Acção 788/14.1T8VNG  – V. N. Gaia – 3ª Secção Cível – J3

            Sumário:

              I – Após o limite temporal do art. 423/2 do CPC, só são admitidos os documentos relativamente aos quais a parte que os quer apresentar alegue, e prove se necessário, que os não pôde apresentar antes ou que a apresentação só se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior.

              II – Pedida a junção de um documento e opondo-se logo a parte contrária a essa junção, a questão da admissibilidade do documento deve ser logo decidida e não relegada para final da produção da prova.

              III – O princípio do inquisitório (art. 411 do CPC) não pode ser utilizado para, objectivamente, auxiliar uma das partes, prejudicando a outra, permitindo àquela introduzir no processo documentos que não apresentou atempadamente nos termos do art. 423 do CPC.

              IV – “[…] é bom que isto se acentue, para que não se ceda à tentação de santificar a violação de proibições de prova em atenção ao fim da descoberta de uma (pretensa) verdade ‘material’. Hoc sensu, a chamada ‘verdade material’ continua a ser, ainda aqui, uma verdade intraprocessual.”  “[A ‘verdade material’] há–de ser antes de tudo uma verdade judicial, prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo o preço mas processualmente válida.”

              V – Se uma parte, depois de se opor à junção de um documento, vem, antes ainda de ser decidida a admissão desse documento, pedir para utilizar o documento em confronto com outro elemento de prova, o que lhe é permitido pelo juiz sem oposição da parte contrária, não pode recorrer do posterior despacho que decide admitir o documento.

              VI – Revogado um despacho que admite um documento que é depois usado na fundamentação de dois factos provados que serviram de fundamento da decisão de direito proferida, há que anular também a decisão daqueles dois pontos de facto provados e a decisão de direito baseada neles e determinar que seja proferida nova sentença que inclua nova decisão daqueles pontos de facto, desta vez sem consideração pelo documento cuja inadmissibilidade ficou decidida.

            Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados:

            No processo supra identificado e no decurso da audiência de julgamento, ocorrida a 23/09/2015, a autora, depois da inquirição de um perito, requereu, entre o mais, a junção aos autos de um doc. 1 (“certidão permanente com código de acesso online que demonstra nesta data ser a autora proprietária do imóvel reivindicado”) e de um doc. 3 (“carta interpelatória de 30/06 para demonstrar que a autora intimou João Gonçalves ao cumprimento da respectiva obrigação, juntando-se também o respectivo aviso de recepção”). Acrescentou: “estes documentos, não obstante o disposto no art. 423, é junto [sic] ao abrigo do princípio do inquisitório, de acordo com o antigo art. 265 do CPC, hoje art. 6 do CPC [que passou a ler em parte]. No caso concreto, apesar de formalmente os documentos não serem juntos nos termos do art. 423 do CPC são documentos que têm um impacto directo com os termos do [?] destinando-se a fazer a respectiva demonstração e nessa medida entende a autora que estão reunidas as condições processuais nos termos do actual art. 5º e 6º do nCPC para que o tribunal os venha a aceitar” (segundo se consegue perceber da respectiva gravação; a autora nas contra-alegações não transcreve o seu requerimento…; o encargo ficou por conta deste TRP).

            O réu disse, entre o mais, que se opunha à junção dos docs. 1 e 3 por ser tardia – art. 423 do CPC – e, caso seja deferida a junção, requer prazo de vista para se pronunciar sobre os mesmos (o réu não transcreve o requerimento, mas a síntese que tinha sido feita pelo funcionário na acta é suficiente).

