Processo do Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 15

              Sumário:

             I – As decisões da matéria de facto que só são impugnadas no corpo das alegações, não constando das conclusões do recurso, em violação do ónus imposto pelos arts. 635/3 e 4, 639/1 e 640/1-a, todos do CPC, não são objecto do recurso.

           II – Os créditos eventuais não possibilitam a impugnação pauliana enquanto não se constituírem (art. 614/2 do CC, interpretado extensivamente). Como o direito de regresso só se constitui com o pagamento feito por um dos devedores solidários (art. 524 do CC), até lá não existe um direito de crédito que possibilite a impugnação pauliana.

         III- Se não se provam factos que permitam concluir que o acto impugnado – anterior ao crédito – foi realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor (art. 610/-a do CC), nem que na prática desse acto – oneroso – o devedor e o terceiro agiram com a consciência do prejuízo que o acto causaria ao credor (art. 612 do CC), a impugnação não pode proceder.

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

[Omite-se tudo o que aqui se escreveu e o mais que adiante se assinala, por falta de interesse para compreensão da discussão subsequente]

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Da impugnação da decisão da matéria de facto

(A)

              Está hoje estabilizado o entendimento jurisprudencial – com base nos artigos 635/2-4, 639/1, 640/1-a, todos do CPC (o que se terá de demonstrar à frente) – de que nas conclusões têm de constar os concretos pontos da matéria de facto de cuja decisão os recorrentes discordam. Só os pontos de facto concretos constantes das conclusões assim indicados é que são objecto do recurso.

              Por isso, vai-se partir das conclusões do recurso dos autores e só os concretos pontos de facto que constarem das conclusões de forma suficientemente perceptível para a contraparte e para o tribunal, é que será considerado objecto da impugnação da decisão da matéria de facto.

              Não se discutirá, para já, no essencial, dado o emaranhado das conclusões dos autores, qual o relevo que têm estas impugnações da decisão da matéria de facto.

[omitido]

*

              Surpreendentemente, no entanto, no corpo das alegações, os autores ainda escrevem a seguinte página e meia (depois da parte em que fazem a análise da contestação dos réus):

         Assim, concluímos que devem considerar-se por provados o que a sentença considera por não provados pelo recurso à prova indirecta consubstanciada nos indícios que correspondem à prova por presunção judicial.

[omitido]

*

              Esta parte do corpo das alegações tem correspondência com a enumeração das alegações de facto que a sentença recorrida considerou não provadas, como se segue:

[omitido]

              Decisão que o tribunal recorrido fundamentou assim:

[omitido]

              Decidindo:

       Já se disse acima que a jurisprudência, quer das relações quer do STJ, está estabilizada no entendimento de que os recorrentes são obrigados a fazer constar das conclusões do recurso, pelo menos, os concretos pontos de facto que querem impugnar. Isto é, os recorrentes têm de dar, nas próprias conclusões do recurso, pelo menos, cumprimento ao ónus da alínea a do art. 640/1, por força do disposto nos arts. 639/1 e 635/4, do CPC, identificando com precisão os concretos pontos de facto que são objecto de impugnação, sob pena de rejeição da impugnação na parte em que não se cumpra este ónus (é este, o denominador comum, por exemplo, dos acs. do STJ de 27/10/2016, proc. 110/08.6TTGDM.P2.S1, de 03/11/2016, proc. 342/14.8TTLSB.L1.S1, e de 31/05/2016, proc. 1184/10.5TTMTS.P1.S1, mas os dois primeiros exigem, ainda, que as conclusões também contenham a enunciação da decisão alternativa que se propõe).

              Ora, nesta parte do recurso, sendo óbvio que no corpo das alegações os autores estão a pôr em causa as decisões do tribunal recorrido das alíneas (a) a (m) supra transcritas, a verdade é que não há uma linha de texto que seja, nas conclusões, que dê conta dessa impugnação.

              E note-se que o facto de se ter estado a discutir, por exemplo, o ponto (34) dado como provado pelo tribunal recorrido, de que o propósito da venda do imóvel sito em M era o de realizar dinheiro, tal não é a discussão sobre se a intenção dos réus não era a de proceder à verdadeira e efectiva venda dos bens (al. e dos factos não provados). O facto deste TRL não se ter convencido, agora, de que o propósito era aquele, não é o mesmo que se ter convencido, por ter discutido a prova produzida e invocada pelo tribunal recorrido, de que a intenção dos réus não era a de proceder à venda dos bens. É certo que uma coisa está próxima da outra, mas foi alvo de duas decisões distintas, com fundamentações distintas, e os recorrentes, nas conclusões, só puseram, em causa, as decisões dos pontos 32 a 35, 37, 38 e 48, e não a decisão das alíneas (d) a (g) das alegações de facto dadas como não provadas.

              Assim, nesta parte, rejeita-se a impugnação da decisão da matéria de facto que consta das alíneas (a) a (m) da decisão recorrida.

            Neste sentido, por exemplo, o ac. do STJ de 06/06/2018, proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1: Se o recorrente, ao explanar e ao desenvolver os fundamentos da sua alegação, impugnar a decisão proferida na 1ª instância sobre a matéria de facto, pugnando pela sua alteração/modificação, mas omit[ir] nas conclusões qualquer referência a essa decisão e a essa impugnação, essa questão não faz parte do objecto do recurso.

              Tal como o ac. do STJ de 16/05/2018, proc. 2833/16.7T8VFX.L1.S1, onde se diz: I – Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objecto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração. II – Por menor exigência formal que se adopte relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640 do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objecto do recurso. III – Tendo o recorrente nas conclusões se limitado a consignar a globalidade da matéria de facto que entende provada mas sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença e que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpriu o estabelecido no art. 640/1-a-c do CPC, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte.

           De resto, se este TRL aproveitasse esta parte do corpo das alegações para considerar como impugnadas estas decisões da matéria de facto que constituem as alíneas (a) a (m) da decisão recorrida, estaria a sair, claramente, do objecto do recurso e o acórdão seria nulo.

              Assim, por exemplo, o ac. do STJ de 19/06/2019, proc. 7439/16.8T8STB.E1.S1: I – A rejeição do recurso de apelação a respeito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto […] radica[…], atendo-nos propriamente ao conteúdo das conclusões, na falta de especificação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados. […] II – Fazendo-se a delimitação objectiva do recurso em função das conclusões da alegação do recorrente, o tribunal superior acha-se, pois, impedido de apreciar questões que, não sendo de conhecimento oficioso, não se encontrem compreendidas em tais proposições finais, sob pena de incorrer no vício de excesso de pronúncia e, portanto, na nulidade prevista no art. 615/1-d do CPC. III – Tendo a Relação, ao sindicar a matéria de facto, alterado parcialmente o conteúdo de um facto provado sem que qualquer impugnação a tal respeito houvesse sido deduzida, ou qualquer outra razão o justificasse, extravasou indevidamente os seus poderes cognitivos, perpetrando a nulidade referida em II, pelo que a nova redacção desse facto não pode manter-se, impondo-se “repristinar” a sua anterior formulação” [note-se, entretanto, que esta parte do sumário do ac. do STJ não tem correspondência com qualquer parte do conteúdo do acórdão (que nessa parte não terá sido publicado); apesar disso, invoca-se a síntese feita, por corresponder bem às consequências que decorrem das normas citadas e da interpretação das mesmas].

              A rejeição desta impugnação decorreria ainda do seguinte:

         O art. 640/1-a-b do CPC obriga, sob pena de rejeição, a que os recorrentes, ao impugnarem a decisão da matéria de facto, especifiquem os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo da gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

            E, como diz, por exemplo, o ac. do STJ de 11/04/2018, proc. 789/16.5T8VRL.G1.S1 “[n]ão cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto que pretendia impugnar, limitando-se a transcrever as declarações, a mencionar documentos, tomando como referência determinados tópicos que elencou.”

              Ora, no caso, os recorrentes em relação às alíneas (a) a (m) da decisão da matéria de facto, limitam-se, quanto aos elementos probatórios que imporiam decisão diversa da recorrida, a remeter, em bloco, para as presunções judiciais, aliás sem qualquer concretização; relembre-se que eles se limitam a dizer, “assim, concluímos que devem considerar-se por provados o que a sentença considera por não provados pelo recurso à prova indirecta consubstanciada nos indícios que correspondem à prova por presunção judicial.”

              Ora, é óbvio que não há aqui qualquer esforço de indicação da prova concreta que imporia decisão diversa da recorrida em cada uma daquelas alíneas.

              Até porque toda a fundamentação a que os autores recorrem, assim, em bloco, diz respeito à impugnação da decisão da matéria de facto dos pontos 32 a 38 e 48 que tinham acabado de fazer.

              Sendo aliás que pelo menos as alegações de facto dadas como não provadas, por exemplo, em (a), (c), (j) e (l) não poderiam nunca ser provadas com base em presunções judiciais.

       Isto para já não falar no facto de os autores nem sequer se referirem à fundamentação da decisão recorrida (dessas alíneas), para a porem em causa.

             Ou seja, as alíneas (a) a (m) da decisão de facto recorrida não foram indicadas como tendo sido impugnadas nas conclusões do recurso dos autores e no corpo das alegações não consta a indicação dos concretos meios de prova que imporiam decisão diversa da recorrida relativamente a essas alíneas, não tendo, por isso, os autores dado cumprimento aos ónus dos arts. 639/1 e 640/1-a-b do CPC nesta parte que, assim, é rejeitada como objecto de recurso.

                                                                 *

              Lembre-se entretanto, que não há possibilidade de convite ao aperfeiçoamento das conclusões a nível da matéria de facto.

              Solução que é já objecto de uma jurisprudência reiterada do STJ, mesmo quanto à questão da constitucionalidade de tal regime, como se vê, por exemplo, no ac. do STJ de 19/12/2018, proc. 2364/11.1TBVCD.P2.S2: I. De acordo com a jurisprudência reiterada do STJ, não merece censura a decisão da Relação que rejeitou a apelação na parte relativa à impugnação da matéria de facto, por falta de cumprimento do ónus de impugnação (art. 640/1 do CPC) sem previamente ter convidado o recorrente ao aperfeiçoamento das respectivas conclusões recursórias. II. Segundo tal jurisprudência, “o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta aos interessados o acesso ao recurso de forma ilimitada, sendo por isso, conforme à Constituição da República Portuguesa a imposição de ónus para quem impugna a matéria de facto dada como provada pela 1ª instância”.

              Solução contrária a esta seria um convite à, pelo menos, triplicação dos prazos de recurso (um convite de aperfeiçoamento feito pelos tribunais da relação, que normalmente só poderia ocorrer cerca de 2,5 meses depois da interposição do recurso – é este o tempo mínimo normal que um recurso leva a vir até à relação [no caso dos autos, por exemplo, o recurso foi interposto a 11/01/2019 e chegou a este TRL a 25/03/2019] -, implicaria que a parte poderia ir fazendo um recurso da decisão da matéria de facto ao longo desse período – de 2,5 meses -, podendo no prazo normal de 30+10 dias limitar-se a fazer um esboço do mesmo, e depois ainda teria mais 10 dias para o aperfeiçoamento, num total de 30+10+75+10).

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[omitido]

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               Do recurso sobre matéria de direito

               Quanto à simulação:

           Admitindo-se a hipótese de as conclusões do recurso dos autores puderem ser interpretadas como tendo colocado em causa a decisão recorrida quanto ao pedido principal da declaração da nulidade das vendas da vivenda de M e do apartamento de Lisboa, por serem actos simulados – embora os autores digam que pretendem que o recurso seja julgado procedente declarando a ineficácia das vendas, o que aponta em sentido contrário -, diga-se que a simulação pressupõe que se prove a existência de uma divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, que essa divergência exista devido a um acordo entre declarante e declaratário e que se prove a intenção de enganar terceiros (art. 240 do CC).

              Ora, a retirada dos factos 32 a 35, 37, 38 e 48 da enumeração dos factos provados, apenas afastou a possibilidade de se dizer, como a sentença fazia, que se apurou que réus filhos pretenderam, efectivamente, intervir na transacção dos imoveis como compradores, prefigurando os negócios como verdadeiros contratos de compra e venda.

             Mas continua a poder dizer-se que não se provaram factos que permitam concluir pela divergência entre a declaração e negocial e a vontade real dos declarantes, nem a existência de um acordo na base dessa divergência.

                                                                 *

Quanto à impugnação pauliana: 

            A sentença recorrida diz que:

         Os autores – os autores M (entretanto substituído pelos seus herdeiros) e mulher – para poderem impugnar o acto tinham que ser titulares de um crédito contra o réu J (como resulta do art. 610/-a do CC); e acrescenta, por um lado, que estes autores não fizeram qualquer prova segura dos factos tendentes à demonstração de que tinham um crédito contra o réu J, porque invocavam a possibilidade de virem a ter de responder por dívidas da sociedade, quer por efeito de avales prestados no âmbito de empréstimos contraídos pela fábrica (não pelo réu J, saliente-se), quer em sede de processo de reversão de dívidas fiscais ou à segurança social, mas estes não são créditos nem expectativas; quando muito estariam em causa créditos futuros, eventuais ou direitos de regresso, que não assumem densidade suficiente para constituírem os respectivos titulares no direito à acção em sede de impugnação pauliana, não podendo por isso ser considerados credores; e, por outro lado, que é certo que o falecido autor efectuou vários pagamentos a favor ou por conta da empresa; mas não pode esse eventual crédito confundir-se, nem com os valores retirados pelo réu J, nem com eventuais créditos da própria sociedade para com [sic] este último réu. E conclui que procede a excepção de ilegitimidade, no caso, substantiva, pois que falece a estes autores o direito por si invocado.

              Decidindo:

              A verdade, no entanto, é que decorre dos factos pelo menos um direito de crédito de regresso já constituído. É que o autor M liquidou da sua conta, 338.696,28€ dos 500.000€ mutuados à sociedade em 2008, em que eram avalistas os três sócios, entre eles o réu J (ponto 50).

              Ora, quando um de 3 avalistas paga toda a obrigação cambiária que avalizou, terá um direito de crédito comum de regresso contra os outros dois avalistas, na proporção daquilo que tiver pago a mais do que lhe competia, que, salvo se se provarem factos que apontem para proporção diversa, será de 2/3 do valor pago; isto por força dos arts. 47/I da Lei Uniforme das Letras e Livranças, 524 do CC e 100/2 do Código Comercial (neste sentido o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/2012, de 05/06/2012 do STJ – Sem embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, o qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias -, e Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, 2016, Almedina, págs. 127 a 137).

              Ora, como o autor pagou muito mais do que 1/3 que se parte do princípio (art. 516 do CC) ser a parte que lhe incumbia – não se provaram factos que apontem para outra proporção – e o fez necessariamente antes do articulado em que o dizia ter feito (e da sentença…), o direito de regresso já se concretizou.

              Ou seja, até esse momento, o direito de regresso ainda não existia, mas a partir de então passou a existir e, por isso, a partir de então, o titular desse crédito pode exercer a impugnação.

              É também este o regime do crédito sujeito a condição suspensiva, como decorre, por argumento a contrario, do art. 614/2 do CC: o credor sob condição suspensiva apenas pode, durante a pendência da condição, verificados os requisitos da impugnabilidade, exigir a prestação da caução; pelo que, a contrario, depois de verificada a condição, o direito já se constituiu, e ele já pode impugnar (neste sentido, já o ac. do TRL de 04/10/2018, proc. 2318/12.0TBCSC.L1, seguindo a posição de Cura Mariano, Impugnação Pauliana, 2ª edição, Abril de 2008, Almedina, págs. 166 a 170, que, seguindo obra de Maria Paz Ferreira, defende a interpretação extensiva do disposto no art. 614/2 do CC aos credores eventuais, sendo estes, entre outros, “os devedores solidários os quais, na eventualidade de virem a satisfazer essa dívida, ficam sub-rogados no respectivo direito de crédito ou é-lhes atribuído um novo direito de crédito de regresso.”)

            Note-se que a existência deste crédito, que é um requisito essencial da impugnação pauliana do caso dos autos, não foi alegado na petição inicial, mas sim num articulado derivado de um despacho de adequação processual, onde não se deu aos autores a possibilidade de alegarem factos essenciais à procedência da acção. E é certo também que os autores não alegaram este facto devidamente, já que não diziam quando é que tinha ocorrido o pagamento que lhes constituiu o direito de regresso – embora o fizessem mais ou menos por remissão para um documento (18 da “réplica”) – e não impugnaram a decisão da matéria de facto, de modo a que o facto respectivo fosse concretizado.

              De qualquer modo, tendo o facto sido alegado durante o processo e estando provado na decisão recorrida, não tendo sido impugnado – ou posto em causa – por ninguém, é um facto que se tem por adquirido para o processo e, não se sabendo quando ocorreu, tem de ser considerar que foi depois da prática do acto. Se os autores não alegam os factos necessários para lhe ser reconhecido o direito de crédito mais favorável ao preenchimento dos pressupostos da impugnação pauliana, ele só pode ser considerado na modalidade menos favorável (ou seja, como crédito posterior ao acto).

              Assim, está verificado o requisito da existência de um direito de crédito, que se tem de considerar como posterior à prática do acto.

              Sendo que os autores não têm razão quanto dizem que se sub-rogaram no direito de crédito do mutuante dos 500.000€, pois que, como se viu, se trata de um direito de crédito de regresso e este é um direito novo, que só nasce com o pagamento, não no momento da emissão da livrança.

              Sendo o crédito posterior ao acto, os autores teriam que provar que o acto foi realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor (art. 610/-a, parte final, do CC). E não havendo qualquer facto provado que ponha em causa a onerosidade das compras e vendas, teria também de ficar provado que o devedor (réu J) e o terceiro (réus filhos) agiram de má-fé, ou seja, com a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor (art. 612 do CC).

             Ora, da lista dos factos provados não constam os suficientes para se puder concluir que (i) o réu J vendeu – em 2010 e 2011 – os imóveis para impossibilitar a satisfação deste direito de regresso dos autores, constituído depois disso, nem (ii) que os réus pais e filhos tivessem, em 2010 e 2011, consciência do prejuízo que as vendas causavam a estes autores, de que nem sequer se prova que tivessem conhecimento, não se provando sequer, em relação aos réus filhos, que eles tivessem razões para, em 2010 e 2011, saber que a situação da sociedade mutuária fosse de molde a levar ao não pagamento do título cambiário em causa, levando, por isso, à necessidade de serem os avalistas a pagá-lo.

              Assim, a impugnação pauliana tinha de improceder.

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[omitido]

              Lisboa, 12/09/2019

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto