Embargos – Juízo de Execução de Lisboa

              Sumário:

         I – A extinção da execução, nos termos do art. 750/2 do CPC, não implica a extinção, por inutilidade superveniente, dos embargos deduzidos contra a execução.           

           II – Tanto mais que aquela extinção, implica a automática inclusão dos executados numa lista pública de execuções (Portaria 313/2009), com as inerentes consequências negativas para os executados e com uma função compulsória do pagamento da dívida que os executados nos embargos põem em causa nos termos que está a ser executada.

        III – E ainda mais, e para além de muito mais, se o título dado à execução foi uma sentença não transitada que foi revogada e substituída por uma condenação de conteúdo diferente por um acórdão do tribunal de recurso e na execução não se tiraram as devidas consequências dessa modificação (art. 704/2 do CPC).

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados

              U requereu em 15/01/2016 uma execução contra 5 executados, com base em sentença ainda não transitada em julgado, dizendo que nela tinha sido condenado o primitivo réu – ora representado pelos executados – a pagar à autora 8409,57€ com juros.

              Os executados, a 04/09/2020, vieram deduzir embargos, dizendo que a sentença exequenda tinha condenado “o primitivo réu – ora representado [pelos executados] – a pagar à autora uma” dada quantia, mas foi revogada por acórdão do TRL de 07/04/2016, proc. 3167/06.0TJLSB.L1-2, transitado em julgado que, em vez disso, “conden[ou] os sucessores habilitados do primitivo réu a reconhecerem o crédito da autora sobre a herança deixada por aquele […] e a vê-lo satisfeito pelas forças dessa mesma herança”. Pelo que, segundo eles, a única execução que poderia ser instaurada contra os executados seria para obter o reconhecimento da dívida da herança e a execução para cobrança coerciva da dívida só poderia ser instaurada contra a herança. Assim, os executados seriam parte ilegítima, teria deixado de haver título exequível (deixou de haver condenação no pagamento) e não poderiam ser executados a título individual. Por outro lado, não existem bens da herança pelo que a execução devia ser extinta, por inutilidade superveniente.

              Entretanto, a execução foi extinta nos termos do art. 750/2 do CPC: por o agente de execução não ter encontrado bens penhoráveis e nem o exequente nem os executados os terem indicado no prazo de 10 dias depois da notificação do AE.

              Na sequência, em 12/10/2020, julgou-se, por sentença, que era inútil prosseguir com os embargos porque a execução tinha sido extinta e, se fosse renovada, nos termos do art. 850/5 do CPC [norma que permite que o exequente venha requerer a renovação da execução extinta quando indique os concretos bens a penhorar], os embargos também seriam renovados; pelo que os embargos foram julgados extintos com custas pelos embargantes (na sentença invoca-se a favor desta solução, os acórdãos do TRL de 07/06/2018 processo 5362/15.2T8OER-A.L1-2, do TRP de 24/02/2015, proc. 33364/03.4TJPRT-A.P1, e do TRG de 25/10/2018, proc. 3571/10.0TBBCL-A.G1).

              Esta sentença foi notificada aos executados e à exequente a 13/10/2020.

              Os executados vêm recorrer desta sentença, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

         1ª A decisão condenatória apresentada como título executivo tinha condenado os executados enquanto representantes do primitivo réu a pagarem uma dada quantia acrescida de juros.

         2ª A execução foi instaurada pela exequente contra os executados sem que a decisão tivesse transitado em julgado e enquanto se encontrava pendente o recurso.

         3ª Por acórdão proferido pelo TRL, transitado em julgado, a decisão foi revogada e substituída por outra que condenou os executados a reconhecerem o crédito da exequente sobre a herança do primitivo réu; no entanto, esta decisão nunca foi junta ao processo executivo, nem a exequente desistiu da execução quanto aos executados e requereu o prosseguimento da mesma apenas contra a herança.

         4ª Por razões que os executados desconhecem o processo executivo esteve quatro anos a aguardar pelo impulso processual quer da parte da exequente (que apenas requereu a extinção da instância ao abrigo do disposto no artigo 750 do CPC este ano),  quer da parte do Sr. Agente de Execução […]

         5ª Apesar dos executados terem sido citados ao abrigo do disposto no artigo 750 do CPC todos possuem bens pessoais (e que não integram a herança) susceptíveis de penhora, o que é comprovado nas pesquisas realizadas pelo Sr. AE.

         [nas conclusões 6 a 10 os executados referem os bens que cada um deles possui]

         11ª Como os executados entendem e defendem que são parte ilegítima na execução não indicaram bens à penhora, uma vez que só detêm bens pessoais e que não respon[dem] pelo pagamento da dívida exequenda por não integrarem a herança.

         12ª O fundamento invocado para extinguir os embargos de executado (inexistência de bens susceptíveis de penhora) por inutilidade superveniente da lide não se verifica, uma vez que do modo que a acção executiva foi instaurada podiam ter sido penhorados os bens pessoais dos executados.

         13ª Os executados deduziram oposição à execução mediante embargos de executado com os seguintes fundamentos: ilegitimidade dos executados, inexequibilidade da sentença apresentada como título executivo, inexistência de título executivo quanto a determinados valores reclamados no requerimento executivo e inexistência de bens da herança.

         14ª Mesmo que se verificasse a inexistência de bens entendem os executados que os embargos de executado não podiam ser extintos com fundamento na inutilidade superveniente da lide, uma vez que a oposição foi deduzida com fundamento (entre outros) na ilegitimidade dos executados e a extinção da execução com fundamento na inexistência de bens implica a inclusão automática dos executados na lista pública de execuções, conforme decorre do disposto no artigo 4 da Portaria 313/2009, de 30/03.

         15ª A inclusão dos executados na lista pública de execuções prejudica o seu bom nome e tem fortes repercussões negativas pessoal e profissionalmente, especialmente no caso de dois dos executados devido às actividades profissionais que exercem (a primeira é agente de execução e o segundo advogado), com a agravante de não serem responsáveis pelo pagamento da dívida exequenda e a ilegitimidade invocada não ter sido apreciada pelo tribunal.

         16ª O prosseguimento dos autos e o julgamento dos embargos de executado é importante para averiguar a ilegitimidade invocada, a inexequibilidade da decisão condenatória apresentada como título executivo e a invocada inexistência de título executivo.

         A 03/12/2020, a exequente, dando-se por “notificada das alegações de recurso, apresentadas no seguimento da extinção do presente apenso, vem informar que não foi notificada da dedução de embargos pelos executados, razão pela qual não os contestou e não tem conhecimento do seu teor; face a essa circunstância não poderá formalizar as suas contra-alegações de recurso. Termos em que, requer a junção aos autos para os fins expostos, com as legais consequências.”

              Os executados vieram responder que “a omissão da notificação dos embargos de executado é causa de nulidade de todo o processado, conforme decorre do disposto no artigo 195/1-2 do CPC. Sucede que, ao ser notificada da sentença, a exequente tomou conhecimento da dedução dos embargos de executado e da omissão da prática de um acto que podia influir na decisão da causa, razão pela qual deveria, ao abrigo do disposto no artigo 199º/nº 1 do CPC, ter arguido a nulidade de todo o processado. Como a exequente não invocou em tempo a nulidade do acto […] acabou por renunciar tacitamente à arguição da nulidade, conforme decorre do disposto no artigo 197/2 do CPC. E, tendo em conta que a exequente afirma que não poderá apresentar contra-alegações, requer-se [que] seja apreciado de imediato o requerimento de interposição de recurso e determinada a subida imediata do mesmo ao TRL.

              O tribunal recorrido admitiu então o recurso e determinou a sua remessa para este TRL.

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          Questões que importa decidir: a prévia, dos eventuais efeitos da falta de contra-alegações da exequente e, a principal, de saber se os embargos não deviam ter sido julgados extintos.

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              Os factos que interessam à decisão destas questões são os que resultam do relatório deste acórdão, consignando-se que estão correctas as transcrições feitas pelos executados da decisão do tribunal de 1.ª instância que serviu de título executivo e do subsequente acórdão do TRL que a revogou e, em vez dela, condenou os sucessores do primitivo réu em termos diferentes, bem como, que esse acórdão já transitou em julgado e que a decisão do tribunal da 1.ª instância foi executada ainda sem trânsito.

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              Decidindo:

              Quanto à falta de contra-alegações da exequente, ela é imputável à vontade própria da exequente, pois que foi notificada das alegações de recurso e da sentença recorrida e, se precisava de ter conhecimento de mais peças do processo, bastava consultá-lo. Quanto à remissão genérica que a exequente faz para as “consequências legais” daquilo que expôs, é inútil por falta de especificação, mas sempre se diz que os executados têm toda a razão: ao ser notificada da sentença recorrida, a exequente não podia deixar de saber que tinha havido uns embargos de que diz não ter sido notificada, tendo a contar de então o prazo de 10 dias para arguir eventuais nulidades (arts. 199/1 e 149 do CPC). Se não o fez, só se pode culpar a si própria.

              Quanto à questão principal:

              No ac. do TRE de 22/09/2016, proc. 71/13.0TBETZ-A.E1, diz-se:

         I – Pretendendo o embargante com a oposição à execução colocar em causa o próprio título executório, visando a improcedência total ou parcial da execução, a inutilidade superveniente da sua pretensão só ocorre se, por via de um comportamento concludente como é o pagamento voluntário da quantia exequenda, aceita o direito do credor talqualmente este se encontra representado no título executivo (artigo 849/1-a do CPC).

         II – Se, porém, a execução for extinta por qualquer uma das demais razões que a lei actualmente consagra, designadamente por não ser possível encontrar bens ou porque os encontrados não são suficientes para a satisfação do interesse do credor, podendo a instância executiva ser posteriormente renovada, não se verifica a inutilidade superveniente da lide quanto aos embargos de executado tempestivamente deduzidos, devendo os autos prosseguir para apreciação do respectivo mérito, como for de direito.

              Este acórdão teve um comentário concordante do Prof. Teixeira de Sousa, num post de 05/01/2017 publicado no blog do IPPC, lembrado, recentemente, pelo ac. do TRP de 27/01/2020, proc. 2666/14.5YYPRT-A.P1 que seguiu no mesmo sentido.

              No ac. do TRL de 12/01/2017, proc. 470/14.0TJLSB.L1, relatado pelo agora relator, também se disse: III – Se a execução foi extinta sem prejuízo de poder ser renovada (arts. 833-B/7 e 920/5, ambos do CPC, na redacção anterior à reforma de 2013), a possibilidade de renovação teria de ser extensiva à oposição (mal) julgada extinta por inutilidade superveniente.

              Dizia-se no texto do mesmo: “Extinta entretanto a execução por não terem sido encontrados bens à executada, a oposição foi julgada extinta também por inutilidade superveniente. Mal, já se disse, porque a execução extinta por não terem sido encontrados bens, pode ser renovada. O que já não poderia acontecer se a dívida fosse declarada prescrita.”

              Num outro acórdão do TRL de 11/11/2019, proc.  2877/11.5TBPDL-F, também relatado pelo relator do actual, diz-se: “I – Uns embargos de execução, ainda pendentes de recurso contra o seu indeferimento liminar, não se tornam supervenientemente inúteis por causa da extinção da execução, se esta se baseia num suposto pagamento da dívida exequenda, que não se diz ter sido voluntário. […].”

              Os acórdãos invocados na sentença recorrida em sentido contrário não convencem face às razões dos anteriores, as quais se passam a pôr noutros termos:

              Suponha-se a seguinte hipótese:

              A é executado e deduz oposição à execução, alegando que a dívida não existe (e tal é verdade). Antes do julgamento da oposição, a execução, porque não foram encontrados bens, é extinta. E depois julga-se extinta, também, a oposição à execução por inutilidade superveniente, devido à extinção da execução, sem se deixar que o executado faça a prova de que a dívida não existe. Cinco anos depois, o executado adquire bens e a exequente vem requerer a renovação da execução, o que é deferido.

              Se a oposição tivesse prosseguido, há cinco anos atrás já podia ter sido julgado que a dívida não existia. E, se tal tivesse acontecido, a execução não podia ser renovada.

              Basta isto para se poder dizer que o prosseguimento da oposição não é inútil, bem pelo contrário.

              Mais, a artificial extinção da oposição pode ainda prejudicar o executado.

            Continuando com a hipótese desenhada acima: renovando-se a execução, renova-se também a oposição, pelo que, 5 anos depois vai-se fazer o julgamento. Só que, entretanto, as testemunhas do executado que podiam comprovar a inexistência da dívida, foram-se embora para paradeiro incerto, ou morreram, ou esqueceram-se dos factos, ou ficaram de mal com o executado e dizem já não se recordar dos factos. Em consequência, o executado não prova os factos alegados e por isso a oposição improcede e vai ter que pagar a dívida inexistente.

              Como é que se pode aceitar um resultado destes?

              Tanto basta para demonstrar que não há qualquer inutilidade que deva levar à extinção dos embargos.

              A isto poder-se-ia acrescentar que o prosseguimento dos embargos ainda tinha o interesse – sempre muito relevante – de poder evitar a condenação dos executados/embargantes nas custas.

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              Sendo esta a solução do caso em geral perante a forma como a questão foi colocada na sentença recorrida, a situação, no caso, agrava-se.

              É que, e sem se estar a aqui a tomar posição sobre o mérito da oposição, os executados têm o direito de ver decididas as questões colocadas, com base, aliás, no acórdão do TRL, das quais decorreria, segundo eles, que a execução não devia ter sido deduzida contra eles, pessoalmente, nem podia continuar a correr assim, para além de que não havia bens da herança e por isso devia ser extinta.

              Ora, sendo a execução extinta nos termos em que o foi, tal “implica” – como os executados dizem – “a inclusão automática dos executados na lista pública de execuções, conforme decorre do disposto no artigo 4 da Portaria 313/2009, de 30/03”, com as inerentes consequências negativas para os mesmos, desenhadas com essa intenção pela referida Portaria, pois que essa lista tem uma nítida função compulsória para o pagamento da dívida, e que vigorarão durante 5 anos, como decorre do teor de toda a portaria e dos seus dois anexos.

              Ora, segundo os executados, decorre do acórdão do TRL que devia ser agora o título executivo, que a dívida não é deles, mas sim da herança do primitivo réu, e que eles só responderão por ela como sucessores daquele e pelas forças da herança que ele deixou. Ora, tudo isto, mesmo admitindo a eventual subsistência da execução apesar da procedência da oposição (necessariamente em moldes diferentes), terá de ser inscrito na lista pública de execuções em termos diversos daqueles que decorrem da forma como a execução foi requerida e prosseguiu.

              E, pior ainda, como a execução não foi extinta por não existirem bens, mas apenas por não terem sido encontrados, e se admite a sua renovação se a exequente a vier requerer por encontrar novos bens, e não foi feita nenhuma reserva quanto aos bens que podem vir a ser indicados, nem ela resulta da decisão da oposição à execução porque esta se extinguiu, a exequente poderá vir a indicar novos bens dos executados, apesar de, segundo eles, isso não lhe ser permitido pelo acórdão do TRL (acórdão que, aliás, acrescente-se tem o entendimento de que o ónus da prova do art. 2071/2 [o acórdão por lapso refere-se ao art. 2072] do CPC só se verifica nos casos das heranças partilhadas, o que deixou dito não se demonstrar ser o caso dos autos [e por isso é que a execução teve de ser requerida contra todos os herdeiros]).

              Mas, mesmo sem tudo isto, a existência de uma lista pública de execuções, onde os executados serão inscritos quando a execução for extinta nos termos do art. 750/2 do CPC, com uma nítida função compulsória do pagamento da alegada dívida, torna, só por si, evidente que os executados têm sempre interesse na decisão final de embargos que tenham deduzido, nem que seja para evitar a sua inscrição naquela lista, ao menos nos termos em que resultam do modo com a execução foi requerida.

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              A acrescer a tudo isto, o prosseguimento da oposição justifica-se particularmente no caso dos autos, pois que a execução foi extinta sem antes ter sido dado cumprimento do disposto no art. 704/2 do CPC -: “A execução iniciada na pendência de recurso extingue-se ou modifica-se em conformidade com a decisão definitiva comprovada por certidão […] – e o prosseguimento da oposição pode servir de sucedâneo à modificação imposta por aquele artigo.

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              Por último, diga-se que não há nenhuma norma legal que fale na renovação da oposição já deduzida e julgada extinta. É evidente, no entanto, que a possibilidade dessa renovação, face à renovação da execução depois da extinção da oposição, tem de existir, como é reconhecido pela jurisprudência. Mas trata-se de uma solução construída pela jurisprudência, sem que esteja expressamente prevista na lei. E a lei não previu isso, simplesmente porque não é lógico que assim ocorra. Ou seja, a lei não previu a hipótese da renovação da oposição porque também não previu que os tribunais fossem julgar extinta a oposição apenas porque se extinguiu a execução apesar de não ocorrer a extinção da obrigação exequenda.

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              As custas do recurso têm que ficar a cargo da exequente, que seria a beneficiada com a improcedência do recurso, pois que tal evitaria a discussão dos embargos e, por isso, a execução poderia vir a renovar-se nos mesmos moldes em que a requereu.

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              Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se a sentença que julgou extintos os embargos, devendo os mesmos prosseguir os seus normais trâmites.

              Custas do recurso, na vertente de custas de parte, pela exequente.

              Lisboa, 11/02/2021

              Pedro Martins

              1.º adjunto

          2.º Adjunto – voto a decisão e acompanho parte da respetiva fundamentação, divergindo apenas na medida em que considero que a extinção da execução, nos termos do art. 750/2 do CPC, por si só, não implica a automática extinção, por inutilidade superveniente, dos embargos deduzidos contra a execução, havendo de ser feita uma apreciação casuística, precedida do necessário contraditório (art. 3.º do CPC), considerando o dever de gestão processual (art. 6.º do CPC) e os princípios da limitação dos atos (art. 130.º do CPC) e da adequação formal (art. 547.º do CPC).