            De seguida o Sr. juiz proferiu despacho, entre o mais admitindo a junção do doc. 1 [fundamentando que a mesma apenas foi disponibilizada em 22/09/2015, e portanto, não poderia ter sido junta em momento anterior pela autora – a transcrição foi feito pelo réu, não é completa mas é uma síntese suficiente]; quanto ao doc. 3 disse que se pronunciaria no fim da produção da prova [“a fim de saber se é necessário ou não recorrer a algum princípio de investigação para obter a sua junção ou, caso o tribunal entenda que já não precisa, assim o dirá…; efectivamente estes dois documentos não encaixam na possibilidade temporal prevista no art. 423, pelo que só se o tribunal entender como essencial para a descoberta da verdade é que eventualmente o poderá fazer, algo que só no fim da produção de prova estará habilitado.” – esta parte da transcrição foi feita por este TRP, já que nenhuma das partes achou importante fazê-lo, nem foi feito pelo funcionário judicial na acta]; concedeu o prazo de 10 dias para o réu se pronunciar sobre o documento admitido (doc. 1) e disse que quanto à fixação da multa pela junção tardia do documento, pronunciar-se-ia a final.

            No decurso das declarações de parte da autora, o réu requereu que a declarante fosse confrontado com o doc. 3, a autora não se opôs e o Sr. juiz deferiu o requerido.

            Finda a produção da prova, o Sr. juiz proferiu despacho a admitir a junção aos autos do doc. 3 (carta interpelatória), pois foi o réu quem também fez ver ao tribunal que era importante a sua junção ao pedir a sua exibição à autora e por que também se concorda que tem interesse para o processo [a síntese foi feita pelo réu e está correcta, embora o juiz se tenha referido erradamente à exibição perante uma testemunha quando o doc. foi exibido ao legal representante da autora]. Não houve condenação em multa nem pela apresentação de documentos nem pela oposição, por se tratar de uma questão simples.

            O réu veio recorrer destes despachos – para que fossem revogados na parte em que admitiram a junção aos autos dos docs. 1 e 3 -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem na parte minimamente útil):

“[…]

B) O réu opôs-se à junção de tais documentos com fundamento na extemporaneidade da junção dos mesmos;

C) Pois, a autora não invocou nem provou qualquer justo impedimento objectivo ou subjectivo para não ter junto tais documentos para além do limite temporal previsto no art. 423, n.ºs 1 e 2 do CPC, isto é, com os articulados ou nos 20 dias antes da realização da audiência de discussão e julgamento;

[…]

F) Ora, o novo CPC estabeleceu novas regras quanto ao momento da apresentação da prova documental, preceituando o art. 423 do CPC que […]

G) Em face do disposto no aludido preceito legal a certidão per-manente do registo predial deveria ter sido junta pela autora com a sua petição inicial, ou até 20 dias antes da audiência de discussão e julgamento, ou posteriormente caso alegasse e provasse a impossibilidade objectiva ou subjectiva em proceder à sua junção em momento próprio, o que não se verificou no caso em apreço;

H) Contudo, o tribunal a quo admitiu tal documento, fundamentando que a autora não poderia ter junto antes tal documento, pois que a data da emissão do mesmo é de 22/09/2015, ou seja, considerou que existia uma impossibilidade objectiva para apresentação da referida certidão em momento anterior, dispensando a parte de multa;

I) O que jamais se pode admitir, porquanto compulsada a certidão permanente do registo predial constata-se que a situação documentada, isto é, o registo da aquisição do direito de propriedade de que a autora se quer fazer prevalecer não ocorreu posteriormente à apresentação dos articulados pela autora, nem posteriormente aos 20 dias que antecederam a realização da audiência de discussão e julgamento, pelo que não existem razões que se prefigurem como atendíveis para que aquele documento tenha sido junto extemporaneamente, sem cumprir os requisitos impostos pelo art. 423 do CPC, pois que não existe impossibilidade objectiva e subjectiva para a junção tardia da referida certidão;

J) Pelo que o despacho que admitiu aquele documento viola o disposto no art. 423 do CPC;

K) A data de emissão de uma certidão apenas releva para a sua validade, não podendo justificar a apresentação extemporânea do documento;

L) E mesmo que a autora tivesse alegado qualquer impossibilidade objectiva ou subjectiva de apresentar o referido documento em momento anterior, sempre tal impossibilidade teria de ser demonstrada, lançando mão do incidente previsto nos artigos 292 a 295 do CPC, o que não fez – leia-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/10/2014 (in dgsi.pt); pelo que não deveria ter sido admitida a junção aos autos do doc.1;

M) No que respeita ao doc.3, a fundamentação sustentada pelo tribunal a quo não pode proceder, porquanto, o réu apenas pediu para exibir o referido documento ao representante legal da autora para assim demonstrar que aquele não estava a responder com verdade aos esclarecimentos solicitados;

N) Contudo, a junção daquele documento deveria ter sido ime-diatamente indeferida pelo tribunal a quo, pois ao não se pronunciar, no início da audiência, sobre a admissibilidade da junção do referido documento (doc.3), relegando a sua pronúncia para o final da produção de prova, colocou o réu na contingência de não poder fazer uso de tal documento caso no final viesse a admitir a sua junção, nomeadamente de confrontar a parte com o mesmo, como fez, sendo que finda a produção de prova, jamais o réu poderia confrontar o documento em questão com a parte;

O) Além disso, nenhuma impossibilidade de apresentar aquele documento em momento próprio foi alegada pela parte que requereu a sua junção, até porque sendo aquela carta datada de 30/06/2014, sempre se dirá que aquele documento já poderia/deve- ria ter sido junto com a réplica apresentada pela autora, aliás, articulado onde alega os factos que com aquele documento pretende provar;

P) O despacho recorrido que admitiu a junção aos autos do doc. 3 viola manifestamente a lei, uma vez que admite a junção claramente extemporânea do documento, ofendendo, assim, o disposto no art. 423 do CPC que fixa com razoabilidade os momentos em que deve ser apresentada a prova por documentos.

[…]”

            A autora contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.

                                                      *

            Questão a decidir: se os docs 1 e 3 não deviam ter sido admitidos.

                                                      *

            Os factos que importa à questão a decidir resultam do relatório que antecede.

                                                      *

            Da junção de documentos depois do prazo do art. 423/2 do CPC

            A junção de documentos em audiência de julgamento, no âmbito do regime do CPC antes da reforma de 2013, servia primariamente dois objectivos: apanhar de surpresa a parte contrária, prejudicando os direitos da mesma; obrigar, por regra, ao adiamento do julgamento, já que antes da pronúncia da parte contrária quanto à admissibilidade da junção dos documentos – tendo 10 dias para o efeito -, o juiz não se devia pronunciar sobre essa admissibilidade.

            Talvez com o fim de evitar estas consequências, a reforma de 2013 alterou o regime da apresentação dos documentos; por força do art. 423 do CPC, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. Após este limite temporal, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

                  Quer isto dizer que na audiência de julgamento só podem ser admitidos os documentos relativamente aos quais a parte que os apresente alegue, e prove se necessário (art. 342/1 do CC e ac. do TRL de 22/10/2014, 681/13.5TTLSB.L1-4, invocado pelo réu nas alegações de recurso, bem como os acs. do TRC de 24/03/2015, 4398/11.7T2OVR-A.P1.C1, de 16/12/2015, 1395/08.3TBLRA-B.C1), que não os pôde apresentar antes ou que a sua apresentação só se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior.

            Ora, a autora nem sequer alegou que não tinha podido apresentar os documentos antes ou que eles se tinham tornado necessários em virtude de ocorrência posterior, pelo que não poderia provar um dos pressupostos da admissibilidade dos documentos depois do prazo de 20 dias do art. 423/2 do CPC.

            Antes pelo contrário, o que a autora fez foi invocar artigos e princípios que imporiam, segundo ela, que o tribunal aceitasse os documentos apesar de não os ter apresentado com observância das regras do art. 423 do CPC.

            Ou seja, para a autora as regras processuais relativas à apresentação dos documentos são mero pró-forma, não tendo que ser cumpridas.

            É evidente, no entanto, que não é assim: os documentos, por mais importantes ou úteis que sejam, têm que ser apresentados nos termos legais, e não o sendo a parte sofre as respectivas consequências, no caso, a da inadmissibilidade da sua junção.

                            O princípio da “verdade material”

            O princípio da “verdade material”, muitas vezes invocado, tal como no caso pela autora, não é uma varinha mágica que sirva para ultrapassar as regras legais. A verdade é só uma e só pode ser obtida validamente com observância das regras legais.

            Como diz Lebre de Freitas, “[d]urante muito tempo, a doutrina, ao contrapor as novas concepções à velha concepção liberal do processo, utilizou os conceitos de verdade material (extraprocessual) e de verdade formal (intraprocessual), como se pode ver em Manuel de Andrade, Noções cit., p. 360. A verdade, como relação de adequação do intelecto à realidade, é, porém, embora inatingível, uma só, diversos sendo apenas os meios que a visam alcan­çar. […]” (Introdução ao processo civil, 3ª edição, Coimbra Editora, 2013, pág. 156, nota 5).

            E como diz Germano Marques da Silva, “não é correcto falar-se de verdade formal e de verdade material, a não ser como conceitos meramente instrumentais; não há duas espécies de verdade, mas somente a verdade. […] A verdade processual não é senão o resultado probatório processualmente válido, isto é, a convicção de que certa alegação singular de facto é justificavelmente aceitável como pressuposto da decisão, por ter sido obtida por meios processualmente válidos. […] a lei processual não impõe a busca da verdade absoluta, e, por isso também, as autoridades judiciárias, mormente o juiz, não dispõem de um poder ilimitado na produção da prova.” (Curso de processo penal, II, Verbo, 4ª edição, 2008, pág. 130).

            Ou como diz Figueiredo Dias: “E é bom que isto se acentue, para que não se ceda à tentação de santificar a violação de proibições de prova em atenção ao fim da descoberta de uma (pretensa) verdade ‘material’. Hoc sensu, a chamada ‘verdade material’ continua a ser, ainda aqui, uma verdade intraprocessual.” E mais acima: “[a ‘verdade material’] há-de ser antes de tudo uma verdade judicial, prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo o preço mas processualmente válida.” (Direito processual penal, primeiro volume, Coimbra Editora, 1984, págs. 193 a 195)

                                                                 *

              Diz-se numa das partes do despacho recorrido que o doc. 1 apenas foi disponibilizado em 22/09/2015, e portanto, não poderia ter sido junto em momento anterior pela autora. Mas o facto de só ter sido disponibilizado naquela data, apenas quer dizer que a autora só o pediu uns tempos antes, não quer dizer que não o pudesse ter pedido na altura própria (para ser junto com a petição inicial), já que os factos registados são todos anteriores a 2010.

                                                      *

            Diz a autora que:

         “O doc. 1 trata-se de uma certidão permanente com código de acesso online, sendo um documento que visa demonstrar a titularidade do direito de propriedade da autora sobre o imóvel objecto da presente acção.

         Discutia-se, nos presentes autos, o direito de propriedade sobre o imóvel, invocando a autora que o mesmo estava na posse do réu sem qualquer título que lhe conferisse o direito de o usar e fruir.

         Assim, versando a causa de pedir a reivindicação do direito de propriedade invocada pela autora, era imprescindível para demonstrar que à data das sessões de audiência e julgamento o imóvel ainda era propriedade da autora, conferindo-lhe legitimidade para discutir em juízo o direito por si arrogado.

         Deste modo, dúvidas não restam que o doc. 1 era indispensável para a descoberta da verdade material, por fazer prova complementar do direito invocado, sendo impossível a sua junção aos autos em data anterior, por no ínterim dos 20 dias precedentes à audiência e julgamento ser possível a sua alienação, e subsequente inexistência do reivindicado direito de propriedade invocado.

         Neste enquadramento, não pode proceder o argumento esgrimido pelo réu nas suas alegações de recurso […]

         Relembrando o teor do disposto no n.º 2, do art. 423 do CPC, extrai-se que a parte não pode ser condenada em multa, pela apresentação extemporânea dos documentos, quando não teve possibilidade de os apresentar com os articulados, ou nos 20 dias anteriores à data da audiência e julgamento.

         Conforme ficou demonstrado, a autora não poderia apresentar em data anterior o documento em análise, face às suas especificidades, e à questão material controvertida, sendo exigido para a perfeita demonstração do direito invocado, a certidão predial actualizada, sob pena de não puder fazer prova plena da sua qualidade de proprietária do imóvel.

         Neste enquadramento, não poderia ser a autora condenada em multa, por extemporaneidade da junção dos documentos, uma vez que não pôde apresentar em data prévia, por impedir a demonstração da subsistência, à data da audiência e julgamento, do direito de propriedade por si reclamado.”

            Mas nisto tudo, a autora tem ainda menos razão:

            Os factos que a autora tem de provar são os factos que alegou na petição inicial. Os factos ocorridos posteriormente só são objecto de prova se tiverem sido alegados oportunamente num articulado superveniente (o que não foi o caso).

            Assim sendo, não tem qualquer sentido dizer que a autora tinha que provar que era proprietária na data da audiência de julgamento; o que tinha de provar é que era proprietária à data da propositura da acção, isto é, na data em que alegou os factos principais que tinha que provar como causa de pedir.

            Assim, se o que ela pretendia era provar que era proprietária à data da audiência de julgamento, essa seria mais uma razão para o documento não ser admitido, já que o facto nem sequer tinha sido alegado (onde o devia ser, num articulado superveniente) e por isso não era objecto de prova.

                                                      *

                Da impossibilidade de recurso (art. 631/1 do CPC)

            Quanto ao doc. 3, diz a autora:

         “[…] não faz sentido o referido pelo réu nas suas alegações de recurso.

         Na verdade, o tribunal a quo admitiu a sua junção aos autos no final da audiência e julgamento, por considerar que face à prova produzida aquele documento era essencial para a descoberta da verdade material.

         Corroborando a necessidade da sua junção, é aludido na sen-tença […] como facto provado […] o facto 10 […e] explicando a sua motivação, o tribunal a quo sustentou que “o facto 10 tem por base o teor da referida carta junta em audiência de julgamento […] com o acrescento do a/r assinado junto em audiência e julgamento.”

         Neste enquadramento, é incontrovertido a indispensabilidade do doc. 3 para a descoberta verdade material, sendo que por dever de ofício compete ao tribunal admitir a junção aos autos de toda a prova que o auxilie na boa decisão da acção.

         […]

         O mesmo será dizer que a sua junção não se revelou inútil, mas indispensável para fazer prova plena do direito invocado pela autora, a quem incumbia o ónus da prova da titularidade do direito de propriedade sobre o imóvel.

         Por outro lado, extrai-se das alegações de recurso do réu “Ora, é verdade que a mandatária do réu pediu para exibir o referido documento ao representante legal da autora, pois que teve dúvidas da veracidade das declarações prestadas quanto ao doc.4 junto com a réplica e cujos originais foram juntos na audiência de discussão e julgamento como doc.2, e só por esse motivo solicitou a exibição doc. 3, para assim demonstrar que o representante legal da autora não estava a responder com verdade aos esclarecimen- tos prestados.”

         Subsume-se com a supracitada afirmação, que o réu confessa a necessidade e utilidade do documento para a descoberta da verdade material, socorrendo-se ele próprio da requisição da sua junção aos autos, previamente ao seu deferimento, na tentativa de demonstrar a falsidade do depoimento de parte.

         Neste enquadramento, para alcançar a justa composição do litígio e prevalecer a verdade material sobre a verdade formal, ao juiz é dada a possibilidade de investigar os factos que tenham sido articu-lados pelas partes, podendo para tal admitir a junção aos autos de prova documental que considere indispensável para a boa decisão da causa.

         A justa composição da lide só foi possível pela admissibilidade da junção aos autos dos documentos supra identificados ainda que extemporaneamente, para os efeitos do art. 423/1, mas em tempo para os efeitos do disposto no n.º 3 do mesmo artigo.

         Face ao exposto, o tribunal a quo actuou em conformidade com o princípio da descoberta da verdade material, e do inquisitório, não cometendo qualquer ilegalidade – pelo contrário, agiu em consonância com os princípios basilares que regem o processo civil.

         […]”.                       

                                                      *

            Quanto a este doc. n.º 3 as coisas são diferentes em relação ao que se disse sobre a questão do doc. n.º 1, pelo seguinte.

            Por força do art. 415 do CPC, a parte contrária àquela que apresentou um documento tem um prazo de 10 dias (art. 149/1 do CPC) para se pronunciar sobre a sua admissibilidade ou sobre a sua força probatória, podendo exercer nesse prazo os poderes e faculdades previstos nos arts. 444 a 446 e 449 do CPC.

            Só findo aquele prazo é que o juiz deve proferir despacho admitindo o documento.

            Se aquela parte declara que não prescinde desse prazo para se pronunciar sobre a admissibilidade do documento, o juiz não se pode pronunciar sobre a mesma antes daquela pronúncia da parte; mas se a parte logo se opõe à junção dos documentos por ser tardia nos termos do art. 423 do CPC e acrescenta que “caso seja deferida a junção, requer prazo de vista para se pronunciar sobre os mesmos”, está a discutir desde logo a sua admissibilidade e ao mesmo tempo a dizer que, caso seja admitido o doc., quer usar o prazo dos 10 dias para ponderar se vai ou não exercer alguns dos  poderes dos arts. 444 a 446 e 449 do CPC.

            Assim sendo, neste caso, o juiz terá logo que decidir a questão da admissibilidade – que já está discutida pelas partes – e, se deferir a junção, terá que fazer o necessário para que a parte tenha o prazo de 10 dias para exercer ou não aqueles poderes.

            No caso, era mais que certo que a apresentação do doc. 3 não estava em conformidade com a lei, art. 423 do CPC, o que logo foi reconhecido pelo Sr. juiz (e era dito pela autora…), pelo que não devia ter restado outra solução que a sua não admissão.

            Em violação do disposto no art. 423 do CPC, o Sr. juiz, em vez de indeferir a admissão do doc. 3, reservou-se o direito de o vir a admitir caso o julgasse necessário depois de toda a prova produzida. No entender do Sr. juiz, por isso, tal como no entender da autora, o art. 423 do CPC não serve para nada: hoje, apesar da expressa alteração legal, que antecipou toda a discussão da questão da apresentação dos documentos para uma fase anterior à audiência de julgamento, as partes, no entender do Sr. juiz e da autora, podem apresentar todos os documentos que queiram na audiência de julgamento, em frontal oposição ao disposto no art. 423 do CPC e, se o juiz entender que eles são importantes, pode admiti-los. Ou seja, a lei em vez de ter imposto restrições à apresentação de documentos relativamente ao regime anterior à reforma de 2013, teria sido facilitado, ao extremo, a apresentação tardia de documentos pelas partes (e sem multa…).

            Não pode ser. O doc. 3, tal como o doc. 1, não devia ter sido admitido; e essa decisão devia ter sido proferida logo depois da oposição do réu, não se podendo o juiz reservar o direito de proferir depois da produção da prova – porque nenhuma norma legal lhe dá esse direito e porque essa decisão, no final da produção da prova, não faz sentido, porque um documento, admitido, serve para produzir prova e para eventualmente confrontar as testemunhas com ele durante a produção de prova.

            E não vale invocar (como o faz a autora expressamente e o fez o juiz implicitamente) o princípio do inquisitório, consagrado no art. 411 do CPC, porque os poderes que aí são conferidos ao juiz são para serem usados de forma directa pelo juiz, e não através da admissão de documentos em violação do disposto no art. 423 do CPC. Ordenar as diligências necessárias ao apuramento da verdade [repare-se: verdade, sem qualificativos] e à justa composição do litígio, não é admitir documentos que foram apresentados em violação do disposto no art. 423 do CPC, quando já não o podiam ser. Nem o art. 411 do CPC existe para possibilitar ao juiz que, objectivamente, auxilie uma das partes, prejudicando a outra, permitindo àquela introduzir documentos no processo quando já não o podia fazer, por não o ter feito atempadamente.

            Só que, aqui, o réu, em vez de ter actuado em conformidade com a sua oposição à junção do documento, veio a utilizá-lo, com a admissão do juiz e sem a oposição da parte contrária.

            Ora, utilizando-o como meio de prova, para o confrontar com outro elemento de prova, estava a voltar atrás, tacitamente, na sua oposição à admissão do documento: quando se utiliza um documento não se pode deixar de o estar a considerar com um elemento de prova que pode ser utilizado no processo; e essa retractação tácita não teve a oposição da autora e foi admitida pelo Sr. juiz.

            Tendo o réu voltado atrás na sua oposição à admissibilidade do doc. 3, não pode agora recorrer da decisão que o admitiu por não ser vencido nessa questão (art. 631/1 do CPC). Para além do mais, admitir o contrário seria o equivalente a retirar da prova um elemento que tinha sido já utilizado por vontade do próprio réu e legitimamente, assim, tinha podido servir para formar a convicção do tribunal.

            E o argumento da conclusão N) das alegações de recurso do réu não tem valor, pois que, se o tribunal viesse a admitir o documento no final da audiência, teria que dar às partes o direito de tornarem a inquirir as testemunhas com o uso do documento se tal fosse necessário. As partes não podiam ser prejudicadas nos seus direitos devido à actuação do tribunal.

                                                      *

                    Das consequências da revogação do despacho

            Como em relação ao documento 1 se vai revogar o despacho que o admitiu e como resulta da sentença junta aos autos que esse documento serviu para formar a convicção do tribunal sobre, pelo menos, dois factos (o 1, como se refere expressamente no seu conteúdo, e também mais à frente na motivação da convicção, e o 8 como se refere na motivação da convicção quanto ao mesmo), quando não podia servir para o efeito, há que anular também a sentença, quer na parte em que decidiu a matéria de facto (relativamente aos pontos 1 e 8) quer na parte em que decidiu de direito com base também naqueles (art. 195 do CPC).

                                                      *

            Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso, revogando-se o despacho que admitiu o doc. 1, anulando-se a decisão dos pontos 1 e 8 da matéria de facto que se serviu desse documento como prova dos mesmos e anulando-se também a sentença que se serviu desses factos, determinando-se, por fim, que seja proferida nova sentença que inclua nova decisão sobre aqueles pontos de facto, agora sem recurso ao doc. 1.

            No mais o recurso é improcedente, por o réu não poder recorrer da decisão relativamente ao doc. 3.

            Custas por ambas as partes, em partes iguais.

                                                      *

            Dê conhecimento deste acórdão sem esperar pelo trânsito, para os efeitos que se tiverem por convenientes, ao processo principal (que já estará neste TRP com recurso interposto da sentença que se acabou de anular), mas com a menção de que o acórdão ainda não transitou.

            Porto, 18/02/2016

            Pedro Martins

            1º Adjunto

            2º Adjunto