Declaração de voto

              Concordo com a decisão, mas quanto à fundamentação estou em desacordo no seguinte (I – O critério da probabilidade prevalecente como medida de prova é incompatível com o sistema jurídico português; II – Ao nível dos factos, a falta de prova de um facto não quer dizer que se tenha provado o facto contrário; III – O ónus da prova de circunstâncias anormais, extraordinárias e anómalas que afastem o nexo de causalidade entre um acidente de viação e uma lesão no corpo do lesado, verificada na sequência do acidente, cabe ao lesante; IV – Uma eventual doença do lesado, que não se manifeste no seu dia-a-dia – como é o caso dos autos – não deve ter nenhuma influência no juízo sobre o nexo de causalidade, nem na diminuição da indemnização devida pelos danos provocados pelo acidente; V – As Portarias de 2008-2009, relativas às propostas razoáveis, não devem servir de ponto de partida para o cálculo da indemnização):

                                                                  I

              À prova produzida pelo autor (dois médicos especialistas que esclareceram devidamente os factos), suficiente para a formação da convicção da verdade da afirmação por ele feita – de que o bypass tinha ocluído em consequência do acidente – não foi oposta pela ré prova minimamente convincente que tornasse duvidosa aquela afirmação, como o demonstra extensamente o acórdão, pelo que a alegação feita pelo autor deve-se considerar provada (art. 346 do CC).

              Sendo esta a via da solução do problema no sistema jurídico português, não deve ser trazida à colação uma outra via de solução, como se fosse ela a consagrada no direito português, criando confusão na aplicação, em geral, do Direito. Para mais, sem se tentar fazer a demonstração da compatibilidade desta via de solução com o direito português, quando essa incompatibilidade já foi demonstrada por doutrina especializada (pelo Prof. Miguel Teixeira de Sousa, no blog do IPPC: post de 18/10/2019, Jurisprudência 2019 (100); texto publicitado a 17/07/2019, Por que razão a “probabilidade prevalecente” não é uma medida da prova aceitável no ordenamento probatório português [Para aceder ao texto clicar em M. Teixeira de Sousa]; post de 22/06/2018, Jurisprudência 2018 (43)).

              Como este Professor diz: “A probabilidade do facto probando não é um resultado probatório admissível, dado que o que se exige não é que o juiz conclua que o facto probando é provável, mas antes que este facto é verdadeiro ou verosímil [o verosímil está empregue para as providências cautelares – parenteses do signatário desta declaração de voto, mas com base no que é dito pelo referido Prof.]; assim, a probabilidade apenas pode ser um meio para corroborar a inferência da verdade ou da verosimilhança do facto probando de um facto probatório.” (CC comentado, I – Parte Geral, CIDP/Almedina, 2020, pág. 978/m11). Pois que “a prova stricto sensu exige a convicção da verdade do facto probando […]” (autor e obra acabados de citar, pág. 979/m11).

              Considero, por isso, ao contrário do que resulta dito explicitamente no sumário do acórdão, que não se pode decidir um ponto da matéria de facto com base na conclusão de que “se demonstra haver maior probabilidade de a oclusão ter sido causada pelo traumatismo próprio do acidente, do que de a oclusão ter ocorrido naturalmente, por razões inerentes à constituição do lesado, alheias ao acidente.”

              Dito de outro modo: a questão não se resolveu, nem se devia resolver, pela aplicação do critério da ‘probabilidade prevalecente’ (a que o sumário e o texto do acórdão fazem múltiplas referências, expressas e implícitas): o tribunal não tinha que contrapor duas afirmações sobre o mesmo facto, não tinha que chegar à formação de uma convicção sobre cada uma delas, nem tinha que medir o grau de convicção que formou sobre cada uma delas, para depois dar como provada a afirmação que tivesse obtido um maior grau de probabilidade de ser verdadeira. Havendo – quando haja – duas alegações de facto contraditórias sobre um mesmo facto, uma delas serve de impugnação da outra e só esta deve ser considerada. Daí que, ao relatar todos os factos relevantes para a decisão da causa e ao dar como provada uma das alegações, o tribunal não terá de dizer que a alegação contrária não se provou.

                                                                 II

              O acórdão transcreve uma afirmação feita pelo Prof. Miguel Teixeira de Sousa que, até pelo local onde vem colocada, vem, aparentemente, contradizer tudo aquilo que sempre foi dito pela doutrina e pela jurisprudência. Qual seja: “o juízo de não prova desse facto equivale a um juízo de […] prova do facto seu contrário”, quando sempre se tem dito que a falta de prova de um facto não corresponde à prova do facto contrário. Fica assim a pairar a ideia de que a posição daquele Professor permite que o juiz, ao fundamentar a decisão de direito, poderia ir buscar todos os factos dados como não provados e agir como se se tivessem provado os factos contrários.

              Sendo que actualmente, na maior parte dos acórdãos, transcrevem-se os factos que não se encontram provados e, devido a isso, começa a verificar-se a tendência para retirar desses factos não provados os factos contrários para os utilizar na fundamentação de direito. Ora, a indicação daqueles, na sentença da 1.ª instância, apenas devia servir para (i) dizer que a parte alegou esses factos e não os provou e (ii) obrigar à fundamentação essa decisão.

              Considero, por isso, que, ao transcrever-se aquela afirmação se deve esclarecer que ela está feita no âmbito – e só nesse âmbito deve ser aplicada – do tratamento da matéria da decisão de um non liquet, ou seja, no âmbito da aplicação das regras do ónus da prova como regras de decisão de uma situação duvidosa. Onde, aqui sim, se diz que “[…] O ónus objectivo denota o critério de decisão do aplicador do direito perante um non liquet, privilegiando-se uma ou outra das versões controvertidas. […] […] dizer que uma parte processual tem o ónus da prova é dizer que o juiz deve julgar segundo a versão contrária à sua se não atingir o grau de convicção suficiente (por exemplo, Pedro Múrias, Por uma distribuição fundamentada do ónus da prova, Lex, 2000, especialmente págs. 19 a 25, espec. pág. 24). A posição do Prof. Teixeira de Sousa fica melhor esclarecida por exemplo, num outro post, publicado a 24/06/2019, Jurisprudência 2019 (42).

                                                                 III

              Perante a argumentação da seguradora e a extensão da fundamentação do acórdão, importaria frisar, para simplificar de futuro a discussão destas questões, que era à ré, seguradora do lesante, que incumbia provar as circunstâncias anormais, extraordinárias ou anómalas que afastassem a prova do nexo de causalidade (como, aliás, vem sugerido pelo tribunal recorrido: “a conclusão de que não existe nexo de causalidade entre esse evento e a trombose do bypass é que tinha se ser afirmada expressamente em termos científicos e não o contrário, ou seja, tinha de resultar expressamente de dados médico-legais que indiciassem que a trombose ocorreu por uma causa distinta dos traumatismos sofridos pelo autor” – os itálicos são da sentença).

              Isto decorre da posição assumida pela maioria da jurisprudência e da doutrina de que a concepção consagrada na Código Civil português quanto ao nexo da causalidade entre um facto ilícito e o dano, é a da formulação negativa da causalidade adequada. Aliás, o resultado prático desta tem sido visto como um equivalente de uma presunção da existência do nexo de causalidade entre uma condição do dano e este.

              Neste sentido veja-se:

               “O pensamento fundamental desta teoria [da causalidade adequada] – explica Antunes Varela – é que, para impor a alguém a obrigação de reparar o dano sofrido por outrem, não basta que o facto praticado pelo agente tenha sido, no caso concreto, condição (sine qua non) do dano; é necessário ainda que, em abstracto ou em geral, o facto seja uma causa adequada ao dano.” Mas isto concretizado numa formulação negativa: “o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso.”

              Esta formulação negativa justifica-se, ainda segundo Antunes Varela, nos casos “em que a obrigação de indemnização pressupõe em facto ilícito culposo do agente […]. [Nestes casos] compreende-se a inversão do sentido natural dos acontecimentos.” (Das Obrigações em geral, vol. I, Almedina, 9.ª edição, 1998, págs. 918, 919-920 e 923, respectivamente).

              O que, como se vê, na prática processual corresponde à inversão do ónus da prova quanto à existência do nexo de causalidade (isto é lembrado por Elsa Vaz de Sequeira, no ponto II do comentário ao CC, Direito das Obrigações, UCP/FD, 2018, pág. 280: “No fundo, haveria aqui uma inversão do ónus da prova, cabendo ao lesante demonstrar a completa inadequação do facto para a produção do resultado.”)

              Ou seja, a aplicação da formulação negativa da teoria da causa adequada tem o efeito prático de inverter o ónus da prova do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, desde que se prove que o facto ilícito é uma das condições do dano. Como decorre do que já foi dito e se pode ver ainda no já referido comentário de Elsa Vaz de Sequeira, local e obra citada, agora através de José González: a formulação negativa da causalidade adequada “considera existir nexo de causalidade ‘desde que a conduta tenha sido condição sine qua non do dano […] a menos que este tenha acontecido por circunstâncias manifestamente excepcionais.”

              O critério do escopo da norma violada, também defendido por Menezes Leitão e Carneiro da Frada – por facilidade, cita-se através do referido comentário de Elsa Vaz de Sequeira – pode, por outro lado, ser visto como um critério que corrige o resultado da teoria da causalidade adequada (neste sentido autora citada, Paulo Mota Pinto e Sinde Monteiro). Nos termos daquela autora: a causalidade adequada “visa determinar se na realidade o dano proveio da acção do agente, enquanto a segunda procede à delimitação dos danos juridicamente relevantes.” E nos de Paulo Mota Pinto, “a imputação do dano deve fazer-se, num primeiro momento (como que prima facie) segundo o critério da causalidade adequada, sendo o resultado, se (e quando) necessário, corrigido pelo recurso ao fim da norma da responsabilidade.” O que, aliás, já era defendido por Antunes Varela, na obra citada, págs. 930 a 932, especialmente 931-932.

              Antunes Varela ainda esclarece (págs. 924 e 925 da obra citada):

         “[…] do conceito de causalidade adequada […] múltiplos corolários úteis se podem extrair.

         […]

         Outra conclusão a registar é a seguinte: para que um dano seja considerado como efeito adequado de certo facto não é necessário que ele seja previsível para o autor desse facto.

         Se a responsabilidade depender da culpa do lesante, é imprescindível a previsibilidade do facto constitutivo de responsabilidade, visto essa previsibilidade constituir parte integrante do conceito de negligência, em qualquer das modalidades que esta pode revestir. Mas já não se exige que sejam previsíveis os danos subsequentes.

         Essencial é apenas que o facto constitua, em relação a estes, uma causa (objectivamente) adequada.”

              E em nota acrescenta:

         “[…] a jurisprudência italiana está repleta de casos em que o agente, uma vez apurada a sua culpa em relação ao facto ilícito culposo, é chamado a responder por consequências excepcionais do facto, sobretudo quando elas dependem da constituição anormal da pessoa lesada.”

              Ora, aplicando isto ao caso, diga-se que um acidente de viação, em que o lesado é abalroado por um veículo automóvel, provocando-lhe lesões corporais, é, em relação aos danos subsequentes, sejam eles, por regra, quais forem, uma causa (objectivamente) adequada, não sendo necessário que eles sejam previsíveis para o condutor do automóvel (que, no caso, naturalmente, não saberia que o autor tinha um bypass).

              O que também quer dizer que para a afirmação do nexo de causalidade, em acidentes de viação, não importa que o lesante não tenha conhecimento da situação particular do lesado: se em relação a alguém que dá uma bofetada noutra pessoa e a bofetada provoca a morte do agredido, se tem de ter em conta, no juízo sobre a adequação da causa, que o falecido padecia de grave doença cardíaca (utilizou-se o exemplo de Antunes Varela, obra citada, pág. 921), tal já não é o caso quando se causa uma lesão no corpo de outrem através de um embate com um veículo automóvel que é capaz de provocar todo o tipo de danos.

              E por isso, voltando ao início, era à ré, seguradora do lesante, que incumbia provar as circunstâncias anormais, extraordinárias ou anómalas que afastassem a prova do nexo de causalidade.

              Assim sendo, compreende-se que em França, onde as coisas se colocam mais ou menos nos mesmos termos, se diga:

              “Embora, na aplicação do direito comum da prova, seja normalmente à vítima que cabe provar que o seu dano foi causado por um acidente de trânsito, torna-se claro, e logo após a aprovação da lei de 5 de Julho de 1985, que a jurisprudência entendeu estabelecer uma presunção de imputabilidade do dano causado ao sinistro, ao afirmar que “o condutor de um veículo rodoviário motorizado envolvido num acidente de viação só pode ser exonerado da sua obrigação de indemnização se provar que este acidente não tem relação com o dano ”. Essa mesma solução foi reafirmada num caso em que o motorista de um veículo automóvel terrestre, levemente ferido na perna durante uma colisão com um automóvel, morreu pouco depois de um ataque cardíaco. No entanto, essa presunção tem uma área de aplicação limitada aos danos que ocorrem num momento próximo ao acidente [os autores citam três decisões em que a presunção foi afastada, por terem passado 2 anos, 1 ano e 5 anos depois do acidente, respectivamente; no caso dos autos a oclusão do bypass foi verificada 3 meses depois e entretanto o autor esteve a ser tratado por outro problemas e a recuperar deles e por isso aquela oclusão não se manifestou antes] e àqueles que o acidente torna prováveis ​​tendo em vista as circunstâncias da causa, o que leva alguns autores a afirmarem que não seria mais que uma presunção de facto.”

              “Alors qu’en application du droit commun de la preuve c’est normalement à la victime de prouver que son dommage a été causé par un accident de la circulation, il ressort clairement, et peu de temps après l’adoption de la loi du 5 juillet 1985, que la jurisprudence a entendu poser une présomption d’imputabilité du dommage à l’accident en énonçant que «le conducteur d’un véhicule terrestre à moteur impliqué dans un accident de la circulation ne peut se dégager de son obligation d’indemnisation que s’il établit que cet accident est sans relation avec le dommage». Cette même solution a été réaffirmée dans une espèce où le conducteur d’un véhicule terrestre à moteur, légèrement blessé à la jambe lors d’une collision avec une automobile, décède peu après d’une crise cardiaque. Néanmoins, cette présomption a un domaine limite aos domanges qui se manifestent dans un temps voisin de l’accident et à ceux que l’accident rend vraisemblable au regard des circonstances de la cause ce qui fait dire à certains auteurs qu’il ne s’agirait qu’une présomption de fait (Gisèle Mor e Laurence Clerc-Renaud, Réparation du préjudice corporel, stratégies d’indemnisation, métthodes d’évaluation, 3e édition, Encyclopédie Delmas, Aoùt 2020, 2021/2022, páginas 93-94).

              Em suma, no caso dos autos, bastava para provar o nexo de causalidade, que ficasse provado que o autor foi vítima de um acidente de viação e que 4 meses depois lhe foi amputada a perna em consequência da oclusão de um bypass colocado na coxa, se a seguradora não fizesse a prova de circunstâncias anormais, extraordinárias ou anómalas, que afastassem esse nexo de causalidade. Dito de outro modo, não era o autor que tinha de provar – mas fê-lo – que o bypass tinha ocluído por causa do acidente; era a ré que tinha que provar que a amputação da perna nada tinha a ver com o acidente.

                                                                IV

              Nos pontos III e IV do sumário e no texto do acórdão aceita-se que a fragilidade do lesado em virtude da implantação do bypass contribuiu, como concausa, para o agravamento do resultado final, embora tal não tenha implicações no direito de indemnização do lesado.

              Mas, pelas razões que são invocadas para a não influência no direito de indemnização, o estado anterior físico-psíquico do lesado, que não tenha qualquer influência negativa na sua vida de todos os dias, não deve também ser incluído na discussão do nexo de causalidade.

              A propósito de norma idêntica à do artigo da LAT referido no acórdão, constante de leis anteriores, já dizia Cruz de Carvalho, Acidentes de trabalho e doenças profissionais, legislação anotada, Livraria Petrony, 1983, págs. 75-76: “Na solução adoptada no n.º 2 (tal como no n.º 1) o legislador ter-se-á inspirado na doutrina francesa que, apoiada pela respectiva jurisprudência, entende que, nestes casos, ao trabalhador lesado é devida sempre a reparação integral, não sendo lícito cindir o acidente de trabalho, para se verificar qual a parte que nestes cabe ao traumatismo e qual à doença preexistente, a qual se apoia nas seguintes razões: a) sem o acidente o trabalhador, embora adoentado, poderia viver durante prazo indeterminado como um indivíduo são; b) se fosse obrigatório tomar em consideração todas as causas que influíram no agravamento das feridas traumáticas, a cada passo iríamos esbarrar com dificuldades insuperáveis, pois mil circunstâncias contribuem para que duas feridas idênticas em operários diversos tenham evolução diferente, não só devido às diversas naturezas dos terrenos ou de predisposições patológicas, mas até conforme a maior ou menor rapidez de socorros, competência dos médicos, cuidados de enfermagem, etc,; c) a diversa constituição física de cada indivíduo pode também influir por milhares de maneiras. […]”

              Na doutrina francesa lembra-se que o “STJ” francês recusa-se sistematicamente a ter em conta uma condição patológica anterior sem nenhuma manifestação exterior prejudicial, lembrando que o direito da vítima à indemnização não pode ser reduzido se a condição anterior ou as predisposições não resultaram em qualquer condição incapacitante, desde que o acidente tenha sido o elemento descompensador, desencadeando uma patologia anterior ao atentado. (La Cour de Cassation refuse ainsi de manière constante de tenir compte d’un état pathologique antérieur, sans manifestation dommageable externe rappelant que le droit à indemnisation de la victime ne saurait être reduit si l’état antérieur ou les prédispositions n’entraînaient aucun état invalidant, dès lors que l’accident a été l’élément décompensateur, déclencheur d’une pathologie antérieur à l’attteinte.” (Gisèle Mor e Laurence Clerc-Renaud, obra citada, pág. 276).

              Ou seja, não só a seguradora não tem razão ao pretender que o art. 11 da LAT não tem aplicação aos autos, como se deve mesmo defender que o art. 11/1 da LAT é a consagração de uma das regras que está implícita no art. 563 do CC, ou seja, que uma eventual doença do lesado, que não se manifestava no seu dia-a-dia – como é o caso dos autos [nos factos 69 a 73 consta que desde a implementação do bypass até à data do acidente, o autor realizava uma vida perfeitamente normal, trabalhava, saía com os amigos, praticava desporto, nunca teve queixas ou dores] – não deve ter nenhuma influência no juízo sobre o nexo de causalidade, nem na diminuição da indemnização devida pelos danos provocados pelo acidente.

                                                                 V

              No acórdão diz-se que a tabela prática da Portaria 377/2008, alterada pela Portaria 679/2009, “pode servir como ponto de partida para a tarefa de se fixar a indemnização […]”. Ora, perante as amplas críticas doutrinárias e jurisprudenciais que lhes têm sido feitas, estas Portarias não podem servir para o efeito. O que no caso é particularmente evidente. Não se pode aceitar dar relevo a umas Portarias que apontam para o valor de 129.360€, quando, logo a seguir, se demonstra que a indemnização devia ficar pelo valor de 300.000€, quase duas vezes e meia superior.

              Para além disto, já foi muitas vezes demonstrado que aquelas portarias (i) estão erradas – por exemplo, a tabela da última não corresponde à fórmula matemática que ela pretende aplicar… – (ii) não têm em conta dados correctos hoje genericamente aceites, como por exemplo o factor da esperança média de vida, em vez do tempo provável de vida activa e (iii) partem de uma taxa de juro que há mais de uma dezena de anos não tem a mais pequena correspondência com a realidade (5% de juros, quando hoje um qualquer cidadão não consegue obter uma taxa de juros, pelos depósitos que faça, de mais de 0,1 ou 0,2% e mesmo isso em casos excepcionais), sendo que uma simples diferença de 1% de juros pode levar a uma diferença de dezenas de milhares de EUR na indemnização.

                Pedro Martins