Acção 5778/13.9TBMTS.P1 – Póvoa de Varzim – 2ª Secção Cível – J2

            Sumário:

              O facto de a autora ter dito, numa acção, que demandava o réu (seu ex-marido) “pessoalmente e na qualidade de cabeça-de-casal da partilha” e, na outra, não o ter dito, não impede que haja identidade de sujeitos [para efeitos de litispendência ou de caso julgado], se em ambas as acções a autora pede a condenação do réu a devolver/pagar/restituir-lhe aquilo que ela entregou ao património comum do casal.

            Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados:

            G intentou esta acção contra J, “pessoalmente e na qualidade de cabeça-de-casal da partilha identificada no processo 67/05.5TMMTS-B” [sic], pedindo a condenação do réu a (i) devolver/pagar-lhe a quantia que lhe é própria no valor de 97.614,74€, acrescidos de juros legais de mora, à taxa legal, vencidos desde a data da citação até efectivo pagamento, bem como (ii) 108.446,73€ a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, e (iii) todas as custas, taxas e emolumentos inerentes à presente lide, quer judiciais quer extrajudiciais, no que for possível de imediata liquidação, sendo os demais custos e/ou despesas, designadamente as provisões de honorários de advogado e despesas com o mandatário e/ou solicitador, a fixar-se conforme o que se vier a liquidar em execução de sentença.

            Alegou para o efeito, em síntese, que: foi casada com o réu no regime de comunhão de adquiridos, casamento esse dissolvido por divórcio; no decurso do casamento cedeu, por aqueles 97.614,74€, a sua posição contratual em negócio jurídico que celebrara antes de contrair casamento, e depositou-os numa conta bancária titulada unicamente pelo réu, porque era este que exclusivamente geria o património comum, aplicando-o com a conformação da autora que, no entanto, carecia conhecimento específico do âmbito da gestão empresarial, nunca tendo controlado o destino que o réu deu àquela quantia que a autora entregou para o património comum, dizendo a autora, apesar disto, que a mesma serviu para concluir as obras efectuadas na habitação do réu, bem como para financiar investimentos que efectuaram no património comum (aquisição de títulos e realização de outros contratos), acrescentando mais à frente que não sabe quais os bens comuns em que foi investida; diz que aquele valor é seu, tendo enriquecido o património comum e por isso também o do réu ao partilhar num património enriquecido, mas o réu não o restituiu, apesar de o dever fazer desde 05/03/2009, data em que se teria pronunciado sobre esta matéria; se usasse este montante numa aplicação financeira, a autora teria auferido desde 2009 os 108.446,73€ de que pretende ser indemnizada.

            O réu contestou, entre o mais excepcionando a litispendência, já que a autora já teria proposta contra si uma acção em tudo idêntica, já decidida com a absolvição do pedido mas pendente de recurso; excepciona ainda a caducidade do direito da autora; e impugna o direito da mesma face à subsidiariedade do enriquecimento sem causa, bem como, no essencial, os factos por ela alegados para demonstrar o enriquecimento, acrescentando que a quantia disponibilizada pela autora foi absorvida na vida do casal e que a autora viu multiplicado várias vezes o investimento já que todos os bens adquiridos e investimentos efectuados são propriedade comum do casal, ficando-lhe assegurada a meação na partilha a que procederam no inventário.

            A autora replicou dizendo que não existia litispendência porque, no essencial, esta acção teria sido intentada contra a herança, intervindo o réu na qualidade de cabeça-de-casal da partilha, e contra esta; o pedido seria a condenação da partilha e não do réu; haveria um outro pedido, de condenação solidária do réu a reconhecer o direito da autora a ser compensada pelo património comum por aquele preço; pelo que, o acerto patrimonial a fazer não seria entre o património do réu e o da autora, como a autora o teria desenhado na primeira acção, mas sim entre o património comum e o da autora como agora a autora o teria desenhado; e não existiria caducidade porque o prazo desta apenas se teria iniciado com a data do trânsito em julgado da partilha (ocorrido em 29/09/2014).

            No despacho saneador decidiu-se que procedia a excepção de litispendência, quanto aos pedidos (i) e (iii), absolvendo-se o réu da instância quanto a eles, e quanto ao pedido (ii) julgou-se o mesmo improcedente, absolvendo-se o réu do pedido.

            A autora interpôs recurso deste saneador-sentença – para que seja revogado, ordenando-se o prosseguimento dos autos -, directamente para o STJ (o que não foi aceite pelo STJ por acórdão de 03/12/2015), terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (que, no caso, se transcrevem na íntegra):

  1. Entendeu e mal o tribunal recorrido que a qualidade de cabeça-de­ casal nomeado num processo de partilhas não retira ao nomeado a sua posição jurídica no património comum.
  2. Que o património comum do casal após o divórcio não tem personalidade jurídica nem judiciária, ao ponto de considerar o cabeça-de-casal seu representante.
  3. Continuou o tribunal recorrido e ainda numa visão mínimalista, a entender que o cabeça-de-casal continua a ser um ex-cônjuge, titular do património, a actuar de iure proprio, que possui algumas faculdades processuais diferenciadas do outro cônjuge.
  4. E nessa visão minimalista e redutora, entende ainda e por último, que possa o património comum do casal ter alguma relação com o pedido formulado nas duas acções, por entender que quando um cônjuge pede a outro a restituição de um bem próprio, a obrigação de restituição resultante não é uma dívida comum do casal ou que onere o património. Antes entendendo ser uma obrigação que vincula um dos ex-cônjuges perante o outro.
  5. Antes de mais, e desde logo, é o “acervo patrimonial da herança”, muito embora seja este desprovido de personalidade jurídica, considerado um património autónomo, por tal, não carecendo este de preencher quaisquer outros requisitos ou pressupostos, constituindo este um regime especial de afectação de determinados bens ao pagamento de determinadas dívidas,
  6. Assim, o entendimento do tribunal recorrido não é pois o entendimento que decorre da lei, o que se pode constatar pela simples leitura do disposto no art. 1697 do CC e ainda, conjugado este com o disposto no art. 1678/1f) e 3 do CC e, as considerações da lei, nomeadamente sobre o entendimento desta do que são bens próprios, os melhor espelhados no art. 1722/1a) do CC.
  7. E, não colhe tal visão redutora da lei também, o não considerar tal obrigação de devolução pelo património comum da quantia, por não considerá-la como uma dívida do património comum mas do casal, facto este contrário ao que regula o art. 1722/2a) do CC, no tocante a esta matéria: “Consideram-se, entre outros, adquiridos por virtude de direito próprio anterior, sem prejuízo da compensação eventualmente devida ao património comum: a) Os bens adquiridos em consequência de direitos anteriores ao casamento sobre patrimónios ilíquidos partilhados depois dele;”
  8. Ora, como decorre do que anteriormente se referiu sobre a questão da legitimidade, é sabido que são considerados titulares do interesse relevante para efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
  9. O art. 2078 do CC legitima a qualquer dos vários herdeiros demandar outrem relativamente a bens da herança, sem que o demandado lhe possa opor que tais bens lhe não pertencem por inteiro e, no que respeita a situações de heranças indivisas, são aplicadas as regras da compropriedade, como também resulta do art. 1404 do CC, pelo que cada consorte ou herdeiro pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro – art. 1405/2 do CC.
  10. Nos presentes autos, embora as partes sejam as mesmas, a causa de pedir e o pedido e, a entidade a quem este é formulado, são substancialmente distintos do outro processo cuja litispendência foi invocada.
  11. A litispendência pressupõe a repetição de uma causa estando a primeira ainda em curso (art. 580/1 do CPC) e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (art. 580/2 do CPC). O que pressupõe que ambas as causas estejam pendentes no momento em que a litispendência vai ser decidida, facto que não ocorre relativamente a estes autos e até do que decorre daqueles em que foram invocados.
  12. Pois que para haver identidade de pedidos, como pressuposto de litispendência, tem que ser o mesmo o direito subjectivo requerido e cujo reconhecimento e (ou) protecção se pede, independentemente das partes e ou mesmo da qualidade em que estas intervém. Repetindo-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (artigo 581/1 do CPC).
  13. Ora o réu, na qualidade em que se encontrava investido e, tal como citado foi pela autora, na qualidade de cabeça-de-casal, não se encontra nem no mesmo plano que se encontra no outro processo – como entidade singular – e, muito menos na qualidade em que neste está investido.
  14. Nos termos das disposições conjugadas dos arts. 13 e 2079 do CC, pertence ao cabeça-de-casal a administração da herança até à sua liquidação e partilha e, tal como decorria do disposto no art. 1340/2 do CPC, as declarações de cabeça-de-casal, “indicação respeitante ao modo como foram os bens adquiridos (a título oneroso ou gratuito)” e ainda, a obrigatoriedade deste de organizar a relação dos bens, especificando-os por verbas numeradas pela ordem indicada tal, como o dispunha o anterior art. 1345 do CPC, ou seja e entre outros, os direitos de crédito.
  15. Deveres esses bem distintos daqueles que como entidade singular ou interessado comum teria por causa da “mesma partilha”.
  16. Ficou provada a referida titularidade da verba reclamada nesse processo e ainda, incumbindo a prova da titularidade desta e, de fazê-­la relacionar (por causa da qualidade de cabeça-de-casal) ou aditar ao inventário e, o réu não o fazendo, está este a ser demandado nessa qualidade e não noutra, pelo que os poderes deste e a qualidade em que este intervém nesse, são até bem distintos daqueles que o tribunal cooptou por paritários, nomeadamente quando relacionados com os poderes e qualidade da autora.
  17. Tal sequência, a qualidade do réu, a sua autonomia e a legitimidade de intervenção, na qualidade de cabeça-de-casal, relevam nomeadamente para efeitos de aferição da denominada litispendência.
  18. A litispendência pressupõe a repetição de uma causa estando a primeira ainda em curso (art. 580/1 do CPC) e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (art. 580/2 do CPC). O que pressupõe que ambas as causas estejam pendentes no momento em que a litispendência vai ser decidida e, que tratam ambos o mesmo objecto.
  19. O que efectivamente não ocorre no caso dos presentes autos, com aqueles que se encontram em recurso, pois condenar o réu ou condenar o acervo patrimonial comum, constituído este pelos bens constantes do Inventário, não são a mesma coisa.
  20. Para haver identidade de pedidos, como pressuposto de litispendência, tem que ser o mesmo o direito subjectivo cujo reconhecimento e (ou) protecção se pede, independentemente das partes e ou mesmo da qualidade em que estas intervém, pois que repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (art. 581/1 do CPC), o que não sucede na invocada litispendência proclamada pelo tribunal recorrido.
  21. Finalmente. Fez decair o denominado instituto do enriquecimento sem causa sobre o denominado património comum, nomeadamente por entender ocorrer litispendência, o que se constata efectivamente não ter ocorrido.
  22. Neste particular, o enriquecimento do património singular ou próprio do cabeça-de-casal e do património comum também não é a mesma coisa.
  23. Sobre o património comum – e, considerando o que dispõe o art. 473 do CC, sobre o enriquecimento e a restituição e, a obrigatoriedade dessa mesma restituição, vemos a relevância da distinção e da dicotomia existente entre o réu como entidade singular e o réu investido na qualidade de cabeça-de-casal, mais uma vez causa da inexistência da alegada litispendência.
  24. O que não referir sobre a deslocação patrimonial, nomeadamente a restituição a que o enriquecimento sem causa dá lugar, a que tem como medida o enriquecimento em concreto – correspondente à diferença, no património do enriquecido, antes e após a ocorrência ­até ao limite do dano em concreto – correspondente à diferença, no património do lesado, antes e após a ocorrência.
  25. E a mencionada deslocação patrimonial dá-se assim entre entidades distintas. E, estando em causa uma das hipóteses previstas no n.º 2 do art. 473 do CC, a obrigação de restituir tem especialmente como objecto o que tenha sido recebido, v.g., quando esse recebimento teve em vista “um efeito que não se verificou”, nomeadamente o enriquecimento do património comum e não do património próprio do réu, entidade singular esta, despida da sua veste de “cabeça-de-casal.”

            O réu não contra-alegou.

                                                      *

                                   Da junção de documentos

            A autora, a 04/01/2016, no decurso da pendência do recurso, remetido para o STJ a 15/07/2015, veio juntar três documentos, alegando simplesmente “porque contendo matéria superveniente (entre outras a decisão do STJ de Dez2015 sobre esta matéria), pertinente para a boa decisão do objecto em discussão nos presentes autos”.

            Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento (art. 425 do CPC), ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância (art. 651/1 do CPC).

            Ora, a autora não alegou os factos que permitiriam o preenchimento destes pressupostos em relação a dois dos documentos. Mesmo em relação ao acórdão do STJ, cuja data permite afirmar, só por si, que é posterior ao encerramento da discussão, a autora não alega a necessidade da sua junção, nem ela é sequer concebível, já que o acórdão está publicado. A autora está simplesmente a tentar complementar as alegações de recurso com a junção do acórdão do STJ.

            Pelo que é manifesto que os documentos em causa não podem ser agora juntos.

             A autora terá que ser condenada nas custas deste incidente, por totalmente anómalo/despropositado, com taxa de justiça mínima dada a simplicidade da questão.

                                                      *

            Questão que importa decidir: se em relação aos pedidos (i) e (iii) existia ou não litispendência com a anterior acção. Note-se que a improcedência da acção quanto ao pedido (ii) já transitou visto que, quanto a essa parte da decisão, a autora não recorreu (não se lhe referindo nem no corpo das alegações nem nas conclusões do recurso).

                                                      *

            Os factos são os que constam do relatório que antecede, aditando-se ainda o seguinte (para permitir a comparação com aquela acção que se disse estar em litispendência com a dos autos):

            A acção 4195/09.0TBMTS foi intentada pela autora contra o réu, sem outra referência, fazendo um pedido, (a), de “ser o réu condenado a restituir-lhe os 97.614,74€, acrescida de juros […] e um outro, (c), igual ao (iii) desta acção, com base nos mesmos factos; como fundamento de direito invoca o disposto no art. 1726/2 do CC que ressalva a compensação devida pelo património comum ao património próprio do cônjuge por aquilo que este tiver pago para a aquisição de bens comuns.

                                                      *

                                       O saneador-sentença

            Diz-se nele:

         “Nos termos do art. 580/1 do CPC, a excepção de litispendência pressupõe a repetição de uma causa […]. A repetição de uma causa depende, nos termos do art. 581/1 do CPC, de uma tríplice identidade, entre sujeitos, pedido, e causa de pedir.

         De outra parte, o n.º 2 do mesmo art. 580 estabelece o critério interpretativo director, nesta matéria complexa, que tem suscitado discussão na doutrina. Assim, a finalidade deste instituto consiste em “evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”.

         A discussão concreta foi gerada em torno da identidade de sujeitos. Diremos com Alberto dos Reis (CPC anotado, vol. III, p. 101) que “a identidade jurídica dos litigantes nada tem a ver com a posição processual que eles ocupam. As partes são as mesmas sob o aspecto jurídico, desde que são portadoras do mesmo interesse substancial. O que conta, pois, para o efeito da identidade jurídica é a posição das partes quanto à relação jurídica substancial, e não a sua posição quanto à relação processual”. E é precisamente assim que se deve interpretar o inciso contido no art. 580/2 do CPC, quando refere que a identidade dos sujeitos se afere pela sua qualidade jurídica (no mesmo sentido, decidiu o ac. do STJ de 13/02/1985, publicado no BMJ n.º 344, p. 389).

         Sustenta a autora que demanda o réu numa qualidade jurídica diversa da acção anterior porque o demanda na qualidade de cabeça-de-casal nomeado no processo de inventário para partilha dos bens comuns.

         Julgamos no entanto que tal referência no cabeçalho da petição é insuficiente para considerar diversa a relação jurídica substancial e os respectivos sujeitos.

         A qualidade de cabeça-de-casal nomeado num processo de partilhas não retira ao nomeado a sua posição jurídica no património comum.

         O património comum do casal após o divórcio não tem personalidade jurídica nem judiciária, ao ponto de considerar o cabeça-de-casal seu representante. O cabeça-de-casal continua a ser um ex-cônjuge, titular do património, a actuar de iure proprio, que possui algumas faculdades processuais diferenciadas do outro cônjuge.

         Por último, não julgamos sequer que o património comum do casal tenha alguma relação com o pedido formulado nas duas acções. Quando um cônjuge pede a outro a restituição de um bem próprio, a obrigação de restituição resultante não é uma dívida comum do casal ou que onere o património. É uma obrigação que vincula um dos ex-cônjuges perante o outro.

         Daí que a referência à qualidade de cabeça-de-casal do réu nada acrescente ou retire à sua posição na relação jurídica substancial controvertida.

         Há identidade de sujeitos processuais para efeitos de considerar a litispendência invocada.

         Continuamos indagando a identidade de pedido. Tal ocorre quando se pretende obter o mesmo efeito jurídico. No caso presente é desproblematizado, pois peticiona-se a devolução dos mesmos 97.614,74€, acrescidos dos mesmos juros e despesas judiciais de cobrança.

         Por último, haverá que indagar sobre a repetição da causa de pedir. Cumpre verificar se as pretensões deduzidas procedem do mesmo facto jurídico.

         Temos o mesmo casamento, o mesmo negócio jurídico celebrado antes do casamento, a mesma contraprestação pela cessão da posição contratual, o mesmo depósito em conta do réu e a mesma recusa na restituição.

         A causa de pedir é a mesma.

         Procede assim a deduzida litispendência, excepto quanto ao pedido de indemnização de 108.446,73€.”

                                                      *

            Posto isto:

            Quanto à identidade dos pedidos:

            O que interessa são os pedidos deduzidos nesta acção, em comparação com os pedidos que foram formulados na anterior. Não interessa que, na primeira acção, tenham sido formulados outros pedidos que não foram formulados nesta, pois que, em relação a eles, que não existem nesta acção, obviamente que não se põe a questão da litispendência.

            Também não interessa, para se saber se os pedidos são idênticos, que eles sejam ou não formulados contra pessoas ou entidades diferentes. Mesmo que o fossem, eles não deixariam de ser idênticos, as partes é que seriam diferentes. 

            Também não interessam diferenças de redacção nos pedidos, ou seja, num pedir-se a condenação a devolver/pagar e noutro pedir-se a condenação a restituir, porque o efeito prático-jurídico que se quer (art. 581/3 do CPC) é o exactamente o mesmo.

            Por fim, não interessa que no pedido se introduza uma referência à causa de pedir, como acontece com o pedido (i) quando a autora diz que “a quantia que lhe é própria”, pois que essa referência não altera o efeito prático-jurídico pretendido. 

            Ora, sendo assim, não há dúvida que os pedidos (i) e (iii) desta acção são idênticos aos pedidos (a) e (c) da primeira acção.

                                                      *

            Quanto à identidade da causa de pedir:

            A autora não questiona sequer que esta identidade exista e ela verifica-se realmente, o que é evidente visto que os factos alegados são os mesmos. O facto de numa acção se fazer referência a um fundamento de direito (art. 1726 do CC) diferente daquele que é invocado na outra (enriquecimento sem causa, art. 473 do CC) não interessa, pois que os fundamentos jurídicos não fazem parte da causa de pedir [veja-se, por exemplo, a contraposição entre a primeira e a segunda metade da al. d) do art. 552/1 do CPC: d) expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção].

            Com um alcance muito mais amplo, mas com aplicação ao caso, ainda se pode citar Brandão Proença: “seria materialmente infundada a solução de admitir o recurso à via subsidiária em caso de não procedência total ou parcial da via principal, por carência da demonstração dos factos levados à causa de pedir, ao pretender-se, com outra qualificação, o mesmo efeito para os mesmos factos: […] o ‘esgotamento’ do meio principal não deve permitir, pois, lograr-se, por via indirecta, o que não foi conseguido pelo meio autorizado.” Isto depois de ter dito: “concordamos, em princípio, com as últimas decisões [que tinha referido atrás], apoiadas como estão na autoridade do caso julgado […]” (À volta da natureza subsidiária da obrigação de restituir fundada em enriquecimento sem causa, CDP 50/Abril/Junho2015, pág.11].

            Mas mais à frente já a aplicação é directa e imediata: “A identidade do pedido e da causa de pedir, mesmo que haja uma diversa qualificação jurídica da mesma factualidade, pode, na verdade, paralisar, por falta de alegação factual específica, uma nova pretensão baseada no enriquecimento sem causa.” (2ª coluna da pág. 20, tal como depois a passagem do ac. do STJ de 24/04/2013, 7770/07.3TBVFR.P1.S1 citado pelo autor).

                                                      *

            Quanto à identidade dos sujeitos, ela verifica-se “quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.” (art. 581/2 do CPC).

            Ora, o réu – pessoa física – está a ser demandado exactamente pelos mesmos fundamentos numa e noutra acção, querendo-se a condenação dele a devolver/pagar/restituir à autora os mesmos 97.614,74€ que ela diz ter entregado para o património comum do casal.

            O facto de a autora ter acrescentado à identificação do réu, no cabeçalho da petição inicial, as palavras “pessoalmente e na qualidade de cabeça-de-casal da partilha” não acrescenta nem altera nada à situação. O facto de a autora estar a dizer que dirigiu esta acção contra o réu nessas duas qualidades não tem, aliás, qualquer reflexo nos factos alegados. Sendo os mesmos os factos nas duas acções, a circunstância da autora dizer que, num caso o réu está a ser demandado só por si e, no outro, está a ser demandado também como cabeça-de-casal, é uma pura arbitrariedade.

            Em ambas as acções o réu é, com a autora, o outro único titular do património comum ao qual ela diz que os 97.614,74€ foram entregues e do qual devem ser restituídos. Em ambas as acções é pedida a condenação do réu por ser esse outro único contitular e pela partilha ter ficado, segundo a autora, com metade daquele valor. O facto de a autora nesta acção invocar expressamente a qualidade de cabeça-de-casal do réu em nada altera a situação. Mesmo que a autora não dissesse que o réu era cabeça-de-casal ele não o deixava de o ser… quer nesta acção quer naquela.

            Foi isto que, no essencial, foi também dito no saneador-sentença, embora por outras palavras.

            Em suma, a qualidade jurídica do réu é, por isso, a mesma nas duas acções.

                                                      *

            Verificando-se as três identidades e não se mostrando transitada em julgado a sentença proferida na primeira acção, verifica-se a litispendência (art. 580/1 do CPC), tal como decidido.

                                                      *

            Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.

            Custas pela autora.

            Desentranhe os documentos de fls. 178 a 198 e deixe-os agrafado à contracapa.

            Custas do incidente pela autora, com uma UC de taxa de justiça (arts. 7/4 e 7/8 do RCP).

            Porto, 18/02/2016

            Pedro Martins

            1º Adjunto

            2º Adjunto