Processo do Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 3

              Sumário:

          I- O processo de acompanhamento de maiores tem carácter urgente, pelo que o prazo para o recurso é de 15 dias (artigos 891/1 e 638/1, ambos do CPC).

      II- Tratando-se, o recurso, da prática de um acto processual num processo considerado urgente, ele tem de ser praticado em férias judiciais, não se lhe aplicando, por isso, as regras dos artigos 137/1 e 138/2 do CPC

          III- As decisões finais só têm que ser notificadas às partes que não constituíram mandatário (artigo 249, n.ºs 1 e 5, do CPC).

             

           Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

     

    No processo principal a que se referem estes autos, foi proferida sentença a 29/07/2019.

         A beneficiária foi notificada da sentença por carta elaborada em 30/07/2019.

        A 02/09/2019 a beneficiária interpôs recurso contra a sentença.

      Por despacho de 03/10/2019 o recurso não foi admitido porque, sendo o prazo, para recurso em processos de natureza urgente, de 15 dias (art. 638/1 do CPC), ele teria terminado em 19/08/2019.

   A 14/10/2019 a beneficiária reclamou para este tribunal de recurso contra o indeferimento.

    Por decisão de 31/10/2019 – no dia em que este TRL pôde finalmente consultar o processo principal através do citius – manteve-se o despacho reclamado.

     A beneficiária requer agora que sobre a matéria do despacho que manteve o despacho reclamado recaia um acórdão da conferência, dizendo ela, em síntese, o seguinte:

         i- A sentença também lhe devia ter sido notificada a ela, pessoalmente (artigos 247/2, 250 e 253 do CPC e ac. do TRE de 08/02/2018, proc. 2002/15.3T8LLE); isto é, não bastava que fosse notificado o seu advogado, sob pena de se chegar a uma situação ridícula em que é aplicada uma medida de acompanhamento a alguém, sendo a mesma comunicada à conservatória, sem que a própria saiba de nada; a própria Srª juíza do tribunal a quo estava convencida que a sentença havia sido notificada à beneficiária; como a sentença não lhe foi notificada a ela, o recurso sempre estariam em prazo;

         ii- A notificação ao mandatário presume-se efectuada no terceiro dia posterior à elaboração/certificação via CITIUS, ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja, mas a de um particular apenas se verifica quando a mesma se concretiza, ou seja, quando este recebe a carta em termos físicos e toma conhecimento da decisão, o que tem necessariamente implicações em termos de contagem do prazo, pois caberia sempre à beneficiária a decisão de se conformar com a decisão ou não, só tendo conseguido falar com o seu mandatário muito depois, dado se ter ausentado do país durante o mês de Agosto; considerar que neste tipo de processos, a beneficiária não tem de ser notificada de uma decisão, configuraria uma violação dos princípios constitucionais de interesse e ordem pública, e designadamente os estatuídos no artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa.

         iii- Os artigos 897/2 e 898/1, do CPC, são explícitos no sentido da obrigatoriedade de intervenção da Beneficiária no decurso do processo.

         iv- Existe uma nulidade processual, atenta a falta de notificação da sentença à sua pessoa, enquanto interessada directa no conteúdo da mesma, pois que tal ausência de notificação equivale a uma irregularidade processual, que tem influência directa na contagem do prazo de recurso, e se traduz numa nulidade de conhecimento oficioso, que deveria ter sido declarada.

         v- Mas não só, no recurso apresentado, a beneficiária alega que não existe fundamento para a aplicação da medida de acompanhamento decretada, considerando ter existido uma errada interpretação dos factos e na determinação do direito aplicável, impondo-se que se seja declarada a nulidade da sentença, nos termos do art. 615/1-c do CPC.

         vi- O estatuído no art. 638/1 do CPC, desde logo, a dúvida legítima sobre qual o prazo de recurso aplicável aos processos de maior acompanhado, tanto mais que no âmbito dos processos de interdição e inabilitação (cujos regimes vieram a ser alterados pelo regime do maior acompanhado), também eles processos especiais, tal prazo era de 30 dias (antiga versão do art. 902 do CPC) e inclusive suspendia-se durante o período das férias judiciais.

         vii- Sempre se terá de ter presente o disposto no 638/4 do CPC, o qual refere que, fora dos casos previstos nos números anteriores, não tenha de fazer-se a notificação, o prazo corre desde o dia em que o interessado teve conhecimento da decisão, o que conforme já se viu, no presente caso nunca sucedeu.

         viii- Assim como o disposto no artigo 137/1, que exceptuando os actos realizados de forma automática, refere expressamente que não se praticam actos processuais nos dias em que os tribunais estejam encerrados, nem durante o período de férias judiciais.

         ix- E o disposto no artigo 138, n.ºs 1 e 2, do CPC, o qual refere que os prazos judiciais são contínuos (isto é, não se suspendem aos sábados domingos e feriados) suspendendo-se apenas nas férias judiciais, salvo quando se trate de prazos de duração igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processos urgentes, mas salientando expressamente que caso o prazo para a prática de ato processual terminar em dia em que o tribunal esteja fechado, transfere-se o seu termo para o dia útil seguinte.

         x- É certo que o regime das notificações distingue as situações em que a parte está representada por advogado (art. 247 CPC) e quando não está (art. 249 CPC), porém, atento o tipo de processo e as consequências da decisão proferida quanto ao estado pessoal da beneficiária, a mesma deveria ter-lhe sido notificada.

         xi- Entende a beneficiária que o prazo será de 30 e não de 15 dias, pelo que o recurso deve ser admitido.

         xii- E mesmo que o prazo fosse de 15 dias, as alegações de recuso foram entregues no primeiro dia útil após a abertura dos tribunais depois das férias judicias, pelo que estariam em prazo, conforme decidido pelo ac. do TRC de 22/06/2004, no âmbito do processo 1786/04.

                                                                 *

              Questão que importa decidir: se o recurso devia ter sido admitido.

              Os factos que importam são os que constam do relatório supra.

                                                                 *

              Decidindo:

            O recurso da beneficiária não foi admitido pelo facto de o processo ter natureza urgente – que lhe foi atribuída pela nova redacção dada ao art. 891/1 do CPC pela Lei 49/2018, de 14/08, que entrou em vigor a 14/02/2019 e que se aplica aos processos pendentes nessa data, atento o disposto nos arts. 25/1 e 26/1 dessa lei – e não por se lhe aplicar, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes.

              Não tem, assim, razão de ser a discussão – decorrente da reclamação inicial da beneficiária – de quais as normas dos processos de jurisdição voluntária que são aplicáveis a este tipo de processos.

            É, repete-se, a natureza urgente do processo que implica que os prazos do processo de acompanhamento de maiores corram em férias judiciais (art. 138/1 do CPC) e que o prazo de recurso seja de 15 dias (art. 638/1 CPC), e não o facto de se lhe aplicar, com as necessárias adaptações, o disposto nalgumas normas dos processo de jurisdição voluntárias.

            Assim sendo, não tem qualquer sentido nem base legal, o entendimento da beneficiária, sem qualquer fundamentação (veja-se a síntese xi) de que o prazo é de 30 dias (não tendo razão de ser a dúvida referida na síntese vi).

              Pelo que, tendo a sentença de 29/07/2019 sido notificada ao mandatário da beneficiária, por carta elaborada em 30/07/2019, o prazo de recurso esgotou-se em 19/08/2019, como diz o despacho reclamado (já que os dias 17 e 18 foram fim-de-semana).

              E nada disto pode ser surpresa para a beneficiária, já que a sentença foi proferida em férias judiciais, o que só acontece em processos de natureza urgente (arts. 137/2 – a frase ‘actos que se destinem a evitar dano irreparável’ abrange naturalmente os actos dos processos considerados urgentes pela lei – e 138/1 do CPC).

              Pelo que, tratando-se da prática de um acto processual num processo considerado urgente, ele tem de ser praticado em férias judiciais (Lebre de Freitas: Os actos […] dos […] processos considerados urgentes praticam-se em férias judiciais, como decorre do art. 138-1 do CPC […] – CPC anotado, vol. 1º, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2014, pág. 262), não se lhe aplicando, por isso, as regras dos arts. 137/1 e 138/2 do CPC (ao contrário do que pretende a beneficiária, nas sínteses viii, ix e xii).

              Quanto à questão de a sentença ter de ser notificada à própria beneficiária e não só ao seu mandatário, levantada na reclamação, ela não tem razão de ser, pois que a necessidade dessa notificação, à própria beneficiária, só existiria se ela não tivesse mandatário constituído, como logo decorre da epígrafe do art. 249 do CPC (o que afasta o que consta das sínteses i, iv e x; e note-se que o ac. do TRE referido pela beneficiária tem exactamente o sentido contrário ao por ela pretendido: tendo sido notificados, nesse caso, a parte e o seu mandatário, considerou-se que só a notificação deste contava precisamente porque só ele tinha que ser notificado).

              Note-se que esta última questão levantada pela beneficiária na reclamação se baseará, provavelmente, no teor do despacho de não admissão do recurso, em que se diz que o recurso foi notificado à beneficiária e ao seu mandatário. A verdade, no entanto, é que não o foi. Mas, como decorre do que antecede, a não notificação não consubstancia qualquer irregularidade, porque a sentença não tinha que ser notificada à própria beneficiária, bastando que o fosse ao seu mandatário constituído. E a afirmação do despacho reclamando é inócua, já que surge só depois da dedução intempestiva do recurso, não tendo tido influência nesta.

                                                                 *

              Quanto ao mais, ainda não considerado expressamente:

             Quanto a ii: precisamente pela possibilidade de a notificação à parte poder causar a dúvida sobre a contagem dos prazos, se justifica que, quando a parte está representada por advogado, só interessa ser notificado este. Por isso, não há qualquer inconstitucionalidade na interpretação que se faça das normas em causa. De qualquer modo, está claramente errado aquilo que a beneficiária diz sobre a forma de notificação das sentenças às partes, porque ela desconsidera em absoluto o que consta do art. 249/1 e 2 do CPC.

              Quanto a iii: intervenção no processo não é o mesmo que notificação da sentença.

           Quanto a v: havendo possibilidade de recurso, como havia, era nela que a nulidade da sentença tinha que ser invocada (art. 615/4 do CPC); se tiver ocorrido alguma nulidade da sentença, a beneficiária só dela se pode queixar por não ter interposto recurso em tempo.

              Quanto a vii: o art. 638/4 do CPC tem a ver com os casos em que a notificação não tenha de ocorrer, o que nada tem a ver com os autos, em que a notificação tinha de ser feita, mas ao mandatário.

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              Assim, mantêm-se o indeferimento da reclamação, já que o recurso foi deduzido muito fora do prazo para o efeito.

              Sem custas (porque a beneficiária está isenta delas).

              Lisboa, 11/12/2019.

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto