Acção 1902/11.4T2AVR da 1ª Secção Cível de Aveiro, J3

             Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados:

 

            M intentou a presente acção contra Seguradora, SA, pedindo a condenação desta a pagar-lhe 50.000€ a título de danos não patrimoniais e 35.580,59€ a título de danos patrimoniais [este valor é igual, com uma diferença de 0,43€, à soma das seguintes parcelas: 6391,06€ de despesas hospitalares que o autor quer vir a pagar + 611,80€ de deslocações + 48,65€ para reparação do ciclomotor + 320€ em calçado já pago + 7202,70€ em calçado futuro + 3458,70€ de diferenças salariais, tendo em conta o que lhe foi pago pela segurança social durante o período de baixa + 81,50€ em consultas e medicamentos + 17.466,61€ por incapacidade permanente], com juros desde a citação, bem como o custo das intervenções cirúrgicas a que eventualmente o autor se tenha de sujeitar, por causa dos ferimentos resultantes do acidente de que foi vítima por culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na ré.

            A ré contestou, impugnando os factos alegados pelo autor e dizendo que o acidente tinha sido provocado por culpa exclusiva deste.

            O autor replicou, impugnando a versão do acidente dada pela ré.

            Depois da realização de exame médico-legal, o autor apresentou um articulado superveniente, aproveitando os resultados daquele, ampliando o pedido relativo à incapacidade permanente para 24.453,26€, pelo que a acção ficou a ter o valor de 92.567,24€. A ré contestou este pedido, impugnando os factos em causa, por os desconhecer ou por serem exagerados.

            O Hospital X deduziu um incidente de intervenção espontânea no processo, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe, com juros, 6514,66€ de despesas que diz ter tido com o tratamento do autor em consequência do acidente, que a ré contestou nos mesmos termos da contestação do pedido do autor. O mesmo fez a ré em relação ao pedido entretanto formulado por Y, de reembolso do montante que pagou ao autor – 9748,07€ – durante o período de baixa médica subsidiada.

            Realizado o julgamento, a acção foi julgada improcedente por sentença de 18/12/2013 e a ré absolvida de todos os pedidos formulados.

            Na sequência do recurso do autor (desacompanhado dos outros intervenientes), o Tribunal da Relação de Coimbra anulou parcialmente o julgamento e anulou a sentença, para repetição parcial daquele e acrescento de fundamentação.

            Realizada nova produção de prova, foi de novo proferida sentença a 23/03/2015, julgando a acção improcedente, com nova absolvição da ré dos pedidos formulados.

            O autor, de novo desacompanhado dos outros intervenientes, recorre desta sentença, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

              […]

                                                      *

            A ré contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso, com argumentos que sintetizou da seguinte forma:

            […]

                                                      *

            Questões que importa decidir: se a decisão da matéria de facto deve ser alterada no sentido pretendido pelo autor; se em consequência da eventual alteração dos factos ou mesmo sem essa alteração, a decisão de direito deve ser outra.

                                                      *

            Na sentença recorrida consignaram-se como provados os seguintes factos relacionados com a primeira questão (os sob alíneas vêm dos factos assentes; os outros mantém a numeração que lhes foi dada pela sentença):

[…]

                                          *

Da impugnação da decisão da matéria de facto

            […]

            Quanto a este testemunho/reconstituição do acidente feita pela ré, importa precisar, desde logo que se baseia única e exclusivamente na versão do condutor do ligeiro, mais precisamente que o embate se deu a 11,20m do local da imobilização do ciclomotor e que, por isso, todas as ilações que faz e conclusões que tira se baseiam nessa versão. Ora, não havendo a mais pequena dúvida de que o ligeiro rompeu o radiador com o embate e que a água começou a cair a cerca de 1m do local da imobilização do condutor do ciclomotor (as testemunhas X e Y disseram-no e o tribunal aceitou-o), condutor que estava junto mas antes do ciclomotor, e que esse rasto de água se prolongou depois por 15m ficando a fazer uma poça de água no local onde o ligeiro se imobilizou (também factos G, 77 e 31 que não estão postos em causa), então não pode haver a mais pequena dúvida que o embate não se deu de acordo com a versão do condutor do ligeiro, pelo que todos os dados em que se baseou o engenheiro da ré estão errados e só podem ter conduzido a conclusões erradas e de nenhum valor. Pelo que, vale aqui, por maioria de razão, tudo aquilo que é dito pelo ac. do TRP de 08/11/2012, 6439/07.3TBMTS.P1, invocado pelo autor: “o tribunal não pode sem mais aceitar os resultados destes pareceres, só pode aceitá-los e levá-los em conta para corroborar as ilacções oferecidas pelos meios de prova, quando eles se ajustem ao que os meios de prova confirmem […]” (em contraponto, como caso de “reconstituição” feita em termos completamente diferentes quer do caso daquele acórdão, quer do caso da reconstituição destes autos, sendo configurado então como um parecer técnico que pode ter particular relevo argumentativo e levar à produção de prova testemunhal particularmente qualificada, veja-se o ac. do TRP de 09/01/2014, 820/11.0TBPRD.P1).

            […]

                                                      *

                                         Culpa do acidente

            Perante os factos provados – ou seja, os que foram dados como provados na sentença recorrida excluídos os sob 17, 19 a 21 e 23 a 30 – não é possível concluir aonde, como e por culpa de quem é que se deu o embate em causa nos autos: dos factos provados sob G), 31 e 77 pode-se retirar a ilação (nos termos já explicados acima) de que o embate se deu na zona do entroncamento dos dois troços da rua de x (norte ó sul e sudoeste ó nordeste), mas nem sequer se pode dizer em que metade do troço norte ó sul se deu o embate, isto é, se na mão de trânsito do ciclomotor – caso em que a culpa seria sem dúvida do condutor do ligeiro, que não teria observado a regra de cedência de prioridade imposta pelo sinal Stop -, ou na mão de trânsito contrária – caso em que não se poderia dizer que a culpa do embate seria do condutor do ciclomotor por vir a circular fora da respectiva mão de trânsito, pois que este se poderia ter desviado para essa metade da faixa ao aperceber-se da ocupação pelo ligeiro da sua mão de trânsito, mas também não se poderia dizer que era culpa exclusiva do condutor do ligeiro, porque o ciclomotor já poderia estar a circular pela metade esquerda da faixa.

                                                      *

                            Presunção de culpa do art. 503/3 do CC

            No entanto, o autor, que nunca tinha antes levantado a questão – não o fazendo na petição inicial ou na réplica – vem, no recurso, invocar a presunção de culpa decorrente do putativo preenchimento dos pressupostos do art. 503/3 do CC.

          Mas nem sequer tenta fundamentar a possibilidade de conhecimento dos factos respectivos, sem os ter minimamente alegado, nem os factos que agora invoca (ser o ligeiro propriedade de uma sociedade e ser conduzido pela testemunha x) permitem, como diz a ré, a conclusão de que o condutor de tal veículo está, perante a sociedade, numa relação de comissão, como aliás resulta daquilo que a jurisprudência tem dito sobre a questão: “O dono do veículo só é responsável, solidariamente, pelos danos causados pelo respectivo condutor quando se aleguem e provem factos que tipifiquem uma relação de comissão, nos termos do art. 500/1 do CC, entre o dono do veículo e o condutor do mesmo” (acórdão do pleno do STJ de uniformização de jurisprudência, de 30/04/96, publicado na 2ª série do Diário da República de 24/6/96 e no BMJ 456/19 e segs, ou nas bases de dados do IGFEJ sob 087236, cuja ligação ao tema se percebe melhor tendo em conta a proposta de assento formulada por Sr. Procurador-Geral Adjunto: “A responsabilidade por culpa presumida, consagrada na primeira parte do n.º 3 do art. 503 do CC, pressupõe a alegação e a prova de factos que tipifiquem uma relação de comissão, nos termos do art. 500/1, do mesmo diploma legal” – parecer também publicado no BMJ, nas págs. 5/14, e a seguir ao acórdão na base de dados do IGFEJ; no mesmo sentido, veja-se ainda, por último, o ac. do TRL de 09/07/2015, 530/13.4TBFUN.L1-2).

            Note-se que, por exemplo, a solução seria diferente se tivesse sido alegado e provado que a testemunha X era sócio-gerente da sociedade proprietária do ligeiro, pois que aí se poderia dizer existente a relação de comissão; neste sentido, o ac. do STJ de 05/07/2012, 1032/04.5TBVNO.C1.S1 (com ampla fundamentação e referência a um acórdão do STJ que decidiu em sentido contrário): V. O que o art. 503/3 do CC exige é a condução por conta de outrem e o sócio-gerente que conduz a viatura empresarial, numa actividade de distribuição de produtos da empresa que gere, desempenha tal actividade por conta de tal empresa.” Ou que aquela testemunha era trabalhador/motorista da mesma, conduzindo o veículo no exercício da sua actividade profissional (por último, e apenas por exemplo, o ac. do TRL de 26/03/2015, 597/04.6TCSNT.L1-2, e o ac. do TRC de 12/11/2013, 323/10.0T2AND.C1).

          Só que, repete-se, nenhum destes factos foi alegado pelo autor e os últimos, os mais relevantes, nem sequer foram alegados por ninguém, nem o autor diz que tenham ficado provados, pelo que não é possível concluir pela existência de uma relação de comissão, base da presunção de culpa do art. 503/3 do CC.

                                                      *

                            Colisão de veículos (art. 506 do CC)

            Não se provando a culpa de nenhum dos condutores, está-se perante um caso de colisão entre veículos, devendo-se distribuir a responsabilidade entre eles em partes iguais, já que nem sequer se sabe como se deu o acidente, não se podendo concretizar nenhum grau de contribuição de qualquer dos veículos para o acidente.

            Assim, 50% da responsabilidade é da proprietária do veículo (art. 503/1 do CC), logo da seguradora para quem aquela foi transferida.

                                                      *

            Por força do art. 665/2 do CPC, cabe agora a fixação dos montantes indemnizatórios (que as partes já tiveram a oportunidade de discutir), em substituição do tribunal recorrido, por este não ter resolvido tal questão, porque então estava prejudicada face ao decidido por ele quanto à culpa do acidente.

            Como os intervenientes, Hospital e Y, não recorreram nem aderiram ao recurso e não estavam com o autor numa situação de litisconsórcio necessário nem o interesse deles dependia essencialmente do interesse do autor, o recurso interposto pelo autor não lhes aproveita (art. 634 do CPC), tendo a decisão de absolvição, relativamente aos pedidos por eles formulados, transitado em julgado (art. 635/5 do CPC). 

                                                      *

                            Quanto aos montantes indemnizatórios

            Os factos dados como provados com relevo para esta questão são os seguintes:

[…]

            Ao abrigo dos arts. 607/4 e 663/2, ambos do CPC, adita-se agora o seguinte facto (o autor fez a afirmação respectiva no art. 63 da pi, sem juntar prova da mesma; mas inúmeros documentos dos hospitais e o auto de participação de fls. 69/70 fazem essa referência; no relatório médico de fls. 272 e no tir de fls. 47 do inquérito do MP, faz-se a mesma referência e deles consta o n.º do BI ou do cartão de cidadão; e depois, a fls. 202, o autor apresenta cópia do seu assento de nascimento que confirma aquela data; pelo que é facto que se pode acrescentar aos factos provados, ao abrigo dos arts. 607/4 e 663/2, ambos do CPC):

        O autor nasceu em XX/10/1972

                                                      *

            Os vários danos invocados pelo autor têm que ser vistos à luz dos arts. 483, 562 e 563, todos do CC, e serão indemnizáveis se se puderem dizer terem sido provocados pela conduta do segurado da ré.

            Passam-se a analisar tais danos, tendo em conta, tendencialmente, a ordem pelo qual foram referidos pelo autor:

                                                      *

                                      Despesas hospitalares

            Em consequência das lesões sofridas, o autor acabou por passar por vários hospitais, um deles o Hospital X, que, por causa da assistência hospitalar que lhe prestou até à data em que teve alta, o notificou para pagar 6391,06€.

            O Hospital tem direito ao pagamento dessas despesas, como resulta do disposto no art. 495/2 do CC, mas o obrigado ao pagamento não é o lesado, antes o responsável pela lesão.

            E a relação que se estabelece é entre o Hospital e o responsável, neste caso substituído pela seguradora, e não entre o Hospital e o lesado, ou entre o lesado e a seguradora.

            Pelo que o autor, como lesado, não pode exigir da seguradora o pagamento daquelas despesas, porque nem foi ele que as fez, nem é ele que tem direito ao seu pagamento (isto sem prejuízo de eventuais hipóteses de sub-rogação ou de enriquecimento sem causa que se colocassem se o autor tivesse já feito o pagamento, que não fez, já que o que ele diz, na petição inicial, é que quer pagá-las).

            Entretanto, note-se que afinal se apurou que o autor também é responsável pelas despesas, em 50%, mas esta situação nada tem a ver com a dos 50% da seguradora.

            E note-se também que as despesas até eram mais elevadas (factos 72 e 73) e que o Hospital as veio reclamar directamente da ré neste processo (mas, depois, como se viu, não interpôs recurso da absolvição decretada).

            Portanto, as despesas hospitalares não têm de ser consideradas.

                                                                 *   

                                              Deslocações

             O autor dizia que entre 13/10/2008 e 07/11/2008 – à excepção dos períodos em que esteve internado – se tinha deslocado às consultas de ortopedia ao Hospital X, tendo sido os Bombeiros Voluntários de X que asseguraram o transporte. E que tinha pago aos Bombeiros, por estas deslocações, o valor de 318,10€ (doc. 10 a 15).

            E que, quando tinha adquirido alguma autonomia, passou a deslocar-se para as consultas de ortopedia no hospital X de comboio, pagando por cada viagem valor nunca inferior a 1,10€ (viagem ida e volta – X/Y e Y/X), pelo que, desde 07/11/2008 até 12/07/2010 – à excepção do período de internamento a que se alude nos arts. 39 a 41 da pi – o autor teria feito nunca menos de 260 tratamentos, pelo que despendeu em viagens de comboio quantia nunca inferior a 293,70€ – isto sem prejuízo de apurar-se o número efectivo de tratamentos no referido período e consequentemente, o valor despendido.

            Tudo isto são consequências do acidente, como resulta dos factos provados.

            Ora, em relação à primeira parte, ficou provado tudo à excepção do pagamento dos transportes pelo autor (na sentença recorrida, em nota de pé de página, com referência ao facto não provado, diz-se que: resulta da prova produzida em sede de audiência que foi a mãe do autor quem pagou as referidas despesas – despesas essas vertidas nos documentos de fls. 31 a 42).

            Daqui resulta, por um lado, que se verificou, realmente, um dano patrimonial na esfera do autor no valor correspondente àquelas despesas, isto é, à criação de crédito a favor de terceiro (os Bombeiros). Havendo um dano, ele deve ser indemnizado.

             Só que a sentença acrescenta um facto, que não tinha sido alegado por ninguém, que parece apontar para a extinção da dívida (pagamento da dívida feito por terceiro: art. 767/1 do CC; para se estar perante um pagamento por terceiro que não extinguisse a dívida, mas antes desse lugar à sub-rogação – arts. 589 a 592 do CC -, isso teria que resultar dos factos provados; a situação normal é que esse pagamento seja feita por conta do devedor). Mas a extinção da dívida não apaga o dano, faz apenas regressar aparentemente o património do autor a uma situação igual à que existiria antes dele. É que, em princípio, a mãe do autor, pagando por conta do autor a dívida, fica com um direito contra o mesmo (Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, Coimbra Editora, 1997, págs. 232 e 233: “não se operando a sub-rogação e não se produzindo pois a transmissão da obrigação pelo lado activo, esta extingue-se. O terceiro fica sem qualquer direito contra o devedor? E se fica com algum direito, qual a sua fonte? […] O terceiro fica na verdade, em princípio, com um direito contra o devedor, cujo conteúdo varia conforme as circunstâncias. Mas esse direito não é o crédito pago, é um crédito novo, nascido do próprio facto do pagamento da dívida alheia. […] São concebíveis várias situações. […]”). Dizer em princípio, é o mesmo que dizer em regra geral, ou seja, para não se verificar esta situação (da mãe do autor ter um crédito contra este e por isso o património do autor continuar com o passivo aumentado por causa do acidente), era a situação contrária, excepcional, que tinha de ser alegada.

            Falta apenas esclarecer o seguinte do ponto de vista processual: o facto aditado pela sentença em nota de pé de página equivale àquilo a que antes se chamaria a uma restrição e explicação da resposta dada a um quesito e por isso pode ser considerado como facto provado, embora colocado em lugar inusual.

            Em relação à 2ª parte, provaram-se os factos embora não o número de viagem que foram efectuadas, mas diz-se, no facto 62, que o autor sentiu incómodo nas deslocações quase diárias que teve de fazer ao hospital X, para tratamento médico e curativos, durante todo o período de doença e recuperação; ora esse período foi quase de 20 meses, ou seja perto de 600 dias, sendo perfeitamente razoável, por isso, ao abrigo da equidade (art. 566/3 do CC por não ter sido apurado o número exacto de viagens), fixar esse número de viagens, quase diárias, pelo menos nas 260 referidas pelo autor, o que dá, a 1,10€ viagem, o resultado de 286€ e não 293,70€.

            Portanto, há que considerar o valor de 318,10 + 286€, 50% a suportar pela ré, isto é, 302,05€.

                                                      *

                                    Reparação do ciclomotor

            O autor dizia ter gasto 48,65€ para reparação dos estragos no ciclomotor consequência do acidente.

            Provou-se a reparação, mas não o respectivo valor (embora o autor tenha tentado produzir prova do mesmo com o documento 16, a fls. 43).

            Tendo em conta a multiplicidade de estragos que o ciclomotor sofreu, que foram reparados pelo autor, julga-se equitativo (art. 566/3 do CC) fixar no valor pedido o custo da reparação, sendo a seguradora responsável por metade, ou seja, 24,33€.

                                                      *

                                        Compra de calçado

            O autor diz que tinha ficado com um encurtamento da perna direita de 1,50 cm – em consequência das lesões – que o obriga a utilizar calçado especial, que tem que ser feito à medida, ou então adaptado, para compensar o encurtamento da perna e permitir que possa caminhar normalmente. E que desde a data do acidente já tinha gasto 320€ em calçado que mandou adaptar para poder eliminar o encurtamento da perna direita.         

            Estes factos provaram-se, mas com a alternativa, ao calçado especial, de uma palmilha. Ou seja, deu-se como provado: “que o obriga a utilizar palmilha ou calçado especial […]”.

            Ou seja, não é bem da necessidade de um calçado especial que se trata, no sentido de calçado feito à medida, mas de um calçado normal que pode ser adaptado, inclusive com uma palmilha. Por outro lado, é um calçado que o autor usa em vez do outro, que também teria de comprar para usar.

            Pelo que o custo para reparar o dano não é igual ao custo do calçado adquirido, mas sim ao custo da adaptação do mesmo, que pode inclusive passar pela utilização de uma palmilha, naturalmente que especial.

            Face à ausência de prova deste custo, que não se vê vantagem em que seja apurada com produção de mais prova, entende-se que, equitativamente, apenas 1/3 do valor do calçado adquirido é que pode ser imputado à adaptação do mesmo para corrigir a deficiência.

            E desse 1/3 a seguradora só é responsável por 50%, pelo que o custo a ter em conta é igual a 1/6 de 320€, isto é: 53,33€.

                                                      *

                                Compra de calçado no futuro

            O autor acrescentava: “nunca poderá utilizar calçado normal, mas sim calçado adaptado, feito à medida, durante toda a sua vida […]. O autor pelo menos semestralmente compra dois pares de calçado, sejam botas, sejam sapatos, no que gasta nunca menos de 100€, sendo que o preço destes artigos tem tendência para aumentar.”

            Nada disto foi dado como provado especificamente, mas não se pode esquecer o que já constava acima, isto é, que o autor tem um encurtamento da perna direita de 1,50cm, que o obriga a utilizar palmilha ou calçado especial, que tem que ser feito à medida/adaptado, para compensar o encurtamento da perna e permitir que possa caminhar normalmente. E isto é uma consequência do acidente em causa nos autos. É, tal como a perda da capacidade de ganho, um dano futuro, que está a coberto do art. 564/2 do CC.

            Acima calculou-se em 53,33€ o valor da indemnização a pagar pela ré pelo custo da adaptação do calçado do autor num período de 3 anos (data do acidente até à data da petição). O autor tem uma esperança de vida, a contar da data da petição, de mais 36,5 anos. Se para a correcção em causa, em 3 anos, se considerou como equitativa a indemnização de 53,33€, para 36,5 anos a indemnização seria de 648,84€. Tendo em conta que o custo dessa correcção irá aumentando durante esses 36,5 anos, embora também o poder de compra do autor vá tendencialmente acompanhando esse aumento, considera-se equitativo fixar a indemnização em causa em 1000€ (neste cálculo já se entrou em conta com o facto de a responsabilidade da ré ser só de 50%).

                                                                 *

                                          Consultas e medicamentos

            O autor pedia 81,50€ por estes gastos.

            Provou-se apenas o valor de 59,40€, sendo a ré responsável por 50%, ou seja, 29,70€.

                                                      *

                               Intervenções cirúrgicas futuras

            O autor pedia a condenação da ré no custo das intervenções cirúrgicas a que eventualmente o autor se tenha de sujeitar, por causa dos ferimentos resultantes do acidente.

            Nada se provou quanto a esta necessidade.  

                                                      *  

                                        Diferenças salariais

            O autor ganhava 554€ mensais (como resulta da articulação dos factos 63 e 64), o que corresponde a 6648€ anuais (note-se que no cálculo das diferenças salariais o autor, de 08/10/2008 até 12/07/2010, só contou os reais 21 meses, o que corresponde à alegação implícita de que não auferia nem 13º nem 14º mês, o que, apesar de ser pouco habitual, não é impossível).

            Durante o período de 08/10/2008 a 18/09/2010, em que esteve de baixa devido às consequências do acidente, teria recebido 554€ x 23,33 meses = 12.924,82€. A segurança social pagou-lhe 9748,07€, pelo que a diferença foi de 3176,76€ [o autor dizia que a diferença tinha sido de 3458,70€, mas faz as contas relativamente a um período menor e a um montante pago inferiores aos que se apuraram nos factos 74 a 76].

            Assim, o autor tem direito a que a seguradora lhe pague 1588,38€ (= 50% de 3176,76€) de diferenças salariais.

            Aquilo que a segurança social pagou ao autor devia-lhe ser reembolsado pelo ré, mas a questão não pode ser decidida aqui visto que, como se viu acima, o Y não recorreu da absolvição.

                                                      *

                                   Incapacidade permanente

            Entre os danos que o lesante – no caso a sua seguradora – é obrigado a indemnizar (arts. 483, 562 e 563, todos do CC), conta-se o da perda de capacidade aquisitiva, isto é, da possibilidade que cada um tem de obter rendimentos patrimoniais através da sua força de trabalho.

            Esta perda de capacidade de ganho é, normalmente, como no caso, igual à percentagem do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, de que o autor ficou a sofrer, ou seja, 14 pontos em 100, ou seja, 14%.

            Ganhando o autor 554€ mensais, o que corresponde a 6648€ anuais, 14% de incapacidade corresponde a uma perda anual 930,72€.

                                                      *

                                          Forma de cálculo

            Para a reparação deste dano tem-se seguido a solução de determinar o capital necessário, que, entregue de uma só vez, e diluído no tempo de vida do lesado, lhe proporcione o mesmo rendimento que auferiria se não tivesse ocorrido a lesão (nos termos do acórdão do STJ de 04/12/2007, publicado sob  o nº. 07A3836 da base de dados do ITIJ).

            E entende-se que o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objectivos (através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas), servindo para determinar um limite mínino indemnizatório, o qual, terá posteriormente de ser corrigido com vários outros elementos, quer objectivos quer subjectivos, que possam conduzir a uma indemnização justa (ainda daquele acórdão do STJ de 2007).

            Ou, dito nos termos do ac. do STJ de 05/11/2009 (381-2002.S1):

         Para evitar um total subjectivismo – que, em última análise, poderia afectar a segurança do direito e o princípio da igualdade – o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objectivos, através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas, com vista a calcular o referido capital produtor de um rendimento vitalício para o lesado, recebendo aplicação frequente a tabela descrita na ac. de 04/12/2007 (07A3836), assente numa taxa de juro de 3%.

         Porém, e como vem sendo uniformemente reconhecido, o valor estático alcançado através da automática aplicação de tal tabela «objectiva» – e que apenas permitirá alcançar um «minus» indemnizatório – terá de ser temperado através do recurso à equidade – que naturalmente desempenha um papel corrector e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas do caso, permitindo ainda a ponderação de variantes dinâmicas que escapam, em absoluto, ao referido cálculo objectivo: evolução provável na situação profissional do lesado, aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível e melhoria expectável das condições de vida, inflação provável ao longo do extensíssimo período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização (e que, ao menos em parte, poderão ser mitigadas ou compensadas pelo «benefício da antecipação», decorrente do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente apenas seriam recebidos faseadamente ao longo de anos, com a consequente possibilidade de rentabilização em termos financeiros)”.

            O acórdão do STJ de 04/12/2007 colocou ao dispor de “quem não é perito em operações complexas em matemática e deseje rapidamente chegar a resultados semelhantes ao das fórmulas utilizadas pelo STJ no ac. de 05/05/1994 ou do TRC de 04/04/1995” [uma tabela] à qual se chega “pela simples aplicação do programa informático excell à fórmula financeira utilizada pelo STJ, tomando como parâmetros a idade que ainda falta à vítima para atingir a idade de reforma e a taxa de rendimento previsível de 3% ao ano para as aplicações a médio e longo prazo […]”.

            Portanto, tal tabela é uma aplicação da fórmula usada pelo STJ no ac. de 05/05/1994 (publicado na CJ.STJ.94.2.86, onde se esclarece que ela foi facultada pelo docente Dr. Joaquim Correia Caetano), e antes deste no ac. do STJ de 04/02/1993 (do mesmo relator e publicado na CJ.STJ.93.1.128).

            Ora, aquela fórmula foi desenvolvida depois pelo ac. do TRC de 04/04/1995 (publicado na CJ.95.2.23/26), de modo a tomar em consideração o crescimento dos salários ao longo de toda a vida laboral, a acompanhar a inflação, e os ganhos de produtividade e as promoções profissionais.

            E assim, desde tal data têm sido utilizadas para a consideração de todos estes factores e já tendo em conta que o capital tem de estar esgotado no fim do período em causa, as seguintes duas fórmulas complementares:

            A 1ª (que é um resumo simplificado da fórmula matemática utilizada pelo STJ, fornecida pelo autor da acção julgada no ac. do TRC de 04/04/1995) é:

            C = [(1 + i)N – 1 / (1 + i)N x i] x P

            em que

            C = capital;

            P = prestação a pagar no 1º ano;

            i = taxa de juro; e

            n = o nº. de anos de esperança de vida;

            A 2ª é:

            i = (1 + r / 1 + k) – 1            

            em que:

            r = taxa de juro nominal líquida.

            k = taxa anual de crescimento de P (inflação + ganhos da produtividade + promoções profissionais).

            Isto para que a variável i não seja a taxa de juro nominal líquida da apli­cação financeira, mas sim a taxa de juros real líquida.

                                                      *

                                    Os factores a considerar

            No caso dos autos, para aplicação da 2º fórmula, considera-se que:

            Sendo i o produto de [(1 + r) / (1 + k)] – 1

            em que:

            r = taxa de juro nominal líquida, que se considera actualmente dever ser de 1,5%.

            k = taxa anual de crescimento de P (inflação de 0,5% + ganhos da produtividade de 0,375% + promoções profissionais de 0,375%) = 1,25%

            Isto para que a variável i não seja a taxa de juro nominal líquida da apli­cação financeira, mas sim a taxa de juros real líquida.

            Pelo que, i é 0,247%.

                                                      *

Da  idade da reforma ou da esperança média de vida

            O número de anos que importa ter em conta não é o número de anos que falta atingir para a idade da reforma, mas sim para a idade correspondente à esperança média de vida da vítima (isto é, o que importa é o tempo provável de vida da vítima).

            A referência ao tempo provável de vida da vítima é opção seguida pelo acórdão do STJ de 28/9/1995, publicado na CJ.STJ.95.III, pág. 36 (: “finda a vida activa do lesado não é razoável ficcionar que também a vida física desaparece no mesmo momento e com ela todas as necessidades do lesado e, por outro lado, geralmente, continua a receber remunerações, ou como pensão de aposentação da própria profissão, ou como prestação da segurança social”) e nos acórdãos do STJ de 16/3/1999, CJ.STJ.99.I.167, de 25/7/2002, na CJ.STJ.2002.II.128.

            E passou a ser seguida por parte da jurisprudência, a partir do momento em que tal referência foi adoptada no parecer do Provedor de Justiça a propósito do caso da ponte de Entre-os-Rios (parecer de 19/03/2001, publicado no Diário da República, II série, nº. 96, de 24/4/2001, págs. 7139 e segs., especificamente ponto 38, nota 17): “julga-se a utilização do período de vida expectável da vítima como critério mais adequado do que o comummente utilizado da idade da reforma/aposentação, já que é de supor que o auferimento de rendimentos durante a vida activa permitiria, pela inscrição obrigatória em regime de segurança social, o recebimento de pensão de velhice ou de aposentação até ao fim da vida”. [neste sentido, apenas por exemplo, vejam-se os acórdãos do STJ de 19/04/2012 (3046/09.0TBFIG.S1); de 20/10/2011 (428/07.5TBFAF. G1.S1); de 07/06/2011 (524/07.9TCGMR.G1.S1); de 20/05/2010 (103/2002. L1.S1); de 25/06/2009, do 08B3234, e de 17/06/2008 (08A1266)].

            Ora, a esperança de vida, segundo os dados do INE reportados a 29/05/2009 (sítio http://www.ine.pt/), era de 75,49 anos para o sexo masculino (já se utilizou a esperança média de vida reportada à data da nascença, mas tal leva a desconsiderar a evolução das condições de vida das pessoas ao longo do tempo…).

                                                      *

            Note-se que parte da jurisprudência – como a do ac. do STJ de 04/12/2007 já referido – utiliza a idade da reforma… mas apenas na aplicação das fórmulas matemáticas referidas, considerando depois a esperança média da vida no ajustamento do resultado obtido com tais fórmulas. Assim, por exemplo, diz: “Aqui chegados, entramos na 3.ª fase, ou seja, naquela em que há que atender a todos os outros factores que as ditas fórmulas não contemplam, e que se repercutirão, previsivelmente, em termos de perdas patrimoniais, e que são extremamente relevantes, indicando-se a título exemplificativo: “o prolongamento da IPP para além da idade de reforma (sendo importante sublinhar que entrando na base de cálculo a referência à idade de reforma aos 65 anos não significa necessariamente que se deixe de trabalhar depois dessa idade, ou que se deixe de ter actividade depois dela).”

            Assim, seja por uma via ou por outra, o que deve entrar como factor é a esperança média de vida e não o tempo provável de vida activa.

                                                      *

            E para aplicação da 1ª fórmula, sabe-se agora que:

            P é igual a 930,72€€.

            N é igual a 37,50 (nº de anos de vida provável – o autor nasceu em 11/10/1972 e o início da incapacidade permanente ocorreu a 18/09/2010; pelo que tinha praticamente 38 anos de vida).

            i é igual a 0,247%

            Pelo que

            C = [(1 + 0,247%)37,5 – 1 / (1+0,247%)37,5 x 0,247%] x 930,72€

                  C = 33.295,14€.

            A seguradora só tem de pagar metade, ou seja: 16.647,57€.

                                                      *

            Note-se que a vantagem de utilizar a fórmula corrigida pelo ac. do TRC de 1995, é o de conseguir introduzir a idade da esperança média de vida, bem como outros factores, logo no cálculo matemático, o que só vai ajudar à uniformidade de critérios de cálculo das indemnizações.

            Dito de outro modo: como meio de conseguir atingir, de modo objectivo, um valor justificável por si e o mais próximo possível dos danos efectivamente sofridos, sem deixar margem para uma ampla discricio-nariedade, é preferível incluir logo na fórmula matemática referida todos os factores e fazer depois as adaptações que se justifiquem, do que usar uma tabela ou fórmula que só abrange, por exemplo, os anos de vida activa, fazendo depois funcionar, sem nunca se explicar bem como, um outro factor destinado aos restantes anos de esperança de vida.

                                                      *

              Da eventual dedução por entrega imediata do capital

            Os acórdãos do STJ de 1994 e o do TRC de 1995 – que estão na origem das fórmulas referidas – não faziam tal dedução.

            O ac. do STJ de 25/11/2009, (397/03.0GEBNV.S1), diz que se deve fazer esta dedução:

        “Após determinação do capital, há que proceder ao “desconto”, “dedução” ou “acerto” porque o lesado perceberá a indemnização por junto, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, sendo que se impõe que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado; trata-se de subtrair o benefício respeitante à recepção antecipada de capital, de efectuar uma dedução correspon-dente à entrega imediata e integral do capital, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia. Na quantificação do desconto em equação a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33%.”

            O relator deste acórdão tem vindo a fazer esta dedução, mas o ac. do STJ de 14/04/2015, proferido no processo 723/10.6TBCHV.P1, não publicado, censura essa dedução no caso do cálculo da indemnização ser fixado como acima, com base na consideração de que este “valor não representa já a soma de todos os rendimentos que o lesado iria previsivelmente auferir ao longo do período considerado, caso em que se justificaria essa redução (como no cálculo sugerido por Sousa Dinis [na CJ.STJ.IX.1.5] […S]eria contraditório [com o critério de cálculo seguido] operar a aludida redução: com esta, o capital obtido deixaria de cumprir o referido objectivo [de produzir um rendimento que se extinga no fim do previsível período de vida da vítima e que garanta as prestações periódicas correspondentes], não garantindo as aludidas prestações (ou de todas estas prestações, esgotando-se antes do termo do período considerado). Aceita-se a crítica e por isso deixa-se de fazer a dedução.

                                                      *

              Quanto à compensação pelos danos não patrimoniais

            O art. 496/1 do CC, sob a epígrafe de danos não patrimoniais, dispõe que “[n]a fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.” 

            E o art. 496/4 do CC acrescenta que “[o] montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494 […]”, remetendo, pois, para “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” (art. 494 do CC).

                                                      *

            Da determinação do montante dos danos não patrimoniais

            Quanto ao modo de funcionamento daquelas regras, isto é, quanto ao modo de achar uma compensação justa pelo sofrimento provocado, principalmente pelos danos relacionados com o corpo de uma pessoa, parte da doutrina tem avançado num sentido e a jurisprudência tem ido noutro.

            Assim, tem-se visto parte da doutrina defender que, se a vida é o bem de maior valor, talvez se justificasse atribuir a esta um valor muito superior àqueles que têm sido atribuídos por danos não patrimoniais, que sem dificuldade têm atingido valores de centenas de milhares de euros, e depois, fixar indemnizações abaixo desse valor para os outros danos.

            Assim, por exemplo, Leite de Campos, já há quase 10 anos, num seu estudo, Os danos causados pela morte e a sua indemnização, Comemorações dos 35 anos do CC e dos 25 anos da reforma de 1977, vol. III Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 2007, pág. 137, lembrava que uma sentença de um tribunal de primeira instância, contrariando a fixação de indemnizações com carácter meramente simbólico, atribuiu uma indemnização superior a 1.000.000€ pelo dano morte e qualificou-a como exemplo a seguir.

            E depois, Menezes Cordeiro, Tratado do Direito Civil, II, Tomo III, Almedina, 2010, págs. 755, diz: “A vida humana não tem preço. Mas quando haja que avaliá-la para efeitos de compensação, a cifra a reter será (actualmente), da ordem do milhão de euros, majorada ou minorada conforme as circunstâncias. Todos os outros danos são, depois, alinhados abaixo desse valor de topo”.

            Mas a jurisprudência (com apoio de parte da doutrina, como por exemplo, o estudo de Maria Manuel Veloso, Danos não patrimoniais, Comemorações dos 35 anos do CC e dos 25 anos da reforma de 1977, Vol. III Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 2007, págs. 545/554) não tem seguido estas sugestões e tem continuado a utilizar, principalmente, como critério, a comparação com outros casos jurisprudenciais (com críticas da doutrina: veja-se o anotação de Filipe Albuquerque Matos, citado acima, págs. 216 a 219) e, por outro lado, tem-se afastado, sistematicamente, da ideia de que a vida deva merecer a maior das indemnizações, e tem vindo a dar, consciente e consistentemente, pelos outros danos, valores muito superiores aos 100.000€ que já tem sido atribuído pelo dano morte (quanto a este último valor, veja-se, por exemplo, o ac. do STJ já com quase quatro anos, de 08/09/2011, 2336/04.2TVLSB.L1.S1).

            Antes de se passar à “fase” da comparação – por força do art. 8/3 do CC: “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”, isto é, para não nos afastarmos da jurisprudência quase uniforme dos tribunais superiores – com outros casos jurisprudenciais – sempre sem perder de vista que, de qualquer modo, é a aplicação da equidade que está aqui em causa (veja-se a já referida anotação de Filipe Albuquerque Matos, págs. 194 e segs) -, veja-se ainda o seguinte:

            Os factores-base de ponderação, ao abrigo das outras circunstâncias do caso referidas na parte final do art. 494 do CC, são: a intensidade e a natureza da lesão e a importância do bem jurídico violado (Maria Manuel Veloso, estudo citado, págs. 542/543).

            A incapacidade parcial permanente geral para além de ser um factor que deve entrar em linha de conta no cálculo da indemnização dos danos patrimoniais, na parte que se refere à perda de capacidade de ganho, é também um factor a ter em conta na compensação dos danos não patrimoniais: alguém que trabalhava e fica com sequelas que lhe acarretam um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 14%, tem um evidente desgosto com o facto, sentindo-se diminuído em relação aos outros.

            Por outro lado, períodos de imobilização forçada, total ou parcial, são relevantes: quem é habitualmente activo e fica obrigado a ficar fechado em casa ou num hospital, ou sem se poder mover, na cama, durante períodos mais ou menos longos, tem necessariamente um desgosto com o facto (daí que, por exemplo, pela privação ilegal da liberdade por um período de cerca de 4 meses se dêem indemnizações de 15 ou 30.000€ – vejam-se os acs. do STJ de 27/11/2007, com sumário publicado sob o nº. 07A3359, e de 11/10/2011, 1268/03.6TBPMS.L1.S1). Daqui decorre que, embora com menos relevo, são também de considerar as dificuldades e limitações de movimento.

            Diga-se ainda que desde 1994/1995, a jurisprudência tem chamado a atenção para a necessidade de as indemnizações começarem a ser aumentadas pouco a pouco, reconhecendo-se o carácter miserabilista das que eram então fixadas, e a partir daí começou-se, gradualmente, a fixar compensações em montantes mais elevados. Pelo que os valores dados pelos tribunais em anos anteriores devem ser vistos como valores sujeitos a actualizações (não baseadas apenas na inflação).

            Por fim, note-se que muitas das decisões dos tribunais superiores não fixam os valores dos danos, limitam-se, sim, a dizer que os valores atribuídos (em muitos casos apreciados muito tempo depois dos factos) não devem ou não podem ser censurados. É que os tribunais de recurso, para além das limitações dos tribunais de 1ª instância pelos valores pedidos, ainda estão limitados pelos valores atribuídos e pelos recursos deduzidos.

            Posto isto, vejam-se os seguintes exemplos (todos retirados da base de dados do IGFEJ, como até aqui, excepto se estiver assinalado o contrário):

  1. O acórdão do STJ de 28/02/2008, publicado sob o nº. 08B388, manteve a indemnização de 125.000€ a uma vítima que esteve em coma profundo durante vários dias, sem ter a consciên-cia do que lhe acontecera e das lesões profundas que apresentava, permanecendo durante semanas com perda de consciência, sem reconhecer pessoas, familiares; esteve internado em diferentes instituições hospitalares e foi submetido a diversas e delicadas intervenções cirúrgicas e sessões de tratamento e recuperação; quer durante o internamento quer posteriormente, sofreu muitas dores, intensas privações, aborrecimento e desconforto; continuará a sentir tais dores, privações e aborrecimento, bem como a ter necessidade de tratamentos, nomeadamente fisioterapia, por toda a vida; ficou com limitações físicas graves, com elevado índice de incapacidade, que é total em relação à actividade profissional que exercia; que sente, em consequência das dores, aborrecimentos e privações, depressões, infelicidade, sentimento de inferioridade e de diminuição das suas capacidades, bem como profundo desgosto pela sua total dependência de terceiros, quer para se mover quer para tratar de outros assuntos; ficou com cicatrizes extensas e notórias…. está condicionado na mobilidade do seu próprio corpo; há manifestamente um dano decorrente de limitação da sua capacidade de afirmação pessoal; há um decréscimo de qualidade de vida, que mais se acentuará com o decurso do tempo, face às limitações de mobilidade e a um previsível acréscimo do grau de dependência em relação a terceiros.
  2. O acórdão do STJ de 4/3/2008, publicado na base de dados do ITIJ sob o nº.08A183, atribuiu a um autor com quase 59 anos, que sofreu uma mudança radical na sua vida social, familiar e pessoal, já que se acha impotente sexualmente e incontinente, jamais podendo fazer a vida que até então fazia, e é hoje uma pessoa cujo modo de vida, física e psicologicamente é penoso, sofrendo consequências irreversíveis, não sendo ousado afirmar que a sua auto-estima sofreu um abalo fortíssimo, 225.000€. Nota-se que os condenados eram pessoas singulares e os factos datavam de 1998.
  3. O acórdão do STJ de 19/06/2008, publicado na base de dados do ITIJ sob o nº. 08B1841, quantificou em 120.000€ os danos não patrimoniais sofridos por uma mulher de 27 anos de idade, que sobrevive com gravíssimos ferimentos, destacando-se a amputação do membro inferior direito, o prejuízo estético e funcional, a afectação sexual, a auto estima, as operações a que teve que se sujeitar, os sofrimentos físicos e psíquicos que teve e continua a ter, as intervenções cirúrgicas, e a IPP de 70% de que ficou a padecer.
  4. O acórdão do STJ de 26/05/2009, publicado na base de dados do STJ/ITIJ sob o nº. 3413/03.2TBVCT.S1, atribuiu 200.000€ por danos não patrimoniais provando-se que, por causa do acidente, ocorrido em Novembro de 2001, o autor, com 29 anos, motorista de pesados ficou, devido às lesões sofridas e às sequelas correspondentes, afectado de uma incapacidade permanente de 100%, necessitando de: usar um par de canadianas (cuja duração é inferior a 1 ano) como auxiliar de locomoção; submeter-se a consultas periódicas de controle do seu sangue, a intervenções cirúrgicas com anestesia geral, internamentos hospitalares, análises clínicas, exames radiológicos, consultas e tratamentos das especia-lidades de Urologia e de Cirurgia Vascular, bem como do foro psicológico e psiquiátrico, nomeadamente em relação ao seu estado de impotência sexual; ingerir medicamentos e tomar injecções penianas relacionadas com o seu estado de total impotência sexual; recorrer a tratamentos de fisioterapia dos seus membros inferiores; suportar as despesas com uma terceira pessoa para o desempenho de tarefas pessoais e diárias, tais como cortar as unhas dos pés, locomover-se, tomar banho.
  5. No ac. do STJ de 27/05/2010 (8629/05.4TBBRG.G1.S1), referido pelo de 2012, fixou-se em 60.000€ a compensação relativa a sinistrado com 16 anos que sofreu fractura basicervical do fémur esquerdo e traumatismo craniano com perda de consciência. Teve de andar de canadianas três meses e fazer fisioterapia, ficou a apresentar marcha viciosa e marcadamente claudicante, dismetria dos membros inferiores, báscula da bacia com rotação e maior saliência da anca esquerda, desvio escoliótico com dor na palpação lombar, atrofia dos nadegueiros à esquerda, atrofia da coxa e da perna esquerdas e marcada rigidez a anca esquerda. Ficou ainda com incapacidade para corrida, para se ajoelhar e adoptar posição de cócoras, dificuldade marcada na permanência de pé, alterações sexuais devido às dificuldades de posicionamento, impossibilidade de poder praticar desportos que impliquem esforço físico, sensação de tristeza, vergonha e revolta bem como frustração e medo no contacto com o sexo oposto. Tem necessidade de nova intervenção cirúrgica, de continuar a fazer fisioterapia, de adaptação automóvel para poder conduzir, não frequenta da praias pela dificuldade em caminhar na areia e pela vergonha de exibir o seu corpo, não frequenta piscinas, não participa em jogos de futebol e está impossibilitado de carregar pesos. Era alegre e extrovertido e passou a ser mal-humorado e agressivo, com pesadelos frequentes, insónias e tendências para o isolamento, lendo e escrevendo com dificuldade.
  6. No ac. do STJ de 07/10/2010 (370/04.1TBVGS.C1) referido pelo de 2012, fixou-se a compensação em 50.000€ relativamente a uma pessoa de 29 anos que sofreu várias fracturas e um traumatismo crâneo-encefálico, com inerentes dores (de grau 5 numa escala até 7); esteve hospitalizado duas vezes, foi sujeito a intervenções cirúrgicas e a tratamento em fisioterapia; teve de se deslocar, por longo tempo, com o auxílio de canadianas; ficou, como sequelas permanentes, com cicatrizes na perna, claudicação da marcha, dificuldade em permanecer de pé, em subir e descer escadas e, bem assim, impossibilitado de correr e praticar desporto que antes praticava; passou, de alegre e comunicativo, a triste, desconcertado e ansioso.
  7. No ac. do STJ de 02/03/2011 (1639/03.8 TBBNV.L1 da base de dados do ITIJ) sumariou-se: IV. É justo atribuir uma indemnização de 400.000€ por danos morais à lesada que, com 19 anos de idade, por força do embate de uma árvore na viatura onde seguia, ficou com diversas e muito graves lesões, de entre as quais se salienta a fractura de vértebras, com instalação irreversível de tetraplegia, sofrendo de diminuição acentuada da função respiratória e de incapacidade funcional permanente de 95%, com incapacidade total e permanente para o trabalho; a partir da data do sinistro e durante cerca de um ano, foi alimentada através de um tubo gástrico introduzido pelas narinas e, na sequência de gastrotomia a que teve de ser submetida em resultado de uma fístula esofágica alta que sobreveio a uma intervenção cirúrgica, alimentada através de uma sonda introduzida no corte cirúrgico, na zona do estômago; foi submetida a várias intervenções cirúrgicas e ficou com múltiplas e extensas cicatrizes deformantes; as lesões sofridas, os seus tratamentos e suas sequelas provocaram dores lancinantes; desloca-se em cadeira de rodas e necessita de assistência permanente de pessoa nos actos da vida diária, sendo que, para certos actos (tais como, tomar banho e defecar) carece da ajuda de mais uma pessoa; perdeu todos os movimentos e sensibilidade do pescoço para baixo (com excepção dos ombros), designadamente nos órgãos sexuais, nos esfíncteres, no ânus, no recto, nos intestinos, no estômago, no aparelho urinário, no respiratório e nos membros inferiores e superiores; corre o risco sério de vir a sofrer graves lesões renais; tem a sua expectativa de vida encurtada; não pode ter relações sexuais, nem prazer sexual, nem procriar; vive em permanente estado de amargura, desespero e angústia, inconformada com a sua situação e perdeu a vontade de viver e muitas vezes tem pedido que lhe ponham termo à vida (este acórdão recenseia cerca de uma dezena de casos muito graves, três deles com indemnizações de 250.000€ por danos não patrimoniais…).
  8. O ac. do STJ de 12/12/2013, 105/08.0TBRSD.P1.S1, considera que “não é excessiva uma indemnização de 150.000€, calculada como compensação equitativa dos relevantíssimos danos não patrimoniais, decorrentes de lesões físicas gravosas e altamente incapacitantes, culminando na amputação de membro inferior do lesado, determinando uma IPG inicial de 50% e a incapacidade definitiva para qualquer trabalho, com absoluta e permanente dependência de terceiros para a realização das actividades pessoais diárias, envolvendo degradação plena e irremediável do padrão e qualidade de vida do lesado [tratava-se também de uma senhora que foi abalroada por um veículo contra um muro, senhora essa com 58 anos de idade e que também não trabalhava].
  9. O acórdão anterior lembra o ac. do STJ de 23/10/2008, 08B2318, segundo o qual, em situações limite de numerosas lesões físicas, de elevada gravidade e sofrimento para o lesado, acarretando profundíssimos sofrimentos e sequelas, o valor indemnizatório arbitrado como compensação dos danos não patrimoniais não tem como limite as quantias geralmente arbitradas a título de compensação da lesão do direito à vida, podendo excedê-las substancialmente (arbitrando-se à lesada, no verdadeiro caso limite aí debatido, indemnização no montante de 180.000€);
  10. Bem como o ac. do STJ de 07/10/2010 (839/07.6TBPFR.P1.S1) em que se decidiu – também perante um verdadeiro caso-limite, pela extrema gravidade das sequelas das lesões sofridas pelo sinistrado, – que não é excessiva uma indemnização de 150.000€, calculada como compensação dos danos não patrimoniais, decorrentes de lesões físicas gravosas e absolutamente incapacitantes ,envolvendo uma IPG de 80% e a incapacidade definitiva para qualquer trabalho, com absoluta dependência de terceiros para a realização das actividades diárias e necessidades de permanenteassistência clínica, envolvendo degradação plena e irremediável do padrão de vida do lesado;
  11. E ainda o ac. do STJ de 16/02/2012, 1043/03.8TBMCN.P1.S1, em que se decidiu que: Tendo – além do mais descrito no elenco factual – ficado definitivamente dependente de terceira pessoa para o que constitui o mais elementar da vida, como movimentar-se – com necessidade de cadeira de rodas – comer, vestir-se, calçar-se, tratar da sua higiene e efectuar as necessidades fisiológicas e tendo ainda ficado com dificuldade em articular palavras e incontinente, seria adequado o montante de 200.000€ relativo à compensação pelos danos não patrimoniais. Pretendendo ele, em sede de recurso, apenas 150.000€ é de conceder tal quantia, considerando-a já depois do que seria de abater em virtude da repartição do risco acima referida;
  12. O ac. do STJ de 11/02/2014, 855/10.0TBGDM.P1.S1, considera justificada a indemnização de 100.000€, atribuída pela Relação (e não de 50.000€ fixada pela 1.ª instância), por danos não patrimoniais, a pessoa que, por virtude de acidente de viação, aos 47 anos de idade perde a perna esquerda, tem de usar uma prótese para o resto da vida, não pode correr e caminha com esforço, com défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, fixável em 50 pontos percentuais, sente-se diminuído, triste e angustiado, foi submetido a várias intervenções cirúrgicas, sofreu dores em grau 5, numa escala de 7, um dano estético fixável no grau 4, numa escala de 7 e no que respeita à repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer, um défice fixável em grau 5, numa escala de 7;
  13. No ac. do STJ de 07/05/2014 (436/11.1TBRGR.L1.S1) decidiu-se que relativamente a pessoa de 25 anos que sofreu lesões que demandaram período longo até à estabilização; ficou com paralisia parcial, com parestesias nos dedos da mão esquerda, na metade esquerda dos líbios, hemilíngua e hemiface esquerda; passou a sentir dormência na cara e ponta dos dedos e lado esquerdo, com dificuldades em comer e mastigar principalmente do lado esquerdo; perdeu força na mão, braço e perna esquerdas; tem desequilíbrios na perna esquerda; abandonou o desporto e da dança; sofre irritabilidade, insónias, alguma perda de memória e coordenação de ideias, tendo momentos de grande depressão e ansiedade; ficou com duas cicatrizes de  6X2 cm na face anterior duma das pernas, não indo, por isso, à praia, nem usando calções e saias; é adequado o montante compensatório relativo aos danos não patrimoniais de 80.000€;
  14. No ac. do STJ de 07/05/2014 (1070/11.TBVCT.G1.S1) decidiu-se que tendo o autor sofrido lesões graves, que demandaram cerca de um mês de internamento hospitalar em regime acamamento e ficado com perdas de memória, necessidade da orientação, parestesias na região malar esquerda e pé esquerdo, síndrome subjectivo pós comocional, com insónias, irritabilidade e perturbação com o barulho, cicatriz na região malar esquerda de 3 cm e limitação na elevação do braço esquerdo, é adequado o montante compensatório, por danos não patrimoniais, de 60.000€.

            No caso dos autos, a situação concreta do autor pode sintetizar-se assim: acidente em 08/10/2008, múltiplas fracturas e lesões em todo o membro superior direito, quatro intervenções cirúrgicas num espaço de cerca de 17 meses, pelo menos 3 semanas de internamento intervaladas, tratamentos ambulatórios regulares de cerca de 20 meses; período indeterminado de deslocação com canadianas; dependência de terceiros para as suas deslocações durante um período de tempo indeterminado; várias e visíveis cicatrizes em todo o membro superior direito; um encurtamento da perna direita de 1,50cm, que o obriga a utilizar palmilha ou calçado especial, que tem que ser feito à medida/adaptado, para compensar o encurtamento da perna e permitir que possa caminhar normalmente. Actualmente (três danos depois do acidente, data da petição) continua a sentir dores; no momento do acidente e durante os vários internamentos e tratamentos hospitalares, sentiu dores, que persistiram durante a reabilitação; na data do acidente, as dores eram tão fortes que o autor enquanto estava na ambulância para ser transportado para o Hospital teve de ser injectado com morfina; por causa do acidente o autor deixou de trabalhar, tendo estado de baixa médica desde 08/10/2008 até 18/09/2010; foi-lhe atribuído, por virtude das sequelas que o afectam em resultado do acidente, um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 14 pontos, com possibilidade de agravamento futuro; ficou também a sofrer de amiotrofia da coxa de 1,5cm; engrossamento acentuado do tornozelo, com limitação da dorsíflexão (faz 10°) e da flexão plantar (faz 20°); rigidez muito acentuada nos movimentos de eversão/inversão do pé; diminuição da força muscular do pé (grau 4+/5); encurtamento clínico do membro (2,5cm); as dores impedem-no de estar muito tempo de pé; padeceu de um défice funcional temporário total de 60 dias e um défice funcional temporário parcial de 582 dias; foi-lhe atribuído um quantum doloris de 5 pontos, numa escala que vai até 7 pontos; o dano estético permanente que o afecta foi fixado em 4 pontos, numa escala que ascende a 7 pontos.

            Ora, comparando este caso com os sintetizados acima, vê-se que o montante indemnizatório adequado é de 50.000€ (por exemplo, o caso 6, que fixou este valor, não se diria mais grave do que o dos autos; vários outros casos, com indemnizações de perto de 3 ou 2 vezes de maior valor, reportam-se a casos que se podem dizer, grosso modo, 3 ou 2 vezes mais graves).

            A seguradora é responsável por 50% desse valor, ou seja, por 25.000€.

                                                      *

            Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, revogando-se a sentença recorrida na parte em que absolveu a ré do pedido, e substituindo-a por esta em que se condena a ré a pagar ao autor:

            – a título de danos patrimoniais, 19.645,36€ (= 302,05€ +24,33€ + 53,33€ + 1000€ + 29,70€ + 1588,38€ + 16.647,57€), com juros de mora legais a contar da citação (07/10/2011) até pagamento.

            – a título de danos não patrimoniais, 25.000€, com juros de mora legais a contar deste acórdão até pagamento;

            Custas do recurso e da acção pelo autor em 51,77% (sem prejuízo do concedido apoio judiciário) e pela ré em 48,23%.

            Porto, 15/10/2015

            Pedro Martins

            1º Adjunto

            2º Adjunto