Processo do Juízo de Execução de Sintra

              Sumário:

              Enquanto no regime jurídico da injunção não estiver previsto, entre o mais, que a notificação do requerido seja feita como a citação pessoal nos termos da parte geral do CPC e com a advertência de que ficam precludidos todos os meios de defesa que ele devesse ter deduzido na oposição, é possível deduzir oposição, na subsequente execução baseada na injunção, com todos os meios de defesa que possam ser invocados no processo de declaração (artigos 550/2-b e 857/1 do CPC, conjugados com a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatório geral feita pelo acórdão do TC 264/2015, de 12/05/2015, publicado no DR 1.ª série, de 08/06/2015).

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

             

             A 15/06/2016, J requereu uma injunção R, sem domicílio convencionado, residente na Rua A, em B, para que fosse notificado para lhe pagar 6600€ de capital (e ainda outros valores, de honorários e taxas de justiça), acrescidos de 1098€ de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, vincendos desde então, sendo o capital respeitante às rendas vencidas e não pagas de um contrato de arrendamento, celebrado entre eles, relativo a um prédio urbano sito na C, D, com o valor mensal de 400€, assim discriminadas: 1000€ pelas rendas de Setembro, Outubro e Novembro de 2009, 2200€ pelas rendas de Fevereiro, Abril, Maio, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2010, e 1200€ pelas rendas de Janeiro, Fevereiro e Março de 2011, acrescidas de uma indemnização no valor de 50% desse valor (artigo 1045 do Código Civil).

          A 20/06/2016 foi enviada uma carta registada com a/r para notificação do requerido na sua residência, cujo aviso de recepção foi assinado pelo próprio a 29/06/2016 (fls. 18 e 18v do processo em papel deste recurso em separado).

            Não tendo o requerido deduzido oposição, a 29/06/2016 foi dada força executiva ao requerimento em causa.

            A 16/12/2016, o requerente instaurou uma execução contra o requerido (indicando a mesma residência), para pagamento daqueles valores e juros acrescidos.

        A 10/10/2017, com apoio judiciário, o agora executado veio deduzir oposição à execução, excepcionando a prescrição das rendas, por já estarem vencidas há mais de 5 anos reportados a Março de 2016, quando a injunção foi requerida a 15/02/2016, (artigos 303 e 310/-b do Código Civil) e, ao abrigo do art. 729/-a do Código de Processo Civil, a nulidade de título executivo já que não teria sido notificado para a injunção; disse ainda ter pago todas as rendas e ter entregue o locado em Dezembro de 2010.

         A 15/11/2017, o exequente contestou, impugnando os factos alegados pelo executado e contra-excepcionou, alegando e juntando prova do a/r da notificação referida acima e invocando o novo prazo de prescrição de 20 anos por força do êxito da injunção, sem oposição apesar da notificação (art. 311/1 do CC).

         A 27/09/2018 foi proferido saneador-sentença, julgando improcedente a excepção da nulidade do título executivo, por ter havido notificação para a injunção e procedente a excepção de prescrição das rendas vencidas até Março de 2011. 

        O exequente vem recorrer deste saneador-sentença, alegando o seguinte (em síntese deste TRL):

      Por força dos arts. 731 e 729 do CPC, a contrario sensu, na oposição à execução baseada em requerimento de injunção, apenas é possível deduzir fundamentos de defesa elencados no art. 729 do CPC, ficando de fora todos aqueles que o executado poderia ter usado na oposição à injunção e não usou, nomeadamente, e com interesse para os presentes autos, a invocação da prescrição dos créditos exequendos, sob pena de se inutilizar qualquer efeito cominatório que a falta de oposição à injunção devesse produzir.

         Por isso e como o requerido foi devidamente citado (através de carta registada com a/r assinado pelo próprio) na injunção e não deduziu oposição, não pode agora, na execução da injunção deduzir os meios de defesa que podia deduzir naquela e não deduziu.

         O mesmo decorre do art. 311/1 do CC, porque este equipara à sentença outro ‘título executivo’; ou seja, a não dedução de oposição à injunção provocou um efeito preclusivo do direito a invocar a prescrição na medida em que, tendo havido formação de título executivo, a obrigação que lhe está adjacente, ficou sujeita ao prazo de prescrição de 20 anos por força do disposto no art. 311/1 do CC, e não o invocado pelo embargante de 5 anos, pelo que não poderia proceder a alegada excepção de prescrição invocada.

                   O executado, apesar de notificado das alegações, não contra-alegou.

                                                                 *

              Questões que importa decidir: a prescrição das rendas vencidas até Março de 2011.

                                                                 *

              Os factos que importam à decisão desta questão são os que constam do relatório deste acórdão.

                                                                 *

               Decidindo:

              O art. 311/1 do CC diz que “o direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.”

         A fórmula executória aposta num requerimento de injunção só seria título executivo efectivo, se não fosse possível deduzir, contra a execução instaurada com base nela, fundamentos de oposição que não tivessem sido oportunamente deduzidos na oposição à injunção.

              Ora, não é esse o caso, porque a execução baseada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta a fórmula executória segue a forma do processo sumário, por força do art. 550/2-b do CPC, vigorando neste as normas do art. 857 do CPC, entre elas as do n.º 1, que iria naquele sentido, porque diz que nesse caso “apenas podem ser alegados os fundamentos de embargos previstos no artigo 729, com as devidas adaptações”, mas essa norma foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, quando assim interpretada, “por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no art. 20/1 da Constituição da República Portuguesa”, pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 264/2015, de 12/05/2015, publicado no DR 1.ª série, de 08/06/2015.

            Assim, por força desta declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, que os tribunais têm de acatar, não é, face ao actual regime jurídico da injunção, admissível limitar os fundamentos de oposição a uma execução baseada num requerimento de injunção apenas àqueles que também seria possível deduzir contra uma sentença. Ou, dito nos termos de Miguel Teixeira de Sousa, “desta declaração resulta que deixou de poder ser aplicável na execução qualquer preclusão quanto às excepções invocáveis pelo requerido (agora executado) no anterior procedimento de injunção.”, “[…] condena[ndo] a injunção ‘nacional’ à completa inutilidade […].”

              (no https://dre.pt/lexionario/-/dj/115065375/view sintetiza-se assim aquela força obrigatória geral: “No que concerne à Justiça Constitucional, a expressão “força obrigatória geral” consta do n.º 1 do art.º 282.º da CRP e sinaliza três tipos de efeitos: i) A nulidade da norma inconstitucional ou ilegal que supõe, não só, a sua expulsão da ordem jurídica, mas também a eliminação de todos os efeitos passados que tenha produzido desde a sua origem ou desde a ocorrência do vício (com preservação do caso julgado e das situações previstas no n.º 4 do art.º 282.º da CRP), retomando automaticamente a vigência a norma jurídica revogada pela norma inválida; ii) A força de caso julgado, que impossibilita que a declaração de invalidade possa vir a ser recorrida ou reapreciada no mesmo processo ou em outros processos com igual objeto; iii) A eficácia “frente a todos” que se traduz na necessidade de acatamento da decisão por todas as autoridades públicas (legislador, administração e tribunais) e por todos os cidadãos”)

              Assim sendo, não precludem os fundamentos que podiam ter sido deduzidos numa oposição à injunção, como por exemplo, a prescrição do direito.

              Isto compreende-se porque, entre o mais, a notificação do requerido não contém a advertência de que tais fundamentos precludem se ele não os deduzir em oposição à injunção (para além de que não é feita obrigatoriamente “por algum dos meios por que se admite, na parte geral do CPC, a citação pessoal”, apesar de, no caso, o ter sido).

              (neste sentido, especialmente, Lebre de Freitas, A acção executiva, 7.ª edição, Gestlegal 2017, págs. 208 a 210, 431 e 432, e Marco Carvalho Gonçalves, Lições de processo civil executivo, Almedina, 2016, págs. 209 a 220; num sentido crítico, também Miguel Teixeira de Sousa, no blog do IPPC, em 31/07/2018, Jurisprudência estrangeira (31); 04/01/2016, Declaração de inconstitucionalidade do art. 857.º, n.º 1, CPC: impõe-se uma ressalva para a injunção europeia?; 14/12/2015, Injunção requerida contra um único dos cônjuges: quais as consequências na posterior execução? (2); 07/12/2015, Injunção requerida contra um único dos cônjuges: quais as consequências na posterior execução?; 16/05/2015, Regime da injunção: um País, uma Europa, dois sistemas?; 15/05/2015, Jurisprudência constitucional (35); 10/12/2014, Jurisprudência constitucional (17); e Rui Pinto, Notas ao CPC, vol. II, 2.ªedição, 2015, Coimbra Editora, págs. 419 a 422)

              Daí que, a proposta de alteração do CPC, apresentada pelo respectivo grupo de trabalho (e publicitada pelo Prof. Miguel Teixeira de Sousa no blog do IPPC – 10/05/2019, Informação (252), Alteração ao CPC, e em 17/05/2019 Alteração ao CPC (7), com os links para a proposta de lei 202/XIII e para proposta do grupo de trabalho – incluindo também a notícia de que já foi aprovada em conselho de ministros) preveja agora, no regime da injunção, art. 13/1-b, que a notificação do requerido deve conter [a advertência] da preclusão [do efeito cominatório] resultante da falta de tempestiva dedução de oposição, nos termos previstos no artigo 14.º-A, dizendo este, sob a epígrafe ‘efeito cominatório da falta de dedução da oposição’ que: 1 – Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 225.º do CPC e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados […]” dando-se o seguinte esclarecimento para a alteração proposta: Procura consagrar-se, com bastante prudência, algum efeito preclusivo em sede de invocabilidade dos meios de defesa, no âmbito dos embargos de executado, por parte do requerido em injunção que não deduziu oposição ao requerimento, procurando obviar às razões que levaram o TC a considerar inconstitucional o anterior e o actual regime. Nesta sede, são essenciais dois aspectos: – acentuar a vertente garantística da notificação do requerido, susceptível de ocasionar um efeito preclusivo quanto a meios de defesa, invocáveis no âmbito da posterior execução; – desvincular esta problemática da tipificação dos fundamentos dos embargos na execução sumária, feita por remissão fundamental para a execução de sentença. Para além da indispensabilidade de uma advertência ao requerido da sujeição a este efeito preclusivo, limita-se a produção deste aos casos em que a notificação se fez por algum dos meios por que se admite, na parte geral do CPC, a citação pessoal, maxime, a carta registada com A/R ou a citação por contacto pessoal com mandatário ou agente executivo. E daí que, se proponha, a seguinte nova redacção para o artigo 857: Fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção: Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem ainda invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do art. 14.º-A do Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro.

              (segundo o mesmo Professor – o que também é informado pelos outros autores referidos acima – “do pacote legislativo entregue em 15/12/2011 pela Comissão de Revisão do Processo Civil constava uma reformulação do regime da oposição à execução baseada em injunção (aliás, em termos ainda mais restritivos do que aqueles que se encontram no actual art. 857.º CPC), mas também constava uma proposta de reformulação do RPOP na qual se propunha uma aproximação da notificação do requerido ao regime da citação do réu e, à semelhança do disposto no art. 12.º, n.º 3, Reg. 1896/2006, se enumeravam as informações a transmitir ao requerido. Por razões que não são conhecidas, nos trabalhos posteriores não foi dado seguimento a esta última proposta”)

              A invocação deste regime só não terá sido feita pelo tribunal recorrido devido à frequência com que tal questão surge e pelo cansaço de estar a repetir sempre as mesmas coisas (já que a declaração de inconstitucionalidade já data de há 4 anos). E também isto terá justificado que o executado não tenha contra-alegado.

                                                                 *

              Assim sendo, não precludindo os fundamentos que podiam ter sido deduzidos numa oposição à injunção, no caso a prescrição do direito, o tribunal decidiu bem ao considerar prescritas as rendas em causa, que são todas anteriores a Março de 2011, sendo o requerimento de injunção de Junho de 2016, isto é, mais de 5 anos depois (sendo este o prazo de prescrição: arts. 310/-b e 304/1, do CC), não tendo até lá ocorrido qualquer acto interruptivo da prescrição (art. 323 do CC).

                                                                      *

              Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.

              Custas, na vertente de custas de parte (não há outras), pelo exequente (porque foi ele que perdeu o recurso).

              Lisboa, 27/06/2019

              Pedro Martins

              1. º Adjunto  

              2.º Adjunto