Processo do Juízo de Execução de Loures – Juiz 3

              Sumário:

              I- Uma petição de embargos supervenientes que apenas contém um conjunto de considerações gerais e abstractas sobre vários institutos jurídicos, sem qualquer tentativa de alegação dos factos concretos necessários à aplicação desses institutos ao caso dos autos, é, como foi decidido, manifestamente improcedente.

           II- Os embargos supervenientes não devem ser recebidos se tiverem sido deduzidos fora do prazo de 20 dias a contar do dia em que ocorreu o facto que o executado invoca como fundamento da oposição ou do dia em que dele tenha conhecimento o executado (arts. 732/1-a e 728/2, ambos do CPC).

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

              A 15/07/2009, o B requereu uma execução contra, para além de três outros, E, para também dela obter o pagamento de 96.658,56€ de capital, 17.244,16€ de juros de mora (com penalizações), mais 4837,60€ de despesas judiciais e extrajudiciais, no total de 118.740,32€, tudo relativo a dois mútuos bancários hipotecários celebrados em 26/11/2003, no valor de 96.000€ + 6500€ e que tinham deixados de ser pagos desde Janeiro de 2007 (junta os contratos invocados).

              Depois de, na execução, o imóvel hipotecado ter sido vendido em 10/05/2017, pelo valor de 58.900€ (previamente fixado pelo Agente de Execução), do que a executada foi notificada por carta enviada pelo AE com a mesma data (tal como já tinha sido notificada da modalidade da venda por carta registada de 18/01/2017), e de lhe ter sido notificada a 18/10/2017 a penhora de salários para pagamento da quantia exequenda sobrante, a executada veio, a 27/12/2017, deduzir oposição à execução, invocando a falta de citação de um alegado co-proprietário [não se diz de quê], dito C [que não é nenhum dos outros executados], a falta de citação pessoal de um co-executado [não identificado] e a nulidade da citação de um citando [não identificado] e a falta de citação do executado [não identificado] – no fim resume tudo a falta de citação, sem mais nada, nem sequer a identificação da pessoa que faltava citar – e a extinção da dívida com a venda do bem hipotecado (por valor inferior ao da avaliação), que no fim transforma em renuncia ao direito de exigir o pagamento do que quer que seja.

              Nesta parte da extinção da dívida, no meio de uma série de generalidades sobre a boa-fé, pacta sunt servanda, base do negócio, equivalência de prestações, alteração de circunstâncias, proibição de autodefesa, princípio e garantia de acesso aos tribunais, direito de acção judicial, abuso de direito, venire contra factum proprium, supressio, surrectio, tu quoque, nulidades do negócio jurídico por indeterminabilidade do objecto, etc., diz o seguinte com alguma conexão com o caso dos autos:

         Para garantia dos pagamentos foi efectuada uma hipoteca a favor da exequente de valor inferior ao da avaliação efectuada pelo banco; a exequente efectuou a referida avaliação através de um engenheiro ficando claro entre as partes que tal avaliação seria válida entre as partes para todos os efeitos, ou seja, foi efectuada de forma regular e nenhuma das partes a poderia questionar; a boa-fé faz com que tal valor deva permanecer imutável, não sendo afectado por eventuais flutuações do mercado habitacional. Posteriormente a 2007 terão ocorrido flutuações no mercado imobiliário, sendo que sem prescindir do direito a tal avaliação em 112.000€ [a executada não diz onde é que este valor consta, ficando a dúvida, que não interessa esclarecer, se não se tratará de um simples erro da soma de 96.000€ + 6500€ – parenteses deste TRL] não teve lugar a assinatura entre autora e ré (entidade investidora) de qualquer documento a reduzir o valor da mesma. Bem ao invés, tal valor foi mantido e o mesmo era determinante para que o contrato pudesse ser cumprido por parte da executada. Logo, a manutenção de tal avaliação era essencial entre as partes. Era fundamental que a exequente procedesse ao desconto das prestações hipotecárias que foram efectuadas e que rondam a quantia de 14.000€ (400€ x 36 meses) [a executada não diz onde é que está referido o valor de 400€ e engana-se na multiplicação – parenteses deste TRL]. Em suma, a exequente titular da hipoteca de 112.000€, ciente que a única garantia do pagamento era precisamente o imóvel ao aceitar o valor da venda por 58.000€ deu a sua concordância e manifestamente considerou-se paga do empréstimo na totalidade. Com a venda a exequente renunciou a toda e qualquer outra quantia tanto mais que a avaliação efectuada pela mesma nunca foi posta em causa, ou seja, nunca a executada foi informada de que a hipoteca havia sido reduzida. Logo, com a venda a divida ficou saldada na íntegra. Mais, com a extinção da divida pelo pagamento cessou o direito de a exequente exigir o que quer que seja não se afigurando que tenha legitimidade para prosseguir com a penhora sobre a remuneração.

              A executada notificou directamente os embargos ao advogado da exequente, o qual teve que vir lembrar que os embargos ainda teriam de ser recebidos – se fosse caso disso – pelo tribunal, na sequência do que a executada veio requerer que o tribunal notificasse a exequente para responder ao requerimento e proferisse despacho de suspensão da execução.

              Quanto à arguição de nulidade, a exequente disse o seguinte [transcreve-se na parte que importa]:

         7- Ao contrário do que vem sustentado pela executada, ela foi devidamente citada para a presente execução, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 236 do CPC (anterior CPC) por carta registada com aviso de recepção datada de 15/09/2009, recebida pela executada 17/09/2009, conforme resulta da carta de citação e respectivo A/R que ora se juntam como documento n.º 1 [mas não juntou nenhum documento – parenteses deste TRL]

         8- Ou seja, a executada recebeu a carta de citação e recebeu-a ela própria, pelo que não tem qualquer aplicação ao caso vertente o invocado artigo 240 do CPC invocado pela executada.

         9- Pelo que é falso o alegado pela executada nos artigos 1 a 15 do requerimento sob resposta e, bem assim, erradas as conclusões de facto e de direito aí vertidas.

         10- A executada encontra-se devidamente citada para a presente acção desde 17/09/2009, não tendo invocado, no prazo legal, qualquer irregularidade da citação, pelo que esta se mostra devidamente efectuada e plenamente eficaz.

              Por despacho de 11/12/2018, a questão da falta/nulidade de citação foi indeferida com o seguinte fundamento: o único interessado na observância das formalidades legais relacionadas com o acto da citação é o próprio citando, e não terceiro, seja ou não também demandado no mesmo processo. Basta atender à finalidade que a lei atribui à citação, para concluir isso mesmo, em que se trata, fundamentalmente, de chamar quem foi demandado numa acção a defender-se nela. Naturalmente, a pessoa citada viu serem acautelados os seus interesses, sendo somente esses interesses que a lei visou proteger. Como tal, é manifesto que não assiste qualquer espécie de legitimidade à executada E para arguir vícios da citação de co-executado. Pelo exposto, e sem necessidade de quaisquer outras considerações jurídicas, indefere-se a nulidade da citação arguida pela executada.

              E depois indeferiram-se liminarmente os embargos de executado, bem com a suspensão do prosseguimento da execução, com a seguinte fundamentação (transcreve-se com simplificações e com numeração agora inserida):

         1- Entende a executada que com a venda do direito hipotecado em garantia da dívida exequenda, esta extinguiu-se.

         […]

         2- Ora, os presentes autos foram instaurados em 27/12/2017.

         3- Realça-se que é de 20 dias o prazo para a oposição à execução quando a matéria desta seja superveniente, contado a partir do dia em que ocorra o respectivo facto ou dele tenha conhecimento o executado (artigo 728, n.ºs 1 e 2, do CPC), o que, no caso, coincidiu, pelo menos, com a notificação à executada da penhora do seu salário, depois de já lhe ter sido comunicado o resultado da venda.

         4- É inequívoco que a marcha da tramitação de qualquer acção judicial tende à sua estabilização, impedindo-se, assim, que os efeitos dos actos já praticados possam ser destruídos, a todo o tempo. Daí que a lei estabeleça ónus, a cargo das partes, a cumprir dentro de determinado prazo, sob pena de preclusão ou caducidade.

         5- Assim, no caso, a defesa deduzida revela-se extemporânea, certo que, à data da instauração destes autos, já tinham decorrido mais de 20 dias desde a data em que a executada tomou conhecimento do prosseguimento da execução, com a penhora de novos bens.

         6- Mesmo que assim não se entenda, o certo é que a pretensão formulada revela-se, manifestamente improcedente.

         7- Cumpre, para o efeito, atentar nas normas legais a seguir indicadas.

         […]

         8- Do conjunto destes dados do direito positivo vigente decorre que a hipoteca é um direito real de garantia, que confere ao credor uma causa legítima de preferência, no confronto de outros credores, para ser pago pelo valor pecuniário do bem onerado em garantia.

         9- Trata-se, portanto, de um benefício que é concedido ao credor, em reforço da sua posição jurídica, e não da posição jurídica do devedor, que apenas se pode opor a que outros bens sejam penhorados enquanto não se reconhecer a insuficiência da garantia e, relativamente aos bens onerados, a que a execução se estenda além do necessário à satisfação do direito do credor.

         10- Por outro lado, a lei substantiva prevê as causas típicas de extinção das obrigações, não associando à realização do valor pecuniário do bem onerado a produção, automática e imediata, do efeito extintivo da dívida que garantia, independentemente do seu montante.

         11- Ademais, a lei adjectiva possibilita a penhora de outros bens do devedor logo que se reconheça a insuficiência do bem onerado para atingir o fim da execução, ou seja, o pagamento integral do montante do crédito exequendo.

         12- Assim sendo, não se vislumbra que esgotada a função típica da hipoteca, reconhecida pela lei substantiva (v.g., preferência de pagamento, para segurança da obrigação), o credor esteja inibido de fazer actuar a garantia geral do seu crédito (artigo 817 do Código Civil), penhorando outros bens do devedor, até integral e efectivo pagamento da dívida, já que tal consubstancia apenas e tão só o exercício normal e inteiramente legítimo da sua posição jurídica substantiva e processual (Cf., entre outros, acórdãos do TRL de 11/10/2012, proc. 1417/08.8TCSNT.L1-2; de 29/10/2013, proc. 181/12.OTBMC.L1-7, de 12/12/2013, proc. 23703/09.0T2SNT-B.L1-6, e de 10/11/2016, proc. 2064/09.2 T2SNT.L1-6; e do TRC de 01/03/2016, proc. 133/14.6TBPCV.C1).

         13- Inexiste, pois, nestas circunstâncias, qualquer abuso de direito, certo que a actuação desta figura jurídica é considerada, consensualmente, pela doutrina e jurisprudência, como excecional ou residual, pressupondo uma ofensa patente, clamorosa, flagrante de princípios estruturantes da ordem jurídica, funcionado, assim, como válvula de segurança, de modo a repor desequilíbrios desconformes com a desejável coerência e unidade do sistema jurídico – não produzindo a venda executiva do bem onerado a extinção, total e imediata, da dívida que garantia, a exigência da parte remanescente, não coberta pelo produto obtido, funda-se nas obrigações voluntariamente assumidas através da celebração dos contratos, os quais, como é sabido, devem ser pontualmente cumpridos (Cf.,, entre outros, os citados acs. do TRL de 12/12/2013, proc. 23703/09.0T2SNT-B.L1-6; e do TRC de 01/03/2016, proc. 133/14.6TBPCV.C1).

         14- Realça-se também que, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 252/2 e 437 do CC, o negócio será anulável (ou modificável segundo juízos de equidade), se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, e desde que a exigência das obrigações por elas assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos do contrato (assim, ac. do STJ de 29/06/2010, proc. 258/2002.G1.S1).

         15- Do mesmo modo, os pressupostos do funcionamento do instituto do art. 437 do CC, são, por um lado, a modificação anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a vontade e decisão de contratar, e, por outro, que a exigência do cumprimento pela parte lesada afecte gravemente os princípios da boa fé contratual e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato (assim, ac. do STJ de 23/04/2009, proc. 674/04.3TBCMN.S1)

         16- Ora, e em face das considerações expostas, não se vislumbra, minimamente, que seja essa a situação dos autos.

         17- Finalmente, e ao contrário do que a executada entende, o facto de o exequente não impugnar o valor base do direito hipotecado não equivale a qualquer espécie de remissão da dívida, pelo valor remanescente, nem de renúncia abdicativa ao exercício efectivo do seu direito de crédito por esse valor, inexistindo qualquer comportamento daquele concludente, inequívoco, nesse mesmo sentido.

         18- Do exposto, flui, portanto, que a pretensão formulada pela executada, mesmo que seja considerada tempestiva, é manifestamente inviável.

              A executada recorre destas duas decisões nos seguintes termos:

         Quanto à questão da citação, repete em 17 extensos §§ o que tinha escrito na petição de embargos, sem acrescentar uma linha que seja para rebater a decisão e a fundamentação da decisão de indeferimento da arguição de nulidade.

         Depois escreve 10 extensos §§ com considerações genéricas sobre a fundamentação das decisões judiciais e depois diz: “Em suma, a sentença não fundamenta de facto e de direito como pode sustentar-se que não assiste à ora recorrente o direito de ser citada quando na realidade está a ser vítima de penhora sobre o salário.”

         Depois, pega nos §§ 12 e 13 do despacho recorrido e inverte–lhes o sentido, como decorre da transcrição que se segue, em que as partes sublinhadas, entre parenteses rectos ou rasuradas representam as alterações introduzidas pela executada:

         Contrariamente ao sustentado na sentença recorrida […] esgotada a função típica da hipoteca, reconhecida pela lei substantiva (v.g., preferência de pagamento, para segurança da obrigação), o credor passa a estar inibido de fazer actuar a garantia geral do seu crédito (art. 817 do Código Civil), penhorando outros bens do devedor, até integral e efectivo pagamento da dívida, sob pena de configurar um autêntico abuso de direito não […] consubstanciando […] o exercício normal e inteiramente legítimo da sua posição jurídica substantiva e processual (cf., entre outros, acórdãos do TRL de 11/10/2012, proc. 1417/08.8TCSNT.L1-2; de 29/10/2013, proc. 181/12.OTBMC.L1-7, de 12/12/2013, proc. 23703/09.0T2SNT-B.L1-6, e de 10/11/2016, proc. 2064/09.2 T2SNT.L1-6; e do TRC de 01/03/2016, proc. 133/14.6TBPCV.C1).

         É pois patente, nestas circunstâncias, o abuso de direito, o que em nada é beliscado pelo facto de que a actuação desta figura jurídica ser considerada, consensualmente, pela doutrina e jurisprudência, como excepcional ou residual, pressupondo uma ofensa patente, clamorosa, flagrante de princípios estruturantes da ordem jurídica, funcionado, assim, como válvula de segurança, de modo a repor desequilíbrios desconformes com a desejável coerência e unidade do sistema jurídico – [não] produzindo a venda executiva do bem onerado a extinção, total e imediata, da dívida que garantia, a exigência da parte remanescente, não coberta pelo produto obtido, funda-se nas obrigações voluntariamente assumidas através da celebração dos contratos, os quais, como é sabido, devem ser pontualmente cumpridos (cf., entre outros, os citados acs. do TRL de 12/12/2013, proc. 23703/09.0T2SNT-B.L1-6, e do TRC de 01.03.2016, proc. 133/14.6TBPCV.C1).

         E, depois, de algo que se pode considerar minimamente útil, diz que:

         Aliás, [para comprovar o abuso de direito] basta atentar no facto de a quantia exequenda de 118.740,32€ ultrapassar a quantia mutuada, sem ter em conta as quantias entretanto pagas; e a exequente ter concordado com a venda apenas por 58.900€ – nem sequer exigindo o pagamento do valor da hipoteca – e independentemente de a executada ter sido notificada a verdade é que perante o tribunal pode ter se praticado um acto nocivo e irreparável visto que pouco tempo depois o andar pode ser vendido por um valor superior e assim permanecer um divida que a todo os títulos nunca deveria subsistir.

         Mais, a exequente na hipoteca limitou o valor a exigir em caso de incumprimento ao valor da hipoteca e perguntar-se-á por que razão deixa de estar vinculada ao pacta sunt servanta?

         [repete o § 14 da decisão recorrida e depois diz:]

         Inexiste e não foi invocada qualquer alteração anormal das circunstâncias visto que não existe qualquer quebra do imobiliário e o que a exequente pretende é um enriquecimento abusivo da própria ou do adquirente imediato, através do tribunal, por um meio ilegal.

         [repete o § 15 da decisão recorrida e depois diz:]

         O dar por não escrita a hipoteca […] contraria os limites da boa fé.

         [inverte o sentido do § 17 da decisão recorrida dizendo:] Finalmente o facto de o exequente não impugnar o valor base do direito hipotecado equivale a remissão da dívida, pelo valor remanescente, ou melhor, a uma renúncia abdicativa ao exercício efectivo do seu direito de crédito por esse valor.

              O exequente não contra-alegou.

                                                                 *

              Questão a decidir: se a arguição da nulidade devia ter sido deferida; e se os embargos de executado deviam ter sido recebidos.

                                                                 *

              Os factos que interessam à decisão destas questões são os que constam relatados acima.

                                                                 *

              Decidindo:

Quanto à nulidade

              O requerimento da executada, transcrito acima na parte que interessa, era manifestamente impreciso, podendo servir para se estar a referir a todos os executados e invocando quase todos os vícios possíveis respeitantes à citação de todos eles, mas era suficientemente claro para que se pudesse concluir que não se estava a referir à própria executada (ela fala de co-proprietário, de co-executado e de executado, mas nunca de executada), embora a exequente a tenha entendido neste sentido.

              Perante a decisão do tribunal, a executada vem dizer que a arguição dizia respeito a si e que se estava a referir ao facto de não ter sido citada.

              Ora, perante o que antecede, isto quer dizer duas coisas:

              Primeiro, no que se refere à sua (dela, executada Elisabete) citação, ou falta dela, trata-se de uma questão nova, só agora colocada, pelo que não é objecto do recurso (mas não deixe de se dizer, dado o melindre das questões relativas à citação, que a arguição seria manifestamente improcedente, porque a executada foi notificada de vários actos processuais muito antes da arguição da falta de citação – como se pode ver nas primeiras linhas do 2º§ do relatório deste acórdão -, pelo que, qualquer nulidade da falta de citação estaria há muito ultrapassada/sanada: art. 189 do CPC).

              [o assunto não pode ser mais desenvolvido porque o apenso em separado que constitui este recurso não tem praticamente quaisquer elementos processuais respeitantes à execução; a exequente diz juntar um documento que confirmaria a citação da executada Elisabete, mas, não se sabe porquê, não o juntou; e o histórico electrónico do processo da execução, consultado por este tribunal através do citius não permitiu esclarecer a questão porque até ao ano de 2011 apenas contém o requerimento executivo].

              Segundo: quanto aos outros executados, sendo a eles que se referiu a decisão, não houve recurso. Ou seja, a executada Elisabete não põe em causa que não podia levantar, relativamente a eles, as questões que levantou, nenhuma delas, diga-se, sendo de conhecimento oficioso (arts. 186, 187, segunda parte do n.º 2 do 191, 193, 194 e 196, todos do CPC), o que não foi desenvolvido por não ter interesse, vista a fundamentação do recurso. E com isto também fica afastada a questão da falta de fundamentação da decisão recorrida que, aliás, era manifesto que não se verificava.

                                                                 *

                                         Quanto à extinção da dívida

              A forma como a executada alegou no recurso – por exemplo, invertendo o sentido de parágrafos inteiros da decisão recorrida com o simples acrescento de frases ou expressões e invocando a favor da posição que defende acórdãos que eram citados em sentido contrário pela decisão recorrida, sem ao menos tentar demonstrar que a decisão recorrida os tinha interpretado mal -, põe a nu aquilo que já resultava da petição de embargos. Que as suas alegações eram no essencial simples invocações genéricas de institutos jurídicos, sem quaisquer factos que, provados, permitissem a aplicação de tais institutos.

              Dito de outro modo, é evidente que uma situação de abuso de direito (art. 334 do CC) se pode verificar quando uma instituição de crédito, de um dia para o outro, faz um empréstimo de 1000 para aquisição de um imóvel que vale 1000, e depois, logo a seguir, o compra, no decurso da execução, por 500, apesar de ele ainda valer 1000, para mais se entretanto o mutuário lhe pagou 250, e mesmo assim a instituição de crédito ainda pretende continuar a prosseguir a execução por 500.

              Mas para se chegar a tal conclusão (do abuso de direito) é necessário alegar esses factos.

              Ora a executada não alegava nenhuns factos concretos necessários para o efeito pretendido, sendo que os factos que podiam ser retiradas do processo apontavam em sentido contrário ao do abuso de direito, como é o facto de os empréstimos em causa serem de 2003, o incumprimento datar de inícios de 2007, a execução ter sido instaurada em meados de 2009 e o prédio hipotecado só ter sido vendido em 2017 (sendo que 2 anos e meio de juros acrescidos de sobretaxas representam sempre um valor muito elevado e 14 anos podem representar uma desvalorização significativa do imóvel).

              As afirmações da executada de que a avaliação do imóvel seria válida entre as partes para todos os efeitos, etc., não está sustentada em qualquer cláusula contratual (sendo que o contrato foi reduzido a escrito) invocada pela executada que (i) impedisse que, passados mais de 14 anos, o imóvel fosse vendido pelo valor real de mercado, para a definição do qual a executada podia ter contribuído no decurso do processo, ou que (ii) impusesse que, vendido por preço inferior, tivesse como efeito a renúncia da exequente à obtenção do valor do empréstimo que ficasse a sobrar, ou a remissão da dívida.

              A afirmação (na petição de embargos) de que “era fundamental que a exequente procedesse ao desconto das prestações hipotecárias que foram efectuadas e que rondam a quantia de 14.000€ (400€ X 36 meses)”, não dizia, se se reparar bem, que as prestações efectuadas [naturalmente entre inícios de 2004 e fins de 2006] não tinham sido descontadas, mas apenas que era fundamental que o tivessem sido. A afirmação, feito no recurso, de que “basta atentar no facto de a quantia exequenda de 118.740,32€ ultrapassar a quantia mutuada, sem ter em conta as quantias entretanto pagas” comprova que a executada está só a fazer construções artificiais, porque o que basta é atentar que a quantia exequenda correspondente ao capital em dívida é de 96.658,56€, inferior ao capital emprestado (de 102.500€), pelo que, logicamente, foram tidas em conta quantias pagas. Para além disto, a discussão quanto ao valor da quantia exequenda nunca poderia ser objecto de embargos supervenientes [por tudo isto, não era objecto deste recurso, nem da decisão recorrida, saber se a quantia exequenda terá sido bem calculada, quais os efectivos valores das prestações pagas, etc.]

              O resto do dito pela executada na petição inicial era só, como resulta da expressão utilizada pela executada no recurso (‘em suma”), uma síntese das considerações genéricas tecidas, já analisada.

              Em suma, a petição de embargos era um conjunto de considerações gerais e abstractas sobre vários institutos jurídicos, sem qualquer tentativa de alegação dos factos concretos necessários à aplicação desses institutos ao caso dos autos, pelo que, como se conclui na decisão recorrida, ela era manifestamente improcedente.

              Para além disto, tem ainda razão a decisão recorrida, quando refere que os embargos, supervenientes, eram intempestivos, visto que a executada sabia, pelo menos desde a notificação de 18/10/2017 (da penhora de salários para pagamento da quantia exequenda sobrante) dos fundamentos invocados para os mesmos (ou seja, em termos práticos, de que, apesar da venda do imóvel hipotecado – de que já tinha sido notificada antes -, a execução ia prosseguir para obter o pagamento da quantia exequenda sobrante, que assim não se tinha extinguido com tal venda) e, no entanto, só os deduziu a 27/12/2017, muito para além do prazo de 20 dias previsto no art. 728/2 do CPC.

              Sendo que o controlo deste prazo processual peremptório (levando à extinção do direito de praticar o acto: art. 139/3) é oficioso (como logo resulta do art. 732/1-a do CPC, embora naturalmente dependente dos elementos de facto existentes) – neste sentido, conjugadamente, veja-se Lebre de Freitas com Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2014, págs. 382-383 e 385; Marco Carvalho Gonçalves, Lições de processo civil executivo, Almedina, 2016, pág. 197, com remissão para o ac. do TRP de 01/02/1993, proc. 9210925 (só sumário: O prazo de dedução dos embargos de executado é um prazo de natureza judicial a que se aplica o disposto no artigo 144/3 do CPC [na redacção vigente em 1993… – parenteses deste TRL]); Eurico Lopes-Cardoso, Manual da acção executiva, INCM, 1987, pág. 301); e Rui Pinto, Manual da execução e despejo, Coimbra Editora, 2013, pág. 427, quando diz que a oposição é, no plano material do conteúdo funcional, “um acto de resposta a uma pretensão processual”.

                                                                      *

              Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.

              Lisboa, 12/09/2019

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto