Processo do Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada – Juiz 1

              Sumário:

             I – “Ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, o legislador pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção […].”

              II – A simples exibição de uma via de uma carta para comunicação da falta de pagamento do prémio do seguro e posterior resolução, conjugada com o depoimento de um empregado da seguradora, que apenas fala dos procedimentos habituais usados para o efeito, não convence da emissão, envio e recepção dessa carta.

              III – O facto de os prémios do seguro serem pagos por débito directo, previsto nas cláusulas do contrato de adesão e autorizado por declaração do tomador do seguro, não é equivalente a um acordo que afaste as regras supletivas do art. 784 do CC quanto à imputação do pagamento.

       IV – Mesmo que a seguradora pudesse escolher as dívidas onde imputar o pagamento, não poderia, de boa-fé, escolher uma mais recente em vez de uma outra mais antiga, se com essa escolha pudesse levar, apenas por isso, à resolução do contrato de seguro (arts. 762/2 e 802/2 do CC).

              V – A comunicação da resolução do contrato de seguro tem de ser feita, sob pena de ineficácia, a ambos os cônjuges, se o contrato tiver sido celebrado por um deles por conta do outro, a dívida for da responsabilidade de ambos, o contrato cobrir um empréstimo celebrado pelos dois para compra de uma habitação, e ambos forem segurados, pessoas seguras e beneficiários residuais do capital seguro, mesmo que formal/nominalmente um deles não seja tomador do seguro.

              VI – A participação de um sinistro não tem de ser uma comunicação formal, ou seja, que tenha de observar uma qualquer fórmula sacramental sob pena de não produzir efeitos.

              VII – A informação do falecimento da mulher do tomador do seguro, dada ao seu mediador que a transmite por e-mail ao comercial da seguradora nos Açores e que provoca a resposta deste de que o seguro está “anulado”, é feita a um representante institório da ré (art. 115/3 do Código do Trabalho).

              VIII – Ao mesmo resultado se chegaria com base na ideia da “representação aparente” do comercial da ré nos Açores; bem como por aplicação da conjugação do disposto nos arts. 224/1 e 800/1 do CC e 223 do CPC; e no “risco da organização”, por via da imputação do conhecimento daquele à ré.

              IX – Se se pudesse dizer – mas no caso não pode – que a participação do sinistro não foi feita como devido, sempre seria à esfera de risco da organização da ré que seria de imputar esse incumprimento, por o seu comercial ter feito responder ao tomador do seguro, quando ele quis saber o que fazer, que o seguro estava anulado pelo que não havia nada a fazer. 

 

                 Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

 

              A e outros intentaram uma acção declarativa comum contra C-Companhia de Seguros, SA, pedindo que esta seja condenada a pagar ao BTS-SA, o montante ainda em dívida, e respectivos juros, referentes ao empréstimo contraído pelo 1º autor e pela mulher junto daquele banco, segurado pela ré e que a ré não paga apesar de ter falecido a mulher, que era segurada.

              A ré contestou, alegando que à data do óbito há muito que o contrato de seguro se encontrava resolvido por falta de pagamento de prémio e que, de qualquer forma, o sinistro nunca foi participado.

              Depois de realizada a audiência final, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente, e, em consequência, a ré foi absolvida do pedido.

               Os autores recorrem desta sentença, impugnando alguns pontos da decisão da matéria de facto e a decisão da improcedência da acção.

                  A ré contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.      

                                                                 *

          Questões que importa decidir: se deve ser alterada a decisão dos pontos impugnados; e se o pedido deduzido pelos autores devia ter sido considerado procedente.

                                                                 *

              Foram dados provados os seguintes factos [para além das cláusulas que já estavam transcritas – 18/1, 19/3, 19/4 e 29/1 e 2 -, este acórdão aditou outras à medida que as partes lhes forem fazendo referência nas alegações para que estas possam ser compreendidas; fá-lo com base no mesmo documento que serviu para prova das outras, e ao abrigo dos arts. 663/2 e 607/4, ambos do CPC; os pontos 5, 6 e 10 serão substituídos por outros três e os pontos 8 e 11 serão eliminados, tudo conforme decidido mais à frente]:

1. O 1º autor é viúvo de B, a qual faleceu a 19/10/2016, e os restantes autores são filhos de ambos.

2. A 16/12/2013, o 1.º autor e mulher celebraram com a ré um contrato de seguro de vida, denominado Crédito Habitação, titulado pela apólice 00/111111, no qual o autor figurava como [tomador do seguro e pessoa segura 1, a mulher como pessoa segura 2 e, como] beneficiário irrevogável [figurava] o D-SA (actualmente o BST-SA). Figuram como beneficiários do capital seguro remanescente em caso de invalidez da pessoa segura, a pessoa segura, e em caso de morte da pessoa segura, o cônjuge e, na sua falta, os filhos em partes iguais [entre parenteses este TRL colocou partes que faltavam, na lógica da transcrição das alegações de factos feitas pela ré que se deram como provadas e também do que consta do contrato de seguro não impugnado, e identificou os beneficiários do remanescente].

3. O contrato de seguro previa, em caso de morte, a liquidação da importância segura de 226.433,00€ e a antecipação do pagamento em caso de invalidez absoluta e definitiva.

4. O valor do prémio, a pagar antecipada e mensalmente, por débito directo, foi fixado na quantia de 90,76€.

5. O 1º autor e a falecida mulher não liquidaram o a ré emitiu o recibo nº 141217073, correspondente ao período de 01/12/2014 a 31/12/2014, com o valor inscrito de 100,81€ [a transcrição das alegações da ré está errada e será corrigida mais à frente].

6. No entanto, procederam ao pagamento do recibo referente a Janeiro de 2015.

7 [depois repetido em 9]. A partir de 30/01/2015 não mais foi enviado qualquer recibo ao autor, cobrado qualquer prémio ou enviada qualquer comunicação por parte da ré.

8. Face ao não pagamento do recibo, a ré, em 30/12/2014, enviou uma carta ao autor, enquanto tomador do seguro, na qual informou que o recibo 141217073, no valor de 100,81€ não se mostrava pago, tendo-lhe sido concedido um prazo adicional, até 29/01/2015, para pagamento do recibo, constando de tal comunicação o seguinte: o não pagamento dos recibos até à data acima indicada tem como consequências a anulação da sua apólice, de acordo com o estipulado nas respectivas condições gerais, cessando as respectivas garantias.

10. O 1º autor nunca comunicou à ré o falecimento da mulher.

11. A 18/02/2015 a ré comunicou ao beneficiário irrevogável – D-SA – a existência de um recibo vencido e não pago, informando ainda que, na qualidade de beneficiário irrevogável poderia substituir-se ao tomador de seguro, pagar o recibo em falta e, dessa forma, evitar a resolução do contrato, não tendo existido resposta.

12 a 15: Nas condições gerais do contrato de seguro constam as seguintes cláusulas, entre outras:

Cl.1.ª Definições

[…]

1. Para efeitos do presente contrato entende-se por:

Tomador do seguro – pessoa, singular ou colectiva, que celebra o contrato com a C, sendo responsável pelo pagamento do prémios.

Pessoa segura – pessoa cuja vida, saúde ou integridade física se segura.

Beneficiário – pessoa, singular ou colectiva, a favor de quem reverte a prestação da C decorrente do contrato seguro.

[…]

Data de vencimento do recibo – É a data de início do período a que o recibo se refere.

[…]

Cl. 16.ª Prémios:

[…]

3. Os prémios são devidos antecipada e mensalmente pelo tomador do seguro […]

[…]

5. O pagamento dos prémios é da responsabilidade do tomador do seguro e deverá ser efectuador débito em conta bancária.

Clª 18 – Falta de pagamento dos prémios

1. Se o pagamento do prémio não for efectuado na data de vencimento do respectivo recibo, a C, após comunicação ao tomador de seguro, procederá à resolução do contrato, cessando os efeitos do mesmo, a partir da data de vencimento do primeiro recibo em falta.

Cl.ª 19 – Beneficiários

1. O beneficiário do contrato é a instituição que concede o crédito à habitação associado ao presente contrato e que deve declarar, por escrito, a aceitação do benefício, passando a considerar-se beneficiário irrevogável. Caso no momento da ocorrência do sinistro o capital seguro seja superior ao montante em dívida estabelecido no contrato de crédito à habitação que lhe estiver associado, o remanescente será liquidado aos herdeiros legais da pessoa segura.

2. Sendo o beneficiário irrevogável, o exercício dos direitos contratuais pelo tomador do seguro fica sujeito ao prévio acordo escrito do beneficiário para a alteração, resolução ou qualquer operação relativa ao contrato.

3. A C comunicará por escrito ao beneficiário aceitante qualquer situação de incumprimento contratual por parte do tomador de seguro, nomeadamente, a falta de pagamento de prémios devidos. Nestas circunstâncias, poderá o beneficiário aceitante substituir-se ao tomador do seguro para efeito de pagamento de prémios e manutenção do contrato em vigor não lhe assistindo, no entanto, quaisquer outros direitos contratuais que não os consignados nas condições gerais, especiais e particulares do contrato.

4. Nos termos do número anterior, se no prazo de 15 dias a partir da data em que for comunicado por escrito ao beneficiário aceitante a situação de incumprimento contratual, a C não receber qualquer resposta por escrito manifestando o interesse daquele na manutenção do contrato este considerar-se-á resolvido, nos termos destas condições gerais.

[…]

Cl.ª 26 – reposição em vigor

O tomador do seguro tem a faculdade de repor em vigor, nas condições originais, o contrato resolvido dentro do prazo de um ano a contar da data da anulação, mediante acordo com a C, sempre que se verifiquem as seguintes condições:

[…]

Cl.ª 29 – Formalidades para liquidação das importâncias seguras:

1. A liquidação das importâncias seguras, sempre que a ela haja direito, será feita aos beneficiários das respectivas garantias, após o envio de todos os documentos necessários para o efeito.

2. São considerados imprescindíveis à análise e pagamento de qualquer importância segura ao abrigo do presente contrato, os seguintes documentos:

a) Em qualquer circunstância:

i) Certidão de nascimento ou bilhete de identidade da pessoa segura;

ii) Documento emitido pelo beneficiário comprovativo do montante em dívida no momento do sinistro;

b) Em caso de morte da pessoa segura:

i) Certificado de óbito da pessoa segura;

ii) Relatório médico no qual especifique a causa, antecedentes e circunstâncias em que a morte ocorreu:

[…]”

(A)

Da impugnação da decisão da matéria de facto

Da convicção

              Nas contra-alegações, a ré afirma, no essencial, que, “ao reapreciar a prova gravada, a 2.ª instância não tem que se preocupar em fazer um novo julgamento e em procurar uma nova convicção para substituir a convicção da 1.ª instância, mas, fundamentalmente, em saber se, em relação aos pontos de facto impugnados, se verifica algum caso de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão e se a convicção expressa pelo tribunal de 1.ª instância tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os demais elementos existentes nos autos lhe mostram, se o processo decisório não enferma de qualquer lapso ou erro manifesto” o que desenvolve em quase 3 páginas de texto.

            Ora, quanto a isto, está hoje estabilizada a jurisprudência do STJ no sentido inverso, isto é, de que “Ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, o legislador pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise” (ac. do STJ de 24/09/2013, 1965/04.9TBSTB.E1.S1, citado por Miguel Teixeira de Sousa, num post publicado a 24/01/2014, no blog do IPPC, sob o título: Poder (ou dever) de apreciação da prova pela Relação, onde conclui: “Portanto, o STJ entende que não basta um mero controlo sobre a decisão da 1.ª instância, antes é necessário uma avaliação própria e autónoma da Relação sobre a prova produzida na 1.ª instância. […O] acréscimo de poderes que o art. 662 concede à Relação no controlo da decisão da 1.ª instância sobre matéria de facto traduz-se necessariamente num dever de a Relação esgotar esses poderes antes de pronunciar a decisão sobre essa matéria.” Posição depois desenvolvida no estudo publicado nos Cadernos de Direito Privado, Out/Dez2013, nº. 44, sob o título “Prova, poderes da relação e convicção: a lição da epistemologia.”

                                                                (B)

                                 Da impugnação dos pontos 5, 6, 8 e 11

              A ré na contestação dizia o seguinte quanto a esta matéria:

  1. O valor do prémio, a pagar antecipada e mensalmente, foi fixado na quantia de 90,76€ […].
  2. Foi acordado pelo autor, enquanto tomador do seguro, que o prémio seria pago por débito directo tendo para esse efeito preenchido NIB da conta da qual seria feito o pagamento e assinado a autorização de débito directo, conforme melhor resulta da proposta de seguro que já se encontra junta sob o n.º 1.

         […]

  1. No seguimento do contratado a ré emitiu o recibo n.º 7073, correspondente período 01/12/2014 a 31/12/2014 com o valor inscrito de 100,81€.
  2. Não obstante o acordado não foi possível à ré obter a cobrança do referido recibo, tendo tido indicação do banco que a conta associada ao NIB indicado pelo autor não tinha saldo suficiente.
  3. Na verdade, e conforme o referido supra, desde o início da vigência da apólice, a cobrança dos prémios mensais foi solicitada através do NIB indicado pelo autor para o efeito – NIB 0038-0000-00000000000-63.
  4. No entanto, relativamente a este recibo a cobrança enviada ao banco veio devolvida com indicação de insuficiência do saldo, facto este que ocorreu nas duas tentativas de cobrança.
  5. Cumpre esclarecer que a cobrança por débito directo em conta prevê sempre uma segunda tentativa de cobrança automática quando a primeira não ocorra.
  6. Em bom rigor, no decurso do contrato, houve recibos que foram devolvidos pelo mesmo motivo – conta sem saldo – tendo, ainda assim, sido obtida boa cobrança na 2ª tentativa de cobrança automática, como aconteceu com os prémios referentes aos meses de 01/2014; 05/2014 e 06/2014.

         […]

  1. Cumpre ainda esclarecer que o regime jurídico do contrato de seguro prevê no art. 57/1-b, conjugado com o art. 58, que a falta de pagamento dos prémios tem como efeitos “os que são estipulados nas condições contratuais”, ou seja as que constam das cláusulas 18/1, 19/3 e 19/4.
  2. De acordo com a legislação vigente a ré adopta os seguintes procedimentos para o pagamento dos prémios por débito directo: após as 2 tentativas de cobrança sem sucesso, é enviada uma carta, para o cliente e o mediador do seguro, a informar a falta de pagamento do respectivo prémio,
  3. Na qual se concede um prazo adicional para que a situação seja regularizada, ou seja, para que o pagamento seja feito pelo tomador, nesta caso o autor.
  4. Findo esse prazo, sem que o pagamento seja feito pelo tomador, a apólice é anulada por falta de pagamento.
  5. Cumpre esclarecer que é igualmente enviada uma carta ao beneficiário irrevogável para que este, querendo, se possa substituir ao tomador evitando desta forma a resolução do contrato de seguro.
  6. Caso nada seja dito pelo beneficiário irrevogável o contrato considera-se resolvido.

         Posto isto vejamos o que aconteceu no caso em concreto,

  1. Conforme o referido em 11, supra, não obstante as duas tentativas de cobrança do recibo n.º 7073 não foi possível obter o seu pagamento uma vez que, de acordo com as indicações do banco, a conta indicada não tinha saldo suficiente.
  2. Face ao não pagamento do recibo a ré em 30/12/2014 enviou uma carta ao autor, enquanto tomador do seguro, na qual informou que o recibo 17073, no valor de 100,81€ não se mostrava pago.
  3. Nesse sentido foi concedido ao autor um prazo adicional – [até] 29/01/2015 – para o pagamento do recibo, tendo ainda o autor sido advertido que “O não pagamento dos recibos até à data acima indicada tem como consequências a anulação da sua apólice, de acordo com o estipulado nas respectivas Condições Gerais, cessando as respectivas garantias, (…)” – vide documento n.º 4 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzidos.
  4. Na mesma data a ré enviou uma carta à sociedade mediadora do contrato de seguro na qual, para além de ter informado da falta de pagamento do aludido recibo, solicitou para que intercedesse junto do autor por forma a sanar a falta de pagamento e evitar a anulação do contrato de seguro – vide documento n.º 5 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido.
  5. Não obstante o prazo adicional concedido a verdade é que o autor não pagou o recibo tendo a ré anulado a apólice com efeito a 30/01/2015.
  6. Posteriormente, mais concretamente em 18/02/2018 a ré, em cumprimento do disposto no cl. 19/3 das CG, comunicou ao beneficiário irrevogável – D – a existência de um recibo vencido e não pago, informando ainda que, na qualidade de beneficiário irrevogável poderia substituir-se ao tomador de seguro, pagar o recibo em falta e, dessa forma, evitar a resolução do contrato. – vide documento n.º 6 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido. [em vez do que está sublinhado, o que está escrito é que: “assumindo deste modo todas as obrigações do contrato. Caso pretenda efectuar a liquidação dos recibos poderá fazê-lo nos próximos 30 dias a contar da data da presente comunicação, caso contrário a apólise manter-se-á anulada e sem efeito as respectivas garantias” – TRL]
  7. Não tendo o beneficiário irrevogável optado por se substituir ao autor o contrato de seguro titulado pela apólice 00/11111111 resolveu-se, nos termos e para os efeitos da cl. 19/4 das CG, cessando dessa forma todas as garantias do contrato de seguro.

   Os documentos 4 a 6, cartas da ré, em que se refere o não pagamento dos prémios, são cópias ou fotocópias sem qualquer tipo de carimbo ou registo (fls. 40, 41 e 41v).

         Os autores responderam a isto o seguinte:

  1. É falso tudo quanto alega a ré na sua contestação, nomeadamente quanto invoca em matéria de excepção.
  2. Desde logo, o autor, embora nunca tivesse recebido qualquer das cartas de aviso que a ré vem agora juntar, pagou a prestação de Dezembro de 2014 que esta alega não ter sido paga. Aliás,
  3. Por feliz coincidência pagou-a antes do termo do prazo que a ré diz ter dado ao autor na alegada, mas certamente não enviada, carta de aviso.
  4. Pagou através de crédito que, para esse fim lhe concedeu o banco, tendo ressarcido este logo no mês seguinte. (doc. 8).
  5. E se daí por diante não pagou, o que desconhecia, foi porque a ré, precipitadamente, deixou de enviar ao banco a ordem de pagamento.
  6. Precipitadamente, porque o autor em Fevereiro de 2015 tinha todas as prestações em dia com a ré.
  7. Por isso, o autor, após o falecimento da mulher, dirigiu-se ao seu mediador de seguros, CA, em VFC, com todos os documentos necessários, local onde haviam sido feitos e assinados os respectivos contratos de seguro, mas foi o seguro recusado com o mesmo argumento que é agora invocado: estaria o autor em dívida…

    No doc. 8 que consta de dois extractos integrados da conta do autor no D, no 1.º deles consta o seguinte extracto de depósitos à ordem de 01/10/2015 a 31/01/2015:

Data Data valor Movimento n.º doc. Valor   Saldo
Saldo inicial    0,56
09/01 09/01 SEPA-DD IDD DEB 60003382394 C Vida 892386933 100,81 100,25
14/01 14/01 Passagem a crédito vencido 893663266 100,25    0,00

     No segundo, relativo ao período de 01/02/2015 a 28/02/2015, não consta qualquer pagamento ou dívida à C.

          A ré responde – para além de repetir o que já tinha dito na contestação quanto ao primeiro recibo -, o seguinte:

  1. […E]m 02/12/2014 foi emitido o recibo n.º 150184489, correspondente ao período de 01/01/2015 a 31/01/2015 com o valor inscrito de 100,81€ – documento n.º 1 que a ré protesta juntar em 03 dias.
  2. Ou seja, o recibo de Janeiro de 2015 é emitido em 02/12/2014 – lei do contrato de seguro obriga os seguradores a emitir os avisos/recibo com uma antecedência mínima de 30 dias – data em que a ré ainda desconhecia se o recibo de 01/12/2014 era ou não efectivamente cobrado uma vez que só em 10/12/2014 tem a informação de que a conta do autor não tinha provisão para pagamento.
  3. Tendo entrado em sistema a ordem de cobrança deste recibo com data de 01/01/2015, que foi concretizada em 13/01/2015 conforme melhor resulta do documento ora junto pelo autor.
  4. Ou seja, a quantia cobrada em 13/01/2015 foi imputada ao recibo n.º 4489 referente a Janeiro de 2015 mantendo-se, dessa forma, o incumprimento do contrato de seguro relativamente ao recibo n.º 7073 de Dezembro de 2014 e que justificou a resolução do contrato com efeito a 30/01/2015.
  5. Cumpre esclarecer que da carta remetida ao autor em 30/12/2014 resulta de forma expressa que o pagamento do recibo de Dezembro de 2014 deverá ser feito “ (…) através do seu agente C ou em qualquer espaço de atendimento presencial da C” – vide documento n.º 4 junto à contestação.
  6. E esta expressa advertência da forma de pagamento – refira-se que não é indicado que o autor deve provisionar a sua conta porque a C irá tentar cobrar novamente o valor – prende-se com o facto de havendo outros recibos a pagamento – como é o caso do recibo de Janeiro de 2015 – não haver confusão na imputação dos pagamentos.
  7. Por outro lado não será despiciendo referir que o autor nunca mais recebeu avisos/recibos referente aos prémios de seguro por parte da ré nem lhe foi cobrado mais nenhum valor a título de prémios, o que por si só evidencia, ou deveria evidenciar, a existência de um qualquer problema na vigência do contrato de seguro.
  8. No entanto a verdade é que em momento algum o autor solicitou qualquer esclarecimento à ré, o que desde logo leva a crer que o autor bem sabia que já não tinha qualquer contrato activo.
  9. E não pode o autor alegar que não controlava o pagamento do prémio do seguro uma vez que conforme resulta do articulado ora junto o autor solicitou um crédito ao banco para pagar o seguro, confissão esta que se aceita para não mais ser retirada!
  10. O autor tinha perfeita consciência quando não pagava o prémio de seguro porque se assim não fosse não teria solicitado um crédito bancário para esse efeito!
  11. Ou seja, o autor sabia exactamente os valores que tinha de pagar de prémio de seguro bem como as respectivas datas de vencimento o que só por si reforça a ideia que o autor sabe não só que não pagou o recibo de Dezembro de 2014 como que já não tem seguro válido desde 30/01/2015.
  12. Porque, repita-se, se assim não fosse teria agido como qualquer “homem médio” na sua situação: remetia uma comunicação à ré e solicitava esclarecimentos sobre o que se passava.
  13. Aliás só assim se justifica que o autor não tenha comunicado à ré o falecimento da mulher, 2.ª pessoa segura!
  14. Face ao exposto é forçoso concluir que o sinistro não foi pago porque, à data do sinistro, o contrato de seguro encontrava-se já resolvido por falta de pagamento do recibo n.º 14121707 nos termos e para os efeitos das condições gerais do contrato de seguro.

         […]

                                                                 *

              O tribunal fundamentou assim a sua convicção, na parte que interessa:

         Os factos 5 e 6 resultaram do depoimento do gestor de apólices BP, devidamente conjugado com o aviso/recibo para pagamento e extracto bancário junto aos autos pelo autor. Explicou-nos a testemunha que a seguradora emitiu o recibo nº 141217073, correspondente ao período 01/12/2014 a 31/12/2014, com o valor inscrito de 100,81€, o qual foi para cobrança a 01/12/2014 e retornou do banco a 10/12/2014 com a informação de não cobrado por falta de provisão. No entanto, e uma vez que fazem sempre uma segunda tentativa de cobrança, a cobrança seguiu novamente a 17/12/2014, tendo o banco respondido a 30/12/2014 que não haveria provisão para o pagamento. Relativamente ao pagamento do recibo de Janeiro, explicou-nos a testemunha que os recibos são sempre emitidos com 30 dias de antecedência, motivo pelo qual tal quantia foi à cobrança ainda antes de saberem se o prémio de Dezembro havia sido pago (tendo o recibo de Janeiro sido pago a 13/01/2015, conforme extracto bancário junto pelo autor). O depoimento desta testemunha foi claro e linear, estribado naquele que revelou ser o seu conhecimento directo dos factos, por com eles lidar em termos diários, sendo claro que as suas declarações se basearam nos conhecimentos adquiridos ao longo dos anos, no desenvolvimento da sua actividade profissional, pelo que o tribunal não teve qualquer dúvida em lhe atribuir credibilidade.

         […]

         Quanto aos factos 8 e 9, BP explicou-nos, no depoimento claro e linear que já mencionámos, que a comunicação junta a fl. 40 foi remetida para a morada constante do contrato e que nunca receberam qualquer resposta por parte do 1º autor. Tal depoimento não se mostra colocado em causa por CA não se recordar de ter recebido a comunicação de fl. 41, quer por ser mediador de seguros e lidar com um volume grande de correspondência, quer por o autor e a sua falecida mulher nunca mais terem pago qualquer quantia a título de prémio de seguro desde o mês seguinte ao da recepção da carta (Fevereiro de 2015) até à morte daquela, tendo decorrido mais de um ano (sendo certo que o valor do prémio era algo que pesava na sua conta bancária, conforme se comprova pelo extracto que aquele juntou).

         […]

         Por seu turno, o facto 11 encontra-se comprovado documentalmente, tendo sido confirmado por BP (não sendo de admirar a falta de resposta do D, atenta a resolução de que foi alvo por parte do Banco de Portugal, a qual é de conhecimento público).

              O autor põe em causa esta decisão, dizendo o seguinte:

         1 – Diz a sentença, a 5, que o autor não liquidou a prestação de Dezembro de 2014.

         2 – Diz a sentença, a 6, que o autor liquidou a prestação de Janeiro de 2015.

      3 – Diz a sentença, a 8, que a ré enviou carta a conceder prazo adicional até 29/01/2015. Ora,

         4 – Não sendo verdadeira, nem fundamentada, nenhuma das três conclusões de facto, elas próprias colidem entre si. Na verdade,

         5 – Conforme consta do doc. 8, junto pelo autor com a sua resposta à matéria de excepção (03/07/2018), o autor fez o pagamento de 100,81€, a 09/01/2015, ou seja,

         6 – Dentro do prazo adicional que a ré diz ter comunicado! Porém,

         7 – A ré resolveu passar recibo em relação a Janeiro em vez de recibo em relação ao atrasado. Ora,

         8 – Essa decisão unilateral não pode alterar a verdade dos factos, sendo até ilegal, conforme é explícito o art. 784 do CC: primeiro a dívida mais antiga!

         9 – Devem pois os pontos 5 e 6 ser substituídos pelo seguinte:

         Ponto 5

         O 1º autor e a falecida mulher liquidaram, a 09/01/2015, a quantia constante do recibo n.º 7073, correspondente ao período de 01/12/2014 a 31/12/2014, com o valor inscrito de 100,81€.

        1. Quanto ao ponto 8, parece uma questão simples: quem manda carta é que dela faz a prova e, conforme bastíssima jurisprudência, não é obviamente suficiente pôr um funcionário de testemunha a dizer que é costume o sistema mandar cartas automaticamente para estar feita a prova que a carta foi enviada! Ora,

       11 – Foi esse testemunho de costumes que fundamentou este essencial ponto 8 dos factos provados.

         12 – Ouçamos o empregado da ré, testemunha BP:

        Min. 2:30: “No mesmo dia do retorno é emitida uma carta para o tomador da apólice e para o mediador da apólice também, com a indicação que o recibo encontra-se por liquidar…”

          Tem a certeza que foi enviado para o mediador?

       Min. 3:25: “Sim, isso é um procedimento que é feito automaticamente. Para o tomador e para o mediador.”

         13 – Ora, conforme consta de todo o depoimento do mediador de seguros, testemunha CA, ele nunca recebeu a dita notificação até ficou surpreso quando lhe disseram que estava a apólice anulada, dizendo, a minutos

          3.15 que “não teve acesso a qualquer informação”.

         14 – E não se diga sequer, como na motivação de facto da sentença se faz, aos pontos 8 e 9, primeiro parágrafo, de forma bondosa para com a seguradora que certamente o mediador não se deve recordar por ter “volume grande correspondência” (!). Não,

         15 – Ele recorda-se perfeitamente, até diz, a minutos 8:00, que ele e o autor “cresceram juntos”. Estamos em VFC. Todos se conhecem e não há mediadores com “volume grande correspondência”. Engraçado que,

         16 – O mesmo raciocínio não é aplicado a um funcionário nacional de uma seguradora que se limita a dizer que “esse é o procedimento normal”. Ou seja,

         17 – O dito funcionário não diz que foi ele a enviar a carta, não viu a carta ser enviada, mas atesta que esse é o procedimento normal e, zumba, já está: facto provado!!!

         18 – Então, aviso de recepção? Registo? Ao menos testemunha de ter efectivamente sido enviada aquela carta em concreto?

         19 – Ponto 8 – não provado!

       20 – Por todos, e com referência à demais jurisprudência, veja-se, em questão idêntica o acórdão da Relação de Lisboa de 08/11/2012, no proc. 428/11.0TVLSB.L1-2, não se tendo encontrado sequer, como parece perceptível, jurisprudência em sentido contrário: [os autores transcrevem grande parte da fundamentação deste acórdão, o que aqui se omite].

         21 – No nosso caso concreto não só a ré não fez prova de ter enviado, como o autor, através do depoimento do mediador, até fez a prova contrária de que se elas vêm juntas e ao mediador não chegou carta nenhuma, logo o sistema falhou (não seria o primeiro sistema a falhar, na história da humanidade), sendo certo que não tem sequer o autor esse ónus de provar que não recebeu.

         23 – Ponto 11: Por todas as razões já aduzidas para o ponto 8, também o ponto 11 só pode ser considerado: Não provado.

              A ré – seguindo a fundamentação do tribunal e repetindo tudo o que já tinha dito para trás – ainda acrescenta o seguinte de minimamente útil:

         De facto, o artigo 202/2 do RJCS, obriga os seguradores a emitir os avisos/recibo com 30 dias de antecedência em relação à data em que se vence o prémio, ou fracções deste, assim como da forma e do lugar de pagamento.

         Sendo que na data de emissão do recibo de Janeiro (02/12/2014), a ré ainda desconhecia se o recibo de relativo a Dezembro tinha sido cobrado ou não, porque só em 10/12/2014 foi informada pelo banco que aquele recibo não foi pago porque a conta do autor não tinha provisão para pagamento, e, na segunda tentativa de cobrança, em 30/12/2014, foi novamente pelo Banco de que o recibo não foi pago pelo mesmo motivo.

         Tendo entrado em sistema a ordem de cobrança de recibo de Janeiro de 2015 emitido em 01/01/2015, o pagamento foi efetuado, por débito direito, conforme convencionado, em 09/01/2015, conforme resulta daquele extracto de fls 46 a 48 dos autos, sem qualquer intervenção voluntária e activa do 1.º autor e, portanto, sem qualquer indicação do 1.º autor de que tal pagamento se destinava a liquidar o recibo de Dezembro de 2014.

         Tal imputação é feita nos termos acordados com o 1.º autor no contrato de seguro e não viola o disposto no artigo 784 do CC, que estabelece regras supletivas de imputação da dívida e no caso de o devedor não indicar a que prestação se destina o pagamento, o que não aconteceu neste caso, pois, conforme supra referido, o pagamento foi efectuado por débito directo perante a ordem de pagamento da prestação de Janeiro de 2015, sem qualquer intervenção e ou indicação diferente do 1.º autor.

         Acresce que a carta remetida ao 1.º autor em 30/12/2014 de fls. 40 e 41 dos autos, resulta expressamente que a ré solicita que o pagamento do recibo de Dezembro de 2014 deveria ser feito “(…) através do seu agente C ou em qualquer espaço de atendimento presencial da C”.

         Esta advertência expressa justifica-se precisamente pelo facto de, entretanto, existirem outros recibos a pagamento, neste caso concretamente o recibo de Janeiro de 2015, de forma a não existir qualquer confusão na imputação dos pagamentos.

         Ou seja, a ré não solicita que o 1.º autor provisione a sua conta bancária para pagamento do recibo de Dezembro de 2014, porque a ré já não iria tentar cobrar novamente aquele recibo de Dezembro de 2014 por débito directo para não se confundir com recibos entretanto vencidos, neste caso o recibo de Janeiro de 2015.

         […]

         Quanto a 8, o tribunal a quo baseou a sua convicção quer na carta de interpelação para pagamento de recibo em falta constante de fls. 40 dos autos, quer no depoimento da testemunha BP, cujo depoimento foi considerado claro e linear.

         Esta testemunha, como se refere na sentença recorrida, explicou que a carta de interpelação para pagamento do recibo em falta, junta a fls. 40 dos autos, foi remetida para a morada constante do contrato e que nunca receberam qualquer resposta por parte do 1.º autor.

         E que, como decorre da parte do depoimento dessa testemunha transcrita pelos autores no artigo 12 das suas alegações de recurso, a testemunha refere que tem a certeza que foi emitida carta para o tomador da apólice e para o mediador da apólice, pois é um procedimento que é feito automaticamente e porque ele verificou que foi foram enviadas essas duas cartas, assim como verificou a falta de resposta do 1.º autor.

         O facto de a testemunha CA, mediador de seguros, não se recordar de ter recebido a comunicação de fls. 41 dos autos, não é estranho porque, apesar de conhecer o autor, é mediador de seguros e lida com um volume grande correspondência, sendo que a maioria da correspondência se refere a clientes e, por isso, a pessoas também dele conhecidas, até porque no local (VFC) todos se conhecem, como os próprios autores referem na parte final do artigo 15.º das suas alegações.

         Aliás, a própria testemunha CA não afirma categoricamente que não recebeu tal carta da ré, pelo que é possível que a tenha recebido e não se recorde.

         Relativamente ao prémio de seguro, incumbia ao 1.º autor, enquanto tomador do seguro, proceder ao seu pagamento, de acordo com o convencionado nas condições gerais do contrato de seguro celebrado com a ré.

         E o facto de o 1.º autor e a sua falecida mulher nunca mais terem recebido qualquer recibo, nem pago qualquer outra quantia a título de prémio de seguro desde o mês seguinte ao da receção da carta (Fevereiro de 2015) até à morte daquela (19/10/2016) – como, aliás, decorre da matéria de facto dada como provada no ponto 7, que, aliás, não foi impugnado pelos autores -, só revela que os mesmos tinham conhecimento e consciência de que o contrato de seguro tinha sido resolvido por falta de pagamento do prémio de seguro de Dezembro de 2014, como foi comunicado pela ré.

         De facto, não é normal que o 1.º autor e a sua falecida esposa não detectem que durante 20 meses (de Fevereiro de 2015 a Outubro de 2016) não pagam o prémio do seguro, porque ainda que o pagamento fosse feito por débito directo, certo é que o valor do prémio é de valor significativo face ao saldo da conta bancária em questão e as diminutas movimentações da conta, como se comprova pelo extracto bancário de fls. 46 e 48 dos autos, que os próprios autores juntaram aos autos e que, portanto, facilmente se detecta a falta desse pagamento da análise dos extractos bancários mensais enviados pelo banco para o 1.º autor e sua mulher.

         De resto, refira-se que, como resulta das cláusulas 18/1, 19/3 e 19/4 das condições gerais do contrato de seguro, dados como provados nos pontos 12, 13 e 14, não impugnados pelos autores, as comunicações sobre a falta de pagamento dos prémios são efectuadas ao tomador de seguro e por escrito, não se exigindo que sejam remetidas registadas com aviso de recepção.

         Se a carta foi enviada para a morada do tomador de seguro indicada no contrato de seguro em questão e se a ré não recebeu a sua devolução, é porque a carta foi depositada no receptáculo de correio do tomador de seguro, e o 1.º autor estava em condições de a conhecer em circunstâncias normais, pelo que a declaração se mantém eficaz nos termos do artigo 224, n.ºs 1 e 2 do Código Civil (isto mesmo defende o ac. do TRL de 08/11/2012, proc, 428/11.0TVLSB.L1-2, referido pelos autores, no ponto I do seu sumário).

         […]

         Quanto ao ponto 11, a resposta dada a este facto encontra-se comprovada documentalmente pelo documento de fls. 41 e pelo depoimento da testemunha BP.

              Decidindo:

              Começa-se pelos pontos 8 e 11, porque transcrevem documentos que são usados na argumentação para prova de todos estes factos impugnados:

          Antes de mais, sublinhe-se que nestes pontos não se diz que as cartas foram recebidas pelos seus destinatários. Apenas se diz que elas foram enviadas. Far-se-á, de qualquer modo, a análise dos pontos, como se também se tivesse dado como provado que elas foram recebidas…

         Os documentos referidos constam de simples folhas de papel, sem qualquer carimbo ou registo e por isso podem ter sido escritos a qualquer altura e os autores impugnaram a alegação feita pela ré de que eles são cartas que foram enviadas por ela e recebidas pelos autores.

              O tribunal convenceu-se de que eles foram emitidos e expedidos – mas, note-se de novo, não que eles tenham sido recepcionados – com base no depoimento da testemunha empregado da ré BP. E a ré também invoca este depoimento a favor daquilo que diz nas suas contra-alegações.

              Ora, a verdade é que este depoimento – que começa, na gravação disponível do citius, a meio (4:58… até 6:03) de um depoimento identificado como sendo da testemunha H, depois de mais de um minuto com gravações de silêncio, mas que é do depoimento de GB, e continua depois noutro sob o nome, de novo, da testemunha H, só depois acabando por estar devidamente identificado – é completamente genérico; descreve apenas, com menos pormenores ainda do que aquilo que a ré fez nas suas várias peças processuais, o procedimento habitual e não diz nada de concreto que demonstre ter conhecimento dos factos para além daquele que resulta da leitura dos documentos que constam do processo. Ou seja, no caso, nem sequer se está perante a situação da testemunha da seguradora que diz ter consultado o processo interno da seguradora e ter por isso conhecimento das coisas. Ao todo são 1:05 + 7:50 minutos completamente inúteis. Entre o mais não é verdade – ao contrário do escrito e sugerido pela ré – que a testemunha tenha dito aquilo que a ré diz que a testemunha disse, sem localizar as respectivas passagens do depoimento. Não é nomeadamente verdade que a testemunha tenha dito que tenha verificado fosse o que fosse, nomeadamente que tenha verificado a falta de resposta do 1.º autor. E, como é evidente, se esta testemunha tivesse verificado fosse o que fosse, devia ter dito como é que tinha verificado, ou como é que tinha podido verificar, e essa verificação tinha que poder ser confirmada pelo tribunal; o tribunal não tem nada que confiar nas verificações feitas pelas testemunhas, tem sim que poder confirmar o que as testemunhas dizem ter verificado, com base nos elementos de prova que terão permitido às testemunhas fazer essa verificação. O depoimento é tão genérico e abstracto, tão parco de pormenores ou de concretizações, que nem sequer é certo aquilo que o tribunal escreveu – e que a ré repete – que a testemunha disse, ou seja “que a comunicação junta a fl. 40 foi remetida para a morada constante do contrato.”

              Em suma os dois elementos de prova invocados na fundamentação da decisão do tribunal e nas contra-alegações da ré não provam a emissão e envio das cartas transcritas em 8 e 11.

         A ré utiliza outros argumentos para provar a emissão e o envio das cartas, designadamente o facto de 1.º autor nunca mais recebeu avisos/recibos referente aos prémios de seguro por parte da ré nem lhe foi cobrado mais nenhum valor a título de prémios – argumento que o tribunal recorrido também subscreve -, mas isto só apontaria para a conclusão que ela própria tira, de que tal “deveria evidenciar, a existência de um qualquer problema na vigência do contrato de seguro.” Ou seja, o que aconteceu posteriormente não pode provar, de modo algum, que a ré enviou as cartas em causa, nem, muito menos e era isso que importa (mas nem sequer foi dado como provado) que o 1.º autor recebeu a carta e que teve conhecimento do seu conteúdo.         

              Também o facto de ter havido pagamento em 09/01/2015 – e não 13/01/2015 como a ré e o tribunal por várias vezes referem – de um valor correspondente ao que consta dos recibos de Dez2014 e Jan2015, não quer dizer que o autor tenha recebido a carta de fl. 40, porque, como a própria ré diz, o autor não podia deixar de saber que o seguro se vencia mensalmente e em datas certas (porque isso constava do contrato e tinha ocorrido durante um ano de vigência dele). E este conhecimento não corresponde a conhecer aquela carta ou o seu conteúdo.

              Por fim, a ré diz que “se a carta foi enviada para a morada do tomador de seguro indicada no contrato de seguro em questão e se a ré não recebeu a sua devolução, é porque a carta foi depositada no receptáculo de correio do tomador de seguro, e o 1.º autor estava em condições de a conhecer em circunstâncias normais” – mas, como é evidente, a conclusão tirada estava dependente da prova do envio da carta e da prova de que ela não foi devolvida, que já se viu que não foi feita. E, de qualquer modo, tal não seria suficiente para prova de que a carta tinha sido depositada e muito menos recepcionada pelo autor.

              Depois disto tudo ainda se pode acrescentar aquilo que foi desenvolvido no ac. do TRL de 07/06/2018, proc. 144/13.9TCFUN-A-2, com base no ac. do TRL de 08/11/2012, 428/11.0TVLSB.L1-2, citado pelos autores (e que mantém o seu interesse por concretizar a aplicação destas considerações, mas que aqui não se repete):

         “Quem se quer prevalecer de declarações receptícias, isto é, cuja eficácia depende da prova da recepção das declarações pelos seus destinatários (art. 224/1 do CC), tem de ter o cuidado de fazer prova dessa recepção (art. 342/1 do CC). Essa prova pode fazer-se através de notificações avulsas (arts. 256 a 258 do CPC), mas faz-se normalmente com um aviso de recepção devidamente assinado de uma carta enviada pelo correio. Essa prova pode ainda ser feita, mais dificilmente, com um registo do envio da carta […], junto com a prova do depósito na caixa de correio do destinatário, conjugados com as regras dos arts. 224 do CC.

         Toda a gente sabe isto (que são regras da experiência comum e da lógica das coisas) e sabem-no principalmente as empresas habituadas a lidar com situações em que é necessário fazer prova daquelas declarações, principalmente quando elas são feitas em negociações no âmbito de litígios ou de incumprimentos contratuais. Não lembraria a ninguém que um tribunal dissesse que notificou alguém com base apenas no facto de um juiz ou de um funcionário judicial dizer que essa pessoa foi notificada. Naturalmente que existe sempre um registo dessa notificação que pode ser exibido quando necessário. O mesmo vale para as seguradoras e para os bancos, que não podem vir dizer, em questões que podem ter consequências graves para as contrapartes, que notificaram ou comunicaram fosse o que fosse, sem prova objectiva de o terem feito.

         Como diz Jorge Morais de Carvalho, depois de se referir à existência de vários meios de transmissão da declaração, pressupondo naturalmente a sua validade e suficiência:

          “Se o objectivo é, por um lado, a prova do envio da mensagem e, por outro lado, uma maior certeza na efectiva recepção desta, o meio mais eficaz talvez ainda seja o correio tradicional, mas, neste caso, apenas se o envio for registado […].” (Os contratos de consumo, Reflexão sobre a autonomia privada no direito do consumo, Almedina, Junho 2012, pág. 151). 

         Ou seja, quando se quer provar o envio de uma carta, faz-se pelo menos o registo dela; quando se quer provar a recepção de uma carta, pede-se ainda o aviso de recepção ou requer-se uma notificação avulsa. Ninguém, em questões minimamente importantes, espera fazer prova do envio de cartas apenas com o depoimento de […] empregados seus que dizem tê-las enviado (o que, como se viu, nem sequer é o caso).

         Quer isto dizer que se num processo judicial se diz que uma declaração receptícia foi feita e enviada, se exige logo, naturalmente, a prova disso através de uma certidão de uma notificação avulsa, ou de um a/r, ou de um registo e aviso, ou pelo menos de um elemento objectivo qualquer (por exemplo, uma referência, não impugnada, numa carta posterior à carta em causa).

         A simples exibição de uma fotocópia de uma carta, que pode ser feita em qualquer altura, ou o depoimento de um empregado de uma empresa – que depende dos rendimentos que lhe advém do seu trabalho nela e que para além disso está a tentar provar que fez o seu trabalho como lhe é dito, agora, que devia ter feito – no sentido de ter escrito e enviado essa carta, facto que pode ser determinante para a sorte de uma acção, não têm valor probatório suficiente para convencer desse envio.

         Muito menos, como no caso, em que (i) não há qualquer elemento de prova objectivo corroborativo – como por exemplo, uma carta cujo teor fizesse referência ao teor da carta que interessava provar – (ii) o único depoimento transcrito sobre o ponto pela exequente é perfeitamente artificial; (iii) os dois depoimentos invocados de facto na decisão recorrida dizem que sim, que certamente existem e foram enviadas, mas não têm nenhum conteúdo útil (e a própria exequente só transcreveu um deles, já se viu que sem valor); […]”

            Sobre a prova do exercício de direitos, veja-se também Jorge Morais Carvalho, Manual de direito do consumo, 2016, 3.ª edição, pág. 175: “apesar de a lei não impor uma forma especial para o exercício do direito, não deve deixar de salientar-se que o mais adequado passa pelo envio de carta registada com aviso de recepção. […] A prova do exercício do direito […] fica, por esta via, extremamente facilitada.”; David Falcão, Lições de direito de consumo, Almedina, 2019, pág. 133; João Pedro Leite Barros, O direito de arrependimento nos contratos electrónicos de consumo, Estudos de direito do consumidor, 14/2018, pág. 143; Fernanda Neves Rebelo, O direito de livre resolução no quadro geral do regime jurídico da protecção do consumidor, Nos 20 anos do Código das sociedades comerciais: homenagem aos Profs. Doutores António Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco Lobo Xavier, vol. II, Universi­dade de Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 610, nota 126. Apenas quanto à prova da recepção, veja-se também o ac. do TRC de 28/11/2018, proc. 494/14.7TBFIG-A.C1: II – O envio de uma carta, desacompanhada de aviso de recepção, na ausência de prova sobre o efectivo recebimento da carta, é insuficiente para provar que a mencionada comunicação do banco ao cliente foi feita.”

              Tudo isto é válido, por maioria de razão, para o alegado envio da carta do ponto 11 para o D, não interessando saber se haverá alguma justificação para o facto de o D não ter respondido, pois que primeiro importaria provar que a carta tinha sido emitida, enviada e recebida pelo D.

              Mas, além de a ré não ter feito prova do envio das cartas 8 e 11, a contraprova feita pelos autores mostra-se muito mais convincente, porque a testemunha mediador de seguros, que faz parte materialmente da organização de meios da ré, ela própria não tem ideia nenhuma de ter recebido a carta que, segundo a ré, sai automaticamente ao mesmo tempo que a carta enviada para o tomador do seguro e explicou porque é que seria natural que se lembrasse do facto se tivesse recebido a carta.

              O tribunal – seguido pela ré – desvaloriza este depoimento referindo um facto de que não há qualquer prova nos autos, isto é, que a testemunha lida com um volume grande de correspondência e por isso é que não se recorda da carta (o que, por outro lado contraria a experiência de vida das coisas: VFC teria uns 11 mil habitantes, contando com uns cerca de 15% de menores de 15 anos; apenas uma terça parte de habitantes estará segura; todos estes se repartirão por várias seguradoras e estas terão vários mediadores; tudo isto nunca permitirá que uma sociedade de mediação de seguros tenha grande correspondência; a própria ré admite que o mediador conhece toda a gente: “sendo que a maioria da correspondência se refere a clientes e, por isso, a pessoas também dele conhecidas, até porque no local (VFC) todos se conhecem”.

              Pelo exposto, eliminam-se dos factos provados os pontos 8 e 11.

                                                                 *

              Quanto aos pontos 5 e 6:

              Desde logo é evidente o erro de redacção do ponto 5 dos factos provados, mas os próprios autores descomplicam a questão: na primeira parte de 5 quis-se dizer que o 1.º autor e mulher não pagaram o recibo referido na segunda parte, isto é, o recibo de Dezembro de 2014.

              Por outro lado, resulta também claro que os autores não põem em causa que existe um recibo n.º 7073, correspondente ao período de 01/12/2014 a 31/12/2014, com o valor inscrito de 100,81€, embora não digam que ele foi emitido pela ré.

              Por fim, não interessa saber se ele foi emitido ou não, o que interessa é que ele existe, tem um número, corresponde a um período e tem inscrito um valor.

              Assim, o que está em dúvida é saber se foi pago o recibo de Dez2014 ou o de Janeiro de 2015.

              Ora, quanto aos factos também não há dúvida, com base no que a própria ré admite, daquilo que se pode dar como provado: no dia 09/01/2015 foi pago um recibo da ré no valor de 100,81€, existindo dois que estavam pendentes: o de Dez2014 e o de Janeiro de 2015.

              Esse recibo era o de Dez2014 ou o de Jan2015? Perante a prova produzida não há modo de o saber. Não se sabe nada quanto ao movimento e ao documento constante do extracto, e nada se sabe de concreto quanto ao que se passou com os recibos, porque a testemunha invocada BP se limitou a contar aquilo que a ré já tinha contado nas suas peças processuais sobre esses recibos e vicissitudes, mas sem qualquer outra prova para além da existência dos recibos. Tudo o que a seguradora diz é muito claro mas não tem na sua base qualquer prova documental e a testemunha limita-se a repetir o que já constava.

              O 1.º autor tanto pode ter dado ordem para pagar, por débito directo pontual (nem todos os débitos directos têm que ser utilizados para pagamentos recorrentes), um daqueles recibos, não se sabe qual, como se pode ter limitado a dar ordem para pagar um certo valor, ou pode-se ter limitado a aprovisionar, tal como sugerido pela ré, a sua conta e os fundos em causa terem servido para pagar um desses recibos, dos dois que à data já estavam pendentes (do que não há dúvida visto que o seguro era pago com mensalidades com períodos certos), ou ter servido para pagar apenas o de Janeiro de 2015 que podia ser o único que estava no banco. Mas, mesmo nesta hipótese, não seria possível dizer que o 1.º autor tinha querido pagar aquele preciso recibo, por não haver quaisquer elementos de prova dessa intenção ou de prova de como o 1.º autor fez o pagamento.

              Com os dados que constam do processo é impossível saber o que se passou, excepto o já referido, tudo o resto sendo puras especulações. É certo, entretanto, que é muito pouco credível que o 1.º autor, não podendo deixar de saber, como já se disse, que estavam duas mensalidades vencidas por pagar, tivesse dado ordem de pagamento da 2.ª em vez da 1ª. E também é certo, por outro lado, que, se as coisas se passarem como a ré diz que elas se passam normalmente, o recibo de Dez2014 já não estaria no banco para pagamento, pelo que o recibo que seria pago, seria o de Janeiro de 2015. Mas repete-se, primeiro, que mesmo que tal fosse o que se passa normalmente, tal não tem de ser o que se passou no caso em concreto e, segundo, mesmo aí não haveria qualquer prova de que o 1.º autor tivesse consciência de, ou querido, estar a pagar esse segundo recibo.

              Dito de outro modo, a ré e a sua testemunha dizem que o 1.º autor pagou o 2º recibo, de Janeiro de 2015, por ser esse o único recibo que podia estar no banco, mas, mesmo que fosse assim – do que não há prova -, tal não implicaria que o 1.º autor, ao fazer o aprovisionamento da sua conta com 100,81€ ou ao dar ordem de pagamento de 100,81€ à ré, tivesse querido ou tivesse consciência de estar a pagar o 2.º recibo e não o 1.º

              Pelo que não se pode dar como provado aquilo que consta dos factos provados, isto é, que o autor tenha pago a mensalidade/recibo de Janeiro de 2015, mas apenas que:

        1. Em 09/01/2015 estavam pendentes dois recibos referentes às mensalidades do seguro, ambos no valor de 100,81€: um com o n.º 7073, correspondente ao período de 01/12/2014 a 31/12/2014, e outro com o n.º 4489, correspondente ao período de 01/01/2015 a 31/01/2015.
        2. Através da referida conta do 1.º autor foi pago à ré, em 09/01/2015, o valor de 100,81€.

                                          *

                                                          Ponto 10

              Em 10 consta que o 1º autor nunca comunicou à ré o falecimento da mulher.

              O tribunal fundamentou assim a sua convicção, na parte que interessa:

         […] o facto 10 resulta do depoimento do mediador de seguros CA, o qual nos explicou, num depoimento espontâneo e genuíno, que o 1º autor o procurou para saber quais os passos que deveria tomar para accionar o seguro por morte da sua mulher. Contudo, tendo contactado o seu comercial de forma informal, descobriu que a apólice estava anulada por falta de pagamento e avisou o autor desse facto, tendo aquele dito que iria falar com o advogado, nunca mais o tendo contacto. Nem nesse dia, nem posteriormente, o 1º autor alguma vez facultou à ré (ou ao mediador) a certidão de óbito da mulher ou qualquer outro documento relacionado com a morte daquela, conforme nos explicou também GB, que garante só conhecer do sinistro por ter sido interposta acção judicial.

              O autor contrapõe que:

         24 – Questão diferente, mas não menos interessante, é o facto 10: concluiu o tribunal que o autor não comunicou o falecimento da esposa. Mas, será mesmo assim?

         25 – O tribunal, na fundamentação de facto a este ponto, aceita ser verdade, como aliás, ninguém contestou, que o autor foi ter com o mediador de seguros para lhe comunicar a morte e saber os procedimentos.

         26 – O tribunal, na fundamentação de facto a este ponto, aceita ser verdade, como aliás, ninguém contestou, que o mediador de seguros, por sua vez, contactou o seu comercial, leia-se representante da seguradora nos Açores, para lhe comunicar a morte e saber os procedimentos.

         27 – O tribunal, na fundamentação de facto a este ponto, aceita ser verdade, como aliás, ninguém contestou, que o dito comercial, leia-se representante da seguradora nos Açores, informou o mediador de que a apólice afinal estava anulada.

         28 – O tribunal, na fundamentação de facto a este ponto, aceita ser verdade, como aliás, ninguém contestou, que o dito mediador informou o autor de que a apólice afinal estava anulada e não havia nada a fazer.

         29 – Apesar de tudo isso, conclui que “não comunicou”(!)

         30 – Então o mediador não representa, para este efeito, a companhia?

         31 – Veja-se o artigo 31/2 do RJCS: “Quando o mediador de seguros actue em nome e com poderes de representação do segurador, os mesmos actos realizados pelo tomador do seguro, ou a ele dirigidos pelo mediador, produzem efeitos relativamente ao segurador como se fossem por si ou perante si directamente realizados.”

         32 – Veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26/01/2017, proc. 656/11.9TVPRT.P1.S1, o qual, numa situação até de nem entrega do contrato de seguro à seguradora por parte do mediador, mesmo assim, responsabiliza a seguradora pelos actos da sua costumeira mediadora, com base numa relação aparente [… e o ac. do STJ de 01/04/2014… e a anotação de Pedro Romano Martinez faz a este último in JURISMAT Portimão nº 5, 2014 p.p.27-61]

         33 – Mais, não bastando, o que já era suficiente, o mediador comunicou ao seu comercial, ou seja, ao representante da seguradora nos Açores, o qual vincula a sociedade (artigos 252/6 do Código das Sociedades Comerciais e 258 do CC)!

         34 – É que não está em causa a veracidade destes contactos, o que até poderia estar, está só em causa concluir-se que, apesar de tudo isto, não foi comunicado!!!

         35 – De qualquer modo, ouçamos o mediador [as partes entre parenteses rectos foram colocadas por este TRL de acordo com a gravação do depoimento]:

          Na apresentação: “Eu sou agente da seguradora”;

          Min. 2:10: “ao fim de 15 dias [ou um mês] foi lá dizer que a esposa tinha falecido”;

          Min. 3:50: “escrevi um email (ao comercial [não à C, segundo esclarece a 4:08]) e fui informado [foi-me enviado a informação, via e-mail, de] que estava anulado”;

         Min. 6:12: “o meu comercial foi ao sistema e viu que estava anulado”

          Min. 6:45: “o meu comercial é funcionário da C”;

          Min. 7:02: “são os funcionários para SM e todas as Ilhas dos Açores”;

          Min. 7:12: “estão num edifício interno a que só nós temos acesso”;

          Min. 7:18: “é [tipo] uma representação da C [pergunta do juiz a que a testemunha responde sim, sim]”;

          Min. 7:40: o representante da C [mas a testemunha referia-se a comercial não a representante] disse-lhe “ó CA, não vais fazer mais nada porque a apólice está anulada”…

         36 – Deve pois o ponto 10 ser substituído pelo seguinte: Logo após o falecimento da mulher, o autor, através do mediador de seguros e do comercial da ré nos Açores, comunicou à ré, o falecimento.

         37 – Acrescente-se de qualquer modo, dar por provado o ponto 10 da sentença “nunca comunicou” não tem qualquer sentido, pois em última instância sempre o teria feito através dos presentes autos!

              A ré acrescenta à fundamentação da sentença o seguinte:

         Mais, a testemunha [CA] confirmou ainda que não contactou a ré e que não houve participação do sinistro do óbito da mulher do 1.º autor, porque a apólice estava anulada por falta de pagamento, pelo que nem ele, nem o comercial, fizeram, mais nada, nem podiam fazer.

         E disso foi informado e ficou ciente o 1.º autor, ou seja, o 1.º autor sabia que nem o mediador de seguros, nem o comercial, iam comunicar ou registar na ré a informação sobre o óbito da sua mulher, porque a apólice foi anulada por falta de pagamento do prémio de seguro.

         E repare-se que, perante esta informação, e segundo o depoimento da mesma testemunha, o 1.º autor desvalorizou a informação sobre a anulação da apólice, não demonstrando, por isso, qualquer surpresa perante essa informação.    

         E não obstante a informação sobre a anulação da apólice, o 1.º autor não cuidou de contactar a ré, pedindo esclarecimentos ou reclamando da anulação da apólice por falta de pagamento do prémio de seguro e ou tentando recuperar aquela apólice ou contratar nova apólice.

         Para o efeito, e como é óbvio, podia o 1.º contactar por escrito, quer por correio electrónico, quer por via postal, a ré o que não alegou sequer ter feito.

         Assim, nem o mediador de seguros, nem o comercial explicaram ao 1.º autor quais os procedimentos para comunicação da morte da mulher do 1.º autor e nem precisavam de o fazer pois do contrato de seguro, concretamente da [transcrita] cláusula 29.º das condições gerais do contrato de seguro resulta expressamente que são considerados imprescindíveis à análise e pagamento de qualquer importância segura, em caso de morte da pessoa segura, o certificado de óbito da pessoa segura e relatório médico no qual se especifique a causa, antecedentes e circunstância em que a morte ocorreu […].

         Ora, os autores não alegam, nem juntam aos autos qualquer prova da entrega de tais documentos comprovativos do óbito da sua mulher e da causa da tal morte à ré, directa ou indirectamente, o que, efectivamente, não aconteceu, como confirmou o mediador de seguro CA.

         De resto, o mediador de seguros não representa a ré para efeito de comunicação do óbito.

         E o ac. do STJ de 26/01/2017, proc. 656/11.9TVPRT.P1.S1 não tem qualquer aplicação ao presente caso primeiro porque aquele caso se refere à celebração de um contrato de seguro, quando o que está aqui em causa é a comunicação de um sinistro, e depois porque naquele processo a seguradora teve uma actuação negligente e descuidada para fundar a confiança dos tomadores de seguro em que a “mediadora” contratava os seguros em sua representação, o que não aconteceu neste caso.

         O comercial da seguradora nos Açores é um mero funcionário e não representante da ré, pois a gerência da ré não lhe emitiu procuração, pelo não vincula a ré – cfr. artigo 252/6 do CSC.

              Decidindo:

              Também aqui é claro o que está em causa: a sentença recorrida e a ré querem colocar nos factos provados uma conclusão de direito e os autores querem tirar a conclusão oposta. Mas o que interessa é o que se passou de facto e quanto a isso não há dúvida: o 1º autor cerca de 1 mês depois do falecimento da mulher foi ter com o mediador de seguros através do qual tinha celebrado o contrato e deu-lhe conhecimento disso, com o fim de saber o que havia de fazer a seguir, e este mediador informou esse falecimento por e-mail ao seu “comercial”, empregado da ré, que lhe respondeu que o seguro estava anulado pelo que não havia nada a fazer e o 1.º autor nada mais fez até intentar esta acção. O tribunal e a ré não consideram que isto seja suficiente, para haver uma comunicação, para além do mais porque consideram que se trata de uma comunicação informal, mas também porque não teria sido acompanhada de outros elementos necessários. Mas isto já é uma discussão sobre matéria de direito. Tal como o é a pretensão do autor de considerar que o ‘comercial’ era um empregado nacional, representante da ré nos Açores e que os contactos descritos consubstanciam uma comunicação eficaz.

              A ré diz que a testemunha não participou o sinistro à ré, e a testemunha disse-o em resposta à pergunta da mandatária da ré [(4:26 a 4:29)], mas trata-se dos nomes que se empregam para as coisas; a testemunha disse ter informado o seu comercial – que é empregado da ré – por e-mail; se isso é uma participação ou comunicação à ré ou não, do ponto de vista do direito, é algo a ser discutido mais à frente.

              A ré diz que o 1.º autor “não demonstrou, por isso, qualquer surpresa perante essa informação [da anulação da apólice]” mas tal não corresponde à verdade, como se pode ouvir de 7:45 a 9:00; mais uma vez a ré não indica as passagens para comprovar o que diz. E muito estranho seria que o 1.º autor, tendo ido ter com o mediador para saber os procedimentos a seguir, logicamente no pressuposto que o seguro estava em vigor (ao menos na lógica do seu comportamento) não tivesse qualquer surpresa quando lhe é dito que a apólice estava anulada (para mais tendo ele dito que ia então contactar o seu advogado).

              O que importa, pois, é descrever nos factos provados aquilo que se passou – que não foi bem o que os autores dizem, como decorre das alterações introduzidas na transcrição das passagens do depoimento da testemunha em que os autores se baseiam -, e sem as conclusões que os autores querem tirar quanto à representação, pois que ninguém, a não ser o juiz, mas noutro contexto [o edifício], falou nela.

              Assim:

        1. O 1.º autor, cerca de 1 mês depois do falecimento da mulher, foi ter com o mediador de seguros através do qual tinha celebrado o contrato e deu-lhe conhecimento do falecimento, com o fim de saber o que havia de fazer a seguir, e este mediador informou esse falecimento por e-mail ao comercial da seguradora nos Açores, empregado da ré, que lhe respondeu que o seguro estava anulado pelo que não havia nada a fazer, o que o mediador transmitiu ao 1.º autor e o 1.º autor nada mais fez até intentar esta acção.

                                                                  *

                                                                (C)

                                 Do recurso sobre matéria de direito

              A sentença recorrida tem a seguinte fundamentação para a sua decisão da improcedência da acção [que se sintetiza e simplifica]:

         O contrato de seguro regula-se também pelas condições gerais, especiais e particulares da apólice, não proibidas por lei, e, na sua falta ou insuficiência, pelo respectivo regime jurídico (DL 72/2008, de 16/04) e pelos artigos 443 e seguintes do Código Comercial.

         No presente caso, através de um contrato de seguro de vida com a ré, titulado pela apólice 81/456412, foi garantido o pagamento do empréstimo em caso de morte ou invalidez absoluta e definitiva.

         Defende a ré que, aquando da data do sinistro, o contrato de seguro já se encontrava resolvido por falta de pagamento do prémio.

         A questão fulcral é assim, saber se se o contrato de seguro foi ou não resolvido eficazmente.

         Esta questão tem de ser solucionado no confronto como clausulado do próprio contrato sem esquecer o regime jurídico do contrato de seguro.

         Conforme decorre da matéria provada, a seguradora comunicou a falta de pagamento ao/s tomador/es de seguro, dando-lhe/s um prazo adicional para o pagamento (que não foi feito), bem como ao banco, enquanto beneficiário irrevogável, o qual nada disse (artigo 204 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro) [aqui a sentença conclui que foram seguidos os procedimentos previstos nas cláusulas 18/1, 19/3 e 19/4 do contrato, que transcreve; a sentença utiliza a expressão tomador de seguro quer no singular quer no plural, por isso, na simplificação, utilizou-se as duas formas em simultâneo – TRL].

         “Assim, e tendo o autor e a sua mulher deixado de pagar o prémio de seguro (obrigação também consagrada no artigo 202 do RJCS), e tendo a seguradora interpelando-os para tal, sob pena de resolução do contrato, bem como avisado o beneficiário irrevogável, teremos de concluir pela validade da resolução efectuada” e terá a presente acção de ser julgada procedente.

         Nem tem sentido a alegação do autor que desconhecia tal resolução, uma vez que, após a comunicação remetida pela seguradora, deixou de pagar os prémios mensais do seguro, tendo estado mais de um ano sem efectuar qualquer pagamento a este título.

              Os autores dizem o seguinte contra isto:

        1. Nos termos do art. 784 do Código Civil, como é lógico, sempre que há duas prestações a pagamento e só é paga uma, nada sendo dito, deve aquela ser adstrita à mais antiga.
        2. Mesmo que a ré alegue que é o seu sistema automático que cobra assim, acima destes sistemas sem rosto está o nosso sistema jurídico!
        3. Não tendo o autor recebido a carta a informar da falta de pagamento, o contrato mantém-se em vigor. Aliás,
        4. Além do autor, a mulher também tinha de ter recebido essa carta, por ser também segurada, o que nem sequer é alegado, pelo contrário, diz-se que só foi enviada ao autor, o que desde logo desrespeita o art. 36/3 da Constituição, o qual consagra a igualdade de direitos entre os cônjuges.
        5. Citemos o já supra citado ac. do TRL de 08/11/2012, no proc. 428/11.0TVLSB.L1-2: […] “Além disso, estamos perante um contrato indivisível, ou seja, uma vez que ambos os cônjuges eram segurados na mesma apólice, não era possível resolver o contrato apenas em relação a um deles. Neste conspecto haveria a ré de enviar uma carta de interpelação com a cominação de resolução, também à autora. Ora, a ré não alegou que o tivesse feito, pelo que a resolução do contrato nunca operaria.” [… os autores citam outras passagens deste acórdão, todas referentes à questão da indivisibilidade, que agora se omitem].
        6. Além dessa carta, teriam ambos também de receber uma notificação da efectiva resolução do contrato, de modo a poderem exercer o direito de reposição previsto na cl.ª 26 das CG, o que não foi feito, nem sequer foi alegado, pelo contrário, diz a ré que nada mais comunicou ao autor.
        7. Quanto ao facto de os meses passarem e o autor não se ter apercebido, novamente a palavra ao citado ac. do TRL de 08/11/2012, no proc. 428/11.0TVLSB.L1-2 [que de novo os autores citam com desenvolvimento que aqui se omite].
        8. Sendo certo que no nosso caso, tudo era feito por transferência automática, conforme documentado.
        9. Sendo certo que no nosso caso, a conclusão de que a inércia do banco não é de admirar “atenta a resolução de que foi alvo por parte do BdP, a qual é de conhecimento público” que o tribunal recorrido usa para fundamentar o facto 11, aqui é que faz todo o sentido, para se perceber quão normal é não se dar por este facto durante um ano.
        10. Sendo certo que, ao contrário do que indicia a fundamentação, o facto de no extracto junto não haver mais pagamentos que não a prestação e o seguro, não podem significar automaticamente que aquela seria a sua única conta bancária!
        11. Ensina a experiência da vida que uma pessoa, no caso, um lavrador proprietário de mais terras e gado, ou seja essa pessoa quem for, pode ter mais alguma conta, mais algum extracto que não apenas a folhinha junta aos autos, aliás quem tem um crédito de 220.320,39€, conforme consta da dita folhinha, é natural que não tenha por único movimento mensal a quantia de 100,80€!
        12. Do mesmo modo que é bastante natural que, tratando-se do ano em que a mulher do autor, ainda nova, definhava vencida pelo cancro, houvesse coisas mais importantes em que pensar do que se o Banco estaria ou não a pagar os 100,81€, aliás, diga-se, miseráveis, se comparados com o valor supremo da vida e o desgosto que terá sido cada um desses dias a caminho da morte…

              A ré responde que:

         O artigo 784 do CC, como decorre expressamente da sua epígrafe, estabelece as regras supletivas de imputação do cumprimento, pelo que não se tratam de normas imperativas, podendo ser derrogadas pela vontade das partes.

         E, neste caso, existe um acordo de imputação das dívidas.

         Conforme dado comprovado e em cumprimento do disposto na cláusula 18/1 das cláusulas gerais, a ré enviou comunicação ao autor, na qualidade de tomador de seguro, da falta de pagamento do preço.

         Tendo a carta sido depositada no receptáculo de correio da morada do 1.º autor constante do contrato de seguro em apreço e não tendo a carta vindo devolvida à ré remetente, se o autor não a recebeu foi por sua culpa pois estava em condições de a receber, pelo que tal comunicação mantém a sua eficácia, nos termos do artigo 226.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil.

         Nos termos da cláusula 18/1 das cláusulas do seguro a comunicação da falta de pagamento apenas tem que ser efectuada ao tomador de seguro.

         Nos termos das condições gerais da apólice de seguro contratada pelo 1.º autor o tomador de seguro é a entidade que celebra o contrato com a seguradora e que é responsável pelo pagamento dos prémios e a pessoa segura é a pessoa de que depende, nos termos contratuais, o funcionamento das garantias.

         A mulher do 1.º autor não é tomadora de seguro, mas apenas pessoa segura.

         Pelo que aquela comunicação não tinha que ser feita à mulher do 1.º autor, que sendo apenas segurada, e não também tomadora de seguro, não tinha que ser interpelada para pagar nem tinha que ser interpelada do incumprimento pois a interpelação admonitória deve apenas ser dirigida ao tomador de seguro.

         O que não constitui qualquer violação do princípio da igualdade de direitos entre os cônjuges enunciada no artigo 36/3 da CRP, pois tal igualdade de direitos entre os cônjuges refere-se à igualdade da capacidade civil e política e na manutenção e educação dos filhos, que não são postos em causa pelo facto da carta de interpelação do incumprimento ter sido remetida apenas para o 1.º autos, na qualidade de tomador do seguro, conforme convencionado no contrato de seguro em apreço.

         O excerto do ac. do TRL de 08/11/2012, do proc. 428/11.0TVLSB.L1-2, transcrito pelos recorrentes, defende que a carta de interpelação com a cominação da resolução tinha que ser feita a ambos os cônjuges porque, ao contrário do presente caso, os cônjuges eram ambos segurados e tomadores de seguros, ou seja, celebraram ambos com a seguradora o contrato de seguro, pois ambos subscreveram a proposta de seguro, o que não aconteceu neste caso, e estavam por isso, ambos obrigados ao pagamento do respectivo prémio.

         Neste caso, a esposa do 1.º autor não assinou a proposta de seguro, não foi parte outorgante do contrato de seguro em apreço, sendo apenas pessoa segura pelo mesmo.

         Aquela carta já advertia que, na falta de pagamento do prémio de seguro em dívida, seria considerado resolvido o contrato, pelo que a ré não estava obrigada a efectuar nova notificação de resolução efectiva, mesmo para efeitos de exercício do direito de reposição, porque a resolução operou-se em 30/01/2015.

         A inércia do D não tem a ver com a normalidade de passar despercebido o pagamento de prémios, mas sim com a resolução de que foi alvo por parte do BdP, como refere a sentença recorrida.

         Apesar do pagamento ser efectuado por transferência bancária e ainda que o 1.º autor e a mulher tivessem mais de uma conta bancária em seu nome, o 1.º autor recebia os extractos bancários da conta bancária aberta em nome do 1.º autor no D e, precisamente por não haver muitos pagamentos da conta em questão e de o valor do prémio mensal ser significativo, era fácil detectar a falta do pagamento dos prémios de seguro por mais de 20 meses!!!

         Refere o 1.º autor que se tratou de um ano em que a sua mulher estava doente a definhar, mas desconhecemos a data desde a qual a mulher do 1.º autor esteve doente e a verdade é que o 1.º autor e a mulher não receberam qualquer recibo da ré, nem pagaram qualquer prémio por um período superior a um ano, ou seja, conforme referido, durante mais durante um ano e oito meses!

              Posto isto,

                                                               (D)

Se o contrato de seguro estava resolvido

             Eliminados os factos sob 8 e 11, cai por terra a conclusão da resolução do contrato, porque nem sequer houve a comunicação de resolução prevista nas cláusulas contratuais citadas (18/1, 19/3 e 19/4).

              A benefício da discussão, suponha-se, no entanto, que se tinha provado que a ré tinha enviado tais cartas (nesse caso, de qualquer modo, a resolução – não a anulação como lhe chama a ré – só teria ocorrido 15 dias depois do envio da carta do ponto 11, ou seja, já em Março de 2015 e não em 30/01/2015).

         Para a resolução ser eficaz tinham que estar verificados os pressupostos respectivos.

              A resolução pressuponha que estivesse em dívida na data do prazo adicional concedido pela carta do ponto 8 – até 29/01/2015 – a prestação/prémio de Dez2014.

              No dia 09/01/2015, antes desse prazo, o 1.º autor pagou o valor de uma prestação em dívida.

                                        Da imputação do pagamento

              A ré e a sentença recorrida dizem que o prémio que foi pago foi o de Janeiro de 2015, que também já estava vencido, ficando por pagar o prémio de Dez2014.

              Com a eliminação do ponto 6 dos factos provados, deixou de se poder dizer que fosse aquele o prémio pago.

              Foi pago um dos dois mas não se sabe qual. Não estando provado que o prémio pago tenha sido o de Janeiro de 2015, não está verificado um dos pressupostos da resolução: a falta de pagamento do prémio de Dez2014.

              Mas a ré pode tentar continuar a dizer que a forma de pagamento dos prémios, por débito directo, conforme constante das cláusulas gerais do contrato e da autorização expressa do autor/tomador do seguro, lhe permite a imputação do pagamento dos 100,81€ na prestação de Janeiro de 2015, embora estivesse em dívida também a prestação de Dez2014. E a ré invoca a existência de um acordo nesse sentido do autor.

              Mas o autor, ao aderir ao contrato com a cláusula do débito directo e ao aceitar o débito directo, não acordou em qualquer cláusula que derrogue as regras supletivas do art. 784/1 do CC. Não há nenhuma cláusula das CG que tome posição nesse sentido.

              Pelo que, não havendo factos que permitam dizer que ele designou a dívida de Janeiro de 2015 como aquela que devia ser paga, vigoram as regras supletivas daquele artigo: estando ambas as prestações em dívida, não oferecendo qualquer delas menor garantia para a seguradora, e não sendo nenhuma delas mais onerosa para o devedor, a regra supletiva imediatamente a seguir, e por isso aplicável, é aquela que diz que entre várias dívidas igualmente onerosas, se faz na que primeiro se tenha vencido.

              Assim, o pagamento deve considerar-se feito no prémio de Dez2014.

                                                         Da boa-fé

              De novo a benefício da discussão, suponha-se, no entanto, que se podia dizer que a ré podia imputar o pagamento na prestação de Janeiro de 2015.

              Isto, no entanto, não seria legítimo do ponto de vista da boa-fé: no exercício dos direitos, as partes devem proceder de boa-fé: art. 762/2 do CC.

            É inconcebível, deste ponto de vista, que havendo uma prestação mais antiga em dívida que, sendo paga, evitaria a resolução do contrato, o credor pudesse escolher uma outra prestação mais nova, deixando em dívida a prestação mais antiga, provocando assim a resolução do contrato. Os credores, quando têm – se tiverem – a hipótese de fazer uma imputação de pagamentos em certas dívidas, não podem, de boa-fé, escolher aquela que vai provocar um prejuízo absolutamente desproporcional ao devedor (a resolução do contrato que cobria o risco de perda de rendimentos para pagar um crédito para a compra de habitação, o que pode levar à perda desta) em comparação com a vantagem conseguida pelo credor (o ganho imediato de algum dinheiro inerente à necessidade de, mais tarde, o devedor ter que celebrar um novo contrato de seguro). Os contratos existem para ser cumpridos – se as partes celebram um contrato é porque têm interesse nele – e não para que as partes possam aproveitar o mais pequeno pretexto, mesmo que praticamente irrelevante, que se depara na vida do contrato para resolver o mesmo. Ainda para mais no tipo de casos assinalado. Como ponto de apoio veja-se também o art. 802/2 do CC: o credor não pode, todavia, resolver o negócio, se o não cumprimento parcial, atendendo ao seu interesse, tiver escassa importância (mesmo que o contrato diga o contrário: para o controlo judicial de cláusulas contratuais desse tipo, veja-se o estudo de Brandão Proença, A cláusula resolutiva expressa como síntese da autonomia e da heteronomia (considerações a partir da análise de uma decisão judicial), publicado em Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Heinrich Ewald Hörster, Almedina, Dez2012, págs. 324 a 332) e o ac. do TRL de 25/05/2017, proc. 27768/15.7T8LSB.L1 que o invoca: o exercício do direito convencional de resolução tem de estar sujeito a controlo e não deve ser admitido “se se revelar desproporcional por colidir com as superiores razões de uma justiça material absoluta ou lesar um equilíbrio substancial.”).

                                                                 *

              A sentença recorrida diz que não tem sentido a alegação do autor de que desconhecia a resolução, uma vez que, após a comunicação remetida pela seguradora, deixou de pagar os prémios mensais do seguro, tendo estado mais de um ano sem efectuar qualquer pagamento a este título. Mas como a resolução não ocorreu, não interessa que o 1.º autor e sua mulher tivessem razões para saber que algum problema havia com o seguro. Este conhecimento do 1.º autor e da sua mulher não tornaria eficaz uma resolução ineficaz. E como por vários modos se demonstra essa ineficácia da resolução (outro modo será referido a seguir), não se vai perder tempo com a questão, na linha dos acórdãos que se referirão a seguir.

                                                                (E)                        

Da resolução do contrato comunicada só ao 1.º autor

              Os autores têm um outro argumento para defender que não houve resolução eficaz. É que a carta da resolução – se tivesse sido enviada – tinha que ser também enviada para a mulher, segundo dizem, lembrando nesse sentido o acórdão do TRL de 08/11/2012, proc. 428/11.

              A seguradora responde a isto que a mulher era pessoa segura e não tomadora do seguro e que o acórdão lembrado pelos autores diz respeito a um caso em que ambos os membros do casal eram tomadores do seguro.

              Antes de mais, note-se que no ponto 1 dos factos provados se diz que o contrato foi celebrado pelo 1.º autor e pela mulher, pelo que ambos seriam contratantes, partes no contrato. Mas como parte no contrato de seguro é, no caso, apenas, para além da seguradora, o tomador do seguro, e como só o marido é que participou no contrato como tomador, só ele pode ser considerado parte no contrato como tomador (sendo também segurado, pessoa segura e beneficiário da prestação; a mulher é tudo isto excepto tomadora do seguro – têm-se em conta, em primeira linha e de uma forma simplificada, as definições de Margarida Lima Rego, Contrato de Seguro e terceiros, Coimbra Editora, 2010, págs. 41 a 61).  

              Formalmente, pois, contra o que consta do ponto 1 dos factos provados, parte no contrato é só o 1.º autor, como tomador, único obrigado ao pagamento do prémio. Mas note-se desde já que o seguro foi contratado para segurar o risco de não se poder pagar um empréstimo contraído pelos dois cônjuges – como foi alegado pelos autores, sem impugnação da ré – sendo que, para além disso, os dois eram casados no regime de comunhão geral de bens (como resulta do assento de casamento, não impugnado, no qual consta que foi celebrada uma convenção antenupcial para esse efeito). Estes factos devem pois ser considerados provados, ao abrigo do disposto nos arts. 663/2 e 607/4, ambos do CPC.

              Para além disso, há que ter em conta que a mulher do 1.º autor era, tal como este, segurada (“o sujeito que se situa dentro da esfera de protecção directa e não meramente reflexa, do seguro, de quem pode afirmar-se, em suma, que está ‘coberto’ pelo seguro”, ou, dito de outro modo, “aquele por conta de quem o tomador celebra o seguro” – Margarida Lima Rego, obra citada, págs. 46 e 48), pois que o que está coberto é o risco que os ameaça de que ocorram “eventos incertos aptos a interromper o seu processo de formação de poupança e a comprometer o cumprimento de uma dívida a um terceiro, o banco” (estas últimas linhas parafraseiam a anotação de Maria Inês de Oliveira Martins ao ac. do STJ de 13/11/2018, proc. 1699/16.1T8PNF.P2.S2, com o titulo “Pluralidade subjetiva no contrato de seguro e determinação da qualidade dos intervenientes”, publicado nos Cadernos de direito privado, n.º 64, Out/Dez2018, pág. 77), para além de pessoa segura e ainda beneficiária do capital seguro remanescente no caso da sua invalidez e no caso da morte do 1.º autor seu marido (tal como este o era no caso da sua invalidez ou no caso da morte da mulher). Ora, nestes casos, os dois segurados são os titulares dos direitos emergentes do contrato e aquele que é o único tomador do seguro, mesmo na posse da apólice, não os pode exercer sem o consentimento do outro (art. 48/3 do RJCS). Assim, o seguro não podia deixar de ser considerado como tendo sido contraído pelo marido também por conta de outrem, a mulher (arts. 47/3 e 48 do RJCS).

              Posto isto, não é verdade, ao contrário do que diz a ré, que o acórdão do TRL dissesse respeito a um caso em que ambos os cônjuges eram tomadores do seguro, como resulta da leitura dos factos assentes B e D desse acórdão: A 20/01/2000, a autora e o marido subscreveram a proposta de seguro junta […], proposta essa em que figura como tomador do seguro o marido, pessoas seguras o marido, residente no […] e a autora, capital a segurar […]. A 31/01/2000 a ré emitiu a apólice n.º […], com o seguinte teor: Tomador do seguro – marido da autora (…). 1. Pessoa segura – marido da autora; 2. Pessoa segura – autora;

              E nesse acórdão ainda se invocam outros em que só um dos cônjuges era tomador e a solução tinha sido a mesma.

              O que a ré podia dizer era que o regime era outro (Decreto de 21/10/1907 – que só veio a ser revogado pelo art. 6/2-b do DL 72/2008, de 16/04 – cujo art. 33 falava em aviso para o segurado e não para o tomador de seguro).

              Mas, para além desta (a lei antiga impor expressamente o envio de aviso para ambos os segurados), a razão de decidir a ineficácia da resolução feita só a um dos cônjuges, naquele acórdão, não foi só essa, mas também a da indivisibilidade da obrigação e foi esta que os autores invocaram quando referiram o acórdão do TRL e a ré, quanto a isto, nada diz.

              Com efeito, o ponto II do sumário do acórdão é o seguinte: “A resolução do contrato de seguro vida tinha, no âmbito da vigência do art. 33 do Decreto de 21/10/1907, de ser feita através de comunicação a todos os segurados e não só ao tomador do seguro. Para além de que, “perante um contrato indivisível, não é possível resolver o contrato apenas em relação a um dos devedores”.

            E no mesmo sentido já foram, entre vários outros, para além dos referidos naquele acórdão, os seguintes acórdãos das relações: do TRC de 11/03/2014, proc. 1336/12.3T2AVR.C1; do TRG de 06/10/2016, proc. 653/14.2T8GMR.G1 (com um voto de vencido); do TRL de 22/03/2018, proc. 1816/15.9T8AML.L1-6; e do TRG de 04/04/2019, proc. 307/16.5T8PVL.G1 [que refere muitos outros no mesmo sentido]; a ainda, também apenas por exemplo, os seguintes acórdãos do STJ:

            Ac. do STJ de 13/11/2018, proc. 1699/16.1T8PNF.P2.S2:

         I – Na situação em apreço nestes autos, ambos os então cônjuges, a autora e o falecido seu ex-marido, que se haviam obrigado a celebrar e a manter seguro de vida para garantia do cumprimento de mútuo outorgado com o banco – que destinaram a aquisição do prédio em que instalaram a sua casa de morada de família –, uma vez aceites pela seguradora as propostas de adesão que lhe apresentaram, concluíram o contrato a cuja outorga ambos se encontravam adstritos.

         II – Independentemente do nomen que os contraentes possam reputar como atribuível a cada um dos dois subscritores dessas propostas de adesão – em que os mesmos apuseram as suas assinaturas, ele, nos locais destinados à 1.ª pessoa segura e ao tomador de seguro, e ela, (apenas) no local destinados à 2.ª pessoa segura – resulta das circunstâncias que rodearam a celebração do contrato que ambos, mediante tais propostas, expressaram a sua vontade de o outorgar e informaram a seguradora do risco que pretendiam segurar, pelo que, ambos se tornaram na realidade parte no contrato individual de seguro celebrado, qualquer deles como titular da cobertura ou pessoa no interesse da qual era feito o seguro e não por conta de uma terceira pessoa (“segura”), sobre quem recaísse o risco segurado e cuja vida ou integridade física (capacidade) se segurava, e daí que a autora não se tenha limitado a satisfazer o requisito do consentimento a que o contrato fosse celebrado pelo seu marido (cf. art. 43.º, n.º 3 da LCS).

         III – Portanto, tanto o falecido marido da autora como esta própria, preenchendo e entregando uma declaração individual (proposta) de adesão ao contrato-quadro que lhes foi apresentado pela predisponente/seguradora, celebraram o seguro, enquanto pessoas seguras mas também como tomadores-segurados e, nessa qualidade, com toda a protecção que desse estatuto lhes adveio, como iguais titulares de todos os direitos e deveres nascidos com a celebração do contrato, designadamente o do pagamento dos prémios de seguro estipulados.

         IV – Tratando-se de um contrato celebrado com o propósito de o dar em garantia ao banco mutuante e em que a proposta de adesão corresponde a declaração negocial mediante a qual cada um dos participantes se torna parte no respetivo contrato individual de seguro cujo conteúdo não foi objeto de negociação individual, valem aqui, com especial saliência, as exigências decorrentes, tanto das regras da boa-fé, como da intenção há muito concretizada pelo legislador em várias áreas do nosso ordenamento jurídico de garantir a proteção do consumidor, pela confiança que a parte mais fraca investe no comportamento da outra no âmbito dos negócios ora em causa, a que tudo acresce o interesse público da manutenção do seguro de vida, por merecer mais ampla proteção legal do que a generalidade dos seguros.

         V – Assim, em caso de mora no pagamento dos prémios de seguro de vida conexo com o contrato de mútuo bancário, uma vez que quem contratou o seguro foram ambos os cônjuges e s[ão] os dois devedores, os deveres que oneravam a ré seguradora obrigavam-na a remeter também à autora a notificação admonitória para efectuar a pagamento dos prémios em dívida, bem corno a comunicar-lhe a intenção de resolução do contrato, na medida em que esta, sendo um meio de extinção do vínculo contratual por declaração unilateral (receptícia) de uma das partes, deve ter como destinatários todos os intervenientes no contrato de seguro.

         VI – A jurisprudência deste STJ relativa à resolução de um contrato de seguro que tenha como aderentes ambos os cônjuges sempre foi no sentido de reputar como indivisível a obrigação do pagamento dos prémios e, por isso, exigível que as referidas comunicações (admonitória e resolutiva) sejam dirigidas a ambos os segurados.

         VII – Embora o art. 6 do DL 72/2008, que aprovou a lei do seguro em vigor, tenha revogado o art. 33 do Decreto de 21/10/1907 – que estabelecia expressamente que o segurado deveria ser avisado, por meio de carta registada, de que se não satisfizesse os prémios em dívida o contrato seria considerado insubsistente – não se vislumbra na LCS qualquer regra que imponha a reversão daquela firme orientação jurisprudencial em casos – como é o ora em apreço – em que ambos os cônjuges celebraram o contrato, não sendo qualquer deles, tão-somente “pessoa segura”, pois nele participaram como tomadores-segurados, não obstante a (ou independentemente da) terminologia usada pelos contraentes. O que, aliás, seria incongruente com a lógica de protecção do aderente do contrato, inerente as preocupações que ficaram bem explícitas no preâmbulo do diploma com que foi operada a reforma da lei de dar «particular atenção à tutela do tomador do seguro e do segurado – como parte contratual mais débil (…)», com vista a «alterar o paradigma liberal da legislação oitocentista (…)», com «uma solução de proteção do consumidor, quando o tomador tenha esta natureza».

            O ac. do STJ de 11/12/2018, proc. 3049/15.5T8STB-B.E1.S1:

        1. No contrato de seguro do ramo vida, sendo aderentes os mutuários de financiamento bancário para aquisição de casa própria, a resolução do contrato pela seguradora, por alegado incumprimento do pagamento dos prémios do seguro, deve ser comunicada a ambos os cônjuges.
        2. Sendo tal contrato de seguro resolvido apenas quanto a um dos cônjuges, entretanto falecido por doença incapacitante que despoletaria o accionamento do contrato de seguro pelo banco mutuante tomador e beneficiário do seguro, a quem o risco fora comunicado, pode ser invocada pelo cônjuge sobrevivo, como executado, a validade desse contrato, por não ter sido validamente resolvido, mesmo existindo mora quanto ao pagamento do prémio do seguro.

         […]

            E o acórdão do STJ de 17/10/2019, proc. 293/17.4T8PVZ.P1.S1 [o tomador do seguro era a CGD: os cônjuges eram pessoas seguras, tendo aderido ao seguro em dois boletins; no contrato escreve-se: “Os prémios do seguro são integralmente pagos pelas Pessoas Seguras. No caso de adesões conjuntas, o prémio é pago pela primeira Pessoa Segura”.]:

        1. A adesão de dois cônjuges a um contrato de Seguro de Grupo do Ramo Vida, de natureza contributiva, destinado a cobrir os riscos decorrentes da morte ou de invalidez de cada um deles e a garantir o reembolso da Beneficiária (mutuante na aquisição de uma fração autónoma para ambos) traduz um contrato indivisível do qual emergem interesses recíprocos de ambos os cônjuges aderentes na manutenção dos vínculos contratuais.
        2. Em caso de ocorrência de um sinistro coberto por tal contrato de seguro, o seu acionamento determina para a Seguradora a obrigação de efetuar o pagamento do capital garantido à beneficiária (efeito imediato), mas tem ainda como efeito mediato a liberação da dívida cuja responsabilidade primária foi assumida por ambos os aderentes/segurados, pelo que a qualquer deles aproveita a manutenção da cobertura resultante da adesão do outro.
        3. A interdependência e reciprocidade das referidas adesões saem reforçadas quando se constata que (i) em cada boletim de adesão foi estabelecida a conexão com o outro boletim, (ii) foi estipulado que o pagamento do prémio periódico seria realizado através de débito direto numa conta bancária conjunta e (iii) nos respetivos boletins de adesão foram indicadas moradas diferenciadas para cada um dos cônjuges aderentes.
        4. Nas circunstâncias do caso, verificando-se a mora dos segurados relativamente ao pagamento de prémios de seguro vencidos, a interpelação remetida pela Seguradora a exigir o pagamento, sob a cominação de “anulação” (rectius, resolução) do contrato, deveria ser feita a ambos.
        5. Tendo a referida interpelação com efeitos resolutivos da adesão sido remetida unicamente a um dos cônjuges aderentes (aquele cujo óbito determinou o accionamento do contrato de seguro), a mesma não produziu efeitos na esfera do outro aderente, sendo-lhe reconhecido o direito de exigir da Seguradora o capital garantido.

              Em suma, tivessem sido ultrapassadas todas as outras objecções, mesmo assim o contrato de seguro em causa não podia ser considerado resolvido, porque a resolução não foi comunicada à mulher do 1.º autor apesar de a dívida do pagamento do prémio ser comum (art. 1691/1-b-c do CC) e da responsabilidade de ambos (art. 1695/1 do CC), tendo sido contraída para o pagamento de um empréstimo contraído por ambos e de o contrato de seguro ter sido celebrado também no seu interesse e por sua conta, de ela ser segurada, pessoa segura e beneficiária (residual) do seguro e isto independentemente de, formalmente, ela não ser tomadora do seguro.  

              Não deixe de se dizer que esta conclusão é tão lógica e natural que (i) na sentença se assume, por várias vezes, que o aviso foi feito aos “tomadores” do seguro e (ii) a ré vai “censurando/imputando” o não pagamento quer ao 1.º autor quer à mulher. Por fim, note-se que a seguradora entendeu que tinha que notificar quer o marido, quer o mediador, quer o banco beneficiário, mas já não a principal (ao lado do marido) interessada no seguro (a mulher – segurada, pessoa segura e beneficiária residual), o que demonstra a falta de razoabilidade do procedimento. Como diz Maria Inês Oliveira Martins, anotação citada acima, pág. 81: “[…P]erante o contexto prático da contratação, ambos os segurados esperariam ter um estatuto exactamente paralelo no contrato de seguro. Não o tiveram, sem que a tal tenha correspondido uma vantagem descortinável. Esta diferença de estatuto seria, sim, vantajosa ao segurador, já que o desoneraria em sede de gestão contratual – mormente em sede de deveres de informação, do que o segurador agora se pretende prevalecer […].”

              Entretanto, como outro suporte doutrinal para tudo o que antecede, veja-se a referida anotação ao ac. do STJ de 13/11/2018, de Maria Inês de Oliveira Martins, que fundamenta extensamente a conclusão, entre outras, num caso materialmente idêntico, no essencial, ao dos autos, de que:

         “[… A] cláusula que identifica o tomador em termos de reservar tal qualidade apenas a um dos segurados […] mostra[-se] contrária à boa-fé. Deve, pois, ser reputada nula (art. 12 do RJCCG), integrando-se a lacuna daí resultante de acordo com as regras da boa-fé, considerando-se que ambos os segurados que intervêm no contrato têm, conforme a materialidade a ele subjacente, igual qualidade de tomadores. […]

         […] Assim, tal como o risco é um só para a pluralidade de segurados, a obrigação de pagar o prémio que o compensa é, do ponto de vista da pluralidade de tomadores-obrigados, indivisível. Como tal, só de todos eles poderia o segurador exigir o cumprimento, devendo dirigir-se a todos (art. 535 do CC).” (pág. 85)

              Mas, mesmo no caso de apenas o 1.º autor fosse de qualificar como tomador, tendo a sua mulher a qualidade de segurada não tomadora, a autora lembra que:

         “No que toca aos deveres de informação relativamente à cessação do contrato, rege o art. 108/4, impondo que o segurador comunique a cessação do contrato ao segurado identificado na apólice. […]”

         E “[e]m qualquer caso, a violação deste dever de consideração dá ao segurado o direito de ser indemnizado pelos danos causados, compreendendo, quando a omissão da informação foi causa para a ausência de cobertura para um sinistro entretanto ocorrido, que ao segurador se imputem as consequências danosas.” (pág. 86)

              Por fim, depois de ainda lembrar o art. 111/2 do RJCS que condiciona a revogação do contrato ao consentimento do segurado, diz, mais à frente, que:

         “quando o prémio siga [um] regime […] que compreenda a ocorrência de mora e interpelação para o cumprimento, deve o segurador advertir o segurado da ocorrência da mora […]” (pág. 87)

              E ainda que quando:

         “um segurado não tomador custeia a atribuição de um benefício irrevogável a terceiro, sem que surja no contrato como devedor dos prémios […] deve aplicar-se-lhe também o disposto no art. 204 [do RJCS], permitindo-lhe manter o contrato em vigor nesses termos.” (pág. 87)

(F)

Da não participação do sinistro

              A sentença recorrida tem ainda a seguinte fundamentação subsidiária para a sua decisão da improcedência:

         “Mesmo que assim não se entendesse, a presente acção sempre seria improcedente por o sinistro não ter sido participado à ré, não lhe tendo sido entregue qualquer um dos documentos previstos na cláusula 29 das condições gerais do contrato de seguro, a saber, certidão de nascimento da falecida, documento comprovativo do montante em dívida, certificado de óbito e relatório médico (aliás, nem na própria acção o autor juntou tais documentos, com excepção da certidão de nascimento), impedindo a seguradora de solicitar as informações que entendesse por relevantes, pelo que a presente ação está destinada ao fracasso

         Efectivamente, e conforme decorre do artigo 100/1 do RJCS, a verificação do sinistro deve ser comunicada ao segurador pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo beneficiário, no prazo fixado no contrato ou, na falta deste, nos oito dias imediatos àquele em que tenha conhecimento, acrescentando o nº2 que na participação devem ser explicitadas as circunstâncias da verificação do sinistro, as eventuais causas da sua ocorrência e respetivas consequências.”

              Os autores dizem o seguinte contra isto:

        1. Estando provado que o autor comunicou presencialmente com o mediador e, através deste, por escrito (email), com o representante da ré, os quais nenhum documento lhe pediram, mandando-o embora por alegadamente estar o contrato anulado, cumpriu o autor o seu dever de comunicação, não lhe restando outra alternativa que não a interposição da presente acção, na qual juntou todos os documentos que fundamentam o pedido e todos os que lhe foram solicitados.
        2. Sendo certo que comunicar a eles, seus representantes, para este efeito, é o mesmo que comunicar ao administrador em Lisboa …, conforme artigos 252/6 do Código das Sociedades Comerciais e 258 do Código Civil.
        3. Sendo certo que, de qualquer modo, foi a ré seguramente notificada da morte através dos presentes autos, pelo que não faz qualquer sentido concluir-se que não deve pagar porque não soube…

              A ré responde que:

         Conforme supra referido, a comunicação do óbito faz-se pela apresentação dos comprovativos de tal óbito e da causa do óbito, nos termos do clª 29.º das condições serais do contrato, que os autores nem sequer alegam ter entregue à ré.

         O 1.º autor sabe que nem o mediador de seguro, nem o comercial foi informado e que nenhum deles comunicou à ré o óbito da sua mulher porque a apólice estava anulada por falta de pagamento do prémio de seguro, porque foi disso informado pelo mediador de seguros, como decorre do respectivo depoimento.

         Sendo que, conforme supra referido, nem o 1.º autor ficou surpreendido com tal informação, nem contactou a ré para esclarecer ou reclamar da informação que lhe foi dada.

         Nem o mediador, nem o comercial da ré são representantes ou procurador da ré, nos termos do arts. 252/6 do CCom e 258 do CC.

         A comunicação do óbito pela presente acção não supre a falta de comunicação do sinistro nas condições convencionadas, ou seja, com os documentos comprovativos indicados nas condições do seguro, pois não juntaram qualquer relatório médico no qual se especifique a causa, antecedentes e circunstância em que a morte ocorreu, como se exige na cláusula 29.

              Decidindo:

              Repare-se que não se coloca qualquer questão quanto à ultrapassagem do prazo referido – sendo que os factos que a teriam de sustentar teriam que ter sido alegados e provados pela ré (art. 342/2 do CC).

              A questão que se coloca é a da falta de participação.

              A alteração do ponto 10 dos factos provados faz colocar a questão, agora, ao nível do direito e não dos factos.

              Aquilo que se descreveu no ponto 10 dos factos provados pode ser considerada uma comunicação do sinistro (falecimento da mulher do 1.º autor)?

              A sentença e a ré dizem que não porque foi uma comunicação informal e não foi feita a nenhum representante da ré.

              Quanto à comunicação não há dúvida de que ela foi feita. O facto de ser uma comunicação informal não a torna numa não comunicação. E o art. 100/1 do RJCS não impõe qualquer formalidade. Nem as cláusulas contratuais a impõem. A clª 29/1 diz que a liquidação das importâncias seguras será feita após o envio de todos os documentos, mas não fala sequer na participação/ comunicação do sinistro. Não é verdade, pois, o que a ré diz sobre o assunto: “a comunicação do óbito faz-se pela apresentação dos comprovativos de tal óbito e da causa do óbito, nos termos da cl.ª 29 […]”.

              Mas a ré diz que ela não foi feita a si, a um seu representante.

        Ela foi feita ao mediador e este, por sua vez, comunicou ao seu “comercial”, empregado da ré, mais precisamente “o comercial da seguradora nos Açores” (como consta do facto provados sob 10).

              Os autores qualificam o mediador e o comercial como representantes da ré. Não há nos factos provados referência a qualquer procuração ou qualquer outro documento que atribua poderes representativos formais àqueles mediador e empregado da ré. Nem há outros factos que permitam concluir pela existência de uma relação de representação orgânica entre o “comercial” (empregado da ré) e a ré, já que ele não é seu administrador ou gerente.

              Mas a verdade é que ele é um empregado comercial da ré, mais precisamente o comercial da seguradora nos Açores, a quem o mediador, quando o 1.º autor o informa da morte da segunda pessoa segura, logo informa disso, por e-mail, e que responde à informação dizendo-lhe que o contrato está anulado, que nada há a fazer. Resulta daqui, naturalmente, que este empregado tem poderes fácticos para a prática do acto jurídico do recebimento da notícia do falecimento de pessoas seguras, pois que senão não era a ele que lhe era dada a notícia por uma pessoa ligada à seguradora (o mediador através do qual o 1.º autor e mulher tinham celebrado o contrato de seguro com a ré), nem ele respondia a essa notícia, ou então diria que nada tinha a ver com isso.

              Estamos pois perante a situação do art. 115/3 do Código do Trabalho [= Quando a natureza da actividade envolver a prática de negócios jurídicos, considera-se que o contrato de trabalho concede ao trabalhador os necessários poderes, salvo se a lei exigir instrumento especial.] ou seja, perante aquilo a que Pedro Leitão Pais de Vasconcelos chama de “representação institória”, que “resulta de uma estrutura baseada na preposição”:

         “[…A] a partir de 1966 o contrato de trabalho passou a ser fonte de poder de representação autónomo […] A técnica usada na legislação laboral para relacionar o poder de representação com o contrato de trabalho foi, no entanto, completamente diferente da usada no Código Civil […] Os contratos de trabalho que tenham por objecto a prática de actos jurídicos têm – necessariamente – poderes de representação para a prática desses actos. Ou seja, se alguém for trabalhador, tem poderes de representação para os actos para cuja prática foi contratado, quer tais poderes resultem ou não do contrato. Estes poderes de representação não decorrem directamente da vontade do empregador (representado), mas antes do regime legal do art. 115/3 do CT [defendendo que estes poderes de representação decorrem da lei, Leitão, Luís Menezes, Direito do Trabalho, 5.ª edição, Almedina, 2016, pág. 267.] Claro está que o empregador pode querer conceder esses poderes, e pode mesmo declarar essa vontade. Mas no que respeita ao conteúdo do contrato, a vontade é irrelevante para a existência de poderes de representação. Estes resultam do contrato, quer as partes o queiram quer não” (A preposição, representação comercial, 2017, Almedina, págs. 328-329].

              Pelo que, sempre se pode dizer que o comercial da ré nos Açores era pelo menos um representante da ré para efeitos de receber a comunicação do sinistro, pelo que se pode dizer que a comunicação foi feita e o foi à ré.

              Ao mesmo resultado se chegaria com base nas ideias do estudo fundamental de Oliveira Ascensão e Carneiro da Frada, Contrato celebrado por agente de pessoa colectiva. Representação, responsabilidade e enriquecimento sem causa, RDE 1990/1993, págs. 43-77, e com base nos acórdãos do STJ e estudo de Pedro Romano Martinez referidos pelos recorrentes no ponto 32 das alegações, com base na representação aparente da ré pelo seu comercial (não do mediador, como na tese dos recorrentes por não haver factos provados suficientes para o efeito).

              Mesmo que, de novo a benefício da discussão, se desconsiderasse isto, sendo o mediador elemento material e o comercial da ré nos Açores elemento material e formal da empresa da ré, o facto de através daquele ter chegado a este o conhecimento do sinistro, corresponde também à situação prevista no art. 224/1 do CC, pelo que teria havido uma comunicação eficaz; e seria assim mesmo que essa comunicação não tivesse sido recebida pela ré oportunamente, devido à actuação daqueles elementos (art. 224/2 do CC).

              Assim, por exemplo, Carlos Ferreira de Almeida, Contratos I, 2015, 5.ª edição, Almedina, págs. 111-113, “combinando as ideias subjacentes a estas disposições [art. 231 do CPC ≈ 223 do CPC na redacção de 2013] com a ideia de “chegada ao poder” constante do art. 224 [do CC], conclui, entre o mais: “que a comunicação a empregados do destinatário, sejam ou não representantes deste, efectuada no local onde o destinatário (pessoa jurídica ou colectiva) exerce a sua actividade, vale normalmente como chegada ao seu poder.”

              Isto também tendo em conta que o devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor (art. 800/1 do CC).

              Ao mesmo resultado se chegaria com base na consideração de que “a sociedade […] deve organizar-se de um modo adequado a garantir, não só a justa realização dos seus interesses, como a indução da menor perigosidade possível no comércio. Ao próprio fenómeno da personificação está, portanto, associado um dever de organização adequada da pessoa colectiva: esta deve adoptar aquela organização que lhe permita actuar no comércio, garantindo a menor perigosidade de actuação” […] E “[…] o dever de adoptar uma organização adequada à natureza da sua actividade traduz-se (também) num dever de organização do conhecimento. Esta concretiza-se não apenas em deveres de indagação, de arquivo e de transmissão de informação, mas também num dever de tratamento (ou gestão interna) da informação”; “[…] “A imputação do conhecimento, por recondução dogmática ao risco de organização, determina a imputação à sociedade do risco da ignorância dos factos. […]” – José Ferreira Gomes e Diogo Costa Gonçalves, A imputação de conhecimento às sociedade comerciais, de Almedina, 2016, págs. 79, 131-132 e 134 e também o caso do §16, páginas 108-113, obra entretanto recenseada num artigo de Rui Soares Pereira, Levando a sério o risco de organização como critério de imputação de conhecimento às sociedades comerciais, publicado na Revista de Direito comercial on line em 19/01/2018, que, a págs. 106-107, lembra o critério seguido por aqueles dois autores: “o conhecimento é imputado à sociedade não só quando aquele que atua por sua conta conhece, mas também quando, por culpa de organização, esse conhecimento não lhe foi transmitido” (p. 17), bem como, a págs. 108, que “sempre que a organização das sociedades comerciais disponha de informação relevante e que poderia ter sido conhecida caso tivessem sido adoptadas formas adequadas de tratamento da informação, os riscos de fragmentação de informação (de imputação de conhecimento) correm por conta das mesmas sociedades (pp. 74-75).”

              Assim, se os serviços da ré estivessem organizados de tal modo que não se pudesse dizer que uma comunicação feita por um mediador da ré a um comercial da ré nos Açores tinha chegado ao poder da ré; ou, dito de outro modo, se esses serviços estivessem organizados de tal modo que ao 1.º autor não bastasse ir ter com o mediador assegurando-se que este contactava com o comercial da ré nos Açores, para se poder dizer que tinha contactado com a ré informando-a do falecimento da sua mulher, tal teria de correr por conta da ré, com base na ideia da esfera do risco da empresa ou no risco da organização.

              [outras referências a isto, de outras perspectivas, podem ver-se, por exemplo, em:

              – Paulo Mota Pinto, Declaração tácita e comportamento concludente no negócio jurídico, Almedina, 1995, a propósito do desconhecimento das declarações chegadas ao poder do receptor, que fala na culpa da organização (págs. 684 e 712 e nota 8 da pág. 738: trata-se de riscos específicos de uma organização comercial com divisão do trabalho, que não devem ser transferidos para a outra parte);

             – Jorge Sinde Monteiro, Ofensa ao crédito ou ao bom nome, “culpa de organização” e responsabilidade da empresa, publicado na Revista de legislação e jurisprudência, ano 139.º, 3959, Maio 2010, que fala no dever, delitualmente relevante, dos titulares das empresas organizarem internamente a própria esfera jurídica de molde a, na medida do possível, evitar a causação de danos a terceiros, dai derivando uma responsabilidade do titular por culpa de organização empresarial;

              – Carolina Cunha, Letras e livranças, Paradigmas actuais e recompreensão de um regime, Almedina, Março de 2012, quando defende que cabe à instituição organizar-se de forma a que situações anómalas ou suspeitas sejam detectadas e se tomem as medidas convenientes para as esclarecer (pág. 591, nota);

              – Maria da Graça Trigo, Responsabilidade civil delitual por facto de terceiro, Coimbra Editora, Maio de 2009, quando se refere à teoria da “culpa pela organização” (págs 197 a 201);

              – Marcelo Rebelo de Sousa, Responsabilidade dos Estabelecimentos Públicos de Saúde: Culpa do Agente ou Culpa da Organização? Direito da Saúde e Bioética, AAFDL, 1996, 147 a 185, que prefere a expressão ilícito de serviço;

              – Diogo Pereira Duarte, Aspectos do Levantamento da Personalidade Colectiva nas Sociedades em Relação de Domínio – Contributo para a Determinação do Regime da Empresa Plurissocietária, Almedina, 2007, quando defende “a autoria mediata por domínio da organização”]

                                                                 *

                                          Ainda da não participação

              Quanto à falta de entrega de outros elementos, com referência à cláusula 29 das CG do seguro e ao art. 100/2 do RJCS:

              Já acima se referiu que a cl.ª 29 fala daquilo que é necessário para a liquidação da importância segura, não daquilo que deve ser enviado com a participação.

              Seja como for, o 1º autor foi ter com o mediador de seguros através do qual tinha celebrado o contrato e deu-lhe conhecimento do falecimento, com o fim de saber o que havia de fazer a seguir, e este mediador informou esse falecimento por e-mail ao comercial da seguradora nos Açores, empregado da ré, que lhe respondeu que o seguro estava anulado pelo que não havia nada a fazer, o que o mediador transmitiu ao 1.º autor.

              Ou seja, o 1.º autor fez o que seria normal fazer: foi ter com o mediador para saber, em concreto, o que tinha de fazer. Não dizendo o contrato como é que a participação devia ser feita – a extensa cl.ª 29 do contrato de adesão fala das formalidades da liquidação, não da participação –, e não o fazendo também, de forma concretizada, o art. 100/2 do RJCS, nada de censurável ou de anormal tem o facto de ele não saber o que fazer para activar o seguro. Ora, a seguradora – através dos meios da sua organização – em vez de lhe responder a isso, limitou-se a dizer-lhe que o seguro estava anulado pelo que nada havia a fazer.

              Perante esta resposta da seguradora (da sua empresa/organização, dos auxiliares que usa para o cumprimento das obrigações decorrentes de uma relação obrigacional complexa), é ela que coloca o 1.º autor em condições de não poder completar a participação do sinistro com outras informações que a seguradora entendesse que ele tinha de prestar.

              É pois à esfera de risco da seguradora que é de imputar o não cumprimento da obrigação nos termos que ela entende que devia ser cumprida. No mesmo sentido, veja-se a regra de que “o credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não […] pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação” (art. 813 do CC), tendo ainda por base as regras da boa-fé no cumprimento das obrigações e no exercício dos direitos (art. 762/2 do CC).

              Assim, a ré não pode opor aos autores a falta de outros elementos que ela entende ser necessário serem juntos à participação do sinistro que foi feita como já demonstrado.

                                                                 *

              Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se a sentença recorrida que se substitui por esta que condena a ré a pagar ao BST-SA, o montante ainda em dívida à data da petição inicial, e respectivos juros de mora, referentes ao empréstimo contraído pelo 1º autor e pela mulher junto daquele banco (então D).

              Custas, da acção e do recurso, na vertente de custas de parte (não existem outras) pela ré (por ser quem perde a acção e o recurso).

              Lisboa, 11/12/2019

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.ª Adjunto