Processo do Juízo Central Cível de Angra do Heroísmo – J3

              Sumário:

             Deve ser indeferida, como o foi, a intervenção principal de um terceiro, requerida pelo executado, quando o terceiro não consta do título executivo como devedor, nem se verifica nenhuma das hipóteses dos artigos 54 e 55 do CPC, nem está numa relação de solidariedade com o executado de modo que se pudesse conceber que a sua intervenção no âmbito da oposição à execução pudesse vir a pôr em causa o título executivo ou a sua eficácia contra o executado.

              Acordam no tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

           C moveu uma execução contra D com o fim de obter dele o pagamento daquilo que lhe tinha emprestado.

              O executado apesar “de reconhecer o título executivo, a existência da obrigação, o encontrar-se a mesma vencida e incumprida, bem como o montante exigido judicialmente”, deduziu oposição, alegando que (continua-se a utilizar a síntese bem conseguida feita pela embargante nas contra-alegações do recurso): o incumprimento se ficou a dever a um terceiro, estranho à relação entre exequente e executado, que, não sendo parte no negócio, nem a título principal nem subsidiário como seu garante, seria responsável pelo incumprimento da parte do embargante no âmbito de relações entre este e aquele terceiro que não concernem à exequente; mormente, que esse terceiro teria tentado ajudá-lo aquando do primeiro incumprimento levando a exequente a renegociar o crédito e a conceder-lhe novas e melhores condições para regularizar os seus pagamentos em dívida e assim cumprir com o inicialmente acordado; por força dessa intervenção informal, aceite pelo embargante, pois benéfica para este, o mesmo teria, afinal, sido prejudicado pois, algum tempo depois, voltou a incumprir; assim conclui que a entidade responsável pelo seu incumprimento é quem teria tentado ajudá-lo mas que, ao fim e ao cabo, tê-lo-ia levado a persistir no incumprimento em que já se encontrava antes; logo, deveria ser essa entidade a pagar a dívida que não havia contraído.

              E, por isso (agora utilizando a síntese feito pelo tribunal recorrido, que ainda corrigiu os erros do requerimento respectivo), o executado veio requerer a intervenção principal provocada [o executado utilizou a expressão chamamento à demanda] do terceiro (Município) [o executado dizia Câmara Municipal], [como associado do executado] alegando, em suma, para o efeito, que só por influência directa da Câmara Municipal, pelo, então, Presidente, com a “promessa” de um contrato de trabalho que nunca se verificou, é que a exequente aceitou o contrato a que faz referência na sua petição inicial, tendo aquele Município, inclusive, procedido ao pagamento à exequente de 32.000€ em 22/02/2016 e de 4997,10€ em 02/11/2016, que serviram para regularizar a divida exequenda.

          Esta intervenção foi indeferida, com a seguinte fundamentação, que se transcreve quase na íntegra:

            A jurisprudência tem considerado – de modo praticamente uniforme – que se a execução deve ser instaurada apenas contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor [e] se não pode ser executado quem no título executivo não figure, daí decorre, lógica e imperiosamente, que não seja admissível a intervenção principal provocada de um terceiro que não figura no título executivo, para se associar a um executado, quer este figure ou não como devedor no título executivo (neste sentido, entre muitos outros, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24/07/1973, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 229, págs. 146-149, e de 15/12/1998, in BMJ 482, págs. 188-191 [com uma anotação, com interesse, de LNLS – parenteses deste TRL]).

            Tal entendimento, funda-se no facto da acção executiva, porque baseada em título executivo que presume a existência e o objecto da obrigação exequenda, não carecer, como a acção declarativa, duma fase de articulados destinados à exposição das posições das partes quanto à definição jurisdicional de direitos e interesses controvertidos.

            Pois, enquanto a acção executiva visa a reparação material, coactiva e efectiva do direito da exequente, pressupondo a prévia solução da dúvida sobre a existência e a configuração do direito exequendo (solução essa dada pelo próprio título de crédito, no qual a obrigação correspondente está estabelecida), a acção declarativa visa a declaração de um direito ou de um facto (neste sentido Anselmo de Castro, Direito de Processo Civil Declaratório, 1981, vol. I, p. 98), ou seja, “obter a declaração judicial da solução concreta resultante da lei, para a satisfação real exposta pela requerente”, em que se pede “que o Tribunal pronuncie a solução jurídica concreta, no caso submetido a julgamento”(cfr. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 1984, p. 69).

            Assim, enquanto na acção declarativa se declara e se dirime o litígio, na acção executiva, impõe-se coactivamente o direito pré-definido, por forma a dar satisfação ao direito definido por um título munido de força executiva, pelo qual se determina o fim, os limites e a legitimidade passiva, nos termos dos referidos artigos 10/5 e 53/1 do CPC.

            Como tal, quanto à intervenção principal na acção executiva, a doutrina entende que a sua admissibilidade só é defensável quanto a pessoas com legitimidade para a acção executiva, pois, de outro modo, o incidente de intervenção iria servir à formação dum título a favor ou contra terceiros, o que não se compadece nem com o fim, nem com os limites da acção executiva (cfr. neste sentido José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 2ª edição, 1997, pág. 115 [≈ pág. 162 da 7.ª edição; mas nas páginas seguintes, até à 167, tem desenvolvimentos, especialmente na pág. 163, embora sem relevo no caso dos autos – parenteses deste TRL;]).

            Também no sentido de defender essa posição, aduz-se que na acção executiva, e por via do chamamento na oposição à execução, o chamado nunca poderia aí ser condenado, não havendo, por isso qualquer efeito útil a salvaguardar através do incidente, pelo que inadmissível é o incidente de intervenção principal na acção executiva.

            No que especificamente concerne ao incidente declarativo constituído pela oposição à execução, tem-se acentuado que não deixa de se tratar de uma acção declarativa na dependência do processo executivo, visando a extinção da execução mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo ou da falta de um pressuposto, específico ou geral, da acção executiva, que, quando procedente, extingue, portanto, a instância executiva, total ou parcialmente, consoante o objecto da oposição e a medida da procedência (cfr. Lebre de Freitas/Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, volume 3º, p. 325).

            Embora estruturalmente autónomo, está ligado funcionalmente ao processo executivo (Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 1977, págs. 47 e 301) e o acertamento que nele se faz, seja de mérito seja sobre pressupostos processuais da acção executiva, serve as finalidades desta (José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 2ª edição, 1997, pág. 160).

            Como tal, consistindo o efeito útil do incidente de intervenção de terceiros em o demandado trazer para o processo, novos réus, que podem ajudá-lo na sua defesa, fácil se torna concluir que o incidente de intervenção de terceiros não é compatível com a acção executiva para pagamento de quantia certa, mesmo na fase de oposição do executado, porque os fins de uma e de outra são inconciliáveis, além do mais porque a acção executiva não comporta decisão condenatória, pressuposto essencial do incidente em análise, como, neste sentido, aponta Salvador da Costa, Os incidentes da instância, p. 137 [= pág. 124 da edição de 1999, a Almedina, parenteses deste TRL].

              O executado recorre deste despacho – para que seja revogado e substituído por outro que defira a requerida intervenção -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

            2- […] o tribunal não analisa quaisquer fundamentos do chamamento, limitando-se, apenas, a julgar a sua não admissão.

            3- É jurisprudência pacífica que “A admissibilidade dos incidentes de intervenção de terceiro no âmbito da acção executiva e respectiva oposição tem que ser analisada em face das circunstâncias do caso concreto, com vista a apurar se, nessas circunstâncias, estão ou não verificados os respectivos pressupostos legais e se a intervenção tem ou não a virtualidade de satisfazer um qualquer interesse legítimo e relevante e ainda se a intervenção implica ou não com a estrutura e a finalidade da acção executiva.” Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra [de 04/06/2013,] proc. 320/10.6TBSRE-B.C1 [o executado, refere ainda, no mesmo sentido, os acs. do TRP de 19/11/2009, proc. 181-C/1995.P1, e o ac. do TRP de 28/04/2008, proc. 0852357].

         4- O art. 551/1 do CPC manda aplicar ao processo de execução “com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a acção executiva”.

         5- Isto porque a oposição é tramitada como se de uma fase declarativa se tratasse, nos seus pontos principais, como se estivéssemos perante uma petição inicial.

         6- Além do mais, a decisão prejudica no todo a defesa apresentada pelo executado, pois, como diz aquele ac. do TRC, a eficácia dessa defesa depende, forçosamente, daquela intervenção, que se mostra “indispensável e necessária à defesa do executado”

         7- O tribunal a quo violou, com a decisão, assim proferida, o disposto nos artigos 316/3 e 551/1 do CPC.

              A exequente contra-alega defendendo a improcedência do recurso, entre o muito mais pelo seguinte:

         7- Dispõe o art. 316/1 do CPC que é lícito a qualquer das partes, ocorrendo a preterição de litisconsórcio necessário, chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado seja como associado da parte contrária.

         8- Ora, no caso vertente, atenta a identificação dos sujeitos da situação jurídica subjacente aos autos estarem identificados no título executivo e de entre eles não figurar o terceiro que o embargante pretende fazer intervir, fácil é concluir que não se verificou qualquer preterição de litisconsórcio voluntário ou necessário.

         9- A legitimidade para intervir afere-se em função do disposto no art. 30, desde logo no seu n.º 3, do CPC e, tratando-se de uma execução baseada em título de crédito, também pelos artigos 47 a 49 da LULL.

         10- Ora, a acção executiva tal como configurada pela exequente não contempla o terceiro visado pelo executado, pois o terceiro não foi parte no contrato de concessão de crédito, nem no título executivo que dá esteio aos presentes autos, logo não faria qualquer sentido demandá-lo visto que inexiste um título contra o mesmo. Acresce que, mesmo que aquele figurasse no título, ainda assim, a regra da solidariedade dos co-obrigados por uma letra, livrança ou cheque, dispensaria o exequente de os demandar a todos em simultâneo.

         11- Pelo que não há qualquer preterição de litisconsórcio, seja em que modalidade for, nem questão alguma se levanta quanto à legitimidade das partes originais nos presentes autos, quer no processo principal, quer no incidente declarativo de embargos (neste a única relação cuja controvérsia seria juridicamente relevante é a entre embargante e embargada e, para mal do embargante, nem controversa é).

         12- Dispõe o art. 316/3[-a do CPC] que é ainda possível a intervenção provocada de terceiros quando se mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsórcios voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida (o que no caso não tem aplicação) e, alínea b), quando se pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor, o que ao caso também não se aplica dado que o executado não pretende exercer um direito contra o exequente juntamente com um terceiro, o que pretende é demonstrar que não cumpriu a obrigação para com aquele por culpa de um terceiro e não por um direito que partilhe com este.

         13- Por seu turno, o art. 317/2 do CPC aplica-se apenas aos co-devedores solidários, pelo que não tem aqui, pelas razões supra expostas, qualquer aplicabilidade.

         14- Os embargos, por seu turno, têm por fito legal configurar uma defesa do executado contra o exequente, podendo aquele impugnar, nos termos do disposto no art. 731 do CPC, verbi gratia, o título executivo, a própria existência da obrigação, quer desde o seu início quer desde momento posterior, por pagamento total ou parcial da mesma, quer por se verificar, desde logo, entre os devedores originais, situações passíveis de constituírem excepções legítimas ao cumprimento da obrigação.

         15- Expectável seria, portanto, que o autor dos embargos se movesse nesse campo, invocando contra o credor excepções que lhe fossem oponíveis. Ora, no caso vertente, a obrigação não contempla terceiros em aspecto algum, sendo que o embargante alega ter sido ajudado pela edilidade praiense, através duma declaração de intenções relativamente a um contrato de trabalho cujo salário o ajudaria a cumprir com a obrigação já em situação de incumprimento e em fase de execução judicial (situação, aliás, banal na banca).

         16- Não se descortinam, pois, razões para a intervenção do município praiense e, muito menos, para a responsabilização deste pelo incumprimento do executado ou para, tendo em conta o desiderato dos embargos, afectar de algum modo a obrigação exequenda extinguindo a execução ou alterando-a.”

                                                                 *

              Questão que importa decidir: se devia ter sido admitida a intervenção principal provocada.

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              Os factos que interessam à decisão daquela questão são os relatados.

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              Decidindo:

              O despacho recorrido resolve a questão de forma correcta e com fundamentação suficiente e, para mais, é complementado pelas contra-alegações de recurso da exequente, sendo que o conjunto não deixa a mais pequena dúvida sobre a correcção da solução.

              Pois que é certo que o terceiro invocado pelo executado não está em nenhuma situação litisconsorcial (seja ela perfeita ou imperfeita) com ele, o que logo afasta a aplicabilidade das normas do art. 316/1-3-a do CPC, para além de que (i) mesmo que o terceiro fosse devedor solidário, o exequente poderia demandar apenas o executado (art. 518/1 do CC – no entanto, veja-se Teixeira de Sousa que admite que o devedor solidário possa provocar a intervenção principal de outro devedor solidário, desde que ele conste do título: A acção executiva, Lex 1998, págs. 152-153) e de que (ii) não existe título executivo contra o terceiro, o que lhe retiraria legitimidade por força do art. 53/1 do CPC, que não seria reposta por qualquer das hipóteses dos arts. 54 e 55 do CPC.

              E, por isso, também a intervenção do terceiro na oposição à execução não poderia ter o efeito – nem o executado sugere sequer como é que tal poderia ocorrer – de pôr em causa o título executivo ou a eficácia dele contra o executado. É que ele não deixaria, mesmo que fosse como ele diz, de ser devedor da quantia exequenda.

              Todos os acórdãos invocados pelo executado, apenas serviriam para a chamada de atenção de que a requerida intervenção principal não deveria ser indeferida sem ter em conta as circunstâncias do caso, o que manifestamente não foi o que o tribunal recorrido fez. Já que, quanto ao mais, os referidos três acórdãos negaram, como aqui, a requerida intervenção principal.

            Dois dos acórdãos invocados pelo executado têm até interesse em sentido contrário ao por ele pretendido. É que, neles [ac. do TRC de 04/06/2013, proc. 320/10.6TBSRE-B.C1 e ac. do TRP de 28/04/2008, proc. 0852357] estavam em causa casos de mutuários bancários cobertos por um seguro, em que se pode defender que (i) existe uma solidariedade passiva ao menos imperfeita, entre os mutuários e as seguradoras, eventualmente a dar lugar, ao menos em dadas situações, a litisconsórcio necessário (vejam-se os acórdãos do TRP de de 22/09/2014, 75/10.4TVPRT.P1, e de 23/03/2015, proc. 3144/13.5TBMTS.P1), e que (ii) a primeira responsável pelo pagamento da dívida é a seguradora e não o mutuário (vejam-se os acórdãos do TRC de 02/03/2010, proc. 320/05.8TBANS-A.C2, do TRC de 18/12/2013, proc. 821/12.1TBGRD-A.C1, do STJ de 26/06/2014, proc. 3220/07.3TBGDM-A.P1.S1, do TRP de 11/11/2014, proc. 3962/12.1T2AGD-A.P1, do STJ de 25/11/2014, proc. 3220/07.3TBGDM-B.P1.S1, do TRL de 26/03/2015, proc. 1477/11.4TJLSB.L1-8, o voto de vencido no ac. do TRP de 21/04/2016, proc. 7531/12.8TBMTS-A.P1, e o ac. do STJ de 24/11/2016, proc. 7531/12.8TBMTS-A.P1.S1), pelo que talvez se devesse dar ao mutuário executado a possibilidade (se demonstrasse interesse nisso, o que não é seguro) de requerer a intervenção principal da seguradora na oposição à execução. Ora, mesmo neste caso aqueles dois acórdãos indeferiram a requerida intervenção principal.

              Já na obra invocada pelo tribunal recorrido, de Salvador Costa, este autor, em edição posterior, ou seja na pág. 110 da edição de 2016, já refere que em sentido contrário ao por ele defendido vão os acs. do TRE de 13/07/2000, CJ.2000, tomo 4, págs. 257 a 259, e o ac. do TRP de 28/04/2008 já citado acima (e aceite por Rui Pinto, Manual da execução e despejo, Coimbra Editora, 2013, págs. 311-313, mas veja-se também págs. 424-425), acórdão que, por sua vez, refere dois outros: do TRP de 29/11/2004, proc. 0455947, e do STJ de 01/03/2001, CJ.2001, tomo 1, págs. 136 a 139, sendo que este acórdão do STJ admitiu mesmo a intervenção principal provocada, nos embargos, para discutir a simulação, como facto extintivo da obrigação exequenda (aceitando a solução deste ac. do STJ, veja-se Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil executivo, Almedina, 2016, pág. 196).

              Assim, demonstra-se que não é de afastar liminarmente a possibilidade da intervenção principal provocada pelo executado na oposição à execução, por poder haver casos em que ela seja de admitir.

              Mas o caso dos autos não é, manifestamente, um deles.

                                                                 *

              Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.

            Custas, na vertente de custas de parte (não existem outras), pelo executado (que foi quem perdeu o recurso).

              Lisboa, 12/09/2019

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto