito dos contratos de adesão, conforme decorre do artigo 5 da LCCG.

4. Celebrado um contrato de seguro de grupo contributivo (seguro de vida, associado a um crédito à habitação, sendo mutuário uma pessoa singular), com recurso ao uso de cláusulas contratuais gerais, às quais o segurado se limitou a aderir, pode convocar-se para a resolução do litígio a LCCG.

5. O art. 4 do DL 176/95 de 26/07 […] tem especialmente como destinatários a instituição bancária e a seguradora, definindo a cargo de quem — entre o tomador de seguro e a seguradora — fica o dever de informação sobre as coberturas abrangidas, as cláusulas de exclusão etc; A ratio do preceito foi dirimir eventuais conflitos entre estas duas entidades, estabelecendo uma norma delimitadora susceptível de derrogação por aquelas partes (n°4 do preceito), sendo o segurado alheio a esta equação, relevando ainda o preceito porquanto dele se infere, por um raciocínio de exclusão, que não é ao segurado que incumbe o ónus de alegação e prova da ausência de comunicação.

6. Não se provando a comunicação de uma cláusula do contrato de seguro, alusiva ao âmbito da cobertura, não pode a seguradora prevalecer-se daquele normativo (art 4 do DL176/95) para, perante o segurado, se ilibar ao pagamento do capital seguro — o que não impede que o possa fazer perante a entidade bancária, beneficiária da prestação.

10. Ac. do TRP de 27/02/2014, proc. 2334/10.7TBGDM.P1

         III – Nos termos do artigo 8 da LCCG, aplicável aos contratos não negociados, «consideram-se excluídas dos contratos singulares: a) as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º; b) as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo».

         IV – A obrigação que recai sobre o tomador de, nos termos do artigo 4/1 do DL 176/95 (ora artigo 78/1 da LCS), informar “os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora”, tem uma eficácia confinada às relações dele com a seguradora, não valendo como uma transferência para o tomador da obrigação de informação para com o segurado, que a desresponsabilize perante este, impedindo-o de lhe opor a exclusão da cláusula não informada.

11. Ac. do TRL de 26/02/2013, proc. 411/10.3TBTVD.L1-7:

1. O dever de informação e comunicação das cláusulas contratuais e das cláusulas contratuais gerais, é prévio à celebração do contrato, por forma a que, ao aderir ao mesmo, o contraente o faça, pelo menos, de forma esclarecida, uma vez que não tem qualquer possibilidade de negociar o conteúdo do contrato.

2. E tal dever não se esgota com a “entrega” das condições, uma vez que o que se pretende com o dever de informação é, precisamente, dar a conhecer ao subscritor o seu conteúdo.

3. No seguro de grupo, as consequências da omissão do dever de informação e comunicação das cláusulas contratuais gerais e especiais pelo banco ao segurado estendem-se à seguradora.

12. Ac. do TRP de 25/10/2012, proc. 24/10.0TBVNG.P1

I – No seguro de grupo ramo vida, em que o tomador é também o beneficiário, a comunicação e informação das cláusulas gerais ao segurado/aderente cabe, em primeira linha, ao tomador do seguro.

II – O segurador, que estabeleceu essas cláusulas com o tomador, não pode opor ao segurado/aderente que a omissão daquela obrigação não lhe é imputável para efeitos de exclusão da sua responsabilidade.

              No texto do acórdão escreve-se:

         Não se olvida que o Banco mutuante e tomador do seguro de grupo, por um lado, e a seguradora (apelante), por outro, integram o mesmo grupo económico-financeiro e celebram o seguro de grupo no comum interesse, potenciando, lucrativa e reciprocamente, a actividade de cada um deles. Nessa coordenação, a seguradora serve-se do Banco para colocar/vender, junto dos clientes deste (com determinados créditos – “crédito à habitação”) os seus seguros, recorrendo à espécie contratual de “seguro de grupo”. Por imposição do mutuante, tiveram os apelados de contratar seguro em seu benefício e que foi contratado na seguradora do grupo, beneficiando esta de vasto número de clientes (centenas ou milhares) sob promoção do banco “intermediário”.

         […] Há, nessa situação, um íntima colaboração entre as duas entidades que celebram o contrato de seguro […]

         E dessa colaboração, de que vêm a beneficiar reciprocamente, nasce um produto negocial, finalisticamente constituído por um clausulado fixo e imodificável que, sabido é por ambas as partes, é para e vai ser proposto a um número indeterminado de pessoas (consumidores, clientes do Banco) e que a ele vêm a aderir, em relação aos quais essas cláusulas são cláusulas contratuais gerais. […]

         Bem sabendo a seguradora da finalidade e do iter das cláusulas que, com o tomador do seguro, convenciona, e que o seguro só se torna efectivo e eficaz a partir da concretização de alguma adesão. As cláusulas são elaboradas pelo segurador e tomador para serem apresentadas aos aderentes que as vêm a aceitar, sem discussão ou modificação, e a esse processo não é estranha a seguradora.

         A adesão não depende apenas da vontade do aderente, como efeito automático de um acto unilateral deste. Mesmo que se não entenda como figura contratual autónoma (mas como uma fase necessária à eficácia do seguro de grupo), para a adesão se tornar eficaz, necessária é a aceitação da proposta do aderente pela Seguradora, sem a qual o proponente não fica a coberto da garantia negociada no seguro de grupo. Se as negociações com vista à adesão são tratadas com o tomador do seguro, é com a segurada que se concluem pela aceitação da proposta do aderente. A seguradora e o aderente são parte no mesmo negócio.

         De modo que o “negócio” da adesão não é estranho à seguradora, para se remeter a uma total irresponsabilidade pela deficiente formação da vontade do aderente ao se vincular em virtude da omissão de informação pelo tomador do seguro (incumprindo os ditames estabelecidos pelo artigo 4 do DL 176/95).

         Se, desta disposição, surgem obrigações para o tomador do seguro, já que é junto deste que, normalmente, as negociações para a adesão se processam, não opera esta a total irresponsabilidade do segurador pelas omissões de informação ao aderente, praticadas pelo tomador do seguro.

         […]

         Neste entendimento, não pode a seguradora ser estranha à obrigação de comunicação e informação das cláusulas gerais à outra parte, seja directamente ou através do tomador do seguro que, no processo normal de formação deste tipo de seguro, funciona como verdadeiro intermediário.

         […]

         Não se tem como razoável, excluir o segurador da responsabilidade pela omissão cometida pelo tomador do seguro, que actua também no seu interesse económico, funcionando como um intermediário, em desprotecção do consumidor, globalmente a parte menos esclarecida e mais fraca da complexa relação contratual.

         […]

         O seguro de grupo é um contrato de seguro, celebrado inicialmente apenas entre a seguradora e um tomador, mas ao qual aderem posteriormente outros indivíduos ligados de algum modo ao tomador do seguro, assumindo, desse modo, o seguro de grupo “a forma de um contrato complexo e trilateral – seguradora, tomador e aderentes”. Estes (aderentes consumidores), a parte débil na relação de seguro, não podem ter menor protecção pelo facto de se vincularem à seguradora, sob promoção do tomador do seguro. Se o Banco omitiu conduta regular, não se vê que para ela tenham contribuído os segurados (quando, como no caso, sempre cumpriram as suas obrigações), sendo de todo injusto fazer recair obre eles as consequências de um cláusula a que não aderiram. O que há-de implicar a responsabilidade directa da seguradora pela falta de comunicação e informação das cláusulas gerais de exclusão das coberturas do seguro, mesmo que essa falta seja imputável, m primeira linha, ao tomador do seguro.

13. Ac. do TRC de 09/01/2012, proc. 27/10.4T2AND.C1:

1. Estando perante uma situação de seguro de grupo em que é invocada a existência de uma cláusula contratual geral e a sua não comunicação prévia e respectiva explicação do teor a um aderente, o ónus da prova relativamente a tal facto impende sobre o tomador do seguro, de acordo com a repartição do ónus da prova – artigo 4 do DL 176/95 – artigo 78 da LCS e pelo artigo 342.° do CC.

2. O contrato de seguro de grupo que tenha um clausulado elaborado apenas pela Ré Seguradora, e em que o Banco tomador apenas assume o papel de intermediário, no caso, para a aceitação deste contrato pelos aderentes ao Seguro de Grupo, e em que os aderentes nada possam opor e/ou modificar nesse clausulado, deve qualificar-se como um contrato de adesão, sendo regido pelo conjunto de normas que se aplicam a este tipo de contratos, entre os quais, a LCCG.

3. Apesar de impender sobre o Banco, enquanto tomador do seguro, a obrigação geral de comunicação e explicação das cláusulas do contrato, essa obrigação não desonera a Seguradora de cumprir a sua obrigação de comunicar e explicar as condições gerais do contrato de seguro de grupo ao aderente, uma vez que ela é a responsável primeira por essa comunicação no âmbito dos contratos de adesão, conforme decorre do artigo 5 da LCCG.

4. O facto de o Banco tomador não ter sido demandado nos autos é irrelevante para a decisão a proferir, uma vez que a responsabilidade de comunicação ou não do respectivo clausulado negocial ao aderente é matéria apenas a ser discutida nas relações internas entre a Seguradora e o próprio Banco, em sede autónoma, nunca podendo ser oposta pela seguradora ao aderente.

5. Celebrado um contrato de seguro de grupo contributivo (seguro de vida, associado a um crédito à habitação, sendo mutuário uma pessoa singular), com recurso ao uso de cláusulas contratuais gerais, às quais o segurado se limitou a aderir, pode convocar-se para a resolução do litígio o regime jurídico instituído pela LCCG.

6. O art. 4 do DL 176/95 tem especialmente como destinatários a instituição bancária e a seguradora, definindo a cargo de quem — entre o tomador de seguro e a seguradora — fica o dever de informação sobre as coberturas abrangidas, as cláusulas de exclusão etc; A ratio do preceito foi dirimir eventuais conflitos entre estas duas entidades, estabelecendo uma norma delimitadora susceptível de derrogação por aquelas partes (n°4 do preceito), sendo o segurado alheio a esta equação, relevando ainda o preceito porquanto dele se infere, por um raciocínio de exclusão, que não é ao segurado que incumbe o ónus de alegação e prova da ausência de comunicação.

7. Não se provando a comunicação de uma cláusula do contrato de seguro, alusiva ao âmbito da cobertura, não pode a seguradora prevalecer-se daquele normativo (art 4º do Dcc. Lei 176/95) para, perante o segurado, se ilibar ao pagamento do capital seguro — o que não impede que o possa fazer perante a entidade bancária, beneficiária da prestação.

14. Ac. do TRP de 06/11/2007, proc. 0724884; no texto do acórdão escreve-se:

         […] não pode agora a ré opor essas cláusulas aos autores, como decorre do disposto no art. 8/-a do DL 446/85. É que, como refere o ac. do STJ de 06/02/2007 proc. n.º 06A4524, se estamos a falar de cláusulas contratuais, que pressupõem sempre um acordo de vontades (art. 232 do Código Civil), seja obtido no seguimento de negociações prévias das propostas ou seja por mera adesão, não faria qualquer sentido, por contrário a esses princípios gerais, atribuir relevância a quaisquer cláusulas que porventura constassem de um documento que titula o contrato ou faz parte integrante do contrato sem que delas fosse dado prévio conhecimento ao aderente, de modo a poder decidir livremente se pretende aderir ou não aderir a esse clausulado. Tais cláusulas nunca poderiam vincular os aderentes pela óbvia razão de que nunca a elas aderiram.

         […]

         A abordagem que a sentença faz ao fenómeno designado de “Bancassegurança” fornece pistas relevantes para a compreensão deste tipo de associação empresarial entre Bancos e seguradoras que subjaz a este tipo de contratos, em que o Banco funciona como o verdadeiro angariador de clientes de seguros, impondo-os aos seus mutuários nos casos de concessão de crédito para compra de habitação, a título de garantia acrescida à hipoteca constituída sobre os imóveis, como sucedeu neste caso; e em que os segurados, obviamente “contributivos” (al. h) do art. 1 do DL 176/95), asseguram a fonte altamente lucrativa desse vantajoso negócio, a repartir entre ambos (tem sido tornado público que os seguros do ramo vida são os mais rentáveis) e ao nível dos direitos ficam como que esmagados entre dois “elefantes” (no sentido de que se tratam de duas entidades empresariais de grande poder económico-financeiro).

         Pelo que os efeitos do incumprimento daquele dever de informação sobre o teor e o sentido das cláusulas contratuais, e designadamente as que se referem aos deveres a que vinculam os segurados, é questão a dirimir entre a seguradora e o Banco, mas não a opor aos próprios segurados.

         Importa ter aqui em conta que, embora tratando-se de um seguro de grupo, em que a negociação com os segurados fez-se através do Banco, e não directamente com a seguradora, consta da matéria de facto assente sob a al. G) ― transcrita supra na al. 7) do n.º 9 (III) ― que “na sequência dessa proposta de adesão … a ré celebrou com o autor e a sua falecida mulher, na qualidade de pessoas seguras, um contrato de Seguro de Vida/Grupo titulado pela apólice n.º … e pelo Certificado Individual de Seguro n.º … referente à dita apólice”. O que quer dizer que seguradora e segurados são ambos sujeitos desse mesmo contrato. O que é bem diferente do tipo de contratos de seguro de grupo celebrados apenas entre a seguradora e o tomador do seguro, de que as pessoas seguras não são parte (como sucede, por exemplo, nos contratos de seguro laborais, celebrados entre as seguradoras e as entidades empregadoras), sendo essencialmente a estes que se refere o regime do DL 176/95, e particularmente o disposto no art. 4, como se infere da exposição dos motivos constante do respectivo preâmbulo.

         Sendo a seguradora e os segurados partes do mesmo contrato, não pode aquela pôr-se totalmente à margem dos deveres de informação que lhe cabem nos termos dos arts. 5 e 6 do DL 446/85.

                                                                 *

              Assim, conclui-se que o autor pode opor à ré a exclusão das cláusulas por esta invocadas para obstar ao pagamento dos capitais seguros.

              Sendo assim, concluindo-se pelo afastamento destas cláusulas, isto é, que elas não fazem parte dos contratos, mesmo em relação à ré, fica prejudicada a questão da interpretação e integração das mesmas (questão que, se tivesse/tiver que ser resolvida, implicaria/rá a reabertura da instrução do processo, para apuramento dos factos alegados pelo autor para este efeito).

                                                                 *

              A questão de infra seguro que a ré levanta, só tem sentido em relação ao seguro casa, não ao seguro crédito; este cobre de forma suficiente os prejuízos do autor, pelo que a questão não tem relevo no caso dos autos.

                                                                 *  

              Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.

              Custas, na vertente de custas de parte, pela ré.

              Lisboa, 28/01/2021.

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto